Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0812476
Nº Convencional: JTRP00041485
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PROVAS
CO-ARGUIDO
FURTO QUALIFICADO
CASA DE HABITAÇÃO
Nº do Documento: RP200806250812476
Data do Acordão: 06/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 537 - FLS 93.
Área Temática: .
Sumário: I - A admissão do depoimento incriminatório de um arguido em relação a co-arguidos, observadas as regras processuais de produção de prova, não atinge os direitos de defesa destes, sendo aquelas declarações apreciadas livremente pelo tribunal.
II - É simples e não qualificado, designadamente pela alínea e) do nº 2 do art. 204º do Código Penal, o furto praticado numa casa destinada a habitação ainda em construção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO (Tribunal da Relação)
Recurso n.º 2476/08
Processo n.º ../07.8GGVNG
Em audiência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
1- Na 2.º vara de competência mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, no processo acima referido, foram os arguidos B………. e C………. julgados e condenados, em processo comum colectivo, pela forma seguinte:
- o arguido B………., como co-autor de um crime de furto (cometido na empresa D………., Lda.) p. e p. pelos artigos 202º, al. e), 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do CódPenal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão ; como co-autor de um crime de furto (cometido na residência de E……….) p. e p. pelos artigos 202º, al. e), 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do CódPenal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; como co-autor de um crime de furto (cometido na empresa F………., Lda.) p. e p. pelos artigos 202º, al. d), 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do CódPenal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos de prisão.---
- o arguido C………., como co-autor de um crime de furto (cometido na empresa D………., Lda.) p. e p. pelos artigos 202º, al. e), 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do CódPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão; como co-autor de um crime de furto (cometido na residência de E……….) p. e p. pelos artigos 202º, al. e), 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do CódPenal, na pena de 3 (três) anos; como co-autor de um crime de furto (cometido na empresa F………., Lda.) p. e p. pelos artigos 202º, al. d), 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do CódPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão; como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 2 do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 10 (dez) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.---
- condenados os arguidos B………. e C………. a pagarem à demandante “D………., Lda” a quantia global de € 2.992,60.---

2- Inconformado, recorreu o arguido C………., tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
Contesta-se a seguinte matéria factual dada como provada: a comparticipação do recorrente nos crimes perpetrados contra a propriedade do queixoso E………. e da empresa denominada "D………., Lda"; o escalamento do muro aqui existente; a representação legal e ao apurado valor dos bens subtraídos da "F………., Lda.".
No ponto 4. 2., indicam-se as provas que impõem decisão diversa da recorrida e são elas, resumidamente: a incerteza do depoimento prestado pela testemunha G………., no tocante à questão do valor dos bens subtraídos da "F………., Lda.", conjugada com a inexistência de um qualquer outro meio de prova que lhe seja relativo, tanto mais que a questão pode contender com a qualificação jurídica e a determinação da medida da pena; a circunstância de a qualidade de representante legal da "F………., Lda.", atribuída à testemunha G………., e o escalamento do muro existente na empresa "D………., Lda", não resultarem da prova produzida; o facto de o arguido-recorrente, C………., negar a sua comparticipação nos factos praticados obra do queixoso E………. e na "D………., Lda", em conjugação com o valor probatório das declarações de coarguido.
A prova produzida em audiência é insuficiente e incapaz de sustentar, pelas razões supra expendidas, o valor apurado dos bens subtraídos na denominada "F………., Lda.". Neste quadro, in dubio pro réu, a prova produzida apenas comportaria a condenação do arguido-recorrente, C………., pelo crime de furto na sua forma simples.
A confissão do co-arguido, B………., especialmente no que tange ao furto praticado na " D………., Lda", contribui irrestritivamente para a formação da convicção do tribunal, pelo que se verifica uma situação de nulidade de julgamento, por violação do disposto nos artigos 323°, alínea f) e 327°, n° 2, entre outros, do Código de Processo Penal. No tocante à condenação do arguido e recorrente, C………., pela prática dos crimes de furto na empresa "D………., Lda" e na residência do queixoso E………., as declarações do co-arguido, B………., qualificadas no texto a quo de parcialmente confessórias, não se encontram, respectivamente, suficientemente confirmadas ou sequer corroboradas, em elementos oriundos de fontes probatórias distintas a permitirem concluir pela sua veracidade.
A decisão recorrida omite uma justificação no tocante à representação legal e ao valor dos bens subtraídos na "F………., Lda." e ao escalamento do muro na empresa "D………., Lda"
Na eminência de uma situação factual como a retratada nos pontos 3), 4) e 5) da matéria de facto dada por provada, o Tribunal Colectivo não ponderou a possibilidade de se prefigurar a pratica de um único crime ou de crime na forma continuada).
A decisão de 1.ª instância foi além do que lhe é permitido pelo princípio da livre apreciação da prova e incorreu, também, neste seu passo, em violação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido.
A denominada residência do queixoso E………. encontrava-se, aquando dos factos, em construção, sem que servisse de residência a pessoas. O arrombamento ou escalamento, nos termos da alínea d) e e) do artigo 202° do Código Penal há-de reportar-se a casa ou lugar fechado dela dependente. Não se tratando, por conseguinte, de habitação, sequer de "espaço fechado", com o sentido restrito devido de "lugar fechado dependente de casa", para efeitos do no 2, alínea e) e do n° 1, alínea f), do artigo 204° do Código Penal, o furto praticado na propriedade do queixoso E………., pela penetração no seu interior, não pode ser qualificado por arrombamento. Nesta conformidade, os factos praticados consubstanciam, neste seu segmento, um crime de furto na sua forma simples.
A denominada empresa / fábrica "F………., Lda.", à data dos factos, já não se encontrava a laborar. Para efeitos penais, não deve, por isso, afigura-se, ser tida, no sentido estrito devido, como estabelecimento industrial. Nesta conformidade, para efeitos do n° 2, alínea e) e do n° 1, alínea f), do artigo 204° do Código Penal, o furto praticado na "F………., Lda.", pela penetração no seu interior, não pode ser qualificado nem por escalamento, nem por arrombamento. Os factos praticados consubstanciam, neste seu segmento, et pour cause, um crime de furto na sua forma simples.
Os muros existentes na "D………., Lda." e na "F………., Lda." têm, respectivamente, cerca de metro e trinta e metro e meio de altura, pelo que, afigura-se, a sua transposição não consubstancia escalamento com o sentido estrito devido.
A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial (crime unitário); um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; um concurso efectivo de infracções se, com recurso ao critério da pluralidade de juízos de censura, for de concluir por uma pluralidade de resoluções autónomas. Ora, da análise das declarações do arguido B………., resulta ou resultará que as subtracções ocorridas na obra do queixoso E………. e na "F………., Lda." obedeceram ao desígnio de arranjar a quantidade de bens pretendida pelo sucateiro e em ordem a dar satisfação às necessidades de consumo de substancias estupefacientes. Ademais, do desenvolvimento dos factos na sequência uns dos outros, num curto espaço de tempo e sem soluções de continuidade sensíveis, indicia-se que a actuação é resultado de uma única resolução criminosa. A unidade de propósito criminoso unifica as acções em análise num único crime. As necessidades do sucateiro e a toxicodependência consubstanciam o circunstancialismo exógeno que diminui a culpa. O acórdão recorrido inconsiderou a ocorrência de crime único, incorrendo, neste seu passo, em violação do disposto nos artigos 30° e 204°, n° 2, alínea e), ambos do Código Penal.
Operada a requalificação juridica dos factos as penas parcelares e unitária devem ser diminuidas

3- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso

4- Foi colhido o visto legal e teve lugar a conferência
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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos:
1) No dia 18 de Abril de 2007, cerca da 1h 20, os arguidos em execução de um plano por ambos delineado e com vista a obterem proventos económicos para aquisição de cocaína que ambos, na altura, consumiam diariamente, e para cuja aquisição não possuíam recursos materiais, dirigiram-se para a sede da empresa denominada “D…………., Ldª.”, sita, nesta comarca de Vila Nova de Gaia, os quais se faziam transportar na viatura automóvel de matrícula RH-..-.., da marca Renault, modelo super 5 de cor branca.---
2) Uma vez no local os arguidos, actuando em conjunto, arrombaram um dos portões de acesso às instalações, acedendo ao parque interno da empresa, onde entraram, escalando depois um muro com cerca de metro e trinta de altura, de onde arrancaram dois mastros (bandeiras), com cerca de seis metros cada um, que desmontaram e colocaram na viatura em que faziam transportar, no valor global de € 2.500,00 euros, sendo que para os retirarem causaram danos no valor de 500,00 euros, já que dobraram um terceiro mastro que estava no mesmo local.---
3) No dia 23 de Abril de 2007, entre 17h30 e as 8h30 do dia seguinte, os arguidos dirigiram-se para a residência do queixoso E………., sita na Rua ………., em ………., ainda em fase de construção, acederam ao interior da casa através de uma porta do rés-do-chão cuja fechadura rebentaram, utilizando para o efeito uma chave de fendas, de onde retiraram um depósito em aço inox de 100 litros, no valor de, pelo menos, 450,00 euros, bem como vários cabos eléctricos instalados na habitação, designadamente uma extensão de fio eléctrico com cerca de 70 metros, duas máquinas de lixar da marca Makita, uma máquina de furar de marca bosch, um cabo de TV com cerca de 50 metros três holofotes de marca downligth e um holofote sem marca, no valor global de, pelo menos, mil euros, que colocaram no veículo em que se faziam deslocar.---
4) Cerca das 17h00 do dia 24 de Abril de 2007(que por lapso foi indicado o ano de 2006) os arguidos dirigiram-se às instalações da empresa denominada “F………., Ldª”, a qual já não labora, e cuja representação legal está a carga de G………., sita na ………., nº …, em ………., nesta comarca, os quais circulavam na viatura supra citada, a qual era conduzida pelo arguido C………., que não é titular de carta de condução.---
5) Uma vez no local, os arguidos em execução do plano previamente estabelecido entre ambos, que consistia em apropriarem-se de bens que lograssem encontrar no interior da fábrica, e que pudessem facilmente transaccionar, acederam à parte exterior através de um muro com cerca de metro e meio de altura que escalaram e, depois de rebentarem uma janela do escritório, entraram nas instalações de onde retiraram diverso material em cobre e inox, uma caldeira, um sulfatador em cobre, que colocaram no pátio da referida empresa e retiraram ainda sete ferragens em latão e duas chaves, tudo no valor global de, pelo menos, 335,00 euros.---
6) E na posse das sete ferragens em latão e das duas chaves os arguidos encetaram a fuga em direcção à E.N. … onde foram perseguidos pelo NIC da GNR que procedeu à sua intercepção junto à Rua ………. e subsequente detenção, que se verificou cerca das 18H15 e apreensão quer da viatura, quer dos objectos descritos a fls. 14 dos autos.---
7) Os arguidos agiram em conjugação de esforços e com identidade de fins, com o propósito concretizado de se apropriarem dos citados objectos que subtraíram aos ofendidos supra citados, mediante introdução nas instalações das empresas supra identificadas, e na residência do ofendido E………., com o propósito manifesto de furtar, mediante arrombamento de portas e escalamento de muros, de fazerem seus os objectos que dos locais retiraram, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos proprietários.---
8) O arguido C………. actuou de forma livre e voluntária com o intenção de conduzir na via pública o citado veículo, apesar de não ser titular de carta de condução emitida pelas autoridades administrativas competentes.---
9) Os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços e comunhão de intentos, na execução de planos previamente traçados, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus intentos, tendo a actuação de cada um sido determinante para a obtenção do resultado que almejavam e concretizaram.---
10) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram contrárias à lei e criminalmente puníveis.
11) Foi o arguido C………. condenado em penas de prisão nos seguintes processos, pelos seguintes factos:---
- Processo comum colectivo nº …/95 do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, na pena de 18 meses de prisão, pela prática dos crimes de furto qualificado e condução sem habilitação legal, que cumpriu, tendo sido julgada extinta por cumprimento em 30.11.1996;---
- Processo comum colectivo nº …/02.6GBVNG do .º Juízo criminal da comarca de Santa Maria da Feira, na pena de 3 anos e seis meses de prisão, pelos crimes de furto qualificado e condução sem habilitação legal, praticados a 12/04/02, tendo estado preso à ordem destes autos desde 16.04.2002, com uma interrupção de 40 dias cumpridos à ordem de outro processo, tendo sido desligado do referido processo …/02.6GBVNG e sido colocado à ordem do processo n.º …./01.6GAVNG desta .ª Vara Mista a partir do trânsito em julgado do respectivo acórdão;---
- Processo comum colectivo nº …./01.6GAVNG da .ª Vara de Competência Mista da comarca de Vila Nova de Gaia, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, pelos crimes de furto qualificado e condução ilegal, que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, no âmbito do referido processo nº …/02.6GBVNG e no processo n.º ../02.2PRPRT do .º juízo Criminal do Porto, cujo acórdão transitou em julgado em 15.11.2004, tendo a pena sido declarada extinta pelo cumprimento e o arguido estado preso à ordem destes autos até 01.06.2006;---
- Processo nº …./06.3 do .º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto que condenou o arguido em 06.12.2006 pelos crimes de desobediência e condução ilegal nas penas, respectivamente, de 90 dias de multa, à taxa diária de € 3,00 e de 7 meses de prisão, que foi suspensa pelo período de 18 meses. Por decisão de 02.10.2007 foi o arguido unicamente condenado pelo crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 meses de prisão, suspensa pelo período de 18 meses, atenta a descriminalização do crime de desobediência.---
12) Todas as condenações anteriormente sofridas, bem como o cumprimento das penas de prisão que lhe foram impostas, não lograram dissuadir o arguido C………. da prática de ilícitos criminais, nem se revelaram suficientes para o afastar de tais práticas delituosas.---
13) Estando o arguido C………. ciente das consequências dos seus actos e da necessidade de respeitar os valores impostos pela ordem jurídica vigente, não o fez, continuando a delinquir, atingindo bens patrimoniais alheios, desrespeitando de forma flagrante o direito de propriedade das vítimas.---
14) Os objectos aludidos nos pontos 3) e 5) dos factos provados foram recuperados.---
15) O arguido B………. trabalha como servente na construção civil, auferindo a quantia de € 25,00 por dia.---
Vive com uma companheira e uma filha de 2 anos de idade.---
Não sabe ler nem escrever.---
Deixou de consumir substâncias de estupefacientes desde 24 de Abril do corrente ano.---
Paga a renda mensal de € 100,00.---
A sua companheira recebe o rendimento de reinserção social no valor mensal de € 354,00.---
16) O arguido B………. não tem antecedentes criminais.---
17) O arguido C………. trabalha na serralharia do Estabelecimento Prisional onde se encontra a cumprir uma pena de prisão.---
Recebe visitas do seu sobrinho de amigos.---
Tem o 7º ano de escolaridade.---
Submeteu-se há 4 anos a um tratamento de desintoxicação do consumo de heroína e não consome cocaína desde a sua detenção à ordem destes autos.---

E deram-se como não provados os seguintes factos:
- que o portão aludido no ponto 2) dos factos provados tenha sido arrombado através da utilização de uma chave de fendas;---
- que a residência aludida no ponto 3) dos factos provados estivesse vedada a toda a volta por uma rede que os arguidos transpuseram;---
- que a fechadura aludida no ponto 3) dos factos provados tenha sido rebentada ao pontapé.

Para firmar a sua convicção relativa aos factos tido como provados o tribunal recorrido argumentou: «Nos depoimentos das seguintes testemunhas: - G………., representante da empresa F………., Lda., que descreveu como encontrou o local e que objectos foram subtraídos e quais foram recuperados, tendo o seu depoimento nos merecido toda a credibilidade;- H………., gerente da empresa D………., Lda., que, de forma isenta e convincente, descreveu o local e os objectos subtraídos, bem como os danos provocados e respectivos valores;- E………., dono da residência de onde foram furtados vários objectos, tendo deposto de forma livre e consistente; - I………., cabo da GNR, que apreendeu os objectos encontrados no interior da viatura e procedeu à revista do arguido C………., tendo deposto de forma isenta e credível;
No teor dos seguintes documentos: - auto de apreensão de fls. 14 quanto aos objectos apreendidos ao arguido C……….; - Auto de reconhecimento de objectos de fls. 17 no que concerne à identificação de alguns dos objectos subtraídos na empresa F………., Lda. e apreendidos ao arguido C……….;- Termo de entrega de fls. 18 quanto à recuperação de alguns dos objectos subtraídos na empresa F………., Lda.; - Auto de reconhecimento de objectos de fls. 19 no que concerne à identificação dos objectos subtraídos da residência de E……….; - Termo de entrega de fls. 20 quanto à recuperação dos objectos subtraídos da residência de E………;
No que concerne à autoria dos furtos por parte do arguido B………. a convicção do Tribunal baseou-se desde logo na confissão do próprio arguido, em conjugação com o depoimento da referida testemunha G………. .
Quanto à autoria dos furtos por parte do arguido C………. a convicção do Tribunal fundou-se na confissão do próprio arguido no que respeita ao furto cometido na empresa F………., Lda. em conjugação com as declarações do arguido B………. e das referidas testemunhas G………. e I………. e com o teor do auto de apreensão de fls. 14 (que ocorreu no próprio dia do furto em causa). Relativamente ao furto cometido na residência de E………. o tribunal valorou as declarações do arguido B………., em conjugação com o depoimento da referida testemunha I………. e com o teor do auto de apreensão de fls. 14 (que ocorreu um dia após o furto em causa) e do auto de reconhecimento de objectos de fls. 19 dos autos. Finalmente, no tocante ao furto cometido na empresa D………., Lda. o tribunal teve em conta as declarações do arguido B………. que nos mereceu total credibilidade tendo em conta desde logo a proximidade das datas dos vários furtos cometidos pelos dois arguidos».
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O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas
O recorrente refere que não pode ser dada como provada a sua participação nos furtos relativos à empresa "D………., Lda" e na residência do queixoso E………., pois que as declarações do co-arguido, B………. não se encontram suficientemente confirmadas ou sequer corroboradas em elementos oriundos de fontes probatórias distintas a permitirem concluir pela sua veracidade.
De facto, para o tribunal recorrido a comparticipação do recorrente nos furtos praticados, o tribunal ponderou de forma particular as declarações do co-arguido B………., que, como se pode constatar da audição das mesmas, confirmou a prática daqueles crimes e a participação do ora recorrente nos mesmos. Mas em relação ao último futo, na “E………., Lda “, o próprio recorrente confessou a sua participação.
Não resulta dos termos dos arts 344.º e 345.º do CodProcPenal que não podem ser valoradas as declarações de um co-arguido quando outro ou outros não confessaram os factos ou optaram pelo silêncio, embora do n.º 3 do primeiro normativo resulte que, sendo este o caso, o tribunal não deve logo dar como provados os factos imputados, havendo então que produzir prova por auseência da confissão integral e sem reservas referida no n.º 2 do mesmo art 344.º. E o art. 125.° do CodProcPenal estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CodProcPenal não consta o caso das declarações dos co-arguidos
Apenas sucede que os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, dentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 133.º do CódProcPenal. É que aqui é a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, com o juramento e a consequente obrigação de dizer a verdade. Mas tal proibição não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
Assim, a admissão do depoimento incriminatórlo de um arguido com relação a co-arguidos, observadas as regras processuais de produção de prova, não atinge os direitos de defesa destes, sendo aquelas declarações apreciadas livremente pelo tribunal (Neste sentido, por exemplo: Ac STJ, de 19-12-1996, CJ/STJ, IV, t. 3, 214; Ac STJ, de 21-4-1999, proc. 107/99, SASTJ, n.º 30-78; Ac STJ, de 30-5-1997, proc. n.º 498/96; Ac STJ, de 30-10-1997, proc. n.º 849/97; Ac STJ, de 28-6-2001, proc. n.º 01P1552, www. dgsi.pt; Ac STJ, de 12-3-2008, proc. n.º 08P694, www.dgsi.pt).
E tal regime mantém-se no CodProcPenal de 2007.
A proibição de valoração do silêncio do arguido incide sobre o silêncio que ele adoptou como a melhor estratégia processual, não se repercutindo na prova produzida por qualquer outro meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido.
Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido, a qual só pode ser apreciada em concreto face ás circunstâncias em que é produzida. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
Depois, no caso dos autos, verifica-se que o recorrente não invoca qualquer elemento de prova que contrarie ou infirme o conteúdo do referido depoimento cuja valoração, pela decisão recorrida, impugna. Nem refere, tão-pouco, qualquer razão pessoal que o referido co-arguido pudesse ter contra o recorrente e que fosse susceptível de inquinar o depoimento no sentido de o prejudicar.
Ademais, no caso do assalto à casa de E………., este aconteceu no dia 23-4-2007, entre as 17-30 e as 8 h do dia 24, e neste mesmo dia 24 foram encontrados os bens ali furtados na posse dos dois arguidos, no carro conduzido precisamente pelo aqui recorrente. Ora, esta circunstância é um indicio da intervenção do arguido nesse assalto. Só por si poderia não bastar para concluir pela sua responsabilidade, mas acompanhada das declarações do co-arguido não recorrente não pode deixar de ser valorada como uma prova da participação do ora recorrente no dito assalto.

Diz também o recorrente que em relação ao furto de que foi vitima o dito E………., não pode o mesmo ser qualificado, uma vez que a casa estava em construção. Isto é de facto o que consta dos autos e das declarações do dito ofendido, que na altura ainda não habitava a casa.
Aqui assiste razão ao recorrente.
Casa é todo o espaço fisico, fechado, destinado a habitação ou a actividades de vivência do ser humano (tribunais, hospitais, camaras municipais, sede de partido politico, sede de associações, para o exercicio de comércio ou industria, etc), não sendo necessário que esteja habitado; basta que seja um espaço apto a ser habitado ou utilizado para as actividades para que foi criado (neste preciso sentido: Faria Costa, Comentário Conimbricence do Código Penal, t. II, p. 14 ss; Ac STJ, de 15-12-1999, proc. 1456/98, SASTJ, 32.º-80). Ora, na altura em que ocorreu o furto a dita casa estava em construção, e nem sequer se sabe se já tinha as paredes todas, o telhado, etc, para se poder dizer que já era uma casa. Daí que neste particular o recorrente cometeu apena um crime de furto simples, p.p. pelo art. 203.º do CodPenal
Relativamente ao facto de o tribunal ter dado como provado que a representação legal da "F………., Lda" pertencia à G………., isso resulta desde logo das declarações da mesma em tribunal. E o recorrente não cumpre nesta parte o disposto no art. 412.º-4 do CodProcPenal, ou seja, como impõe o normativo em causa, o recorrente não impugna essa matéria «por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».
Aliás, ao contrário do que diz o recorrente, o tribunal fundamentou esse facto dizendo que considerou as declarações de tal pessoa
O mesmo se dirá em relação ao valor dos bens subtraídos na "F………., Lda."

Pretende o recorrente que não se pode dizer que nos casos dos furtos na “D………., Lda” e na “F………., Lda” houve esclamento dada a pouca altura dos muros.
Nos termos da alínea e) do art. 202.º do CodPenal, é escalamento a «introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem». 2
No escalamento há uma entrada que não é feita pelas vias normais (entradas das casas ou outros espaços), a entrada é sim feita por meio não convencional ou transpondo obstáculos normalmente destinados a impedir o acesso à casa (idem F. Costa, obra e local citados)
Neste quadro, é evidente que muros com 1,30 m (caso da “D………., Lda”) e 1,50 (caso da “F………., Lda”), não são meios normais de entrada, antes foram concebidos para impedir o livre acesso àqueles espaços.
De resto, no assalto à “E………., Lda”, a qualificação do crime verifica-se também pelo arrombamento de uma janela do escritório, pois consta dos factos que os arguidos rebentaram a mesma.
Quanto ao facto de a referida empresa “E………., Lda” não estar em actividade, isso não significa que não seja um estabelecimento comercial ou industrial, pois pode ainda ali haver bens relacionados com a actividade; em todo o caso, trata-se sempre de uma casa, de acordo com a definição que deixámos atrás, onde havia bens guardados, na qual os arguidos se introduziram por escalamento e por arrombamento

No que toca à pretensão de ver os crime integrados numa continuação criminosa há que reter o que prescreve o art. 30.º do CodPenal. No n.º 1 diz-se que «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente». E no n.º 2 diz-se que será crime continuado «a realização plurima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem juridico, executada de forma homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa».
Como escreveu o Prof. Ed. Correia, «pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigivel ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» (Direito Criminal, vol. 2, 209).
Para a unificação de vários actos num só crime continuado é necessária uma certa conexão temporal e espacial, além de uma certa uniformidade- homogeneidade no processo de actuação e de unidade do bem juridico (cfr Acs do STJ de 17-2-83, BMJ, 324.º, 447; de 24-11-93 BMJ, 431.º-255; de 24-3-83, proc. 36975; Ed. Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, p.167sgs). Como é ainda necessária, no plano subjectivo, a existência de uma pluralidade de resoluções (Eduardo Correia, Unidade e pluralidade de infracções, p.125; Ac STJ, de 2-3-83, BMJ, 325.º-383; Ac STJ, de 4-5-83, BMJ, 327.º- 447; Ac ST, de 30-1-86, BMJ, 353.º-240). E deve considerar-se haver uma pluralidade de resoluções «sempre que se não verifique entre as actividades do agente uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem renovar o respectivo processo de motivação» (Eduardo Correia, Unidade e pluralidade de infracções, p. 125).
Assim, como o fundamento essencial da punição do crime continuado é a diminuição da culpa condicionada pelas circunstâncias exteriores (que levam o agente a recair), se existirem várias resoluções criminosas a regra será a da configuração de concurso de infracções, sendo a continuação criminosa a excepção --- a qual só acontecerá se houver condições exteriores de diminuição de culpa (Ac STJ, de 30-1-86, BMJ, 353.º- 240; Ac STJ, de 24-11-93, BMJ, 431.º- 255; Ac STJ, de 28-2-93, CJ, Acs STJ, I, 176; Ac STJ, de 12-1-94, CJ, Acs STJ, I, 190; Ac STJ, de 26-2-86, BMJ, 354.º - 350; Ac STJ, Acs STJ de 12-194, ano II, t.1, p. 190)
Ora, no caso dos autos os assaltos, embora praticados em 3 dias muito próximos (18-4, 23-4 e 24-4), foram executados em sitios completamente distintos e afastados, de forma completamente distinta e sem qualquer coincidência de circunstâncias. Daí que esteja afastada a homogeneidade de execução e a conexão espacial. E não há quaisquer circunstâncias que diminuam a culpa, sendo óbvio, por quanto se disse, que a situação de dependência da droga dos arguidos não pode servir para qualificar os assaltos como um crime continuado.

Pelo que acima dissemos, o furto cometido na residência de E………. não pode ser qualificado, antes se trata de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º-1 do CodPenal. Dados os factores encontrados pelo tribunal para fixar as penas deste arguido recorrente, com os quais concordamos, a pena correspondente a este crime será de prisão, que se fixa em 1 ano.
Assim, operando o cumúlo das penas, fixa-se em 4 anos a pena única.

Naturalmente, esta alteração da qualificação não pode deixar de aproveitar ao arguido não recorrente.
Quanto a este, dadas aquelas mesmas considerações da sentença recorrida, fixaremos a pena em 9 meses prisão.
Operando o cumulo juridico, fixamos em 2 anos e 6 meses de prisão a pena única. Entretanto, embora, manifestamente por lapso, do dispositivo da sentença tal não conste, o tribunal recorrido enunciou o propósito de tal pena ser suspensa na sua execução, com o que concordamos
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Concede-se parcial provimento ao recurso, alterando a qualificação do crime cometido na residência de E………., convolando o mesmo para crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º-1 do CodPenal, condenando o recorrente C………. na pena de 1 (um) ano de prisão. Em cumulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão
No mais, mantém-se a decisão recorrida

Nos termos do art. 402.º-2-a) do CodProcPenal, altera-se a mesma qualificação relativamente ao co-arguido B………. . E assim condena-se o mesmo, como autor material de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º-1 do CodPenal, na pena de 6 (seis) meses prisão. Operando o cumulo juridico, fica condenado na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses

II- O recorrente pagará 3 Ucs de taxa de justiça
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Tribunal da Relação do Porto, 25-06-2008
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira