Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0620384
Nº Convencional: JTRP00038830
Relator: CÂNDIDO LEMOS
Descritores: CAUÇÃO
HIPOTECA
REGISTO PROVISÓRIO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RP200602140620384
Data do Acordão: 02/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - A reforma processual de 95/96 não quis retirar a exigência do registo prévio da hipoteca, na hipótese de prestação espontânea, mantendo-o como condição essencial para o seu oferecimento como caução.
II - O princípio da cooperação tem de ser temperado pelo princípio da responsabilidade das partes, não podendo estas esperar que o Juiz tudo venha a suprir.
III - Nenhuma nulidade é cometida com a omissão do despacho a permitir a correcção da petição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Na ..ª Vara Cível, ..ª Secção, B..........., casado, residente em .........., por apenso à acção principal que move a C.........., residente em .........., e em que se discute contrato de empreitada celebrado entre as partes, aquele na qualidade de dono da obra e este como empreiteiro, vem requer a prestação voluntária de caução a fim de obstar ao direito de retenção do requerido [arts. 756, d) do CC].
Indicando como valor a caucionar a quantia de €73.809,64, oferece-se a prestá-la através da constituição de hipoteca sobre o imóvel onde as obras contratadas foram executadas, no valor venal actual de €250.000,00.
Termina afirmando: “mais requer que, admitido o requerente a prestar caução seja ela deferida e ordenada mediante a constituição de hipoteca a favor do requerido para garantia do pagamento da quantia de €73.809,64”.
Requer a notificação do requerido para contestar e apresenta prova.
Por despacho de fls.23 é ordenada a citação do requerido para “no prazo de 15 dias impugnar o valor ou a idoneidade da garantia oferecida”.
Contesta o requerido, invocando o não cumprimento do n.º3 do art. 982.º do CPC, ou seja, a inexistência de prova do registo provisório da hipoteca, para além de alertar, na hipótese de deferimento, para o eventual desaparecimento das provas, pedindo a produção antecipada de prova.
Foi então proferido despacho que indeferiu o requerido, com o fundamento exclusivo de não ter sido presente desde logo o registo provisório, considerando que tal não era passível de sanação pelo requerente a convite do Tribunal.
Inconformado o requerente apresenta este recurso de agravo e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1.ª- O princípio geral que, na redacção do CPC anterior, se continha no art. 428 em que se estatuía que “oferecendo-se caução por meio de hipoteca ou consignação de rendimentos, apresentar-se-á logo certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda a certidão do seu rendimento colectável”, não foi transposto para a regulamentação da prestação de caução, provocada ou espontânea, emergente da Reforma de 95 pois nesta, não só se removeu a regulamentação processual da prestação de caução do Título I relativo às disposições gerais transferindo esse regulamentação para o Título respeitante aos processos especiais, como eliminou todo o art. 428.º e os princípios gerais que informavam qualquer um dos processos, de prestação forçada ou espontânea, de prestação de caução expressamente regulamentados.
2.ª- Na sua nova sistematização e regulamentação, enquanto processo especial, inexiste qualquer principio geral aplicável a qualquer prestação de caução, seja ela forçada ou espontânea, para além das que informam todos os vários processos especiais regulamentados no CPC, tendo, contudo o legislador mantido a regulamentação autónoma dos dois processos que fora já efectuada na anterior redacção do CPC, isto é, regulamentando nos arts. 981° a 987° o processo de prestação provocada ou forçada de caução, e no art. 988° o processo relativo à prestação espontânea.
3ª- De acordo com a letra da Lei, resultante da reforma de 95, aquele que pretenda prestar caução, seja por estar obrigado a presta-la, seja por ter o direito a presta-la, devera indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar – art. 988° nº 1 do CPC, inexistindo, assim, a obrigação para o Requerente da prestação espontânea de caução de, ao indicar como modo pretendido a constituição de hipoteca, juntar ab initio com a petição do respectivo registo provisório.
4ª- No domínio da legislação anterior à reforma de 1995 o principio geral contido no art. 428.0 do CPC, que impunha a obrigatoriedade da junção da certidão de registo provisório visava, apenas a tão só, acautelar os efeitos que a revelia do requerido fazia ope legis verificarem-se, pois, antes da reforma, e quando o réu era revel, ficava imediata e automaticamente julgada idónea a caução oferecida e o processo concluir-se-ia, inevitavelmente, pela procedência do pedido e pela definitiva prestação de caução, através da conversão do registo de hipoteca em definitivo, sendo, desta forma, pela existência deste efeito cominatório pleno no que tangia à idoneidade da garantia oferecida que se impunha a obrigatoriedade, ou a elevação a condição de procedibilidade da pretensão, da junção de certidão do registo provisório de hipoteca já que ficava assegurado que depois do oferecimento da hipoteca sobre prédios determinados não seriam estes onerados para garantia de outras obrigações em prejuízo daquela que se pretendia caucionar.
5ª- Na reforma de 1995 o legislador passou a conferir a revelia do requerido efeitos cominatórios semi-plenos, pois a revelia do requerido, seja na prestação provocada seja na espontânea, só determinara julgamento positivo sobre a idoneidade da caução oferecida caso o julgador a considere operante — cfr. art. 988º, n.º 3 do CPC, decidindo o julgador da procedência do pedido e fixando o valor da caução devida, quer quando o requerido não deduz oposição, quer, também, quando a revelia não deva considerar-se operante, de acordo com a tramitação prevista nos arts. 988.°, n.º 3, 983º e 984º do CPC.
6ª- A exigibilidade da junção da certidão comprovativa da realização do registo provisório visa, hoje em dia e desde sempre, permitir ao julgador e às partes aferirem da idoneidade da garantia hipotecaria oferecida em caução, e face à Lei actual, mesmo que o Requerente da prestação espontânea de caução registe provisoriamente a hipoteca e comprove tal facto na petição e o Requerido não deduza oposição, nada impede, e até se faculta a possibilidade, que o julgador não considere operante a revelia e proceda, por exemplo, as diligencias necessárias à apreciação da idoneidade da garantia que entendeu não poder apreciar face ao teor da petição, apesar do silencio do requerido.
7ª- Após a reforma de 95, resulta quer da letra da lei, especialmente no que respeita à regulamentação do processo de prestação espontânea de caução, quer do espírito da mesma, que a comprovação da realização do registo provisório de hipoteca, bem como a sua efectiva realização, não são considerados nem elevados à categoria de pressupostos processuais ou condições de procedibilidade, mas antes contendem com a apreciação do mérito da causa.
8ª- Basta ao Requerente da prestação espontânea de caução, a indicação do motivo fundamentador da sua prestação, seja ele decorrente de uma obrigação ou de uma faculdade ou de um direito, do valor a caucionar e do modo por que a quer prestar para que estejam reunidas as condições pare que possa ser proferida decisão de mérito sobre a sua pretensão, pois será no âmbito da apreciação do mérito dessa pretensão que, sobre o mais, só julgara idónea ou inidónea a caução oferecida pelo Requerente.
9ª- A realização do registo provisório de hipoteca e a sua comprovação através da certidão, visam apenas possibilitar a apreciação da idoneidade da garantia oferecida que mais não é do que um dos assuntos submetidos à apreciação e decisão substancial do Tribunal, maxime quando a prestação de caução é espontânea, o que, por regra, elimina e torna inútil a tramitação processual destinada à apreciação e decisão do direito ou dever de prestar caução, nada impedindo ou obstando que para ser atingida a decisão de mérito sobre a idoneidade da garantia, maxime em relação ao valor por que há-de ser prestada, se possam produzir meios de prova, perícias, inquirição de testemunhas, ou praticados actos e juntos documentos, como sejam o registo provisório de hipoteca e a certidão que o comprova, pois todos, a final, sustentarão a decisão que venha a ser proferida no que toca a idoneidade da garantia.
10ª- Elevando-se e atribuindo-se carácter de pressuposto processual ao registo provisório de hipoteca e sua comprovação por certidão, estar-se-á a condicionar a dedução em Juízo da pretensão do Requerente da prestação à prática de actos necessários e adequados à demonstração do mérito da mesma.
11ª- O entendimento que se subscreveu na douta decisão sob recurso no sentido de que o, suposto, pressuposto processual contido no art. 982° nº 3 do CPC exige que a hipoteca oferecida como caução esteja já provisoriamente registada antes da propositura da acção, traduz e significa a previsão na lei processual de um verdadeiro requisito substantivo à titularidade do direito de prestar caução, pois o titular do direito a prestar caução, maxime na hipótese do caucionamento por hipoteca, só estaria verdadeiramente nele constituído depois de concluído o processo registral necessário à sua inscrição provisória, revestindo, assim, o registo provisório de hipoteca, natureza constitutiva do direito a prestar caução, já que, sem a sua realização, esse direito não seria exercitável o que equivale a sua inexistência.
12ª- A previsão do actual nº 3 do art. 982° do CPC, penas encontra abrigo em razões quer de celeridade processual, quer da própria inércia de quem estava obrigado a prestar caução e não o havia efectuado até lhe ser exigida, já que, foi exactamente para a regulamentação da tramitação processual da prestação provocada de caução que foi transposto o princípio geral contido no art. 428° do CPC reformado referente a prestação de caução por hipoteca ou consignação de rendimentos.
13ª- Mesmo assim, face aos princípios que hoje norteiam todo o processo civil e o entendimento do próprio processo, não se poderá continuar a sufragar que a economia e celeridade processuais ficam melhor salvaguardadas através do indeferimento liminar ou consideração da irrelevância da caução oferecida pelo Requerido, na prestação espontânea e na provocada, respectivamente, quando apenas não se encontre lavrado ou comprovado o registo provisório de hipoteca, pois se o bem oferecido em hipoteca for idóneo ao caucionamento pretendido e a assegurar do crédito do Requerente, importará uma maior e desnecessária tramitação a prática de todos os actos previstos nos arts. 983° e 985° do CPC do que a notificação do Requerido para proceder ao registo provisório ou comprovar a sua realização.
14ª- No processo de prestação espontânea de caução é, ainda, mais flagrante, que a economia e celeridade processuais, melhor serão atingidas com a notificação do Requerente no sentido de proceder ao registo provisório ou à sua comprovação documental, pois com tal notificação, e realizado o registo ou comprovada a sua realização, o julgador apreciará logo o mérito da causa, ao passo que através do indeferimento liminar, apenas irá compelir o Requerente a intentar uma nova acção – criando um novo apenso na hipótese da pretensão ser incidental de uma outra causa, postergando para esses novos autos uma pretensão em tudo igual, excepção feita ao registo provisório da garantia que, desde sempre, o Requerente pretendia que fosse constituída a favor do requerido.
15ª- Na hipótese dos autos, o certo é que ultrapassada a fase da citação e tendo o Requerido deduzido oposição impunha o art. 988° nº 3, 2ª parte, que se desse cumprimento ao disposto nos arts. 983° e 984° do CPC, nada na lei impedindo que para a apreciação da idoneidade da garantia, já que o Requerido não se opôs ao valor a caucionar através da mesma mas apenas no que toca à sua idoneidade, se ordenasse a notificação do Requerente para realizar e comprovar a efectivação do respectivo registo provisório, a par de todas as outras diligencias e meios probatórios a produzir para que fosse proferida decisão de mérito sobre a idoneidade da garantia oferecida.
16ª- Sem prescindir, e mesmo a considerar-se que a realização do registo provisório e a sua comprovação por certidão constituem um pressuposto processual da prestação espontânea de caução, sempre, e salvo o devido respeito por opinião contraria, seria suprível a sua falta ou não verificação, pois de acordo com as disposições dos arts 265° e 508° do CPC é possibilitado, e até imposto, ao julgador a necessidade e dever de sanar, mesmo oficiosamente, e proceder ao suprimento dos pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância — art. 265° nº 2.
17ª- Não sendo o registo prévio e provisório da hipoteca oferecida em caução, maxime na hipótese de prestação espontânea de caução, facto constitutivo desse direito, pois nenhum dos normativos do CC que regulam a prestação de caução — 623° a 626° - o consagra, tal direito existe e é exercitável mesmo na ausência do registo provisório de hipoteca, pelo que, mesmo que se entenda que tal registo é necessário à regular constituição da relação jurídica processual, nada obsta ou impede que já depois desta constituída, ainda que comportando a irregularidade decorrente da inexistência de registo e respectiva comprovação documental, seja ordenada a realização do registo e a junção da certidão, sanando-se a irregularidade e permitindo ao juiz alcançar a decisão de mérito que as partes prosseguem, tanto mais porque sempre permanece incólume a sua relevância e objectivo dentro da tramitação processual tendente à constituição da caução, forcada ou espontânea, que se limita a permitir ao requerido a ao Tribunal aferir, apreciar a decidir da idoneidade da caução oferecida.
18ª- De acordo com o nº 2 do art. 508° sempre o Mmo Juiz a quo poderia ter, através do convite à correcção da petição inicial, sanado o vicio de que enfermaria, de acordo com a douta decisão sob recurso, já que não é taxativa a enumeração que aí se efectua no que toca ao suprimento e correcção dos vícios, tanto mais porque o próprio legislador utilizou na redacção do art. 508° nº 2 o vocábulo designadamente, não limitando, desta forma, a intervenção do juiz apenas às hipóteses ali previstas da falta de requisitos externos da petição a da falta de documento essencial.
19ª- Sendo, assim, possível e licito era o aperfeiçoamento da petição inicial, através do respectivo convite a que o requerente procedesse ao registo provisório da hipoteca e à sua comprovação em Juízo, tudo o que, a final, iria permitir, repisa-se, que, com maior celeridade a economia de meios Processuais, fosse apreciado o mérito da causa e "fosse dito o direito", decidindo-se, in casu e face ao teor da oposição do Requerido, se a garantia oferecida pelo Requerente e agora agravante era ou não idónea para caucionar o alegado direito de credito do Requerido.
Indica como violadas as disposições dos arts. 988°, 983°, 984°, 265°, 508° e 265°, 266° a 234° -A do CPC a dos arts. 623° a 626° do CC.
Contra-alega o agravado manifestando-se em defesa do decidido.
O despacho é mantido e são colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
Os factos a ter em consideração para a decisão são os que resultam do que já se deixou dito.
Em suma:
- O agravante apresenta-se a prestar voluntariamente caução, indicando o montante a caucionar e pretendo prestá-la com hipoteca sobre imóvel.
- Na petição inicial não vem referido o registo provisório da hipoteca.
-É proferido despacho que indefere a pretensão por entender que o 3 do art. 982.º do CPC exige que se apresente logo certidão do respectivo registo da hipoteca.
- Mais se afirma que a falta não é suprível na medida em que não se trata de junção de documentos.
Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.º n.º1 do CPC).
São-nos colocadas duas questões:
- Necessidade do registo prévio da hipoteca na caução espontânea;
- Uso de poder/dever de correcção da petição.
*
Registo prévio da hipoteca na caução espontânea.
Antes da actual Reforma do CPC, nas disposições gerais do processo estava englobado o Capítulo V, com o nome “Cauções”. Aí o art. 428.º n.º1 (Princípios Gerais) referia: “Oferecendo-se caução por meio de hipoteca... apresentar-se-á logo certidão do respectivo registo provisório”. Acrescentava o n.º3 que fixado o valor a caucionar, esta julgava-se prestada depois de averbado como definitivo o registo da hipoteca.
Sendo, como era, um princípio geral, sempre se entendeu que dizia respeito tanto à prestação espontânea como à forçada.
E foi com esta redacção que o Acórdão do STJ de 2/12/1986 citado no despacho posto em crise foi tirado.
Porém a Reforma de 95/96 veio a colocar a prestação de caução nos processos referentes às garantias das obrigações, dedicando-lhe os arts. 981.º a 990.º
Deixou de existir a designação de “princípio geral” e o citado n.º1 do art.428.º passou a constar do n.º3 do art.982.º, integrado na prestação forçada.
A questão que se coloca agora é a de saber se a Reforma, com a opção que tomou, quis retirar a exigência do registo prévio da hipoteca, na hipótese de prestação espontânea.
O preâmbulo do DL 329-A/95 de 12/12 refere que “se procedeu a uma reformulação do regime da prestação de caução, sobretudo no plano formal, com a finalidade de torná-lo mais lógico e coerente e, nessa medida, mais facilmente compreensível”. Tudo o que a seguir indica, nenhuma referência faz à hipoteca.
Logo, o legislador não pretendeu fazer qualquer alteração neste campo, apenas procedendo à arrumação dos princípios e alterando apenas o efeito cominatório pleno, a devolução de indicação do modo de prestação ao autor e o aperfeiçoamento do regime aplicável.
Tal como no Acórdão de 16/11/2000 desta Relação, no processo n.º 1406/2000- 3.ª secção, Relator Alves Velho, indicado no despacho, entende-se que o registo provisório da hipoteca é condição essencial para o seu oferecimento como caução, trate-se de processo de caução provocada ou espontânea. Como aí se refere “a caução hipotecária só se considera eficazmente oferecida quando conjuntamente, se apresenta a respectiva certidão de registo provisório”.
Deste modo improcede a primeira questão suscitada.
*
Possibilidade de sanação do vício.
Entende o agravante que deveria o juiz a quo ter, nos termos dos artigos 266.º, 266.º-A e 508.º n.º1 al. b), n.º 2 e 3 tê-lo convidado a aperfeiçoar o articulado ou a juntar a certidão do registo provisória da hipoteca.
Vejamos:
Dispõe o art. 508º n.º1 do CPC: “Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do art. 265º;
b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes.
2. O juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3. Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”.
E, nos termos do artigo 266.º n.º 1 do CPC “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
Acrescenta o n.º 2 deste preceito que “o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes......”.
“As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”, artigo 266-A do CPC.
No caso dos autos não vem alegado no requerimento de prestação voluntária de caução em que se oferece hipoteca de imóvel, que se tenha procedido ao registo provisório prévio, nem se junta certidão de tal facto.
Deveria o Mmo Juiz a quo, em vez de indeferir o requerido, ter notificado o requerente/agravante para proceder ao registo e juntar aos autos a respectiva certidão?
Entendeu a 1.ª instância que não e bem.
Ninguém coloca em causa que um dos princípios fundamentais do novo Código de Processo Civil é o da cooperação entre todos os intervenientes processuais.
Igualmente ninguém questiona que com a reforma processual civil se pretendeu “privilegiar a decisão de fundo” consagrando “como regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável”, tudo em vista da “eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere a justa e definitiva composição de um litígio, privilegiando-se, assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma”. [Cfr. Relatório do Dec. Lei. n.º 329/95 de 12.12]
Todavia, apesar desta ideia matriz de se privilegiar o mérito sob a forma o certo é que o legislador não impôs de forma genérica o convite ao aperfeiçoamento, o que dito de outro modo, significa que há regras que se impõe cumprir no sentido de se privilegiar uma cultura de responsabilidade em detrimento de uma cultura laxista.
O artigo 508.º do CPC comporta, desde logo e além do mais, duas vertentes bem distintas.
Por um lado – n.º 1 al. a) – deve o juiz providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, nos termos do artigo 265.º n.º 2. Estamos perante um poder-dever do juiz, um poder “vinculado”, poder esse que contém em si mesmo uma obrigação, que bem se compreende pela ideia global dos princípios processuais de dirimir de forma definitiva e perante todos os interessados a questão colocada ao Tribunal.
Por outro lado – n.º 1 al. b) – o despacho a convidar as partes no âmbito nos números 2 e 3 (que contempla situações diferentes, sendo o número 2 destinado a corrigir as irregularidades dos articulados e o número 3 destinado a completar articulados deficientes), apesar da diferença de terminologia usada (“o juiz convidará” - n.º 2 e “pode ainda o juiz” - n.º 3), consagra o designado “dever de prevenção”, pelo que não estamos perante um puro poder discricionário do juiz, mas é um despacho que o juiz poderá ou não proferir no seu prudente critério, sempre que se lhe afigure que o mesmo é necessário à justa composição do litígio despacho, (há quem veja no n.º 2 a existência de um “despacho vinculado e no n.º 3 um “despacho não vinculado”, por neste estar em causa um poder discricionário do juiz.
Não sendo um despacho arbitrário, ao livre capricho do Juiz, a verdade é que o mesmo goza de uma certa discricionariedade técnica. [No sentido de que este despacho se insere num quadro de poderes discricionários do juiz cfr.: na Doutrina Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 68”; Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 77 e ss; na Jurisprudência, entre outros Ac. STJ de 11. 5. 99, BMJ 487/244].
Aliás, tem entendido a Jurisprudência, de uma forma maioritária, que a omissão do despacho pré saneador de aperfeiçoamento de articulados deficientes (n.º 1 al. b) do artigo 508.º) não gera qualquer nulidade processual e não é sindicável por via recursiva. [Cfr. neste sentido e a título meramente exemplificativo Ac. R.C. de 28.09.2004, “2. O despacho pré-saneador de aperfeiçoamento de articulados deficientes, proferido ao abrigo do art.508.º, n.º 1 b) e n.º3 do CPC, não é um despacho vinculado, pois inscreve-se no poder discricionário do juiz [artigo 156.º, n.º (4 do Código de Processo Civil]. 3. A sua omissão não gera qualquer nulidade processual e não é sindicável por via recursiva”; Ac. R.C de 06.03.2001, “O poder-dever de o Juiz ordenar o suprimento das excepções dilatórias susceptíveis de sanação, nos termos do art. 265º nº2 do C.P.C., e bem assim, convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados [arts. 508º nº1 al. a) e b) do C.P.C.] não é sindicável por via de recurso”; Ac. R. C. de 09.05.2000, “I - O dever de prevenção consagrado na al. b) do nº1 do art. 508º do CPC (Reforma de 1995/1996) para a fase do pré-saneador assenta, no que respeita ao convite para o aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados, numa «previsão aberta» que não prescinde do olhar de ponderação do juiz sobre os articulados; Ac. R. Porto de 13.12.2001, “II - O poder de convidar a parte a corrigir o pedido não é vinculado e, por isso, não tem qualquer sanção”; Ac. R.P. de 16.10.2001, “A omissão do convite do juiz para o suprimento referido traduz-se na falta de um despacho de aperfeiçoamento não vinculativo, sem qualquer sanção”].
Acresce que não podemos esquecer que uma das traves mestras do nosso ordenamento jurídico, no que ao ramo do direito processual civil respeita, continua a ser o princípio do dispositivo. Às partes, designadamente ao Autor, compete apresentar ao tribunal uma pretensão devidamente clarificada e estruturada, municiada de todos os elementos necessários à procedência do peticionado. Às partes, designadamente ao Autor, compete apresentar ao tribunal uma pretensão devidamente clarificada e estruturada, municiada de todos os elementos necessários à procedência do peticionado.
Refere-se no recente Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2004, cujo Relator é o Conselheiro Neves Ribeiro: “Se é salutar a cooperação entre as partes, também se afigura importante a criação e desenvolvimento de uma cultura judiciária de responsabilidade, e de saber, que não tenha no juiz, o limite corrector dessa responsabilidade (ou irresponsabilidade: inconsciente ou provocada) ou desse saber, (ou ignorância: inconsciente ou provocada), quando se está perante uma clara ausência de um preceito legal, e de processo, que permita contar com a ajuda dos outros, suprindo faltas processuais graves, essenciais ao objecto do conhecimento, exactamente do que se pede ao tribunal, que conheça”. E continua o referido Acórdão “Em desfavor destas - das pessoas - vulgariza-se o princípio, igualmente respeitável, da preclusão processual civil, agravando o factor da incerteza do tempo da definição do direito; e introduz-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça, acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do "deixar andar "ou do "erra que o Juiz corrige!"”.
O princípio da cooperação tem assim de ser temperado pelo princípio da responsabilidade das partes, não podendo estas esperar que o Juiz tudo venha a suprir (tanto mais que o Juiz não pode ser visto como o depositário da sabedoria infinita, que tudo sabe e tudo resolve, suprindo as lacunas das partes).
Nenhuma nulidade é, pois, cometida com a omissão do despacho a permitir a correcção. [Veja-se neste sentido o Ac. STJ de 29 de Janeiro de 2004, Relator Conselheiro Araújo Barros “Em todo o caso, três razões nos levam a considerar inócua a omissão do julgador (se é que de omissão se tratou): por um lado, a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreve apenas produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, naturalmente de forma desfavorável para o arguente (art. 201°, nº 1, do C. Proc. Civil)”].
Concluir-se-á que é verdade que o art. 508.º do CPC, nomeadamente a al. b) do seu número 1 e dos números 2 e 3 não confere, como se referiu, um poder discricionário, mas isso apenas significa que o juiz há-de convidar a aperfeiçoar a peça apresentada se entender que existem razões que o justifiquem (as quais deverão ser estritamente formais, ou de natureza secundária, ligadas à apresentação ou formulação do articulado). Tal significa isto que as enfermidades reveladas não devem ser de natureza substantiva de forma a condenar ao fracasso a petição, pois nesse caso, significaria a prática de um acto processual inútil, que o próprio legislador proíbe, artigo 137.º do CPC.
Não vemos qualquer razão para censurar o decidido
DECISÃO:
Nestes termos se decide negar provimento ao presente agravo, mantendo-se o despacho impugnado.
Custas pelo agravante.
PORTO, 14 de Fevereiro de 2006
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho