Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1592/06.6TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
MENOR
FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
RENDIMENTO AUFERIDO PELO MENOR
RENDIMENTO DA PESSOA A CUJA GUARDA O MENOR SE ENCONTRA
Nº do Documento: RP201103221592/06.6TJVNF.P1
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 5º DO DL 70/10, DE 16 DE JUNHO
Sumário: Apesar do Requerente da prestação de alimentos ser o menor, representado pelo Ministério Público, não lhe deve ser aplicável o índice de equivalência atribuído na escala acima referida ao requerente do beneficio social em causa, uma vez que, pretendendo-se apurar não o rendimento auferido pelo menor, mas sim os rendimentos da pessoa a cuja guarda o menor se encontra, para que se possa verificar se este deles beneficia numa determinada quantidade, deve ser essa pessoa a ocupar o lugar de Requerente na referida escala.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1592/06.6TJVNF.P1
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Recorrente: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P.,
Requerente: Ministério Público

Requeridos: B…
C…
Menor: D…
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Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de regulação do poder paternal respeitante ao menor D…, por decisão de 7.12.2006, foi o Requerido condenado a pagar-lhe uma pensão a título de alimentos no montante mensal de €125,00 que a partir de Janeiro de 2008 foi actualizada para €128,13 e, em Janeiro de 2009 para €131,46.
Na sequência de informação da mãe do menor de que desde Abril de 2009 aquela pensão não lhe é paga, foi, por despacho de 12.11.2009, determinado o desconto da quantia mensal €150,00 a descontar do vencimento do Requerido, respeitando €131,46 às prestações vincendas e €18,54 a abatimento da dívida acumulada de €920,22.
Por decisão de 5.1.2010 foi verificada a situação de incumprimento do Requerido relativamente aos alimentos vencidos desde Abril de 2009 até àquela data e a impossibilidade de os cobrar, nos termos do art.º 189º, da O.T.M.
O Ministério Publico requereu, perante a situação de incumprimento e a impossibilidade de os cobrar, que fosse fixada em €100,00 mensais a prestação de alimentos a pagar ao menor, nos termos do disposto no art.º 3º, n.º 3, do DL 164/99, de 13.5.
Veio a ser proferida decisão com o seguinte teor:
Pelo exposto, decide-se:
a) Declarar o incumprimento das prestações alimentícias por parte de C…;
b) Declarar que não é possível a sua cobrança para efeitos do disposto no artigo 189º da O.T.M. e art. 1º da Lei n.º 75/98.
c) Fixar o pagamento de uma prestação de alimentos no montante de € 100,00 (cem euros) mensais a favor do menor D…, a pagar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a favor da progenitora.
d) Tal quantia será actualizada anualmente, nos termos decididos, de acordo com o índice de preços ao consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, mas nunca em menos de 5%.
e) As prestações manter-se-ão enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado;
f) A progenitora deve comunicar ao tribunal ou ao Instituto a cessação ou alteração da situação de incumprimento ou da situação da menor e deve, junto do tribunal, renovar anualmente, a partir desta data, a prova de que se mantêm os pressupostos que determinaram o pagamento ora deferido.
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Inconformado com a decisão dela recorreu o Instituto de Gestão Finan­ceira da Segurança Social, I. P., formulando as seguintes conclusões:
1.Vem o presente recurso interposto da douta decisão a fls…, de 29/09/2010, na qual o Mmo Juiz dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão condena o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) a assegurar a prestação de alimentos relativa ao menor D…, no montante mensal de € 100,00, com início no mês seguinte à notificação da citada decisão.
2. Nos termos do preceituado no art.º1.º da Lei n.º75/98, de 19 de Novembro e no art.º3.º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio, os pressupostos para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a meno­res residentes no território nacional são os seguintes:
-que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;
-a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art.º 189.º da OTM;
-que o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;
3. A douta decisão proferida considera que se encontram preenchidos os pressupostos e requisitos legais para que o FGADM se substitua ao devedor incum­pridor. Salvo o devido respeito, não o entende assim o ora recorrente.
4. A douta sentença recorrida não teve em conta o DL n.º 70/2010 de 16 de Junho, cuja entrada em vigor se reporta a 01 de Agosto de 2010, aplicável ao FGADM por força do disposto no art.º 1.º n.º2 alínea c) e art.º 16.º
5. Os artigos mencionados do DL 70/2010 de 16 de Junho referem expressamente a sua aplicação ao FGADM e introduzem nova redacção do art.º 3.º do DL 164/99 de 13 de Maio, definindo o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos.
6. O salário mínimo nacional fixado para o ano de 2010 é de € 475,00, nos termos do preceituado no DL n.º 5/2010 de 15 de Janeiro. Sendo que os rendimentos do agregado familiar, em que se insere o menor (composto por este, pela progenitora, pelos avós maternos e por uma tia materna do menor) ascendem ao montante total de €1.753,82.
7. Atendendo à escala de ponderação de cada elemento do agregado introduzida pelo art.º 5.º do DL 70/2010 de 16 de Junho (aplicável por força do disposto nos art.ºs 1.º n.º2 alínea c) e n.º3 e 16.º), o rendimento per capita apurado no valor de € 487,17 é superior ao salário mínimo nacional.
8. Acresce que, nos termos do entendimento jurisprudencial, o rendimento liquido a considerar para efeitos de aplicação dos diplomas do FGADM “é o que efectivamente se recebe, e no momento em que tal se verifica (…), indepen­dentemente das despesas que, mensalmente, cada um efectue (vide, Ac. Da Relação de Lisboa de 21/02/2008).
9. A obrigação do Fundo é meramente subsidiária face à obrigação do devedor.
10. A prestação a assegurar pelo Fundo não é, pois, incondicional, dependendo da existência e da manutenção dos pressupostos e requisitos exigidos por lei para a sua atribuição (arts. 1.º e 3.º n.º1 da Lei 75/98;arts. 2.º n.º2, 3,º n.ºs 1 e 2 e 4.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 164/99).
11. Não consta da douta sentença recorrida a verificação de um dos requisitos cumulativos que a Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro em conjugação com o DL 164/99 – com a redacção introduzida pelo DL 70/2010 de 16 de Junho – exige para que as prestações de alimentos possam ser atribuídas nos termos que preconiza.
12. O recorrente considera, pois, não preenchido in casu um dos pressupostos necessários e subjacentes ao pagamento da prestação de alimentos pelo FGADM em substituição do devedor: “que o alimentado não tenha rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre
13. A decisão recorrida violou o disposto o no art.º 1.º in fine da Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro; no art.º 3.º n.º1 alínea b), n.º 2 e n.º3 do DL 164/99 de 13 de Maio; art.º 1.º n.º2 alínea c), n.º3, art.º 5.º e art.º 16.º do DL n.º 70/2010 de 16 de Junho.
Conclui pela procedência do recurso.

O Ministério Público apresentou resposta, defendendo a revogação da decisão proferida.
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1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:
Não se encontra demonstrado que o alimentado não beneficie de um rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional auferido pela mãe, a cuja guarda se encontra?
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2. Dos factos

Os factos considerados provados são os seguintes:

I – Ao Requerido não é conhecido emprego nem bens penhoráveis.
II – O menor é estudante e vive com a mãe na casa dos avós maternos, fazendo ainda parte do agregado familiar uma tia materna do menor. Vivem em casa arrendada.
III – Os rendimentos mensais do agregado familiar do menor são constituídos por:
● vencimento da progenitora como técnica auxiliar de serviço social, no valor de €905,24;
● pensão de reforma do avô do menor no valor de €825,99; e
● abono de família do menor no valor de €22,59.
IV – A mãe do menor contribui para as despesas domésticas com €200,00 mensais; paga €306,82 com prestação para amortização de empréstimo bancário, relativo à aquisição de um veículo automóvel; e paga €15,00 mensais com o futebol do menor.
V – Gastam mensalmente, entre outras despesas correntes, €100,00 de renda de casa e €144,97, com luz, água, gás e internet.
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3. O direito aplicável

A única questão que nos é colocada neste recurso é a de verificar se se encontra demonstrado o requisito de que depende a condenação do FGADM a pagar, em substituição do Requerido, uma prestação alimentar ao menor, de que este não beneficia de um rendi­mento liquido, superior ao salário mínimo nacional, auferido pela mãe, a cuja guarda se encontra.
Nos termos do artigos 1º e 2º, do DL 75/98, de 19.11, e 3º, n.º 3, do DL n.º 164/99, de 13.05, para que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), em substituição do devedor, pague uma prestação alimentar a um menor é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos
a) existência de sentença que fixe os alimentos devidos a menor;
b) residência do menor em território nacional;
c) inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional;
d) que o alimentado não beneficie, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;
e) não pagamento por parte do devedor, das quantias em dívida através de uma das formas previstas no artigo 189º da OTM.
Verificados tais pressupostos, incumbe ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não possam ser cobrados nos termos do art. 189º da OTM, o dever de garantir o pagamento até efectiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor.
A questão colocada prende-se exclusivamente com a demonstração do facto do menor não beneficiar de um rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional auferido pela mãe, a cuja guarda se encontra.
Na decisão em apreço considerou-se estarem verificados todos os pressupostos para a condenação do FGADM a pagar uma prestação alimentar ao menor, facto de que o Recorrente discorda, alegando que não foi considerado o disposto no DL 70/2010, de 16.6, aplicável ao FGADM, por força dos art.º 1º, n.º 2, c) e 16º, deste diploma, que define o conceito de agregado familiar, rendimentos a considerar e a forma de efectuar a capitação de rendimentos.
Dispõe o n.º 2, do art.º 3º, do DL n.º 164/99, de 13/5, que se entende que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
É necessário, pois, verificar se a capitação de rendimentos do agregado familiar da pessoa a cuja guarda o menor se encontre não seja superior ao valor do salário mínimo nacional.
A determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar, para verificação deste requisito, é actualmente feita pelo disposto no DL n.º 70/2010, de 16.6 (art.º 3º, n.º 3, do DL n.º 164/99, de 13/5).
Provaram-se os seguintes factos, com eventual interesse para a verificação deste requisito:
- O menor é estudante e vive com a mãe na casa dos avós maternos, fazendo ainda parte do agregado familiar uma tia materna do menor.
- Os rendimentos mensais do agregado familiar do menor são constituídos por:
● vencimento da progenitora como técnica auxiliar de serviço social, no valor de €905,24;
● pensão de reforma do avô do menor no valor de €825,99; e
● abono de família do menor no valor de €22,59.
- A mãe do menor contribui para as despesas domésticas com €200,00 mensais; paga €306,82 com prestação para amortização de empréstimo bancário, relativo à aquisição de um veículo automóvel; e paga €15,00 mensais com o futebol do menor.
- Gastam mensalmente, entre outras despesas correntes, €100,00 de renda de casa e €144,97, com luz, água, gás e internet.
Conforme dispõe o art.º 4º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma:
1 - Para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos;
b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau;
c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral;
d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito;
e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar.
2 - Consideram-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Perante a demonstração de que existe uma comparticipação nas despesas domésticas deve considerar-se que o agregado familiar da mãe do menor em causa, a cuja guarda ele está confiado, é formado, além dela, pelo menor, pelos avós maternos e por uma tia materna do menor.
Nos termos do art.º 3º, n.º 1, do DL n.º 70/10, de 16.6., são considerados os seguintes rendimentos:
a) Rendimentos de trabalho dependente;
b) Rendimentos empresariais e profissionais;
c) Rendimentos de capitais;
d) Rendimentos prediais;
e) Pensões;
f) Prestações sociais;
g) Apoios à habitação com carácter de regularidade;
h) Bolsas de estudo e de formação.
Nos termos do art.º 11º, do mesmo diploma, não devem integrar as prestações sociais referidas na alínea f) as que são recebidas por encargos familiares, o que abrange a prestação de abono de família.
Assim, devem ser considerados como rendimentos do agregado familiar o vencimento da mãe do menor, no valor de €905,24, e a pensão de reforma do avô do menor, no valor de €825,99, que somam €1.731,28.
Por sua vez, a capitação dos rendimentos do agregado familiar deve ser feita, aplicando a seguinte escala de equivalência: Requerente – 1, cada indivíduo maior – 0,7, e cada indivíduo menor – 0,5 (art.º 5º, do D.L. n.º 70/10, de 16.6).
A forma mais simples de apurar a capitação dos rendimentos de um agregado familiar consiste em dividir a soma dos diversos rendimentos pelo número de membros do agregado familiar. Contudo, este critério revela-se insatisfatório porque não toma em consideração que o custo marginal de uma pessoa extra varia na medida em que o tamanho da família aumenta, ou na medida em que as necessidades dos diferentes membros podem ser distintas, o que conduziu a que se construíssem escalas de equivalência que permitissem tomar em consideração essas diferenças, de forma a possibilitar um maior rigor na capitação de rendimentos familiares.
Conforme se confessa no preâmbulo deste diploma adoptou-se a velha escala da OCDE, também apelidada de “escala de Oxford”, que foi criada em 1982 para eventual uso em países que não tinham ainda estabelecido a sua própria escala de equivalências [1]. Nessa escala o índice 1 é atribuído ao 1.º adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar, enquanto às crianças se atribui sempre o índice 0,5.
Apesar do Requerente desta prestação ser o menor, representado pelo Ministério Público, não lhe deve ser aplicável o índice de equivalência atribuído na escala acima referida ao requerente do benefício social em causa, uma vez que, pretendendo-se apurar não o rendimento auferido pelo menor, mas sim os rendimentos da pessoa a cuja guarda o menor se encontra, para que se possa verificar se este deles beneficia numa determinada quantidade, deve ser essa pessoa a ocupar o lugar de Requerente na referida escala.
Assim sendo, devem ser ponderados os seguintes índices no agregado familiar da mãe do menor:
- mãe – 1
- avô materno – 0,7
- avó materna – 0,7
- tia materna – 0,7
- menor – 0,5
o que soma 3,6, pelo que se obtém a seguinte capitação de rendimentos:
€1.731,28 : 3,6 = 480,91.
Sendo este montante superior ao valor do salário mínimo nacional, não está demonstrado que o menor não beneficie de um rendi­mento liquido auferido pela mãe, a cuja guarda se encontra, superior a esse valor, o que exclui a possibilidade do FGADM poder ser obrigado a pagar a prestação alimentar ao menor, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida e indeferido o pedido formulado pelo Ministério Público de fixação de uma prestação alimentar a cargo do FGADM.
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Decisão

Nos termos expostos, julgando-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida quanto aos segmentos decisórios contidos nas alíneas c) a f), indeferindo-se o pedido de fixação da prestação alimentar a cargo do FGADM.
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Sem custas.
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Porto, 22 de Março de 2011.
Sílvia Maria Pereira Pires
Ana Lucinda Mendes Cabral
Maria do Carmo Domingues
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[1] Sobre esta escala de equivalências pode consultar-se o site www.oecd.org.