Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0546561
Nº Convencional: JTRP00039214
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: PROVA PERICIAL
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP200605240546561
Data do Acordão: 05/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 225 - FLS 38.
Área Temática: .
Sumário: A falta de notificação ao arguido do despacho que ordena a perícia integra mera irregularidade do artº 123º, nº 1, do CPP98.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto:

I – Relatório:

I – 1.) Na comarca de Vila Real, foram os arguidos B………., C………. e D………., submetidos a julgamento em processo comum, com a intervenção de tribunal singular, acusados pelo Ministério Público da prática, em co-autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, e 108.º do DL n.º 422/89, de 02/12, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 02/12, e ainda de quatro contra-ordenações, duas previstas no art. 46.º, n.º 1, al. e), do DL n.º 316/95, de 28/11, por exploração de máquinas de diversão sem a respectiva classificação pela Inspecção Geral de Jogos, e duas p. e p. pelo art. 46.º, n.º 1, al. f), deste mesmo diploma legal, pela exploração de máquinas de diversão sem a respectiva licença de exploração.

Efectuado aquele e proferida a sentença, foi decidido para além do mais:

- Julgar prescritas as contra-ordenações imputadas;
- Absolver o arguido B………. da prática do crime de exploração ilícita de jogo.
- Condenar os arguidos C………. e D………. em função da co-autoria no mencionado crime (p. e p. pelos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, e 108.º do DL n.º 422/89, de 02/12, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 02/12, na pena de 4 meses de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de 3 (três) euros, num total de 180 (cento e oitenta) euros, para cada um dos arguidos C………. e D………..
Converteram-se as penas de prisão acima fixadas em equivalente penas de multa, pelo que estas se fixaram, a final, em 180 dias de multa, à taxa diária de € 3, num total de € 540 (quinhentos e quarenta euros), para cada um dos referidos arguidos.

I – 2.) Inconformados com o assim decidido, recorreram os mencionados arguidos C………. e D………., para o efeito sustentando as seguintes conclusões:

1.ª - São duas as razões pelas quais os arguidos não se conformam com a douta sentença, em primeiro lugar não se conformam com o modo como parte da prova foi obtida, em seguida com a interpretação do douto Tribunal sobre a prova produzida.
2.ª - Sobre a prova resulta dos autos que as máquinas de jogo apreendidas foram sujeitas a peritagem - peritagem essa determinante na convicção do MM Juiz que proferiu a sentença agora em crise.
3.ª - Ora nos termos do art. 154.º do CPP o despacho que ordenou a perícia deveria ter sido notificado ao arguido a fim de o mesmo poder nomear consultor técnico e este assistir ao dito exame, ou até formular quesitos e pedir esclarecimentos, o que não aconteceu.
4.ª - Igualmente não foi dado conhecimento ao arguido de quem foi nomeado perito para essa perícia sendo certo que atenta a natureza da perecia em causa o arguido gostaria de saber quem iria fazer essa peritagem, quais as suas habilitações, para poder aferir não só das suas capacidades técnicas como igualmente da credibilidade e ou imparcialidade.
5.ª - Só em plena audiência de julgamento acabou o arguido por descobrir que o perito que realizou esta peritagem não possui nenhuma destas qualidades: sendo um jurista, sem qualquer formação em informática/electrónica e funcionário da Inspecção-Geral de Jogos entidade que ordenou a apreensão das mesmas.
6.ª - Deveria tal perícia ter sido notificada ao arguido para que o mesmo pudesse estar presente na mesma ou nomear consultor técnico bastante, bem como deveria ter sido nomeado previamente de quem, e porquê, seria nomeado perito.
7.ª - Não o sendo, como não foi, tal perícia tem de ser declarada nula, por a mesma ter sido realizada em claro atropelo aos direitos processuais do arguido, nos termos do art. 155.º e 119.º do Código Processo Penal.
8.ª - Declarando-se nula a perícia efectuada e uma vez que as máquinas em causa estão ainda na posse do Ministério Público, e dada a influencia que uma peritagem regularmente efectuada terá no desenrolar de todo o processo, nomeadamente no apuramento da verdade deve o julgamento ser anulado com as legais consequências.
Sem prescindir:
9.ª - Igualmente não aceita o arguido, porque tal não é verdade e porque tal não resultou da prova produzida em audiência - basta para tal concluir ouvir as cassetes que retratam a prova produzida - que se dê como provado que "Os arguidos C………. e D………., bem sabendo a natureza e tipo de maquinas eu tinham e colocavam à exploração perante o publico, quiseram explorar economicamente o funcionamento de máquinas cujos jogos desenvolviam temas e apresentavam resultados que em nada dependiam da perícia dos jogadores, mas antes da formula aleatória derivada de um programa informático" .
10.ª - Na verdade como uma audição da prova produzida demonstra a saciedade nenhuma testemunha afirmou, ou sequer referiu que estes tivessem conhecimento da ilicitude dos jogos em causa, resultando do depoimento das testemunhas ouvidas uma outra realidade bem diferente, ou seja resulta claramente que o arguidos, por vários factores - experiência profissional, conhecimento de outras decisões judiciais, etc. - consideravam, como consideram que os jogos em causa dependem mais da perícia do jogador que da sorte.
11.ª - Porque dos depoimentos produzidos não se pode concluir que os arguidos tivessem conhecimento que as máquinas em causa desenvolviam jogos ilícitos, tal não pode considerar-se provado, devendo este facto ser excluído dos factos provado.
12.ª - Ora não se tendo provado tal facto, como não se provou nunca por nunca podem os arguidos ser criminalmente responsáveis e em consequência condenados por tal facto.
13.ª - Mas face à prova produzida em audiência entendem os Recorrentes que nem sequer se pode considerar que os jogos em causa são ilegais porquanto ninguém conseguiu demonstrar - apesar de terem tido tal oportunidade - que o desenvolvimento e resultados daqueles temas de jogo dependiam da sorte independentemente da perícia do jogador.
14.ª - Igualmente não se compreende à luz da normalidade o raciocínio usado na sentença a quo para condenar o arguido uma vez que o mesmo assenta factos falaciosos e erradamente interpretados conforme se expõe na fundamentação supra.
15.ª - Conforme se comprova pela reanálise da prova produzida em audiência, esta não conduz às conclusões tiradas pelo Tribunal a quo mas sim à inversa, sendo que em caso de dúvida deveria sempre o Tribunal absolver os arguidos ou em ultima análise ordenar a produção de novas diligências probatórias.
16.ª - Mas conforme supra se disse, da reanálise da prova produzida resulta claramente que durante todo o julgamento não houve uma única prova que leva-se a concluir que os jogos em causa dependiam da sorte - bem pelo contrário uma vez que o próprio relatório pericial refere que a intervenção do jogador é determinante no desenrolar do jogo, pelo que não se entende como se pode dar como provado que os jogos em causa são ilegais.
17.ª - Deste modo porque da prova produzida, cuja reanálise se pede, não resulta minimamente que os arguidos tenham cometido os crimes de exploração ilícita de jogo.
18.ª - Violou a douta sentença agora em crise os art. 1.º, 3.º, n.º 1 e 108.º do Decreto Lei n.º 422/89 de 02 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto Lei n.º 10/95 de 02 de Dezembro, os art. 155.º e 119.º e 410.º do CPP e ainda o art. 483.º e segt.s do CC, o que acarreta a sua nulidade.

Termos em que julgando procedente o recurso deve a presente sentença ser substituída por outra em que sejam os arguidos absolvidos dos crimes de que vem acusados.

I – 3.) Na sua resposta, o Digno magistrado do Ministério Público concluiu por seu turno:

1.ª - A omissão de notificação para comparência ao exame pericial não configura qualquer das nulidades tipificadas nos art.ºs 119.º ou 120.º, do Código (Processo) Penal, tratando-se tal eventual omissão de mera irregularidade;

2.ª - Tal notificação para comparência a exame não pode ser feita a pessoa diferente do arguido e só a este na qualidade de arguido, sendo que a acção destes no sentido de se escusar a serem contactados pelos órgãos de polícia criminal no sentido de serem chamados à responsabilidade pelos factos é circunstância impeditiva de tal notificação ou da possibilidade tal notificação;

3.ª - Não se vê razão para que, tendo o arguido repetidamente fugido à sua responsabilização, a perícia devesse ser adiada ou sustada até que o arguido pretendesse apresentar-se às autoridades, como tinha dever de fazer;

4.ª - Os arguidos nunca invocaram qualquer irregularidade de omissão de notificação, mesmo depois de saberem da sua realização;

5.ª - Atento o teor dos relatórios periciais, nada nos autos leva a concluir que não tenham sido realizados por pessoa capaz, indicada pela Inspecção-Geral de Jogos e nomeada pelo Ministério Público;

6.ª - A impugnação ou recurso sobre a da matéria de facto impõe a indicação dos trechos, bem como a transcrição integral da prova, comportamento omitido pelos arguidos, pelo que no que repita á matéria de factos, o recurso sai prejudicado e não pode ser apreciado.

Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida.

II – Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de considerar que o recurso se restringe à matéria de direito e de que o mesmo não merece provimento.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a audiência com observância do legal formalismo.

Cumpre apreciar e decidir:

III – 1.) Tal como é sabido, são as conclusões que definem e delimitam o objecto do recurso.
Nas apresentadas pelos arguidos C………. e D………., algo distantes da observância da linearidade distintiva entre os planos de facto e de direito e da adjectivação pressuposta na respectiva alegação, podem identificar-se para resolução deste Tribunal as seguintes questões:

- Nulidade da perícia efectuada por a mesma não ter sido notificada aos arguidos, nem lhes ter sido comunicado quem era o perito.
- Impugnação da matéria de facto no ponto em que se deu como provado que: "Os arguidos C………. e D………., bem sabendo a natureza e tipo de maquinas eu tinham e colocavam à exploração perante o publico, quiseram explorar economicamente o funcionamento de máquinas cujos jogos desenvolviam temas e apresentavam resultados que em nada dependiam da perícia dos jogadores, mas antes da formula aleatória derivada de um programa informático".
- Determinar-se se os jogos em causa eram ilegais.

III – 2.) Vamos conferir, primeiro, a factualidade definida pelo Tribunal de Vila Real:

Factos provados:

No dia 05/06/2001, pelas 19h40 horas, no seguimento de uma acção conjunta da GNR de Vila Real, de elementos da Brigada Fiscal da GNR afectos ao Programa de Combate ao Jogo Ilegal da Inspecção Geral de Jogos, foi efectuada fiscalização à actividade de exploração de máquinas de jogo, ao estabelecimento comercial “E……….” sito na E.N. nº ., em ………., ………., Vila Real.
Tal estabelecimento era, à data dos factos, explorado pelo arguido B………., que o explorava sob sua exclusiva responsabilidade, assumindo a gestão e direcção.
No seguimento dessa fiscalização foram detectadas duas máquinas em situação irregular, tipo vídeo, uma das quais desenvolve um jogo denominado “F……….”, e outra identificada com os dizeres “G……….”, respectivamente, propriedade de C………. e de D………., que aí as haviam deixado à exploração do arguido B………., recebendo este 50% do valor das moedas depositadas nas máquinas.
Sujeitas a exame pericial apurou-se que:
- a primeira das referidas máquinas desenvolve um jogo denominado “F……….” e apresenta as características físicas descritas e fotografadas no exame dos autos de fls. 50 a 59 cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, sendo constituída por um móvel, écran, botões e joysticks.
À data da apreensão em 05/06/2001, esta máquina não possuía licença de exploração emitida pelo Governador Civil de Vila Real, nem classificação do tema de jogo pela Inspecção Geral de Jogos e possuía guardado no seu receptáculo de moedas a quantia de Esc. 650$00 em moedas.
Sujeita a exame pericial apurou-se que a máquina que apresenta os dizeres “G……….”, apresenta as características físicas descritas e fotografadas no auto de exame de fls. 60 a 63, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, constituída por móvel, écran e colunas de som, sendo o jogo executado ou desenvolvido por um sistema de toque no écran.
Tal máquina desenvolve vários tipos de jogos, os quais podem ser inicialmente seleccionados pelo jogador por sua livre escolha. Dentre tais jogos existe um jogo denominado “H……….”.
À data da apreensão de 05/06/2001, esta máquina não possuía qualquer documento e possuía guardado no seu receptáculo de moedas, a quantia de Esc. 300$00 em moedas.
Os arguidos C………. e D………. agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Os arguidos C………. e D………., bem sabendo a natureza e tipo de máquinas que tinham e colocavam à exploração perante o público, quiseram explorar economicamente o funcionamento de máquinas cujos jogos desenvolviam temas e apresentavam resultados que em nada dependiam da perícia dos jogadores, mas antes da fórmula aleatória derivada de um programa informático.
Todos os arguidos quiseram ainda explorar máquinas em situação de licenciamento irregular, bem sabendo como profissionais do ramo, da necessidade de licenciamento, como em relação a uma das máquinas era exibido irregularmente por forma fazer crer da sua legalidade.
Os arguidos não apresentam quaisquer antecedentes criminais.
O arguido B………. iniciou a exploração do estabelecimento comercial onde forma apreendidas as máquinas dos autos cerca de 6 meses antes desta apreensão, exercendo anteriormente a actividade de vendedor de produtos químicos, sendo que pelo menos uma das máquinas aqui em questão já se encontrava no estabelecimento comercial quando o arguido iniciou a sua exploração.
O arguido explora este estabelecimento comercial conjuntamente com o seu cônjuge e com o seu filho, auferindo mensalmente cerca de € 500, tendo dois filhos de 5 anos e de 14 meses a seu cargo.
O arguido C………. dedica-se à actividade de venda de material informático e de máquinas de diversão há cerca de 20 anos por conta própria, tendo um funcionário; vive com a esposa, doméstica e tem dois filhos de 21 e 18 anos de idade, ambos estudantes a seu cargo.
O arguido D………. exerce a actividade de venda ambulante de cassetes e CDs, trabalha juntamente com a sua esposa, auferindo mensalmente entre € 500 a € 600, tendo dois filhos de 9 e 4 anos de idade.

Factos não provados:

Com interesse para a causa, não se provou que:

O arguido B………. tivesse conhecimento dos temas de jogos desenvolvidos por ambas as máquinas apreendidas nos presentes autos e que quisesse explorar este tipo de máquinas, bem sabendo que as mesmas desenvolviam jogos ilícitos.

III – 3.1.) A primeira questão acima elencada, prende-se com a circunstância de os arguidos/recorrentes não terem sido notificados do despacho que determinou a perícia, pelo que ficaram impossibilitados de estarem presentes no dia e hora em que o exame teve lugar, e bem assim sem conhecer a pessoa que o iria proceder, omissões a que cominam o vício de nulidade, numa referência genérica aos art.ºs 115.º e 119.º do Cód. Proc. Penal.

A menção feita àquela primeira disposição traduz a intenção, depois assumida, de pretenderem designar consultor técnico da sua confiança para assistir à sua realização, que não a uma qualquer exigência legal de comunicação do acto.
Seja como for, não sofre discussão que de harmonia com o art. 154.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o despacho que ordena a perícia deve ser notificado, entre outros sujeitos processuais, ao próprio arguido.

No caso presente, existe um despacho do Ministério Público (entidade judiciária que a determinou) datado de 16/05/2002, a nomear o perito, tendo a escolha recaído em pessoa designada pela Inspecção-Geral de Jogos, e seu funcionário, ficando os autos a aguardar algo de indecifrável, mencionado na parte final de fls. 38, actualmente ilegível.
A essa data, apenas o recorrente C………. havia sido constituído arguido (cfr. fls. 34 a 37), já que D………. só o foi, em 21/11/2003.
Os relatórios periciais foram juntos em 11 de Agosto de 2003.

Importa também referir, que aquele último, em 16 de Janeiro de 2004 (cfr. fls. 104) havia já suscitado estas mesmas questões (ou seja, realização da mencionada diligência sem a sua notificação e impossibilidade de nomear consultor técnico), as quais foram objecto do despacho melhor constante de fls. 109, que indeferiu a invocação da correspondente nulidade, e que não foi objecto de recurso de sua parte.

Também o arguido C………. as suscitou a fls. 120, merecendo o seguinte despacho “Nada a ordenar face ao já decidido a fls. 109. Notifique.”, o que parece reiterar o seu indeferimento, contra o qual também não reagiu.

Em todo caso e para obviar dúvidas quanto ao alcance desta decisão (e só por referência a este último arguido), sempre se dirá, que o art. 119.º do Código Proc. Penal, não contempla em nenhuma das suas alíneas as omissões referidas.
A que com maior proximidade lhe poderia corresponder, seria a da ausência do arguido em caso em que a lei exigir a respectiva comparência (al. c).
Sucede todavia, que as únicas situações em que essa imposição se verifica, confinam-se à audiência de julgamento e ao debate instrutório (cfr. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, Verbo, Vol. II, pág.ª 77).
Ao mesmo resultado se chegaria por via da interpretação articulada dos art.ºs 154.º, n.º 3 e 4 e 156.º, n.º 2.

Ora não sendo caso prevenido no art. 120.º do mesmo Diploma, em função do princípio da legalidade contido no respectivo art. 118.º, n.ºs 1 e 2, estaremos perante meras irregularidades.
Que se têm obviamente por sanadas, em função do preceituado no art. 123.º do Cód. Proc. Penal (neste sentido, por exemplo, o Ac. desta Relação no Proc. n.º 6486/04, de que também fomos co-subscritores).

III – 3.2.) Este raciocínio vale, por maioria de razão, para a não notificação do nome do perito.

Não havendo assim qualquer causa relevante de nulidade a inquinar o valor probatório da perícia realizada, nada impedia o Tribunal de se socorrer desse meio de prova para formar a sua convicção.

As suspeições agora levantadas sobre as habilitações técnicas, competência ou isenção do perito nomeado irrelevam, sendo que os relatórios produzidos, para além do mais, mostram-se documentados com as situações que pretendem evidenciar, estão profusamente suportados por fotografias, tendo o seu subscritor sido convocado para estar presente em audiência, o que aconteceu, assim ampliando as possibilidades de contraditório sobre a metodologia utilizada para se obter as conclusões evidenciadas.

III – 3.3.) Afastada também por esta mesma via a pretensão de “anulação do julgamento”, o objecto da irresignação dos recorrentes desloca-se, em seguida, para a impugnação da matéria de facto, no ponto em que se dá como provado o conhecimento por parte dos mesmos do tipo e características das máquinas que colocaram em exploração e bem assim dos resultados dos jogos que aquelas desenvolviam, particularmente quando alcançados de forma independente da perícia dos jogadores.

Para impugnar a matéria de facto, porém, e tal como decorre do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, não basta dizer que este Tribunal vá “ver a prova produzida e gravada nas cassetes áudio juntas ao presente processo”.

O conhecimento que a Relação possa fazer sobre aquela matéria não é irrestrito e não equivale a um novo julgamento.
Logo, para além da identificação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, o que se fez, havia mister de se indicar também as provas que impunham decisão diversa da recorrida, e tendo existido gravação, a sua referência aos suportes técnicos, para depois haver lugar à transcrição, que também não se mostra efectuada.
Ora as exigências decorrentes dos incisos acima mencionados não traduzem quaisquer caprichos legais, aliás pouco compatíveis com a sanção prevista para o seu o não cumprimento: a rejeição do recurso.
«Na verdade (…) as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal não são ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a intangibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.»
Ao que acresce o dever de cooperação com as demais “partes” e o tribunal.

Daí que, na opinião do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, e bem, não estamos perante um recurso em que tivesse cabimento mandar corrigir as conclusões formuladas.

Nesta conformidade, este Tribunal ficará confinado à possibilidade de conhecimento dos vícios previsto no art. 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, disposição referida ainda que “desgarradamente” nas normas jurídicas tidas como violadas pelos recorrentes.

III – 3.4.) Neste capítulo, haverá que consigná-lo, as falhas que detectamos na decisão em apreço, situam-se mais no campo das nulidades da sentença (não alegadas, ou antevistas por aqueles), do que no dos vícios supra-referidos.

Efectivamente, na fundamentação da matéria de facto não se indicam os motivos pelos quais se entendeu que os arguidos conheciam as características das máquinas e dos jogos que aqueles desenvolviam.
A resposta é dada mais à frente, aquando do enquadramento de direito, ao se aludir que ambos eram profissionais da venda e exploração de tal tipo de equipamento e consequentemente, não podiam deixar de as conhecer, explicação que no entanto não se encontra no seu lugar próprio.

Do mesmo modo, a descrição das características dos jogos (a parte que aqui sobretudo releva para a aplicação do direito) é feita por remissão para a perícia.
Ora a sentença deve valer autonomamente, por si mesma, e não fazendo apelo a um conjunto factual externo.
É que, para além de outras razões, para a detecção dos vícios acima referidos, afora as regras da experiência comum, apenas se pode recorrer à própria decisão.

III – 3.5.) Em todo o caso, tendo-se dado como provado que os arguidos sabiam e quiseram “explorar economicamente o funcionamento de máquinas cujos jogos desenvolviam temas e apresentavam resultados que em nada dependiam da perícia dos jogadores, mas antes da fórmula aleatória derivada de um programa informático”, está ressalvado aquele mínimo que permite sustentar a correcta subsunção legal do crime pelo qual aqueles vieram a ser condenados.
É que, de harmonia com o preceituado no art. 1.º do DL n.º 422/89, de 02/12, para se estar perante um jogo “de fortuna ou azar”, portanto um jogo cuja exploração se reveste de uma outra e diferente condicionante de regulamentação, nomeadamente, por só poder ser desenvolvido em locais próprios, basta que o resultando assente fundamentalmente e não apenas exclusivamente na sorte.
Esta definição é mais extensiva que a anteriormente constante do art. 1.º do Decreto n.º 48912, de 18/03/1969, já que envolve na sua inclusão, tal como o consigna o Exm.º Sr. Procurador, no seu douto parecer, jogos como o H………., em que a par da sorte se exige uma certa perícia ao jogador, sem que com isso, no entanto, deixem de estar incluídos nos que apenas podem ser jogados em casinos (art. 4.º, n.º 1, al. b).

Ora desenvolvendo uma das máquinas um jogo deste tipo e a outra um do tipo bingo, assente no funcionamento de “roletas electrónicas”, dúvidas não podem existir quanto ao bem fundado da subsunção efectuada.

Nesta conformidade:

IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos C………. e D………., confirmando-se a decisão recorrida.

Pelo seu decaimento, ficara cada um deles sancionado no pagamento de 5 (cinco) UCs, nos termos dos art.ºs 513.º e 514.º do CPP e art. 87.º, n.º 1, al. b), do Cód. Custas Judiciais.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.

Porto, 24 de Maio de 2006
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Jacinto Remígio Meca
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Arlindo Manuel Teixeira Pinto