Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
319/10.2TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: SUSPENSÃO
CONTRATO DE TRABALHO
COOPERATIVA
MEMBRO DA DIREÇÃO
PROCESSO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP20120909319/10.2TTGDM.P1
Data do Acordão: 09/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o trabalhador sido nomeado membro da direção de uma cooperativa, o respectivo contrato de trabalho fica suspenso a partir dessa nomeação e enquanto o trabalhador se mantiver no exercício daquelas funções.
II - Durante a suspensão, se desaparece transitoriamente o dever de trabalhar, mantém-se o dever de colaborar lealmente com o empregador.
III - Tendo sido imputada ao trabalhador, na nota de culpa, que este, como membro da direcção, tinha exigido dinheiro a parceiros negociais da empregadora, condicionando o prosseguimento dos projectos à efectiva entrega do mesmo e dizendo ainda que o dinheiro era para ele e para mais alguém, nomeadamente para o Presidente da direcção e que alguém tinha que dar a cara, tais factos, se provados, poderiam dar, como deram, origem a processo disciplinar e respectiva sanção disciplinar, por posto em crise, de forma grave, o dever de lealdade perante a empregadora.
IV - Decretado o despedimento com aqueles fundamentos, improcede a acusação, se os mesmos não resultaram provados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1780.
Proc. nº 319/10.2TTGDM.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B… intentou a presente ação, com processo comum, contra C…, CRL, pedindo que, declarando-se a ilicitude do despedimento, seja a Ré condenada:
a) a reintegrá-lo na empresa (conforme opção a fls.764 dos autos);
b) a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, até transito em julgado da decisão do tribunal, deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da ação, computando-se as já vencidas no montante global de € 9.048,85;
c) a pagar-lhe a quantia global de € 25.281,09 referente ao exercício das funções de vogal nos meses de fevereiro (€ 5.416,94) março (€ 6.019,44), abril (€ 6.019,44), maio (€ 6.019,44) e junho (€ 1.805,83) de 2009;
d) a pagar-lhe, a título de férias e subsídio de férias, vencidas em 1 de janeiro de 2009, a quantia de € 12.038,88 (€ 6.019,44 x 2);
e) a pagar-lhe a quantia de € 9.029,16 (€ 3.009,72 x 3), a título de férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação;
f) a pagar-lhe a quantia de € 100.000, pelos danos não patrimoniais sofridos.
Alegou, para tanto, e em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré, por contrato individual de trabalho, em 1 de outubro de 1998, desde tal data e até 9 de junho de 2009 o Autor trabalhou sob a Autoridade, direção e fiscalização do Réu, exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de Diretor de Departamento Administrativo.
Como correspetivo do seu trabalho o Autor auferia, à data da cessação do contrato, a retribuição mensal de € 3.029,41, acrescida de subsídio de alimentação no montante de € 6,41 por cada dia efetivo de trabalho.
Por ser considerado por todos os seus superiores um trabalhador dedicado, o Autor foi convidado pela Direção da Ré, a integrar a mesma, assim sendo, em 2002, foi eleito em Assembleia-geral para exercer as funções de Vogal da Direção da Ré entre 2002/2004, passando consequentemente a fazer parte integrante da mesma, o que sucedeu até à data da cessação do contrato de trabalho.
No dia 15 de janeiro de 2008 a Ré instaurou Processo prévio de Inquérito com fundamento na alegada prática por parte do Autor de “atos suscetíveis de lesarem o bom-nome da instituição, da Direção e da pessoa do seu Presidente”, suspendendo-o preventivamente do exercício das suas funções, sem perda de retribuição.
Concluído o processo prévio de inquérito, a Ré remeteu ao Autor, por carta datada de 11 de março de 2003, Nota de Culpa, onde o mesmo foi, em síntese, acusado de ter exigido dinheiro aos Parceiros da Ré (Dr. D… e Dr. E…) nos negócios em Trás-os-Montes, como condição de o projeto comum avançar, e de ter afirmado que o dinheiro não era só para ele, mas para mais alguns, nomeadamente o Prof. F…, Presidente da Direção, acrescentando ainda que na Ré era assim que as coisas funcionavam e de ter agido “de forma consciente e deliberada, tendo em vista a obtenção ilícita, ilegal e imoral, de benefícios financeiros para si próprio, usando o nome a representação que exercia da sua entidade patronal, bem como o nome do Presidente da C…, tornando a sua atuação culposa, tendo afetado a credibilidade e o bom nome da instituição C…, bem como o bom nome da pessoa do seu presidente, constituindo tais factos, segundo a empregadora, justa causa para o seu despedimento.
Terminada a instrução do processo disciplinar instaurado ao Autor a Ré, dando por provada a matéria constante da Nota de Culpa, comunicou ao Autor e à sua mandatária, por carta datada de 8 de junho de 2009, mas apenas rececionada por estes em 9 de junho de 2009, que havia decidido aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa.
Mais alegou o A. que são falsos os factos alegados na nota de culpa e que, desde o seu despedimento e com a postura assumida por diversos membros da Direção de ré, que fizeram questão de denegrir a excelente imagem de que o autor sempre gozou, a boa imagem, nome e reputação do autor saíram desoladoramente abaladas, levando a que o mesmo perdesse grandes oportunidades de negócio e a confiança que sempre gozou no mercado de trabalho.
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Contestou a Ré, por impugnação, sustentando a justeza do despedimento perante os factos imputados na decisão disciplinar.
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Foi proferido despacho saneador e organizadas a especificação e a base instrutória, da qual reclamaram Autor e Ré, tendo a do primeiro sido parcialmente atendida.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, foi, posteriormente, proferida a seguinte sentença:
«Declarar ilícito o despedimento de que o Autor foi objeto por parte da Ré em 8 de junho de 2009.
- Condenar a Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho.
- Condenar a Ré a pagar ao Autor todas as prestações que deixou de auferir desde a data do despedimento, mas nunca antes da cessação de funções do Autor como vogal da Direção da Ré, até a data do trânsito em julgado da sentença ou da efetiva reintegração, se anterior, com base na retribuição mensal de 3.029,41 e de subsídio de alimentação no montante de € 6,41 por cada dia efetivo de trabalho, com as eventuais posteriores alterações da tabela salarial praticada pela Ré correspondente à categoria profissional de Diretor de Departamento Administrativo, a liquidar incidentalmente, se necessário, e a que haverá de deduzir-se as retribuições devidas relativamente ao período anterior aos 30 dias anteriores à propositura da ação e todas as quantias que o Autor tenha comprovadamente obtido e que não teria recebido se não tivesse sido o despedimento, nomeadamente subsídio de desemprego, as quais deverão, neste caso, ser pela Ré entregues à segurança Social».
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a R., formulando as seguintes conclusões:
A sentença recorrida decide apenas de direito. Contudo, não deixa de fazer alusão à matéria de facto, embora isso ocorra de forma ligeira e sem qualquer análise aprofundada ou crítica da mesma, numa palavra sem fundamentação, ou nos seus próprios termos “A talhe de foice”.
Na hipótese, que se admite, de se entender que a sentença não decide apenas de direito, mas também de facto, invoca-se desde já a NULIDADE prevista no art. 668º nº 1 b) e d) do CPC, uma vez que estamos perante uma ausência absoluta de fundamentação e de pronúncia sobre questões que deveriam ter sido apreciadas pelo tribunal.
A sentença recorrida ignora a causa de pedir e vai além do pedido, invocando argumentos que não foram alegados pelo Autor, o que ultrapassa os pressupostos previstos no art. 74º do Código de Processo do Trabalho, o que a torna NULA nos termos do disposto no art. 668º nº 1 e) do CPC.
A sentença recorrida mostra-se infundada. A solução legal vertida na decisão prevê a manutenção do poder disciplinar da entidade empregadora mesmo na hipótese de suspensão do contrato de trabalho, o que ocorre por força do disposto no art. 295º nº 1 do Código do Trabalho sempre que o comportamento do trabalhador não pressuponha o efetivo exercício da prestação de trabalho. Ora, a sentença invoca apenas o disposto no art. 398º do CSC, preceito este que, nos termos do disposto no art. 9º do Código Cooperativo, nem sequer tem aplicação automática por analogia às cooperativas. Salvo melhor opinião, falta na sentença afastar a ressalva contida na parte final do nº 1 do art. 295º do CT.
Concorrentemente com isto, a sentença não fundamenta porque razão se entendeu que o Autor agiu apenas e só como “representante” da Ré, e não como seu trabalhador. E não é demais lembrar que o próprio Autor, corroborado por algumas das testemunhas por si indicadas, alegou, até à exaustão, que os serviços que executou para os parceiros eram pessoais (como a própria sentença confirma) e nada tiveram a ver com a C….
Desta forma, e nos termos do disposto no art. 668º nº1 b) e d) do CPC, a sentença é NULA.
No seguimento e ainda no âmbito do que se disse na conclusão anterior, verifica-se de forma evidente que a sentença se contradiz, apresentando fundamentos que são contraditórios com a decisão. Na verdade, dizer-se que o Autor agiu apenas como “representante” da Ré é de todo incompatível e contraditório com o afirmar-se que aquele executou apenas serviços pessoais para os parceiros e que isso nada tinha a ver com a C…. Esta enorme contradição na própria fundamentação leva a que se mostre errada a solução de considerar que a Ré não tinha poder disciplinar sobre o Autor, seu trabalhador, isto porque se deve relembrar aqui o que dispõe, de forma clara, o art. 295º nº 1 do CT.
Desta forma, e nos termos do disposto no art. 668º nº1 c) do CPC, a sentença é NULA.
Os factos assentes no nº 11 da matéria provada não têm suporte em quaisquer provas, não se percebendo de que forma o tribunal os relevou, nem isso está explicado. Diz-se aí que os parceiros da Ré solicitaram (sublinhado nosso) ao Autor que este procedesse a uma reestruturação de todas as empresas em que tinham participação. No entanto, apenas o Autor afirma isso na petição inicial. As outras pessoas que podiam saber dessa matéria, D…, G… e E…, são unânimes ao afirmarem que nada pediram ou encomendaram ao Autor, e que este fez tudo por sua livre e própria iniciativa.
Afirmam ainda ter sido o Autor a arquitetar toda a estrutura dos negócios não lhes pediram qualquer opinião. E… diz mesmo que nunca pensou que tinha de pagar honorários ao Autor. Veja-se o que dizem as testemunhas em causa, nos seus depoimentos juntos na transcrição em anexo:
E…: 1ª gravação 01:46:37 – págs. 1 a 40
D…: 9ª gravação 02:05:52 – págs. 166 a 224
G…: 10ª gravação 00:33:00 – págs. 225 a 241
A matéria dada por assente no ponto 14º dos factos provados está incompleta, pois o Autor não disse apenas que o dinheiro era só para ele. É o que ressalta de forma clara do depoimento das duas pessoas que estavam presentes com o Autor nesse momento. A testemunha D… refere que o Autor terá dito que o dinheiro não era só para ele, e que era para mais alguém, nomeadamente o Prof. F…, que as coisas eram assim na C…, que alguém tinha de dar a cara. Aliás, esta testemunha refere que o Autor terá dito isto mesmo várias vezes em vários locais, como Bragança, Mirandela, Porto e mesmo nas instalações da C….
Por sua vez, a testemunha E… confirma que o Autor disse que o dinheiro não era só para ele, que era para mais alguém e que as coisas funcionavam assim na C…. Mais disse que entendeu a referência a mais alguém como sendo dirigida a outros elementos da C…. Apenas não confirmou a referência direta ao presidente da C…. Salvo o devido respeito por opinião diversa, estes depoimentos apontam no sentido de se dar como provado, no mínimo, que o Autor disse ainda que o dinheiro era para mais alguém, e que essa menção foi entendida pelo parceiro E… como dirigida aos outros membros da direção da Ré. Acresce que, ainda se mostra aceitável dar como provado que o Autor referiu o nome do presidente da C… como um dos destinatários do dinheiro, atento o facto de duas testemunhas com conhecimento direto o terem afirmado sem hesitações ou dúvidas.
Veja-se o que dizem as testemunhas em causa, nos seus depoimentos juntos na transcrição em anexo:
E…: 1ª gravação 01:46:37 – págs. 1 a 40
D…: 9ª gravação 02:05:52 – págs. 166 a 224
G…: 10ª gravação 00:33:00 – págs. 225 a 241
Contrariamente ao que se refere na sentença a jurisprudência não é unânime no entendimento de que é incompatível a prestação laboral coincidentemente com o exercício de um cargo de administração ou gerência. Veja-se, por exemplo, o Acórdão desta Relação do Porto, proferido em 30.11.2009 na Apelação nº 995/07.3TTMTS.P1 – 4ª Secção, onde se faz a resenha histórica da “querela” em volta desta questão, dando conta que “… entendiam uns que o exercício da gerência ou da administração é incompatível com o contrato de trabalho … Outros, porém, entendiam que era possível descortinar funções diferentes para o exercício dos dois diferentes estatutos, pelo que, não viam qualquer incompatibilidade que a mesma pessoa física exercesse os dois tipos diferentes de atividade”, concluindo-se que, mesmo após a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente a matéria vertida no art. 398º, esta não é aplicável analogicamente às sociedades por quotas, como resulta do Acórdão do STJ de 29.09.1999, in BMJ nº 489, págs. 232 a 238, e ainda in Acórdãos Doutrinais do STA, nº 461, 2000, págs, 784 e ss. Continuando, diz-se ainda que “Trata-se de solução que parte da análise da realidade envolvente das sociedades por quotas em que, muitas vezes, o sócio gerente trabalha ao lado do seu empregado, desempenhando as mesmas funções, para além das funções de sócio gerente.” E ainda: “Posteriormente tem-se vindo a afirmar que pode existir exercício simultâneo de cargos sociais com a execução de contrato de trabalho desde que se possa distinguir o conjunto de tarefas correspondentes a cada uma das funções porque, sendo assim, nunca ocorrerá o conflito entre a subordinação jurídica e a direção societária, pois este teria de respeitar ao mesmo leque de funções. Mais, afirma-se inclusive que as funções de administrador e de gerência podem ser exercidas através de um contrato de trabalho, pois o poder patronal radica no conselho de administração e na assembleia geral …”.
No caso dos autos, as funções que o Autor desempenhou para a Ré, junto dos parceiros, estavam perfeitamente identificadas como sendo as que resultam da sua qualidade de chefe do departamento administrativo e financeiro. Não faz qualquer sentido que o Autor tenha feito o trabalho que fez despido da veste de trabalhador e apenas investido do título de diretor, como se pretende na sentença recorrida.
Com o devido respeito, cremos que o tribunal não entendeu corretamente o sucedido (art. 685º-B nº 1 a) do CPC).
As funções de um diretor são outras, mais ligadas com a definição política da estratégia a seguir pela empresa. No caso concreto, o trabalho do Autor fez-se no terreno, no exercício pleno das funções de chefe de departamento. Pelo que, é totalmente descabida de sentido e fundamento a tese de que o Autor era “representante” da Ré e não seu trabalhador, e que esta não tinha poder disciplinar sobre aquele. Este erro de apreciação e julgamento provocou um outro erro, este de direito, com incorreta interpretação e consequente violação do disposto no art. 398º do Código das Sociedades Comerciais e do art. 295º nº 1 do Código do Trabalho.
A primeira daquela normas impunha que o tribunal tivesse proferido o entendimento de que o Autor agiu como trabalhador da Ré e, conjugando isso com o que dispõe o segundo preceito, no caso de suspensão do contrato de trabalho como se defende na sentença, então estava presente a ressalva prevista no nº 1 deste último dispositivo, ou seja, mantinha-se o poder disciplinar da Ré sobre o Autor porque este agiu fora do âmbito do seu contrato de trabalho. Julgando desta forma o tribunal não poderia nunca dar procedência à ação nem acolher a ilicitude do despedimento.
10ª Resulta do estipulado no art. 295º nº1 do Código do Trabalho que os deveres e direitos das partes, in casu, o poder disciplinar da Ré e o dever de lealdade do Autor para com aquela, mantêm-se e perduram durante a suspensão do contrato, ainda que os factos tenham sido praticados pelo Autor durante e no exercício de um cargo de direção. Mantêm-se quer o Autor tenha agido na veste de diretor quer o tenha feito como trabalhador.
11ª A aplicação subsidiária do CSC às cooperativas não é automática ou imperativa. Dispõe o art. 9º do Código Cooperativo que: “Para colmatar as lacunas do presente Código que não o possam ser pelo recurso à legislação complementar aplicável aos diversos ramos do setor cooperativo, pode recorrer-se, na medida em que não se desrespeitem os princípios cooperativos, ao Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente aos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas.” (negrito e sublinhado nossos). Vale isto por dizer que, a aplicação analógica do art. 398º do C.S.C. às cooperativas deve fazer-se caso a caso, constatando-se que a sentença recorrida nem sequer aborda esta questão, pelo que, também não fundamenta de que forma se justifica a analogia em causa.
12ª Cremos ser jurisprudência unânime a que defende a manutenção do poder disciplinar do empregador sobre um trabalhador com contrato suspenso pelo exercício de cargo de administrador ou diretor, nos casos em que não esteja em causa o efetivo exercício da prestação de trabalho. Assim, e na nossa modesta opinião, todos os factos relacionados com essa questão deveriam ter sido levados à base instrutória, e não o foram. Este entendimento parece resultar do disposto no art. 511º nº1 do CPC, na esteira do que se argumenta no Acórdão da Relação de Lisboa, nº 26/10.6TTBRR-A.L1-4, proferido por unanimidade, em 02.11.2011.
13ª Se está dito no art. 511º nº 1 do CPC que o juiz, ao fixar a base instrutória, seleciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida, então é isso mesmo que deveria ter sucedido no caso dos autos, mas decididamente não ocorreu, pois a sentença ignora a ressalva da parte final do nº 1 do art. 295º do CT. Pelo que, teria sido mais sensato, e acertado do ponto de vista legal, que a sentença justificasse, ou fundamentasse, porque não cuidou de afastar aquela ressalva da lei laboral, porque, salvo o devido respeito, era dever do tribunal, em obediência ao citado preceito da lei processual civil, acautelar na base instrutória toda a matéria que se mostrasse relevante para as várias soluções da questão de direito.
14ª E ainda seria assim, mesmo que isso apenas servisse para a fundamentação da decisão de direito que está vertida na sentença, pois teria sido necessário que o tribunal se tivesse debruçado sobre os factos praticados pelo Autor, e relatados na nota de culpa, atento que a própria tese sustentada na sentença prevê uma hipótese de exercício do poder disciplinar mesmo com o contrato suspenso, a qual se verifica quando os factos praticados não envolvem o efetivo exercício da prestação de trabalho. E não é demais lembrar que é a própria sentença que nos diz ter-se provado que, afinal, esses factos correspondem a serviços pessoais prestados pelo Autor aos parceiros da Ré, pelos quais cobrou honorários. Estaremos todos de acordo que a prestação de trabalho do Autor ao serviço da Ré nunca poderia pressupor “estes serviços pessoais”.
15ª Em sensivelmente metade da página 18 da sentença o julgador resumiu a breve alusão à matéria de facto, quando, “A talhe de foice” nos vem dizer que a solução sempre seria a mesma na hipótese de não proceder a tese que perfilhou.
Discorda-se em absoluto, e constata-se que, além do erro grosseiro de direito, a sentença anuncia um outro não menos grave, agora de facto
16ª Diz a sentença, e vale a pena reproduzir:
Com efeito, ficou provado que o Autor, ao mesmo tempo que cuidava dos negócios da Ré, prestou serviços pessoais aos parceiros da Ré nesses negócios, pelos quais cobrou honorários.
Não vemos nisso qualquer irregularidade ou infração disciplinar. Na verdade, nem sequer vem alegado que tais serviços sejam incompatíveis com os interesses da Ré ou que lhe tenham causado prejuízos. Nada nos autos demonstra que a imagem da Ré tenha publicamente ficado abalada. A tese de que o Autor não prestou qualquer serviço aos terceiros parceiros da Ré não se provou.
Pode o comportamento do Autor ter sido, como defende a Ré, moralmente criticável, por estar simultaneamente a cuidar dos interesses de diferentes parceiros negociais, situação que facilmente se confunde com e não exclui a corrupção, tanto mais que, como resulta dos factos provados, não houve previamente qualquer acordo sobre honorários.
No entanto, não nos compete a nós, enquanto julgador cível, tecer qualquer consideração moral sobre a questão, sendo nossa obrigação cingirmo-nos ao aspeto jurídico da causa.”
Apetece dizer que o que acaba de se transcrever é, no mínimo, chocante.
Vejamos:
16ª Quanto aos “serviços pessoais” pelos quais o Autor cobrou honorários, bastaria dizer que as pessoas envolvidas no assunto forma claras, inequívocas e unânimes quando disseram que não encomendaram qualquer serviço ao Autor, nada lhe pediram, nunca este lhes havia condicionado algo a troco de honorários.
Falamos dos parceiros que acabaram por pagar ao Autor a quantia que este lhes exigiu, ou seja, D… e esposa G… e E…. Este último acrescentou mesmo que nunca pensara que tinha que pagar honorários, além de ter achado a quantia exorbitante. Tudo isto é possível de verificar na transcrição dos depoimentos das testemunhas que se junta em anexo:
E…: 1ª gravação 01:46:37 – págs. 1 a 40
D…: 9ª gravação 02:05:52 – págs. 166 a 224
G…: 10ª gravação 00:33:00 – págs. 225 a 241
17ª E quando se lê que o comportamento do Autor não envolve qualquer irregularidade ou infração disciplinar, o choque aqui é brutal! O tribunal valida ao Autor comportamentos inaceitáveis do ponto de vista do dever de lealdade que o trabalhador deve à entidade empregadora, e não releva como disciplinarmente ilícitas as exigências indevidas de dinheiro aos parceiros da Ré, ameaçando fazer ruir os projetos nem o facto de se dizer que isso é uma prática habitual e que o dinheiro também era para mais alguém incluindo o presidente da instituição, e que alguém tinha de dar a cara.
18ª Já antes se disse, mas diz-se de novo, as mesma pessoas atrás referidas confirmaram integralmente estes factos, com uma única ressalva, feita pela testemunha E… que disse apenas não ter ouvido a menção direta ao presidente da Ré, mas sempre explicando que entendeu a referência a outras pessoa da Ré como sendo feita aos membros da sua direção. O depoimento destas pessoas é inequívoco e firme, e elas são as únicas que podiam ter conhecimento destes factos, além, claro está do Autor. O casal I… fez uma explicação detalhada da forma como o Autor lhes exigiu o dinheiro, das ameaças que fez, da quantidade de vezes que o fez e dos sítios onde isso sucedeu. Tudo isto resulta sem margem para dúvidas dos depoimentos destas três pessoas:
E…: 1ª gravação 01:46:37 – págs. 1 a 40
D…: 9ª gravação 02:05:52 – págs. 166 a 224
G…: 10ª gravação 00:33:00 – págs. 225 a 241
19ª Não é verdade que a Ré não tenha alegado prejuízos decorrentes do comportamento do Autor. Isso consta desde logo da nota de culpa e foi reforçado na contestação.
20ª Diz-se e pode-se ler ainda naquela meia página que o comportamento do Autor pode ter sido moralmente criticável, por ter tratado simultaneamente dos interesses de diferentes parceiros, e que isso facilmente se confunde e não exclui a corrupção, até porque resulta dos factos provados que não houve qualquer acordo prévio quanto a honorários. Ora aqui está algo que realmente tem interesse! Mas temos que acrescentar e completar este raciocínio. Não é só moralmente criticável.
Também o é no plano legal, e o tribunal tinha obrigação de se pronunciar quanto a isso.
21ª Se um comportamento de um trabalhador é suscetível de, no mínimo, se aproximar da corrupção, e é a sentença que o diz, e se isso é denunciado pela sua entidade patronal, que se sentiu lesada, a situação não pode ficar apenas no plano da moralidade, pois já há muito que passou para o plano da ilicitude e da infração disciplinar, e tem a ver, sem dúvida, com o aspeto jurídico da causa. Andou mal o tribunal ao não ver as coisas deste modo.
22ª A imagem e o bom nome quer da Ré quer do seu presidente saíram abaladas com o comportamento do Autor, como não podia deixar de ser. Isso mesmo resulta do depoimento do casal I… e de várias das testemunhas indicadas pelo Autor, nomeadamente, J…, K…, L… e M…, que tentaram passar uma imagem negativa da Ré e em especial da sua direção, melhor dizendo das pessoas que integram este órgão, imputando-lhes atividades e negócios com terceiros que seriam prejudiciais para a Ré, como resulta dos seus depoimentos transcritos em anexo:
J…: 3ª gravação 00:50:57 – págs. 55 a 82
K…: 4ª gravação 00:33:58 – págs 82 a 100
L…: 5ª gravação 00:47:42 – págs. 100 a 122
M…: 8ª gravação 00:33:22 – págs 146 a 166
23ª Essa postura das testemunhas indicadas pelo Autor está de acordo com a estratégia deste, que pretendeu criar a ideia de que não era só ele a fazer negócios com terceiros. Porém, o Autor esqueceu-se, e o tribunal não reparou nem relevou, mal diremos nós, que os terceiros neste caso também eram parceiros, e não se conseguiu provar uma única situação idêntica á que lhe vem imputada nos autos e que se possa associar a outro membro da direção da Ré.
24ª Não pode aceitar-se que o tribunal se demita de averiguar se é ou não disciplinarmente censurável que um trabalhador exija dinheiro aos parceiros da sua entidade patronal, ameaçando que não faz o seu trabalho e que, por conseguinte, provoca a queda dos projetos em curso, acrescentando ainda que o dinheiro tem que ser pago porque na sua entidade patronal é assim que as coisas funcionam e que o dinheiro é para mais alguém, nomeadamente para o presidente, e que alguém tem que dar a cara!
25ª A decisão perfilhada na sentença, além de incorreta, infundada e inaceitável, pode mesmo originar uma impossibilidade de procedimento disciplinar e de punição dos factos constantes da nota de culpa. Na verdade, na altura do processo de inquérito prévio de processo disciplinar subsequente, o Autor já não era diretor da Ré, pela simples razão de a direção a que ele pertencia se ter demitido e na nova lista concorrente às eleições o mesmo não ter tido lugar. Logo, não sendo diretor era apenas trabalhador, pelo que, e estando em vigor e intocável o poder disciplinar da Ré sobre aquele (art. 295º do CT), o processo disciplinar afigura-se o meio idóneo e legal de averiguar e, se fosse caso disso, e foi, punir os factos denunciados e imputados ao Autor.
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Contra-alegou o A., pedindo a confirmação do decidido.
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Nesta Relação, o Ex,mo Sr. Procurador geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual respondeu a recorrente.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
1°- Por contrato individual de trabalho, o Autor foi admitido, em 1 de outubro de 1998, ao serviço da Ré, sob a autoridade, direção e fiscalização desta [al. A) da Especificação].
2°- Exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de Diretor de Departamento Administrativo desta [al. B) da Especificação].
3°- Como correspetivo do seu trabalho o Autor auferia, à data da cessação do contrato, a retribuição mensal de € 3.029,41, acrescida de subsídio de alimentação no montante de € 6,41 por cada dia efetivo de trabalho desta [al. C) da Especificação].
4°- Em 2002 o Autor passou a integrar a administração da Ré, tendo sido eleito em Assembleia-geral para o cargo de Vogal da sua Direção entre 2002/2004, 2005/2008 e 2009/2012 [al. D) da Especificação].
5°- Na qualidade de Vogal da Direção da Ré o Autor auferiu a retribuição mensal, de janeiro a agosto de 2008, de € 4.888,58; de setembro a dezembro de 2008, de € 5.895,63; e a partir de janeiro de 2009, de € 6.019,44 [al. E) da Especificação].
6°- No dia 15 de janeiro de 2009 a Ré instaurou Processo prévio de Inquérito, tendo então suspendido o Autor preventivamente do exercício das suas funções, sem perda de retribuição. [al. F) da Especificação].
7°- Por carta datada de 11 de março de 2009, Ré remeteu ao Autor Nota de Culpa, a que este respondeu em 30 de março 2009 [al. G) da Especificação].
8°- Por carta de 8 junho 2009, recebida a 9 de junho, a Ré comunicou ao Autor a decisão de despedimento sob alegação de justa causa. [al. H) da Especificação].
9º- O Autor era considerado, por todos os seus superiores, um trabalhador dedicado, diligente, zeloso e muito competente, recebendo regularmente congratulações e incentivos pelo trabalho realizado, sendo por isso que foi convidado pela Direção da Ré a integrar a sua administração (Quesito 1º da B.I.).
10º- No ano de 2007, especialmente a partir de abril, o Autor conduziu, em representação da Ré, o processo negocial com os Dr. E… e Dr. D…, com vista à promoção, formulação e execução, na zona de Trás-os-Montes, de um projeto, na área da saúde, da “C1…, S.A.”, empresa esta detida a 100% pela Ré, nomeadamente através da constituição da “N…, S.A.” (que veio a ser registada no dia 02.11.2007 com 60% de capital da C1…, S.A., 20% da família E… e esposa e 20% da família D… e esposa) (Quesito 2º da B.I.).
11º- No decurso desse processo, que conduziu à criação da referida “N…” e à transmissão para esta das quotas das sociedades proprietárias das clínicas, dominadas por aqueles Dr. E… e Dr. D…, estes Parceiros solicitaram ao Autor que procedesse a uma reestruturação de todas as empresas em que tinham participação, o que o Autor fez, tendo nomeadamente trabalhado na criação, em 15/10/2007, de uma sociedade, a “O…, S.A.” gestora de todas as “participações sociais” dos referidos Dr. E… e Dr. D…, tendo o Autor posteriormente apresentado honorários por tal trabalho, e tendo aqueles Dr. E… e Dr. D… pago ao Autor a quantia de € 25.000, mediante um cheque de € 15.000, descontado no dia 30.11.2007, e outro de € 10.000, descontado no dia 09.01.2008 (Quesito 3º da B.I.).
12º- No final do ano de 2007 e princípios de 2008, o Autor, em representação da Ré, conduziu também negociações com os mesmos parceiros supra referidos, tendo em vista a criação do denominado P…, que se consubstanciava no projeto Q…, tendo o Autor, para esse efeito, mantido várias reuniões com os citados parceiros, as quais decorreram em …, Porto, Mirandela e Bragança (Quesito 4º da B.I.).
13º- No decurso dessas negociações, os referidos Parceiros entenderam necessário alterar o pacto social da empresa “S…”, de que eram sócios, com vista a prepará-la para o objetivo final do citado projeto, do que foi o Autor por eles encarregado (Quesito 5º da B.I.).
14º- No dia 21 de abril de 2008, em Mirandela, no escritório do Dr. E…, na presença deste e do Dr. D…, o Autor apresentou os seus honorários, que o Dr. D… achou caros, tendo o Autor dito que o dinheiro não era só para si, pelo que, após negociação, acordaram em que aqueles pagariam ao Autor a quantia de € 50.000 (Quesito 6º da B.I.).
15º- Ainda antes de o processo disciplinar estar concluído, o Vice-Presidente da Ré telefonou aos presidentes das Câmaras de … e de … a informar do teor do referido processo e que o Autor iria ser despedido e expulso da Cooperativa Ré (Quesito 7º da B.I.).
16º- O despedimento do Autor e a sua causa foram conhecidos por inúmeras pessoas, que o confrontaram com a veracidade dos factos, o que lhe provocou desconforto, humilhação, vergonha e tristeza e o deixou deprimido, tendo recorrido a um psicólogo (Quesito 8º da B.I.).
17º- É do conhecimento da Ré que alguns dos seus colaboradores prestam habitualmente serviços remunerados a terceiros (Quesito 9º da B.I.).
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Fixação da matéria de facto:
Antes de mais, o ponto nº 7, por provado documentalmente, passa a ter a seguinte redação:
«Por carta, datada de 11 de março de 2009, a Ré remeteu ao Autor a seguinte Nota de Culpa, a que este respondeu em 30 de março 2009, tendo aquela o seguinte teor:
1. No ano de 2007, especialmente a partir de abril, o Dr. B…, em representação da C…, conduziu o processo de promoção, formulação e execução, na zona de Trás-os-Montes, dos negócios na área da saúde pela C1…, SA, detida a 100% pela C…, nomeadamente através da constituição da N…, SA, com 60% de capital da C1…, SA, 20% da família E… e esposa e 20% da família D… e esposa.
2. No decurso deste processo, e no momento em que decorria a transmissão das quotas das sociedades detentoras das clínicas, pertencentes aos parceiros, tendo em vista a constituição da referida N…, o Dr. B…, agindo sempre como representante da C… junto daqueles parceiros, exigiu ao Dr. E…, como compensação pelo trabalho por si desenvolvido, a quantia de 25.000 €, que este veio a pagar-lhe, mediante dois cheques, um de 15.000 € descontado no dia 30.11.2007 e outro de 10.000 €, descontado no dia 09.01.2008. A N… foi registada no dia 02.11.2007.
3. No final do ano de 2007 e princípios de 2008, o Dr. B…, em representação da C…, conduziu as negociações com os mesmos parceiros supra referidos, tendo em vista a criação do denominado P…, que se consubstanciava no projeto Q…. Para esse efeito, o Dr. B… manteve várias reuniões com os citados parceiros, Dr. E… e esposa Dra. T…, as quais decorreram em …, Porto, Mirandela e Bragança, e visaram preparar as várias estruturas societárias dos parceiros para o objetivo final do citado projeto.
4. No decurso dessas negociações, e por diversas vezes, o Dr. B… sugeriu aos dois parceiros que lhe fosse entregue uma quantia equivalente a 50% do valor da venda das quotas da S…, alegando que a continuidade do projeto estava diretamente dependente da entrega desse dinheiro, o qual se destinava a si próprio e a outros elementos da C…, nomeadamente o Prof. F…. Mais acrescentou que na C… era assim que as coisas funcionavam.
5. No dia 21 de abril de 2008, em Mirandela, no escritório do Dr. E…, na presença deste e do Dr. D…, o Dr. B… exigiu a estes parceiros a entrega da quantia referida no ponto nº 4, para que o processo avançasse, e que essa quantia não era só para ele, mas para mais alguém. Após discussão ficou acordado um valor inferior, fixado em 50.000 €.
6. O Dr. B… recebeu a referida quantia de 50.000 €, tendo o próprio admitido esse pagamento, ocorrido em 21.04.2008, mediante três cheques da família I…, no valor individual de 9.000 € os dois primeiros e 7.000 € o terceiro, e em 28.04.2008, mediante três cheques do Dr. E…s, dois no valor individual de 7.500 € e um de 10.000 €.
7. Os pagamentos referidos no ponto anterior ocorreram poucos dias após a compra pela N… das ações da S…, e da emissão dos cheques C1…, SA para os parceiros, que no caso do pagamento à família I… ocorreu no dia 04.04.2008, mediante dois cheques, nºs ………. e ………., no valor individual de 46.848,10 €.
8. O Dr. B…, na qualidade de diretor do departamento financeiro da C…, detentora a 100% da C1…, SA, tinha conhecimento do momento em que ocorreriam os pagamentos referidos no ponto anterior, tendo intensificado a exigência do dinheiro aos parceiros próximo dessa data.
9. O Dr. B… agiu da forma supra descrita, de forma consciente e deliberada, tendo em vista a obtenção ilícita, ilegal e imoral, de benefícios financeiros para si próprio, usando o nome e a representação que exercia da sua entidade patronal, bem como o nome do presidente da C…, tornado a sua atuação culposa.
10. Esta atuação do Dr. B… afetou a credibilidade da Instituição C…, bem como o bom nome da pessoa do seu presidente.
11. Esta mesma atuação do Dr. B…, por via da gravidade e das consequências descritas nos pontos 9 e 10, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo motivo de justa causa para despedimento, nos termos do disposto no art. 396º n° 1 e nº 2 do Código do Trabalho.
12. A ofensa grave da imagem e credibilidade da C…, resultante da conduta do Dr. B…, constitui ainda uma lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, na medida dos danos que essa situação pode causar na celebração futura de outros negócios, o que, nos termos do disposto no art. 396° n° 3 alínea e) do Código do Trabalho é motivo de justa causa para despedimento.
13. O comportamento do Dr. B…, na parte referente à alusão da pessoa do presidente da C…, constitui uma ofensa grave à honra do mesmo, de caráter injurioso e difamatório, o que, nos termos do disposto no art. 396º nº 3 alínea i), constitui motivo para despedimento com justa causa.
14. O comportamento do Dr. B… supra descrito, viola, de forma muito grave, o dever de lealdade para com a entidade empregadora, previsto nos termos do disposto no art. 121º nº 1 alínea e) do Código do Trabalho».
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Nas suas alegações, e conclusões, a recorrente pretende a alteração da decisão da matéria de facto, considerando que foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os pontos nºs 11, correspondente à resposta dada ao quesito , e 14, correspondente à resposta dada ao quesito .
Para tanto, a recorrente fundamenta essa pretensão nos depoimentos indicados.
E, na verdade, a audiência de julgamento decorreu com gravação dos depoimentos prestados, estando estes, assim, acessíveis, nos termos e para os efeitos do art. 712º, nº 1, al. a), do CPC.
Inexistindo, assim, quaisquer obstáculos formais à modificação da decisão da matéria de facto, vejamos se a sua pretensão pode proceder no plano substantivo.
Recordemos apenas que esta Relação, ao reapreciar a prova, não pode ir ao ponto de tornar letra morta o princípio fundamental da livre apreciação das provas por parte do tribunal de 1ª instância (cf. art. 655º, nº 1, do CPC), a menos que este tribunal tenha incorrido em erro na apreciação do valor probatório dos concretos meios de prova.
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- quesitos nºs 3 e 6.
Vejamos antes de mais o seu teor:
: «No decurso deste processo, e no momento em que decorria a transmissão das quotas das sociedades detentoras das clínicas, pertencentes aos parceiros, tendo em vista a constituição da referida N…, o Autor, agindo sempre como representante da C… junto daqueles parceiros, exigiu ao Dr. E…, como compensação pelo trabalho por si desenvolvido, a quantia de € 25.000, que este veio a pagar-lhe, mediante dois cheques, um de € 15.000 descontado no dia 30.11.2007 e outro de € 10.000 descontado no dia 09.01.2008?»
6º: «No dia 21 de abril de 2008, em Mirandela, no escritório do Dr. E…, na presença deste e do Dr. D…, o Autor exigiu a estes parceiros a entrega da quantia anteriormente referida, para que o processo avançasse, e que essa quantia não era só para ele, mas para mais alguém, tendo ficado acordado, após discussão, a quantia de € 50.000?»
Tais quesitos, como supra referido, tiveram as respostas constantes dos pontos nºs 11 e 14 supra transcritos.
Pretende a recorrente que tais quesitos deviam ter diferentes respostas, nomeadamente dando como provado que o A. exigiu as quantias referidas nos quesitos e ainda, no tocante ao quesito 6º, que a quantia aí referida se destinava a si próprio e a outros elementos da C…, nomeadamente o Prof. F….
Para tanto, invoca os depoimentos das testemunhas E…, D… e G….
Vejamos.
Após a audição atenta dos depoimentos produzidos, nomeadamente das testemunhas, E…, D… e G…, estes intervindo como parceiros negociais, podemos concluir que o Autor participou nas negociações dos projetos da Ré, na área da saúde, a partir de abril de 2007, e do ensino, a partir de finais de 2007, e que o fez a mando e em representação da Ré, e que, nas circunstâncias referidas, nos pontos controversos, recebeu as quantias referidas.
Na verdade, daqueles depoimentos extrai-se que aqueles parceiros negociais da Ré solicitaram ao Autor que este procedesse a uma reestruturação de todas as empresas em que tinham participação e que tais trabalhos solicitados ao Autor nada tinham a ver com os negócios da Recorrente.
Para tal conclusão, não podemos omitir o depoimento da testemunha J…, advogada, referindo ter sido quem, a pedido do Autor, preparou e apresentou a registo o pacto social elaborado pelo Autor relativo à S…, que antes pertencia aos referidos Parceiros da Ré e K….
Mais controversa a questão de saber se o A., na reunião do dia 21.04.2008, disse que o dinheiro recebido era para elementos da C… e sobretudo para o Presidente da C….
Na verdade, se a testemunha E… foi perentória quanto aos serviços prestados pelo Autor, a ele próprio e ao seu então amigo e parceiro de negócios D…, sobre a obrigação destes os pagarem em partes iguais (a testemunha disse ao Dr. D…, na reunião de 21 de abril de 2008, “foi trabalho e tem que ser pago, ninguém trabalha de graça”), embora de inicio não tenham sido quantificados os honorários, mas que foram posteriormente negociados e aceites, foi igualmente perentória, quando referiu que, na reunião do dia 21.04.2008, onde apenas estiveram ela e a testemunha D…, o A. “nunca disse que esse dinheiro recebido era para elementos da C… e sobretudo para o Presidente da C…. Isso é falso!”.
Este depoimento mostrou-se fortemente contraditório com os depoimentos da testemunha D… e de sua mulher G… – esta, no entanto, confirmou que não esteve presente na citada reunião – estas, afirmando que o A. terá, nessa reunião, proferido tal imputação sobre o destino do dinheiro.
Da conjugação destes depoimentos, tão contraditórios entre si, não esquecendo o relevo a dar ao art. 516º do CPC, entendemos que as respostas dadas, seguindo esta orientação, e traduzindo a livre e ponderada convicção do M.mo Juiz “a quo”, não merecem censura, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.
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Nas conclusões 12ª e 13ª a recorrente não deixa de sugerir a necessidade de uma ampliação da matéria de facto, invocando, de uma forma genérica, que deviam ter sido ter sido levados à base instrutória todos os factos relacionados com a questão da manutenção do poder disciplinar do empregador sobre um trabalhador com contrato suspenso pelo exercício de cargo de administrador ou diretor.
Improcede tal pretensão, desde logo, porque a recorrente não indica qualquer facto que, alegado, justifique a necessidade do seu conhecimento.
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3. Do mérito.
Nesta sede, a recorrente suscitou as seguintes questões:
- nulidade da sentença;
- existência de justa causa para o despedimento.
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3.1. Nulidade da sentença.
Sustenta a recorrente a nulidade da sentença, nos termos das alíneas b), c), d) e e) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Vejamos o primeiro dos fundamentos – alínea b).
- Falta de fundamentação:
Nesta parte, a recorrente nem sequer concretiza a falta de fundamentação da sentença, limitando-se a uma imputação genérica.
Ora, como é pacífico na doutrina e jurisprudência, esta nulidade só se verifica se faltar, em absoluto, a indicação dos fundamentos de facto e de direito.
Uma simples leitura da sentença permite, sem mais considerações, concluir que a mesma se encontra devidamente fundamentada, de facto ou de direito.
Não pode é a recorrente, como sucede, no caso, confundir falta de fundamentação da sentença com o seu direito de censura da mesma fundamentação, por dela discordar.
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2º vício: oposição entre os fundamentos e a decisão: alínea c).
Alega a recorrente que a sentença se contradiz, apresentando fundamentos que são contraditórios com a decisão: dizer-se que o Autor agiu apenas como “representante” da Ré é de todo incompatível e contraditório com o afirmar-se que aquele executou apenas serviços pessoais para os parceiros e que isso nada tinha a ver com a C….
Não podemos concordar.
O recorrente confunde erro de julgamento com nulidade da sentença.
Como logo resulta da simples análise da sentença, esta não padece do apontado vício, uma vez que os fundamentos invocados pelo M.mo Juiz deveriam logicamente conduzir à solução final.
De facto, na sentença, entendeu-se que o A. agiu como representante da ré e por tal facto, estando suspenso o seu contrato de trabalho, não detinha a ré qualquer poder disciplinar sobre o mesmo, pelo que o seu despedimento foi ilícito, e acrescenta que, sempre e de qualquer forma, os serviços pessoais prestados pelo autor aos parceiros da ré não constituíam qualquer irregularidade ou infração disciplinar, pelo que sempre o despedimento seria ilícito.
Distinta é a questão de saber se tal solução foi a correta, o que a seguir será objeto de apreciação, mas tal questão configura, eventualmente, apenas um erro de julgamento, não uma contradição entre os fundamentos e a decisão.
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- 3º vício: omissão de pronúncia: alínea d).
Sustenta a recorrente que a sentença recorrida omitiu o seu dever de pronúncia sobre a efetiva conduta do Autor, não analisou a matéria de facto, os depoimentos das testemunhas e os documentos que o Autor diz ter produzido, por forma a esclarecer se, no caso concreto, se verificava ou não a ressalva contida na parte final do nº 1 do art. 295 do Código do Trabalho.
Novamente o recorrente confunde erro de julgamento com incumprimento pelo juiz do dever prescrito no nº 2 do art. 660º do CPC.
Ora, no caso, o tribunal pronunciou-se sobre a questão nuclear que lhe era posta pela recorrente, a existência, ou não, de justa causa para o despedimento do Autor.
Não concorda o recorrente com a solução final do tribunal, para tanto, indicando diversa fundamentação, mas isso já nada tem a ver com o alegado vício.
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- 4º vício: excesso de pronúncia: alínea e).
Alega a recorrente que a decisão recorrida vai além do que foi pedido, ignorando em absoluto a causa de pedir na ação, uma vez que nunca o Autor alegou que agiu unicamente na qualidade de diretor da Ré, nem invocou tal qualidade para estar a salvo do poder disciplinar desta.
Improcede tal alegação.
Com efeito, na sua petição inicial, o autor pede, no essencial, que nomeadamente, que seja declarado ilícito o seu despedimento, sendo que a sentença recorrida, como resulta da sua leitura, conheceu justamente dessa questão, sustentando a ilicitude do despedimento.
Improcedem, pois, as alegadas nulidades.
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3.2. Existência de justa causa para o despedimento.
A sentença recorrida considerou ilícito o despedimento do A., para tanto, discorrendo da seguinte forma:
«Começaremos por sublinhar um facto a que inexplicavelmente, diga-se de passagem, nenhuma das partes deu o devido relevo, quer no âmbito do processo disciplinar, quer no deste processo judicial, a saber, que o Autor, desde 2002 até 1012, passou a integrar a administração da Ré, tendo sido eleito em Assembleia-geral para o cargo de Vogal da sua Direção, como provado ficou, facto este que, aliás, não mereceu qualquer controvérsia.
E no entanto, este facto é crucial para a análise da situação jurídica do caso em litígio.
Assim, é certo que os factos imputados ao Autor foram praticados na qualidade de membro do órgão representativo da Ré. É, aliás, a própria ré quem alega repetidamente que o autor agiu sempre em representação da Ré.
Ora, assim sendo, é inquestionável que à data dos factos o contrato de trabalho entre o Autor e a Ré se encontrava suspenso, por incompatibilidade natural. Na verdade, sendo a Administração, quer se trate de Administração individual, quer de um órgão colegial, a personificação de uma pessoa coletiva (já que estas não passam de um mero conceito jurídico), aos membros da Administração faltará sempre o elemento da subordinação essencial à manutenção do contrato de trabalho.
Embora o contrato de trabalho não caduque com a passagem de um trabalhador para a situação de gerente da empregadora, dado se tratar de uma impossibilidade temporária, certo é que o contrato de trabalho estava suspenso.
Assim vêm decidindo os nossos mais Altos tribunais, v.g. o Ac. STJ de de 24.11.2004, in Proc. 04S2164.ITIJ.Net.
Também o Ac. RP de 25.1.2005, in JTRP00037644.dgsi.Net (entre outros), decidiu que “o exercício das funções de sócio gerente de uma sociedade comercial por quotas é incompatível com o exercício de funções subordinadas nessa mesma sociedade, próprias do contrato de trabalho”.
Isto será assim mesmo ainda que, como parece resultar dos factos provados, o Autor continue a receber da Ré a quantia que antes correspondia ao seu salário e ainda que porventura o Autor continue, enquanto Administrador, a executar as funções que anteriormente executava como trabalhador subordinado, situação esta que terá agora de ser considerada como prestação de serviços, já que o elemento da subordinação jurídica deixou de existir ao ser eleito para o cargo de administrador.
Isto assente, põe-se a questão: poderá o trabalhador com o contrato de trabalho suspenso ser disciplinarmente punido?
A doutrina e a jurisprudência têm sido unânimes em responder afirmativamente desde que a infração não pressuponha o exercício efetivo da prestação de trabalho. Em tese geral, estamos de acordo. Ponha-se a hipótese de um trabalhador, com o contrato de trabalho suspenso por motivos de cumprimento do serviço militar, ter perpetrado um furto às instalações da sua empregadora. Obviamente que, nesse caso, a decisão disciplinar de despedimento era legítima e lícita.
Mas, pergunta-se, e se os factos imputados tiverem, como foi o caso dos autos, sido praticados enquanto entidade empregadora? (como se disse, a gerência, individual ou coletiva, é a personificação da pessoa coletiva do empregador).
Neste caso, somos a considerar que cessam em absoluto, por confusão, os direitos e deveres de ambas as partes, porque na verdade apenas existe uma única pessoa. Com efeito, não faria sentido que se exigisse ao trabalhador lealdade, respeito, urbanidade, honestidade para consigo próprio, enquanto representante do empregador.
“I - Mantendo-se, durante a suspensão do contrato de trabalho, os direitos e deveres das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, persiste, durante aquele período, o poder disciplinar da entidade patronal… II – Quando o contrato de trabalho subordinado se encontrar suspenso por o trabalhador ter passado a exercer as funções de Administrador na mesma empresa onde até então laborara como trabalhador subordinado, não pode ser punido disciplinarmente como trabalhador por factos praticados como administrador; Em tal hipótese, o sancionamento de comportamento incorreto como administrador é a destituição desse cargo” – Ac. STJ, de 27.3.2001, AD 476º - 1221.
Nem de outro modo poderia ser, pela própria natureza das coisas.
No caso dos autos, repete-se, o Autor, no que concerne aos factos praticados, sempre agiu na qualidade de representante da Ré, como repetidamente esta invoca.
Donde teremos de concluir pela procedência da ação, no que respeita ao pedido de declaração de ilicitude do despedimento.
A talhe de foice, sempre se dirá que, ainda que tal tese não procedesse, a solução sempre seria a mesma.
Com efeito, ficou provado que o Autor, ao mesmo tempo que cuidava dos negócios da Ré, prestou serviços pessoais aos parceiros da Ré nesses negócios, pelos quais cobrou honorários.
Não vemos nisso qualquer irregularidade ou infração disciplinar. Na verdade, nem sequer vem alegado que tais serviços sejam incompatíveis com os interesses da Ré ou que lhe tenham causado prejuízos. Nada nos autos demonstra que a imagem da Ré tenha publicamente ficado abalada. A tese de que o Autor não prestou qualquer serviço aos terceiros parceiros da Ré não se provou.
Pode o comportamento do Autor ter sido, como defende a Ré, moralmente criticável, por estar simultaneamente a cuidar dos interesses de diferentes parceiros negociais, situação que facilmente se confunde com e não exclui a corrupção, tanto mais que, como resulta dos factos provados, não houve previamente qualquer acordo sobre honorários.
No entanto, não nos compete a nos, enquanto julgador cível, tecer qualquer consideração moral sobre a questão, sendo nossa obrigação cingirmo-nos ao aspeto jurídico da causa.
Em conclusão, improcedendo os motivos justificativos invocados para o despedimento, deve este considerar-se ilícito …».
Concordando-se, no essencial, com esta fundamentação, não podemos deixar de introduzir algumas notas complementares.
Antes de mais, salientar que apenas podem relevar para esta questão os factos atinentes à conduta imputada ao autor nos pontos 3º a 13º da nota de culpa, uma vez que, na sentença recorrida, se declarou, relativamente aos factos constantes do ponto da mesma nota, a prescrição do procedimento disciplinar.
Tal decisão, nesta parte, não foi impugnada, pelo que transitou a mesma em julgado, não podendo o mesmo factualismo ter, agora, qualquer relevância na apreciação da justa causa.
No tocante à suspensão do contrato de trabalho, por o A., como trabalhador, ter passado a exercer as funções de vogal da direção da Ré, concorda-se com a fundamentação, na linha da jurisprudência citada.
O Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 51/96, de 7 de setembro, (com as alterações introduzidas pelo Decretos-Lei nºs 343/98, de 6 de novembro, 131/99, de 21 de abril, 108/2001, de 6 de abril, 204/2004, de 19 de agosto, e 76-A/2006, de 29 de março), não regula diretamente a situação dos Presidentes das Cooperativas, determinando no seu art. 9.º a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais (CSC), nomeadamente a legislação referente a sociedades anónimas.
De acordo com o art. 398.º, n.º 1, do CSC, durante o período para o qual foram designados, os administradores (ou membros da direção das cooperativas) não podem exercer na sociedade (ou na cooperativa), quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de um contrato de trabalho, subordinado ou autónomo.
E quando for designado administrador (ou membro da direção de Cooperativa) uma pessoa que tenha um contrato de trabalho com duração há mais de um ano, este suspende-se.
Por isso, com base em tal normativo legal, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, de modo uniforme, que tendo um trabalhador de uma sociedade anónima, ou de uma cooperativa, sido nomeado administrador da sociedade, ou Presidente da Direção da Cooperativa, o respetivo contrato de trabalho fica suspenso a partir dessa nomeação e enquanto o trabalhador se mantiver no exercício daquelas funções – entre outros, neste sentido, os acórdãos de 30-09-2004, de 24-11-2004, de 07-03-2007, de 09-04-2008 e de 07-05-2008, disponíveis em www.dgsi.pt.
Isto é: tem a referida jurisprudência entendido que o art. 398º do CSC não admite o cúmulo, num mesmo sujeito, das qualidades de Administrador de uma sociedade anónima (ou de Presidente de uma Cooperativa) e de trabalhador, subordinado ou autónomo, dessa mesma sociedade ou cooperativa, seja a constituição do vínculo laboral anterior, simultânea ou posterior à da relação de administração, entendimento este que sufragamos.
Dito isto, vejamos o caso dos autos.
Desde logo, estando suspenso o contrato de trabalho, a Ré, como se vê da nota de culpa supra transcrita, imputou ao A. a prática de factos ilícitos, mas exclusivamente emergentes da sua atuação como membro da direção, ou seja, que o autor, nessa qualidade, tinha exigido dinheiro aos parceiros condicionando o prosseguimento dos projetos à efetiva entrega do mesmo e dizendo ainda que o dinheiro era para ele e para mais alguém, nomeadamente para o Presidente da direção e que alguém tinha que dar a cara.
Ora, e divergindo da sentença, entendemos que provados tais factos, o que, como se vê da decisão de facto, não sucedeu, os mesmos poderiam dar, como deram, origem a processo disciplinar e respetiva sanção disciplinar, se, posto em crise, de forma grave, o dever de lealdade perante a empregadora.
Neste sentido, o entendimento do Prof. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, pags. 856-857, referindo que com a suspensão do contrato, se desaparece transitoriamente o dever de trabalhar, se mantém o dever de colaborar lealmente com o empregador.
Sucede, no entanto, e aí também divergindo da sentença, que os factos provados, ora interessantes, constantes dos pontos nºs 12 a 14, apenas revelam que o Autor, pela prestação de vários serviços prestados a terceiros, os parceiros negociais, Drs. E… e D…, e por estes solicitados, destes recebeu, com o seu acordo, honorários no valor de € 50.000.
Tais factos, no entanto, independentemente, da sua gravidade, não constam da nota de culpa e subsequente decisão disciplinar, pelo que nunca poderiam ser tomados em conta na presente ação para apreciação da justa causa de despedimento, como resulta do art. 387º, nº 3, do CT/2009, com redação idêntica à do art. 435º, nº 3, do CT/2003.
Assim, embora por razões não inteiramente coincidentes, não podemos deixar de confirmar a decisão recorrida.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 09-09-2013
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
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Sumário elaborado pelo relator:
I- Tendo o trabalhador sido nomeado membro da direção de uma cooperativa, o respectivo contrato de trabalho fica suspenso a partir dessa nomeação e enquanto o trabalhador se mantiver no exercício daquelas funções.
II. Durante a suspensão, se desaparece transitoriamente o dever de trabalhar, mantém-se o dever de colaborar lealmente com o empregador.
III. Tendo sido imputada ao trabalhador, na nota de culpa, que este, como membro da direcção, tinha exigido dinheiro a parceiros negociais da empregadora, condicionando o prosseguimento dos projectos à efectiva entrega do mesmo e dizendo ainda que o dinheiro era para ele e para mais alguém, nomeadamente para o Presidente da direcção e que alguém tinha que dar a cara, tais factos, se provados, poderiam dar, como deram, origem a processo disciplinar e respectiva sanção disciplinar, por posto em crise, de forma grave, o dever de lealdade perante a empregadora.
IV. Decretado o despedimento com aqueles fundamentos, improcede a acusação, se os mesmos não resultaram provados.

José Carlos Dinis Machado da Silva