Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0336674
Nº Convencional: JTRP00035726
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ALIMENTOS
MENOR
SEGURANÇA SOCIAL
FAMÍLIA
Nº do Documento: RP200402050336674
Data do Acordão: 02/05/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T F M PORTO 3J
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Para o efeito do cálculo da capitação do rendimento do agregado familiar onde se insere o menor, a que alude o artigo 3 do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio deve atender-se aos rendimentos recebidos pelo avô do menor com quem a progenitora vivia desde que ele faça parte do núcleo da sociedade familiar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

No 3º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal de Família e Menores do Porto, Sílvia... instaurou contra Luís..., processo de regulação do poder paternal relativamente ao filho de ambos, Ivo....

Teve lugar a conferência a que alude o artº 175º da O.T.M., na qual foi proferida, em 09.03.2000, sentença homologatória do acordo a que requerente e requerido chegaram relativamente ao objecto do processo, no qual, além do mais, ficou a constar que o requerido passaria a contribuir a título de alimentos ao filho Ivo na quantia mensal de 15.000$Euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês, através de vale postal, com início em Abril do ano em que tal acordo se processou (2000)--cfr. fls. 15 e 16.

Em 12.06.2002 (cfr. fls. 67) foi homologado novo acordo, nos termos do qual o requerido se obrigou a pagar a título de alimentos ao filho menor a quantia de 75 Euros mensais, acrescida de 25 Euros mensais, durante 81 meses, a título de prestações em dívida.
Não foi possível obter o pagamento das prestações de alimentos fixadas e vencidas através do recurso aos meios previstos no artº 189º da OTM.
A fls. 131 veio a requerente pedir a notificação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para assegurar o pagamento da pensão de alimentos ao menor Ivo..., nos termos do disposto no Dec.-Lei nº 164/99, de 13.05.

Entretanto foram feitas diligências junto do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores com visando a obtenção de tais alimentos ao menor Ivo.
Para tal, foi solicitado ao ISSS Relatório Social relativamente às necessidades do menor Ivo..., bem assim à composição e situação económica do agregado familiar em que se insere, Relatório esse que consta de fls. 137 ss.

Face ao aludido Relatório Social e demais diligências efectuadas que se julgaram pertinentes, o Mº Público emitiu parecer manifestando-se contra o pedido de pagamento da prestação alimentícia através do aludido Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a menores (cfr. fls. 148).

Foi, então, proferida decisão indeferindo-se o requerido, por se entender não estarem verificados os pressupostos previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 75/98, de 19.11 e artº 3º do Dec.-Lei nº 164/99, de 13.05 (cfr. fls. 149/150).

Inconformado com esta decisão, a requerente interpôs recurso, apresentando as pertinentes alegações que concluiu nos seguintes termos:

"O avô do menor não integra o conceito de agregado familiar da recorrente composto por esta e pelo seu filho menor, constante do artº 3º, nº 2 do Dec.-Lei nº 164/99, de 13.05
II - A pensão que o avô do menor aufere, não poderá ser levada em linha de conta, para o cálculo da capitação do rendimento do agregado familiar a que alude o artº. 3º. do D.L. 164/1999 de 13.05.
III - Sobre o avô do menor não recai qualquer obrigação legal de alimentos, mas apenas uma obrigação moral, que este na medida das suas possibilidades, presta ao menor e à sua filha.
IV - É aos pais do menor, não ao avô, quem cabe a manutenção, educação e exercício do poder paternal dos seus filhos (Artº. 36º. nº 3 da C.R.P.; artº. 2009º. nº 2 e 1901º. nº. 1 do Cód. Civil).
V - A admitir-se o conceito de agregado familiar constante do despacho recorrido, estar-se-ia a impor por via indirecta e reflexa uma obrigação de alimentos por parte do avô ao menor.
VI - A definição de agregado familiar, constante do art. 3º. nº 4 do I.R.S., não integra os ascendentes, daí que no caso concreto não possa o avô do menor ser considerado parte do agregado familiar constituído pela recorrente e pelo menor.
VII - O douto despacho em crise violou, entre outras, as disposições constantes dos artºs. 1º. e 2º. da Lei 75/98 de 19.11; art. 3º. do D.L. 164/99 de 13.05; artº. 36º. nº. 3 da C.R.P. e artºs. 2009º. nº. 1 e 1901º. nº 1 do Cód. Civil.
VIII - Como tal, deverá ser substituído, por douto acórdão, que ordene o pagamento das prestações de alimentos devidas ao menor, através do Fundo de Garantia de Alimentos da Segurança Social.


Nestes termos e nos mais de direito doutamente supridas por Vossas Excelências, deve o presente Recurso de Agravo ser julgado totalmente procedente, e, em consequência, substituído o douto despacho em crise, por douto acórdão que ordene o pagamento das prestações de alimentos devidas ao menor, através do Fundo de Garantia de Alimentos da Segurança Social."

O Mº Público contra-alegou sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. Os factos a reter para o conhecimento do recurso constam já do relatório supra, pelo que nos dispensamos de os repetir, sem prejuízo de se fazer uma mais desenvolvida e pormenorizada referência, aquando do tratamento da questão ou questões que aqui importa solucionar.

II. 2. OS FACTOS E O DIREITO:

Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
-- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
-- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

são as seguintes as questões a resolver:
* Se para efeitos do cálculo da capitação do rendimento do agregado familiar onde se insere o menor , a que alude o artº 3º do DL nº 164/99, de 13.05, deve, ou não, atender-se, não só à remuneração da progenitora, mas, também, aos rendimentos recebidos pelo avô do menor com quem aquela e o menor vivem.

Quid juris?

Nos termos do disposto no artº 1º da Lei nº 75/98, de 19.11, "quando a pessoa judicialmente obrigada alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pela formas previstas no artº 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27.10, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação."
Nos termos do nº 2 do artº 2º da mesma lei, o montante da prestação garantida pelo Estado é determinado judicialmente, atendendo, entre outros factores, à capacidade económica do agregado familiar.

Por sua vez, o Dec.-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, veio regulamentar e dar execução à citada Lei Lei nº 75/99, de 19.11 (cfr. artº 7º desta Lei).
Assim, o artº 3º, nº1, do citado Dec.-lei nº 164/99 veio definir o pressuposto referido no artº 1º da Lei nº 75/99, de que o alimentado não «beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre", da seguinte forma:
"Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário"- sublinhado nosso.

Teremos, assim, que averiguar qual o sentido de "agregado familiar" pressuposto pelo legislador naqueles diplomas legais.

A recorrente, apelando, até, à definição de agregado familiar contida no Cód. do IRS artº 13º, nº4)-- que não alvejamos ter qualquer utilidade ou paralelismo na situação sub judice, diga-se, desde já, face aos princípios e interesses subjacentes--, sustenta que naquele conceito jamais se pode incluir o avô do menor, antes tal agregado para efeitos do cálculo da apontada capitação de rendimentos tão só pode ser integrado pela requerente e pelo seu filho menor.
Não cremos, porém, que a questão seja tão líquida como à primeira vista pode parecer.

O direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral, vem consagrado na CRP (artº 69º), o que implica a imposição ao Estado dos deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Daqui o direito a alimentos, decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artº 24º CRP).
Tem-se verificado um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, designadamente no que respeita ao dever de alimentos- por inúmeras razões, que aqui não importa descriminar--, por vezes inviabilizando-se o cumprimento desses mesmos deveres. E daqui que o Estado se tenha visto na contingência de criar mecanismos capazes de assegurar o direito a alimentos, na falta de cumprimento da obrigação dos obrigados aos mesmos.
Assim surgiu uma nova prestação social com a Lei nº 75/98, de 19.11, assim se avançando significativamente na direcção (certa) do reforço da protecção social que os menores exigem e lhes era devida.

Voltando ao caso sub judice, questiona-se se o conceito de "agregado familiar" previsto pela lei para a satisfação pelo Estado dos alimentos aos menores deve ser entendido com um sentido ou com rigor estrito e técnico, ou antes, com uma diferente e maior amplitude.
A questão tem relevo não só aqui, como também, v.g., nas situações das uniões de facto, onde, aí sim, é de capital importância a apreciação e correcta definição daquele conceito, designadamente aferir se o mesmo deve ser visto (estritamente) à volta da definição de família de acordo com as fontes de relações familiares previstas no artº 1576º do Cód. Civil, ou, antes, ter uma leitura mais abrangente, tendo em conta a evolução sociológica (sobre esta última situação, pode ver-se o Prof. Pereira Coelho, in R.L.J. , ano 120º-82 ss).
Este insigne Professor (ob. e loc. cits.), refere que a família constitucionalmente protegida -- no artº 67º da CRP- não é só a do casamento, mas ainda a natural, a adoptiva e ainda a união de facto - se bem que esta última tenha «um conteúdo incomparavelmente mais pobre que a relação matrimonial». Nem a tanto fará obstáculo, como refere o mesmo Professor «o disposto no artº 1576º do CC, pois o elenco das relações familiares constantes deste preceito, que mantém a redacção de 1966, poderá considerar-se alterado pela evolução legislativa e jurisprudencial posterior»-- sublinhado nosso.
Transpondo estes ensinamentos para o caso sub judice, logo concluímos que o conceito de agregado familiar que está subjacente, designadamente no campo da segurança social, não deve ser visto de forma ou no sentido estrito, puramente técnico, das "fontes das relações jurídicas familiares" constantes do art. 1576º do CC, mas no sentido muito mais amplo.
Não curou aqui o legislador de saber a fonte de onde brota o agregado familiar do menor. Quis saber, sim, como funciona esse agregado familiar e quem o compõe - entendido em termos amplos, como uma comunidade de interesses, motivações, finalidades, com comparticipação, não só de casa (mesa e habitação) mas, também, nas despesas daquele núcleo, ligado, não só por relações jurídico-familiares estritas, ou tecnicamente entendidas, mas por muito mais.
Ou seja, o que importa, para efeitos de saber se o avô do menor faz, ou não, parte do agregado familiar a considerar para efeitos dos aludidos diplomas no âmbito do direito da segurança social, é saber se tal pessoa - que por acaso é um familiar, mas que podia ser alguém não ligado por laços de parentesco-- se integra no núcleo de pessoas ligado entre si pelos interesses e valores referidos, núcleo esse de que faz parte a pessoa a cuja guarda se encontra o menor Ivo..., no caso a sua mãe, ora requerente.
Se se integrar em tal núcleo, o seu rendimento entra para a aludida capitação de rendimentos do agregado familiar em questão; não se integrando, não deverá ser considerado.
Portanto, o agregado familiar vai muito além da previsão decorrente do citado artº 1576º do CC. Basta, aliás, pensar na situação de o menor ficar à guarda de terceira pessoa, que não os progenitores. É manifesto que, também aqui, esse terceiro não pode deixar de ser tido em consideração para efeitos do conceito de agregado familiar que ora nos ocupa.

Face à prova efectuada, não temos dúvidas em afirmar que o avô do menor se integra, efectivamente, naquele núcleo. Não apenas por ser avô do menor; não apenas por habitar a mesma habitação. Antes o faz por fazer parte dessa verdadeira comunhão de interesses de índole vária, designadamente, e em especial, de ordem patrimonial, comparticipando sem reservas nas despesas (embora não seja obrigado a tal), numa verdadeira comunhão de mesa e habitação, em perfeita economia comum.


Na decisão recorrida, decidiu-se indeferir o requerido por se entender que se não verificam os pressupostos previstos nos diplomas legais supra referidos.
Para esta conclusão teve tão só em conta que "a requerente e o menor vivem com o avô, sendo que o valor da capitação a determinar tem de considerar também o valor da pensão de reforma deste, o que ultrapassa em muito o salário mínimo nacional".

Se temos como acertada a decisão final a que o tribunal a quo chegou - já não concordamos com a fundamentação singela a que recorreu.
Efectivamente - como dissemos supra - temos para nós seguro que não basta para a consideração do rendimento do avô do menor na aludida capitação, o facto de o mesmo viver na mesma casa. É preciso o mais que supra se apontou.
Ora, in casu, efectivamente, parece evidente que está assente nos autos factualidade muito mais vasta do que aquela que vem referida na fundamentação do despacho recorrido.
Na verdade, dos relatórios dos inquéritos elaborados pelo ISSS -- ao abrigo do disposto no artº 4º, nºs 1 e 2 do DL 164/99, de 13.05 --, juntos aos autos (cfr. fls. 121 ss e 137 ss.), resulta assente o seguinte:
* Só com muita relutância foi possível aos técnicos da Segurança Social entrevistar a requerente Sílvia (cfr. fls. 139, onde se refere que foram feitas várias diligências para tal, desde visitas domiciliárias, convocatórias, uma registada e contacto telefónico; foi muito parca na amostragem aos mesmos técnicos de documentos identificativos da situação económica do agregado familiar - não se compreendo esta atitude, antes parecendo ter algo a esconder àqueles serviços.. !!);
* Coabitam os três (requerente, menor e avô deste) na habitação pertença deste último, "com razoáveis condições de habitabilidade".
* A requerida aufere o salário mensal de 653.17 euros, o seu pai (avô do menor) recebe de reforma mensal de 1.446.51 Euros e o menor aufere o subsídio familiar mensal de crianças e jovens.
* É o pai da requerente, com ela convivente, que assume "todas as despesas (habitação, luz, água, gás, telefone, alimentação)", "embora a progenitora colabore com cerca de € 100/mês para a compra de géneros alimentares". A progenitora tão só apresentou despesas com o filho menor no valor de 14,03 € /mês (com a educação) - o que parece significar que todas elas (ou quase) são custeadas pelo avô...
* O menor manifesta carinho e bem estar para com a progenitora e seu avô (cfr. fls. 141), sendo que este vem condjuvando a progenitora na estruturação do projecto de vida do menor, instituindo-se o avô como figura "extremamente significativa para o menor" (fls. 122).
* Concluiu-se no dito relatório que "o jovem está perfeitamente integrado na família, a qual tem condições económicas para proporcionar a satisfação das necessidades básicas" (fls. 141) - sublinhado nosso.

O dito relatório dos técnicos da segurança social é, como tal, bem elucidativo do que referimos supra: o menor, a progenitora e o seu avô integram-se num núcleo familiar unido, em perfeita comunhão de motivações e interesses, maxime nas despesas- não se provou haver qualquer economia autónoma da mãe do menor e deste, relativamente à economia do pai e avô, respectivamente --, não se alvejando razões para não incluir o avô do menor no conceito de "agregado familiar" subjacente aos ditos diplomas e, como tal, para que o seu rendimento não deva ser, também, considerado para efeitos daquela capitação do agregado familiar.

Como a posição que ora tomamos pressupõe a verificação do aludido núcleo (familiar) de interesses - economia comum--, parece manifesto que (a qualquer momento - até pela natureza deste tipo de processos) deixando o mesmo de existir, poderá, então, ser o Estado chamado à colação, para se responsabilizar o aludido Fundo de Garantia, verificados que estejam os pressupostos inicialmente referidos. Isto sem se esquecer que o Fundo não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor, antes proporcionar uma prestação a forfait de um montante por regra equivalente - ou menor - ao que fora fixado judicialmente (Remédios Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), pág. 221).
Acentue-se que tal obrigação do fundo reveste natureza subsidiária, pois é seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no artº 198º da OTM. O Estado substitui-se ao devedor, não para pagar as prestações que este deva, mas para assegurar os alimentos de que o menor precise.

Uma nota final:
Cremos que nos ditos diplomas se teve em consideração, para trazer à colação o salário mínimo nacional, o rendimento efectivamente auferido independentemente do montante das despesas suportadas pelo agregado em causa.
Ou seja, para o cálculo da capitação relativa ao agregado do menor alimentando, nada permite concluir que se haja de apurar o respectivo rendimento após a dedução das despesas consideradas normais e inerentes à vida familiar.
"o que se compreende, atenta a margem de discricionaridade que a qualificação das despesas relevantes para operar uma tal dedução necessariamente viria trazer a um regime cuja aplicação o legislador (certamente no intuito de prevenir abusos) pretendeu imprimir algum rigor" (Ac. Rel. Lisboa de 18.01.2001, na Internet, em DGSI, doc. nº RL2001011800104618).


Embora a jurisprudência sobre a matéria não seja abundante, no sentido aqui explanado pode ver-se -- embora não com o mesmo âmbito aqui defendido - o Ac. da Rel. de Guimarães de 20.11.2002, no processo nº 867/2002, onde se escreveu o seguinte:
"Assim, quando o menor tem assegurada a sua subsistência no agregado familiar em que está inserido, pelo facto deste ter um rendimento superior ao salário mínimo nacional, por cabeça, nos termos do artigo 3º, nº2 do Dec.-lei nº 164/99, de 13.05, o Estado não deverá intervir com esta prestação, apesar de haver incumprimento do devedor de alimentos.
Isto porque, primeiramente deve intervir a família, por força dos vínculos familiares que criam deveres de alimentos.
Vigora o primado da responsabilidade familiar, pelo sustento dos elementos do seu agregado familiar, e, só, excepcionalmente, o Estado intervém, no caso da sociedade familiar, em que o menor se insere, não puder suportar a subsistência do menor, face à sua situação económica".

No caso sub judice, o agregado familiar em que se insere o menor - entendido esse "agregado" nos sobreditos termos - permite uma capitação de rendimentos dos seus membros superior ao salário mínimo nacional, assim se assegurando a subsistência do menor. Como tal, não se impõe a intervenção do Estado para assegurar os alimentos que incumbiam ao progenitor faltoso.


EM CONCLUSÃO:

O rendimento do avô do menor, com quem este e a progenitora vivem, em casa ao primeiro pertencente, em comunhão de mesa e habitação, numa economia comum -- inexistindo qualquer economia autónoma da progenitora do menor e deste, relativamente à economia do pai e avô, respectivamente --, numa verdadeira motivação e comunhão de interesses patrimoniais (maxime comparticipando nas despesas) e não patrimoniais, deve ser considerado para o cálculo da capitação do rendimento do agregado familiar onde se insere o menor, a que alude o artº 3º do Dec.-Lei nº 164/99, de 13.05.


III. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo, confirmando - embora com diferente fundamentação - a decisão recorrida.

Custas a cargo da requerente.

Porto, 5 de Fevereiro de 2004
Fernando Baptista Oliveira
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha