Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0815162
Nº Convencional: JTRP00041887
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP200811190815162
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 557 - FLS 113.
Área Temática: .
Sumário: I - Com vista à validação da decisão em que determina a aplicação do segredo de justiça no inquérito, nos termos do nº 3 do art. 86º do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem de indicar naquela decisão os elementos concretos que, em seu entender, justificam a aplicação do segredo de justiça.
II - A exigência de validação pelo juiz de instrução da decisão do Ministério Público não viola a norma do art. 20º, nº 3, da Constituição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 5162/08
Processo n.º …/08.2PASTS-A do ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso


Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


O Ministério Público determinou a aplicação do segredo de justiça nos autos supra referidos e apresentou-os ao juiz de instrução para validação (art.º 86º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
“Na sequência, o M.mo Juiz de Instrução Criminal proferiu o seguinte despacho:
“Despacho proferido a fls. 20 pelo Ministério Público de sujeição dos presentes autos a segredo de justiça:
O Ministério Público veio determinar a sujeição dos presentes autos a segredo de justiça, com fundamento numa Directiva da PGR, atendendo ao tipo legal que integra o objecto da investigação (crime previsto e punido pelo art.º 152.º-A, do Código Penal), o qual se insere no contexto de criminalidade violenta, sendo certo que a publicidade dos autos seria, em concreto lesiva para os interesses da investigação e da ofendida.
Cumpre proferir despacho, ao abrigo do art.º 86.º, n.º 3, parte final, do Código de Processo Penal.
Não se vislumbra qualquer motivação factual concreta procedente para o despacho proferido pelo Ministério Público.
Não é pela simples circunstância de o objecto dos autos se reportar a um determinado tipo legal, ainda que o mesmo se integre no conceito de criminalidade violenta que se justifica a sujeição dos autos a segredo de justiça, já que com tal assunção por parte do Ministério Público, está a partir-se do abstracto e a não ponderar o concreto; já por referência ao que em “concreto”, o Ministério Público alegou, subsequentemente: interesses da ofendida e interesses da investigação: relativamente aos interesses da ofendida, nada nos autos nos permite concluir que o interesse da ofendida seja o de que o Inquérito fique em segredo de justiça, podendo, até, ter o interesse oposto; quanto ao interesse da investigação, o Ministério Público nada alega em concreto, sendo que das diligências de Inquérito determinadas, não se vislumbra em que medida se torna necessário abranger os autos em situação de segredo de justiça.
Em conformidade com o exposto e nos termos do art.º 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não julgo válido o despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 20.
Notifique o Ministério Público.”
Inconformado com o decidido, vem o Ministério Público impugná-lo, concluindo assim a respectiva motivação:
1º- A Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas na discussão na Assembleia da República, mudou radicalmente o paradigma anterior e constitucionalmente adequado no que se refere à conformação do segredo de justiça.
2º- Designadamente quando passou a dispor que, por regra, o inquérito é público, salvo decisão irrecorrível do juiz de instrução que ordene o segredo externo do processo e que no caso excepcional da determinação da submissão do segredo de justiça pelo M.P., esta fica sujeita à validação pelo juiz de instrução.
3º- O segredo de justiça tutela(va) a integridade e a eficácia da investigação, do ponto de vista do CPP e do interesse público no exercício da acção penal que transporta, prescrevendo então (e agora) o n.º 1 do art. 355.° do CPP que «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção dó tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em julgamento»
4°- A exclusão da publicidade do processo preliminar (o segredo de justiça), num processo de natureza acusatória, mas nessa fase sujeita ao princípio do inquisitório, protegia, pois, do ponto de vista da estrutura, dos conceitos e dos fins, a investigação.
5º- E foi esse o sistema quando foi constitucionalizado expressamente o segredo de justiça, com a LC n.º 1/97, do segredo de justiça no n.º 3 do art.º 20º («3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça»). Essa era a matriz do segredo de justiça ao tempo da sua constitucionalização.
6°- A adopção pela Lei n.º 48/2007 de um regime que só, por excepção, admite salvaguardar a relevância primordial da exclusão da publicidade para a integridade da investigação e que faz depender essa excepção não só do responsável funcionalmente pelo inquérito, o Ministério Público, com grave prejuízo da sua função constitucional mas sim pelo juiz de instrução, desenquadrado das suas funções de garantia e protecção de direitos fundamentais a que está vinculado, na procura de equilíbrio entre valores em conflito e que, portanto deveria estar afastado dos resultados da investigação, da sua eficácia, viola a adequada protecção do segredo de justiça (n.º 3 do art. 20º) e a função constitucional do Ministério Público (art.º 219º)
7°- É, pois, a norma do n.º 3 do art. 86.° do CPP, inconstitucional por desrespeito do n.º 3 do art. 20.° da CRP, por não constituir adequada protecção do segredo de justiça, na medida em que faz depender a validade da sua determinação pelo Ministério Público dá concordância do juiz de instrução, o que viola igualmente os art.ºs 219.° e 32.°, n.º 5 da CRP: o princípio do acusatório e o papel constitucional do Ministério Público.
8º- Deve, assim, desaplicar-se a parte final da norma do n.º 3 do art. 86.° do CPP, quando sujeita a validação pelo juiz da determinação pelo Ministério Público da aplicação ao processo do segredo de justiça, quando os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, por inconstitucional.
9.°- Tratando-se de um inquérito por eventual crime de maus-tratos, em que o Ministério Público, em obediência a Directiva do Procurador-Geral da República, determinou a aplicação do segredo de justiça, não pode nem deve o Juiz de Instrução Criminal, sem mais, não validar essa determinação.
10º- Com efeito não pode ignorar as indicações sobre política criminal constantes das Leis Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio e as funções que nesse âmbito atribui ao Ministério Público e ao Procurador-Geral da República - e os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009 (Lei n.º 51/2007), entre os quais se situa a prioridade e eficácia na investigação dos crimes de maus tratos e da promoção da protecção das vítimas especialmente frágeis.
11º - Assim, e a Directiva invocada pelo Ministério Público no despacho de aplicação do segredo de justiça, apresenta-se também, face às dificuldades criadas pela Lei n.º 48/2007, como um instrumento de concretização dos objectivos da politica criminal, estabelecidos para este biénio e não como um acto voluntarista, infundamentado e desproporcional, que a decisão recorrida pudesse ignorar, apesar do papel que desempenhara no falado despacho não validado.
12º- A Directiva teve em conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/207 em fase de investigação, que justificam, pelas implicações na forma como o Ministério Público deverá dirigir o inquérito e exercer a acção penal, a adopção de orientações adequadas a garantir uma actuação uniforme desta magistratura, tendo em conta o seu carácter unitário e hierarquizado, designadamente quanto ao segredo de justiça quando visam, como no caso, crimes cuja investigação eficaz é prioritária, não só pelo perigo de reincidência que significam, como pelas lesões das vítimas vulneráveis, cuja protecção foi tida igualmente como prioritária.
13º- O Juiz de instrução criminal, ao validar ou não o segredo de justiça cuja aplicação foi determinada pelo Ministério Público, não pode deixar de ter presente que se trata exactamente de "validar" e não de "determinar" (o que já foi feito), o que postula atitudes e competências diferentes.
14º- Ao Ministério Público compete, apreciando os parâmetros legais e tendo presente que está num domínio e numa fase de investigação cuja condução lhe pertence, determinar se a aplicação do segredo de justiça é necessária à investigação, à protecção da vítima ou do arguido, e não é excessivamente onerosa.
15º- Ao juiz de instrução não compete, ao validar essa determinação substituir-se ao Ministério Público no juízo que a este cabe, mas com bom senso e parcimónia, verificar se do seu ponto de vista de juiz das liberdades, existem elementos concretos que permitam afirmar o carácter excessivamente gravoso, desproporcionado daquela determinação.
16º- Ora, a decisão recorrida extravasa esse controlo, substituindo-se à apreciação do Ministério Público, no seu próprio campo, sem tomar em consideração a Directiva invocada por este, e os objectivos da política criminal.
17º- Na verdade, a responsabilidade indeclinável do juiz de instrução tem a ver com o equilíbrio e a ponderação entre as exigências da investigação (aceitando, à partida, que essas exigências são como o Ministério Público as configura), por um lado, e o direitos de defesa do arguido, por outro lado; e não o juízo e ponderação a respeito dos interesses da investigação, por si só.
18º- Nessa ponderação entre os interesses da investigação encabeçados pelo Ministério Público e os direitos de defesa do arguido, deve ter em conta se está perante situações reais de perigo de lesão grave destes direitos, como acontece no caso de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva, ou se não o sendo, os direitos de defesa do arguido têm um peso menor, por não comprometidos por espera por fases ulteriores do processo "essas sim já dominadas pelo princípio do contraditório."
19º- A decisão recorrida mostra-se insuficientemente fundamentada, pois que, mesmo na sua óptica, não esclarece quais são os outros meios de reacção e de protecção aos interesses da vítima que não contendem com a possibilidade de defesa por parte do arguido; em que é que a possibilidade de defesa por parte do arguido é significativamente contundida pelo segredo de justiça determinado pelo Ministério Público.
20º- E, quando sustenta que "relativamente aos interesses da ofendida, nada nos autos nos permite concluir que o interesse da ofendida seja o de que o inquérito fique em segredo de justiça, podendo, até ter o interesse oposto"; "quanto ao interesse da investigação, o Ministério Público nada alega em concreto, sendo que das diligências de Inquérito determinadas não se vislumbra em que medida se torna necessário abranger os autos em situação de segredo de justiça", viola os conhecimentos de experiência comum que indicam que, neste tipo de situações em que frequentemente a vítima reside com o agente e é dele dependente, aquela corre graves riscos quanto este se apercebe que foi apresentada queixa e decorre um inquérito.
21.°- Com esse conhecimento o agente, para além do risco de repetição dos eventos, está em condições de fazer pressão sobre a vítima e muitas vezes sobre as testemunhas, podem facilmente perturbar a eficácia do inquérito, além de perturbar a vítima, normalmente muito frágil neste tipo de crimes.
22.°- Por todas estas razões deveria o Mº Juiz a quo ter validado a determinação do Ministério Público de aplicar ao presente inquérito o segredo de justiça.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e desaplica a norma do n.º 3 do art.º 86º do CPP, parte final, ou, assim não se entendendo, validada aquela determinação, como é de Justiça.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs visto.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso.
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Questões a decidir:
- Inconstitucionalidade do n.º 3 do art. 86.° do Código de Processo Penal por violação dos art.ºs 20º, n.º 3, 219.° e 32.°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, no segmento em que faz depender da concordância do juiz de instrução, a validade da determinação do segredo de justiça pelo Ministério Público
- Alcance da norma ínsita no n.º 3, do art.º 86º do Código de Processo Penal
Mau grado toda a argumentação expendida, teremos que concluir que a inconstitucionalidade invocada se resume à parte final do n.º 3 do art.º 86º do Código de Processo Penal[[1]] que faz depender a validade da determinação do segredo de justiça pelo Ministério Público da concordância do juiz de instrução.
É o que se extrai da conclusão 7ª, onde se afirma que aquela disposição legal é inconstitucional “por desrespeito do n.º 3 do art. 20.° da CRP, por não constituir adequada protecção do segredo de justiça, na medida em que faz depender a validade da sua determinação pelo Ministério Público da concordância do juiz de instrução, o que viola igualmente os art.ºs 219.° e 32.°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa”.
Temos assim que o Ministério Público considera que o art.º 86º, n.º 3 viola os art.ºs 20º, n.º 3, 32º, n.º 5 e 219º da Constituição da República Portuguesa na parte em que faz depender da concordância do juiz de instrução a sua decisão de aplicar o segredo de justiça ao processo.
Começaremos por dizer que nesta parte as conclusões não satisfazem totalmente o determinado no art.º 412º, n.º 2, alínea a. que estabelece que, versando matéria de direito, as conclusões indicam as normas jurídicas violadas.
Ora, limitando-se o recorrente a afirmar que o citado n.º 3 viola o art.º 219º da Constituição da República Portuguesa, temos que concluir que, nesta parte, não deu cumprimento à referida alínea a..
Com efeito, sendo aquele normativo constitucional constituído por uma complexidade de princípios constitucionais consagrados ao longo dos seus cinco números, a sua invocação genérica e sem concretização do número ou segmento que considera ter sido violado, constitui incumprimento da obrigação de especificar a norma jurídica violada.
O que se compreende, pois que só com tal especificação poderia este tribunal de recurso alcançar, com segurança, o princípio ou princípios constitucionais que no entendimento do recorrente foram violados.
No entanto, esta carência não se verifica apenas nas conclusões, pois que também na própria motivação o recorrente não especifica a norma violada e limita-se a invocar a totalidade do art.º 219º.
Uma vez que assim é, está afastada a possibilidade de aperfeiçoamento das conclusões concedida pelo n.º 3 do art.º 417º, visto que, como, como é jurisprudência unânime e se explica no o AcSTJ de 5 de Junho de 2008, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Dr. Simas Santos[[2]], “se o texto da motivação não contém os elementos, tidos em falta ou deficientemente expostos nas conclusões, não há lugar ao convite para correcção, por não poderem, nesse caso, ser aditados”, visto que por força do n.º 4 “tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação” porque “o texto da motivação constitui o limite da correcção possível das conclusões”([3]).
Excluída que está a apreciação do recurso nesta parte, passemos então a analisá-lo na restante.
Começaremos por dizer que ao dispor no seu n.º 3 do art.º 20.º que “a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça”, a Constituição remete para o legislador ordinário não só o alcance do segredo de justiça, como também a previsão dos termos em que a sua protecção deve ser assegurada, ou seja, o legislador constitucional deixa para o legislador ordinário a concretização do âmbito e limites do segredo de justiça.
Ora, não se vislumbra em que é que a exigência legal de concordância do juiz de instrução viola aquele normativo constitucional.
Com efeito, a actual redacção do art.º 86º foi introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, Lei esta que foi aprovada pela Assembleia da República e nela estão concretizados o âmbito e os limites do segredo de justiça.
Examinando estes, há que concluir que a exigência de concordância do juiz se impõe dado que alguns dos diversos direitos e interesses conflituantes com a eficácia da investigação, nomeadamente, a honra, a segurança e a reserva da vida privada (quer do arguido, quer de outros intervenientes processuais), são dignos de protecção constitucional.
Por isso, estando em causa direitos fundamentais do cidadão, a garantia dos mesmos está reservada pela Constituição a um juiz (art.º 202º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).
É certo que os autos se encontram na fase de inquérito e que a direcção do mesmo compete ao Ministério Público (art.º 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), mas também é certo que apesar desta competência, o legislador impõe a intervenção do juiz de instrução criminal nesta mesma fase, sempre que estejam em causa questões que contendam com direitos fundamentais.
Porém, esta intervenção não contende com a direcção do inquérito pelo Ministério Público visto que é a este que sempre caberá decidir quais os actos que entende dever levar a cabo para realizar as finalidades do inquérito, tudo sem prejuízo de, em relação a alguns desses actos e por estarem em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, necessitar da intervenção do juiz, para os consentir, controlar ou mesmo para os praticar.
Temos assim que tendo o legislador ordinário optado pela publicidade do processo penal (art.º 86º, n.º 1) e não se vislumbrando qualquer inconstitucionalidade na norma que a institui, nem beliscando tal intervenção judicial com a estrutura acusatória do processo penal consignado no n.º 5 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, não tem o recorrente qualquer razão na sua pretensão de que é inconstitucional o n.º 3, do art.º 86º na parte em que impõe que o juiz de instrução criminal valide a determinação do segredo de justiça pelo Ministério Público.
Resolvida a questão da inconstitucionalidade, vejamos se assiste razão ao recorrente quando entende que “a decisão recorrida” se substitui “à apreciação do Ministério Público, no seu próprio campo, sem tomar em consideração a Directiva invocada por este, e os objectivos da política criminal” e “pondera a respeito dos interesses da investigação, por si só.”
Vejamos:
É do seguinte teor o despacho do Ministério Público que deu origem ao despacho recorrido:
«Atenta a determinação efectuada na Directiva de 09/01/2008, definida por sua Excelência o Conselheiro Procurador-Geral da República (remetida com o Ofício-Circular n.° 5/2008 de 15/01/2008) no sentido de que “Sempre que esteja em causa investigação relativa aos crimes previstos no artigo 1.º, alíneas j) a m) do Código de Processo Penal (...) o Ministério Público determinará, no início do Inquérito, a sujeição deste a segredo de justiça…”, nos termos do disposto no artigo 86.°, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Dado que o crime em investigação nos presentes autos (cfr. art. ° 152º-A do Código Penal) é punível com pena de prisão até 5 anos, tratando-se, pois, - atenta ainda a natureza dos bens jurídicos protegidos pela incriminação, - da "criminalidade violenta" a que alude o art.º 1.°, j), do Código de Processo Penal, a publicidade destes autos seria, em concreto, lesiva para os interesses da investigação e do ofendido.
Determino a aplicação a estes do segredo de justiça - cfr. Art. 86.°, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Para os efeitos previstos na parte final desse número, apresente os autos ao Meritíssimo JIC no prazo aí previsto.»
Como se vê, o Ministério Público não concretizou quais eram os pontos em que a publicidade do inquérito seria lesiva dos interesses da investigação e do ofendido, ou seja, o Ministério Público limitou-se a fundamentar a sua decisão na Directiva do Procurador-Geral da República.
Ora, se tal directiva vincula o Ministério Público, o mesmo já não acontece com o tribunal, o qual apenas está sujeito à lei (“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei” — art.º 203º da Constituição da República Portuguesa).
Acresce que as Leis n.º 17/2006, de 23 de Maio e n.º 51/2007, de 31 de Agosto — definidoras das prioridades da política criminal — nada referem quanto ao segredo de justiça, o que equivale a dizer que tal Directiva não se funda em qualquer norma concreta que se imponha aos tribunais.
Daqui resulta que o Ministério Público está obrigado a cumprir as ordens por ela emanadas, as quais, no caso em apreço, se concretizam na determinação da sujeição do presente inquérito a segredo de justiça.
Só que, na validação de tal decisão, cabe ao juiz de instrução criminal, como muito bem diz o Ministério Público no seu recurso, “com bom senso e parcimónia, verificar se do seu ponto de vista de juiz das liberdades, existem elementos concretos que permitam afirmar o carácter excessivamente gravoso, desproporcionado daquela determinação”
Ora, foi precisamente o facto de não terem sido indicados os referidos “elementos concretos” demonstrativos da necessidade de sujeitar o inquérito a segredo de justiça, que fundamentou a decisão do tribunal a quo de não validar o despacho.
Como não poderia deixar de ser, uma vez que sendo o processo penal público e pretendendo o Ministério Público submetê-lo ao segredo de justiça, a validação pelo juiz de instrução criminal impõe que lhe sejam fornecidos os elementos concretos que lhe permitam ponderar em que medida o afastamento do regime-regra (a publicidade do processo penal) contende com os direitos, liberdades e garantias dos diversos intervenientes processuais ou até de terceiros.
Em suma: o Ministério Público limitou-se a invocar a Directiva sem fundamentar em elementos concretos a sua decisão e o juiz de instrução criminal, porque não está sujeito à Directiva e não lhe foram fornecidos elementos que lhe permitissem ponderar da bondade de tal decisão, bem andou ao não a validar.
Como é jurisprudência praticamente uniforme nesta Relação[[4]].
Diremos ainda que a alegada falta de fundamentação do despacho não tem qualquer fundamento.
Desde logo porque tratando-se de um acto decisório previsto na alínea b., do n.º 1, do art.º 97º, ou seja de um despacho que não tem tratamento específico na lei, a eventual falta de fundamentação sempre seria uma mera irregularidade e como tal, teria que ter sido arguida pelos interessados nos três dias seguintes à notificação para qualquer termo do processo ou ao que tenham tido intervenção em qualquer acto nele praticado, como determina o art.º 123.º, n.º 1.
Ora, a agora invocada falta de fundamentação não foi arguida naquele prazo e por isso sempre estaria sanada uma eventual irregularidade.
Contudo, ao contrário do que afirma o recorrente, o despacho impugnado satisfaz os requisitos formais exigidos pelo artigo 97.º, n.º 5, pois que dele constam as circunstâncias factuais a apreciar e as disposições legais que conduziram à decisão, ou seja, faz-se nele uma exposição que, manifestamente, não impede a apreciação crítica dos destinatários ou do tribunal superior.
Por isso, também aqui o recorrente não tem razão.
Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.
Sem custas

Porto, 19/11/2008
Luís Jorge Medeira Ramos
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves (voto a decisão)

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[1] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[2] Em www.dgsi.pt/jstj
[3] No mesmo sentido e do mesmo relator, por exemplo, AcSTJ de 9 de Março de 2006, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Neste sentido, v.g., Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Maio de 2008 05/05/2008 (Relator: Desembargador Dr. Manuel Brás), de 28 de Maio de 2008 (Relatora: Desembargadora Dr.ª Elisa Marques), de 11 de Junho de 2008 (Relator: Desembargador Dr. Luís Gominho), de 04/06/2008 (Relator: Desembargador Dr. José Carreto), de 25/06/2008 (Relator: Desembargador Dr. Luís Teixeira), de 24/09/2008 (Relator: Desembargador Dr. Joaquim Gomes), de 22/10/2008 (Relator: Desembargador Dr. Manuel Brás), todos em www.dgsi.pt/jtrp