Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0655500
Nº Convencional: JTRP00039595
Relator: CURA MARIANO
Descritores: IMPUGNAÇÃO
REGISTO
ACÇÃO DE APRECIAÇÃO NEGATIVA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP200610160655500
Data do Acordão: 10/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 275 - FLS 100.
Área Temática: .
Sumário: I - A escritura de justificação notarial é um instrumento destinado a suprir a falta de documento bastante para a prova do direito do interessado na primeira inscrição no registo predial.
II - As declarações feitas na escritura apenas relevam para efeitos de descrição registral, se não impugnadas no prazo de 30 dias.
III - Tal escritura constitui um meio destinado a possibilitar o registo de um direito e, por outro lado, um acto de natureza probatória que permite harmonizar a situação jurídica com a registral e, assim, a publicitação dos direitos inerentes as coisas imóveis e a concretização dos interesses dos particulares no que respeita a possibilidade de formalização de certos negócios jurídicos na falta de consonância entre o registo e a realidade jurídica.
IV - Qualquer interessado pode impugnar uma justificação notarial, sendo a acção de impugnação uma acção de simples apreciação negativa, na qual compete ao réu justificante, nos termos do art. 343°, n°l, do Código Civil, o ónus da prova dos factos em que baseavam a invocação do seu direito real sobre o prédio em causa.
V - Corresponde a um entendimento pacífico na jurisprudência que a acção de impugnação de justificação notarial não está sujeita a qualquer prazo de caducidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº …/03.4TBSJP, do Tribunal de S. João da Pesqueira
Rec. nº 5500/06 – 5 (Apelação)
Relator: Cura Mariano
Adjuntos: Rafael Arranja
Maria do Rosário Barbosa

Autores: B……….
C……….

Ré: D……….
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Os Autores propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra a Ré, pedindo a sua condenação, nos termos seguintes:
- que seja impugnado o facto justificado, por não verdadeiro e por conseguinte seja declarada nula e sem qualquer efeito a Escritura de Justificação Notarial celebrada em 23 de Setembro de 2002, no Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão e, consequentemente;
- sejam cancelados os respectivos registos que tiveram por base a citada escritura;
Fundamentam a sua pretensão alegando, em síntese, o seguinte:
- A Ré declarou, com a outorga da escritura de Justificação Notarial de 23 de Setembro de 2002, lavrada a folhas 122 do livro 274-B do cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, que era, com exclusão de outrem, dona e legitima possuidora de determinados bens imóveis, tendo entrado na posse dos referidos prédios por doação verbal que lhe foi feita por sua mãe E………., residente que foi na dita freguesia de ………. e já falecida, por volta do ano de 1972, quando ainda se encontrava no estado de solteira, não tendo nunca sido possível formalizar a projectada escritura de doação.
- Que desde essa data possui os referidos prédios, em nome próprio, praticando todos poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade, nomeadamente cultivando os terrenos, cortando mato, plantando árvores e colhendo os respectivos frutos, guardando produtos agrícolas nos urbanos e usando o último deles como palheiro, sendo reconhecida como sua dona por toda a gente.
- Os referidos prédios foram adjudicados, por inventário obrigatório, em 1946, que correu termos nesta comarca, a F………., casado no regime de comunhão geral de bens.
- O citado F………. faleceu a 17 de Junho de 1972, sem deixar descendentes, nem ascendentes, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros seus irmãos e por representação seus sobrinhos, mormente a Autora.
- A cônjuge do citado F………., dado residir no Brasil, entregou o poder directo ao sobrinho G………., passando-lhe procuração que, por residir em Lisboa, deixou os prédios em semi-abandono, deles se aproveitando e pagando impostos a Autora, bem como os outros herdeiros, mas nunca em nome próprio, esperando todos que se procedesse à partilha entre eles. Razão pela qual, a própria H………., passou a referida procuração.
- A H………. faleceu em 1995, sem deixar ascendentes, nem descendentes, com testamento, cujo conteúdo ainda não é conhecido.
- A Autora, quando requereu inventário é que ficou surpreendida com a existência da referida escritura realizada pela Ré, a mais de 150 Km de distância, e publicada no jornal da cidade de ………., não lido na freguesia de ………., a mais de 100 Km dos prédios, com vista a ocultar os factos declarados da realidade conhecida na freguesia.
- A Ré, contrariamente ao que declarou, não possui, usufrui ou retirou qualquer utilidade daqueles prédios, nem o fez de forma pacífica, pública, em nome próprio e na convicção de ser dona de tais prédios.

Contestou a Ré, alegando, em síntese, o seguinte:
- No ano de 1972, ainda solteira, recebeu por doação verbal de seus pais E………. e I………., entretanto falecidos, todos os prédios identificados na escritura de justificação.
- Os doadores, pais da Ré, já eram donos dos mesmos imóveis identificados na escritura há muito mais de 30 anos, isto porque F………. e sua esposa H………., por volta de 1947, 1948, doaram verbalmente os mesmos imóveis aos pais da Ré.
- Após a doação feita em 1972, os doadores, pais da Ré, autorizaram que a donatária sua filha, aqui contestante entrasse imediatamente na posse desses prédios.
Conclui, assim, pela improcedência da acção com a consequente absolvição da Ré da instância.

A requerimento dos Autores foi citado o Réu para intervir como demandado nesta acção, atenta a sua qualidade de cônjuge da Ré.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que declarou impugnado o facto justificado na escritura referida e o consequente direito da Ré e ordenou o cancelamento dos registos efectuados com base naquela escritura.

Desta sentença recorreu a Ré, com os seguintes fundamentos:
“- Tornando em conta o facto de os prédios identificados na escritura se encontrarem registados em nome dos recorrentes e de harmonia com a fundamentação da matéria de facto, a decisão jurídica proferida na douta sentença recorrida deverá ser substancialmente diferente daquela que foi proferida.
- Daí que se impunha uma resposta positiva ao teor dos quesitos 13, 14, 15 e 16 da base instrutória bem como uma resposta negativa aos artigos 4, 7 e 8 dessa base instrutória.
- Ou seja a acção instaurada pelos A.A. aqui recorridos, deveria ser julgada improcedente por não provada com as legais consequências.
- Beneficiam os R.R. aqui recorrentes da presunção do artigo 7 do CRP, já que o registo dos prédios objecto da escritura foi efectuado antes da instauração em juízo da presente acção.
- Daí que se presume que o direito de propriedade sobre os prédios objecto da escritura pertencente aos R.R. nos precisos termos em que o registo o define.
- A douta decisão recorrida violou ou não fez uma aplicação correcta da disposição nos artigos 7, 2, nº.1 alínea a), 43 nº 1, 100, 101 nº 2 e 116 nº 1 do CRP, 89, nº 1 e 96, nº1 do CN, 342, nº 1 e 343, nº 1 do C.C.”.
Concluiu pela revogação da sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões:
- Se o facto dos prédios em causa se encontrarem inscritos a favor da Ré na C.R.P. impunha respostas diferentes das que foram dadas aos quesitos 4º, 7º, 8º, 13º, 14º, 15º e 16º da base instrutória?
- Se a presunção de titularidade do direito de propriedade advinda daquela inscrição registral impunha a absolvição da Ré?

2. Dos factos
A Ré pretende que se altere as respostas aos quesitos 4º, 7º, 8º, 13º, 14º, 15º e 16º da base instrutória, atenta a existência da inscrição registral dos prédios em causa nesta acção em seu nome.
Os quesitos 4º, 7º, 8º, 13º, 14º, 15º e 16º reportam-se à prática de actos de posse sobre o referido prédio, pelo que o teor da inscrição registral, em nada pode contribuir para a prova desses factos.
Aquela inscrição, sendo válida, tem o efeito de presumir a titularidade do direito inscrito (artº 7º, do C.R.P.), mas não a prática de actos de posse sobre os prédios em causa, pelo que não se justifica qualquer alteração das respostas dadas, com fundamento no respectivo documento.
Deste modo, encontram-se provados neste processo os seguintes factos:

I - No dia 3-9-2002, no 1º Cartório de Vila Nova de Famalicão, compareceram como outorgantes a Ré, J………., L………. e M………., tendo a primeira declarado o seguinte:
“Que com exclusão de outrem é dona e legítima possuidora dos referidos prédios:
Um - Prédio rústico, de pinhal e pastagem, com a área de nove mil oitocentos e cinquenta metros quadrados, sito no ………., freguesia de ………., concelho de São João da Pesqueira, a confrontar do norte com caminho público, do nascente N………., do sul com O………. e do poente com P………., OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 897, com o valor patrimonial e atribuído de dezanove euros e noventa e sete cêntimos;
Dois- Prédio rústico, de centeio e mata de castanho, com a área de dois mil e oitocentos metros quadrados, sito no ………., da dita freguesia de ………., a confrontar do norte e poente com Q………., do nascente e sul com caminho público, OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 847, com o valor patrimonial e atribuído de oito euros e um cêntimo;
Três- Prédio rústico, de pastagem e oliveiras, com a área de quatro mil e oitocentos metros quadrados, sito no ………., da dita freguesia de ………., a confrontar do norte e nascente com caminho, do sul com S………. e do poente com I………., OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 835, com o valor patrimonial e atribuído de sessenta euros sessenta e oito cêntimos;
Quatro - Prédio rústico, de mata de carvalho, com a área de mil e quatrocentos metros quadrados, sito no ………., da dita freguesia de ………., a confrontar do norte com O………., do nascente com T………., do sul com caminho e do poente com U………., OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 828, com o valor patrimonial e atribuído de três euros noventa e cinco cêntimos;
Cinco - Prédio rústico, de pinhal e pastagem, com a área de nove mil e seiscentos metros quadrados, sito no mencionado ………., a confrontar do norte com estrada, do nascente com N………., do sul com caminho e do poente com V………., OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 808, com o valor patrimonial e atribuído de dezassete euros e um cêntimo;
Seis- Prédio urbano, composto de casa com dois andares e duas divisões, com a área coberta de sessenta e cinco metros quadrados, sito na Rua ………., da dita freguesia de ………., a confrontar do nascente com X………., do poente e norte com rua pública e do sul com Z………., OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 183, com o valor patrimonial e atribuído de quarenta e um euros quarenta e seis cêntimos;
Sete- Prédio urbano, composto de casa térrea com uma divisão, com a área coberta de sessenta metros quadrados., sito no ………. da dita freguesia de ………., a confrontar do norte, nascente e poente com T………. e do sul com a Rua Pública, OMISSO na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira e inscrito na matriz no artigo 642, com valor patrimonial e atribuído de seiscentos setenta e oito euros setenta e seis cêntimos…
Que não é detentora de qualquer título formalmente válido que legitime o seu domínio sobre os referidos prédios e permita assim o registo a seu favor.
Que entrou na posse dos referidos prédios por doação verbal que lhe foi feita por sua mãe E………., residente que foi na dita freguesia de ………. e já falecida, por volta do ano de mil novecentos setenta e dois, quando ainda se encontrava no estado de solteira, não tendo nunca sido possível formalizar a projectada escritura de doação.
Que desde então tem exercido nos referidos prédios todos os poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade dos mesmos, nomeadamente cultivando os terrenos, cortando o mato, plantando árvores e colhendo os respectivos frutos, guardando produtos agrícolas nos urbanos e usando o último deles como palheiro, tudo sempre com ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecida como sua dona por toda a gente, posse que sempre exerceu sem interrupção e ostensivamente, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, e, tudo isto, por lapso de tempo superior a VINTE ANOS.
Que dadas as enunciadas características de tal posse, ela justificante adquiriu os referidos prédios por USUCAPIÃO, título esse que, por natureza, não é susceptível de ser comprovado pelos meios normais”.
Os restantes outorgantes declararam que, por serem inteiramente verdadeiras, confirmam as declarações que a primeira outorgante acaba de prestar. (alínea A dos factos assentes).

II - A Ré procedeu à publicação de extracto da realização da escritura descrita em I no jornal “K……….” de 11 de Setembro de 2002”, conforme averbamento efectuado na mesma (alínea B dos factos assentes).

III - A Ré procedeu à inscrição registral em seu nome dos prédios descritos em I (alínea C dos factos assentes).

IV - Os prédios descritos em I foram adjudicados, por inventário, em 1946, que correu termos no tribunal desta comarca, a F………., casado no regime de comunhão geral de bens com H………. (alínea D dos factos assentes).

V – F………. faleceu a 17 de Junho de 1972, sem deixar descendentes, nem ascendentes, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros seus irmãos e por representação seus sobrinhos, designadamente a Autora (alínea E dos factos assentes).

VI - Os bens do casal F………. e H………. não foram partilhados (alínea F dos factos assentes).

VII - A H………. faleceu em 30 de Maio de 1995, no estado de viúva de F………., sem deixar ascendentes, nem descendentes, com testamento, cujo conteúdo não é conhecido por ter sido lavrado no Brasil (alínea G dos factos assentes).

VIII - A Autora, como herdeira mais velha, requereu, na qualidade de cabeça-de-casal, inventário facultativo, tendo já prestado declarações nessa qualidade (alínea H dos factos assentes).

IX - A H………. mandatou, através de procuração o sobrinho, G………., conferindo-lhe poderes, entre outros, para doar, a quem entendesse, sob cláusulas e condições que tivesse por conveniente, qualquer propriedade rústica ou urbana, bem como, direitos prediais situados no concelho de S. João da Pesqueira (alínea I dos factos assentes).

X - Por H………. residir no Brasil, G………. ficou incumbido como procurador desta e interessado na partilha de tratar de todos assuntos relacionados com os prédios descritos em I (resposta ao quesito 2º).

XI - Os prédios descritos em I, com a excepção do prédio três e sete, ficaram em semi-abandono (resposta ao quesito 3º)

XII - A Autora e restantes herdeiros, utilizaram e pagaram as respectivas contribuições, mas sempre em nome de outrem e nunca em nome próprio e esperando sempre todos que se procedesse à partilha entre eles (resposta ao quesito 4º).

XIII - A Autora não teve conhecimento da escritura descrita em I (resposta ao quesito 5º).

XIV - A Ré não possuiu os prédios descritos em I e apenas usufruiu e retirou utilidades dos prédios descritos como três e sete da citada escritura (respostas aos quesitos 6º e 7º).

XV – A Ré nunca possuiu os prédios em causa desde a data que declarou ter feito de forma pacífica e pública, ininterrupta, em nome próprio e na convicção de ser dona de tais prédios

XVI - A Ré sabia que os prédios descritos em I faziam parte da herança, ainda indivisa, aberta por óbito de seu tio, F………. (resposta ao quesito 8º).

XVII - Por volta de 1974 que a Ré vem usufruindo à vista de toda a gente sem qualquer oposição e ininterruptamente até pelo menos o ano de 2003, os prédios três e sete (resposta ao quesito 13º).

XVIII - No que concerne aos prédios três e sete, cultivou-os e amanhou as respectivas terras, e em relação apenas ao prédio três plantou oliveiras e apanhou azeitonas (resposta ao quesito 14º).

XVIII - O prédio sete serviu para guarda de produtos e materiais agrícolas (resposta ao quesito 15º).

XX - A Ré recebe renda do prédio n.º 7 desde 1985 de W………. e anteriormente recebia do seu sogro desde ano não apurado (resposta ao quesito 16º).

XXI - A Ré pratica estes actos com conhecimento de toda a gente e ininterruptamente e sem oposição de ninguém e na ignorância de lesar direitos de outrem (resposta ao quesito 17º).

XXII - A Ré pagou as contribuições dos prédios descritos em I dos anos de 1991 e 1992 (resposta ao quesito 18º).

XXIII - A H………. mandatou o seu sobrinho, G………., através de procuração, para proceder à partilha dos bens descritos em I (resposta ao quesito 19º).
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3. O direito aplicável
A escritura de justificação é um instrumento destinado a suprir a falta de documento bastante para a prova do direito do interessado na primeira inscrição no registo. A justificação, para os efeitos do nº 1, do artigo 116º, do C.R.Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais (artigo 89º, nº 1, do Código do Notariado). As declarações feitas na escritura apenas relevam para efeitos de descrição registral, se não impugnadas no prazo de 30 dias.
Esta escritura constitui um meio destinado a possibilitar o registo de um direito e, por outro lado, um acto de natureza probatória que permite harmonizar a situação jurídica com a registral e, assim, a publicitação dos direitos inerentes às coisas imóveis e a concretização dos interesses dos particulares no que respeita a possibilidade de formalização de certos negócios jurídicos na falta de consonância entre o registo e a realidade jurídica.
Nos termos do art. 101º, nº 1 do Código do Notariado, prevê-se que qualquer interessado possa impugnar em juízo uma justificação notarial, sendo esta acção de justificação uma acção de simples apreciação negativa, nas quais compete aos réus justificantes, nos termos do artº 343º nº 1 do CC, o ónus da prova dos factos em que baseavam a invocação do seu direito real sobre o prédio em causa.
Corresponde a um entendimento pacífico na jurisprudência que a acção de impugnação de justificação notarial não está sujeita a qualquer prazo de caducidade. O mencionado prazo de 30 dias é necessário apenas para que, uma vez decorrido, após a publicação do extracto do conteúdo da escritura de justificação, poderem ser passadas certidões desta a fim de, com base nelas, se levar ao registo predial o reatamento do trato sucessivo ou um novo trato sucessivo (artº 116º, nºs 2 e 3, do C.R.Predial). Para evitar a prática de actos inúteis, entendeu o legislador ser conveniente retardar a feitura do registo predial, com base na respectiva escritura, por um período de tempo tido por adequado e suficiente para o surgimento de uma eventual impugnação. Se, decorridos 30 dias após a publicação do extracto, o notário não tiver recebido comunicação da pendência da impugnação, poderá então ser passada certidão da escritura e deixará de haver obstáculo à realização do registo. Isso não significa, porém, que o facto justificado deixe de ser impugnável em juízo.
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – art. 7º do C.R.Predial. Tal presunção implica a desobrigação da prova dos factos a que ela conduz, nos termos do art. 350º, n.º 1, do C.C..
Há quem entenda que tal presunção, porque originária de um acto jurídico submetido a impugnação judicial, não pode operar nos citados termos. A ideia base deste entendimento é a de que na escritura de justificação o notário pode produzir a justificação, mas não pode produzir o direito justificado. Este só pode ser declarado pelo Tribunal. Assim, impugnada a escritura de justificação, antes ou depois de ser efectuado o registo com base nela, só o registo definitivo feito a partir da decisão do Tribunal constitui presunção da existência do direito inscrito [1]. Porém, outros entendem que decorrido o prazo de publicações do art. 100º do Código do Notariado, sem qualquer impugnação, pode efectuar-se o registo definitivo, que gozará dos efeitos substantivos que se sabem: presunção de que o direito existe na pessoa do titular inscrito, tal como o registo o define [2]. Essa presunção é naturalmente ilidível por prova a produzir pelo impugnante do facto justificado, devendo essa prova recair sobre uma factualidade que revele que o titular do direito de propriedade sobre o prédio em causa não é o registralmente inscrito.
Em relação a todos os prédios em causa provou-se que os mesmos foram adjudicados, por inventário, em 1946, que correu termos no tribunal desta comarca, a F………., casado no regime de comunhão geral de bens com H………., nunca tendo sido partilhada a herança deste, da qual são herdeiras a Autora e a Ré.
Provou-se que a Ré não praticou quaisquer actos de posse relativamente aos prédios acima descritos em I, sob os nº 1, 2, 4, 5 e 6, os quais estão em regime de semi-abandono, e que no que respeita aos prédios nº 3 e 7 provou-se que desde 1974 que os vem usufruindo à vista de toda a gente sem qualquer oposição e ininterruptamente até pelo menos o ano de 2003, os prédios três e sete, cultivando-os e amanhando as respectivas terras. Quanto ao prédio nº 3, ainda plantou oliveiras e apanhou azeitonas e quanto ao prédio sete ainda lhe serviu para guarda de produtos e materiais agrícolas tendo recebido rendas de terceiros pela cedência do seu gozo. Todos estes actos são praticados pela Ré com conhecimento de toda a gente e ininterruptamente e sem oposição de ninguém e na ignorância de lesar direitos de outrem.
Apesar de serem actos próprios do exercício de um direito de propriedade, como se provou que a Ré não os praticou em nome próprio e na convicção de ser dona de tais prédios, está ausente o elemento “animus”, necessário para se poderem qualificar tais actos como de posse, não podendo, assim, os mesmos conduzirem à aquisição pela Ré do respectivo direito de propriedade.
Assim, mesmo que se adopte a posição de que o registo celebrado com base na escritura de justificação notarial tem o efeito de presumir a titularidade do direito de propriedade pela Ré sobre os referidos prédios, nos termos do artº 7º, do C.R.P., perante os resultados da prova produzida, conclui-se que essa presunção foi ilidida, uma vez que se demonstrou que não ocorreram os actos de posse, constitutivos da aquisição pela Ré, por usucapião, desse direito de propriedade, constantes da escritura de justificação notarial com base na qual foram efectuadas as inscrições registrais.
Independentemente da posição que se tome na querela acima enunciada, sob a força dos registos efectuados, com base em escritura de justificação notarial, perante a prova de que a Ré não adquiriu por usucapião os prédios em causa nesta acção, deve esta ser julgada procedente como foi, improcedendo assim o recurso interposto pela Ré.
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DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Ré e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas do recurso pela Ré.
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Porto, 16 de Outubro de 2006
João Eduardo Cura Mariano Esteves
José Rafael dos Santos Arranja
Maria do Rosário Marinho Ferreira Barbosa


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[1] Vide, neste sentido, os seguintes Acórdãos:
- do S.T.J., de 3-3-1998, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano VI, tomo 1, pág. 114, relatado por TOMÉ DE CARVALHO.
- do S.T.J., de 21-11-2000, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano VIII, tomo 3, pág. 125, relatado por FERREIRA RAMOS.
- da Relação de Coimbra, de 27-6-2000, na C.J., Ano XXV, tomo 3, pág. 35, relatado por CUSTÓDIO COSTA.
- da Relação de Coimbra, de 23-4-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo2, pág. 33, relatado por COELHO DE MATOS.
- da Relação de Lisboa, de 3-4-2003, na C.J., Ano XXVIII, tomo 2, pág. 107, relatado por OLINDO GERALDES.
- do S.T.J., de 24-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por LUCAS COELHO.
- da Relação de Coimbra, de 7-7-2004, na C.J., Ano XXIX, tomo 3, pág. 36, relatado por FERREIRA LOPES.
- da Relação de Coimbra, de 16-11-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por HELDER ALMEIDA.
- do S.T.J. de 21-2-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por FERNANDES MAGALHÃES.
[2] Vide, neste sentido, os seguintes Acórdãos:
- da Relação do Porto, de 2-4-1987, na C.J., Ano XII, tomo 2, pág. 226, relatado por JORGE VASCONCELOS.
- da Relação de Lisboa, de 15-5-1997, na C.J., Ano XXII, tomo 3, pág. 85, relatado por FRANCISCO MAGUEIJO.
- da Relação de Coimbra, de 25-11-1997, na C.J., Ano XXII, tomo 5, pág. 23, relatado por EDUARDO ANTUNES.
- do S.T.J., de 19-3-2002, na C.J.(Ac. do S.T.J.), Ano X, tomo 1, pág. 148, relatado por RIBEIRO COELHO.
- do S.T.J., de 3-7-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por QUIRINO SOARES.
- da Relação do Porto, de 9-11-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por HENRIQUE ARAÚJO.
- da Relação do Porto, de 2-5-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por RAFAEL ARRANJA.
- da Relação de Lisboa, de 29-9-2005, na C.J., Ano XXX, tomo 4, pág. 112, relatado por GRAÇA AMARAL.
- do S.T.J., de 11-7-2006, no site www.dgsi.pt