Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0645315
Nº Convencional: JTRP00040027
Relator: CUSTÓDIO SILVA
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
Nº do Documento: RP200702070645315
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Não constitui depoimento indirecto a afirmação de uma testemunha de que ouviu o arguido dizer que era o condutor de um automóvel que acabara de intervir num acidente de viação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão elaborado no processo n.º 5315/06 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)
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1. Relatório
Na sentença de 30 de Maio de 2006, consta do dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a acusação procedente por provada e, por via disso:
Condeno o arguido B………., como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, n.º 1, do C. Penal, na pena de multa 120 (cento e vinte) dias, à taxa diária de € 3 (três euros), no total de € 360 (trezentos e sessenta euros).
Condeno o arguido na pena acessória de inibição de conduzir por quatro meses”.
O arguido veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões:
“1ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal.
2ª - Realizada a audiência de discussão e julgamento, decidiu a Meritíssima Juiz a quo julgar provados, nomeadamente, os seguintes factos:
No dia 31/07/2005, cerca das 02,43 horas, o arguido circulava na via pública, na EN .., ao km 54,800, no ………., ………., Lousada, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-GI, quando foi interveniente num acidente de viação – despiste.
O arguido conduzia aquela viatura sob o efeito de uma TAS de 1,74 g/l.
O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que lhe não era permitida a condução de qualquer veículo automóvel na via pública, após ingestão de bebidas alcoólicas em quantidades susceptíveis de ultrapassar o limite legal de teor de álcool no sangue e que toda a sua conduta era proibido e punível por lei.
3ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, consideramos que os factos supra referidos (no que concerne à condução de veículo automóvel pelo arguido), vertidos nos pontos 2.1, 2.2 e 2.3 da decisão ora impugnada, foram incorrectamente julgados provados e, consequentemente, que, atenta a ausência de sustentação probatória, deveriam ter sido julgados não provados.
4ª - O Tribunal fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto nas declarações da testemunha C………., soldado da GNR – BT, que referiu ter falado no local com o arguido, que se identificou como o condutor da viatura, bem como em regras da experiência da vida, que não permitiam concluir, à falta de prova noutro sentido, que a declaração do arguido, naquele momento, não tinha correspondência com a realidade.
5ª - O Arguido utilizou o direito que lhe é atribuído pelo artigo 61º, n.º 1, alínea c), do CPP, e recusou prestar declarações em audiência acerca dos factos que lhe vinham imputados.
6ª - A testemunha C………., inquirida em audiência, afirmou que o arguido estava no local do despiste e se assumiu como condutor.
7ª - Mais afirmou que chegou ao local muito após o despiste, não viu o recorrente conduzir o veículo, nem o viu sequer no seu interior, sendo que no local se encontravam várias pessoas.
8ª - A descrição do comportamento punível do crime em cuja prática o recorrente foi condenado integra o seguinte elemento objectivo: conduzir veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada.
9ª - Este facto, objectivo, não foi apreendido directamente pela testemunha C………., por recurso aos sentidos de que dispõe.
10ª - A razão de ciência da testemunha emerge indirectamente dos factos, alicerçando-se no que ouviu dizer ao arguido.
11ª - A testemunha reproduz declaração oral do recorrente anterior à sua constituição como arguido.
12ª - O sobredito depoimento, órfão de qualquer meio de prova auxiliar, é insuficiente para formar, em quem julga, a convicção, para além de qualquer dúvida razoável, de que o recorrente praticou os factos de que vinha acusado.
13ª - É um depoimento indirecto, não podendo servir como meio de prova, em virtude de o arguido ter exercido o seu direito de não prestar declarações em audiência.
14ª - A convicção do Tribunal fundou-se em prova proibida.
15ª - A douta sentença sub judice violou o disposto nos artigos 129º e 61º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e 292º, n.º 1, do Código Penal.
16ª - Deve, desta sorte, a douta sentença sub judice ser revogada e substituída por outra que absolva o recorrente da prática do crime que lhe vem imputado”.
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2. Fundamentação
O objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, do C. de Processo Penal – v., ainda, o ac. do S. T. J., de 15 de Dezembro de 2004, C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.
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Há que, então, definir qual a questão que se coloca para apreciação e que é a seguinte:
No âmbito da produção de prova, e a respeito da prova testemunhal, teve lugar depoimento indirecto, que serviu como meio de prova, em oposição ao que determina o art. 129º, n.º 1, do C. de Processo Penal?
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Consta da sentença sob recurso, em termos de enumeração dos factos provados e dos factos não provados, bem como da exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o seguinte:
“2. Motivação de facto:
Produzida a prova, da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
2.1. No dia 31/07/2005, cerca das 02,43 horas, o arguido circulava na via pública, na EN .., ao km 54,800, no ………., ………., Lousada, conduzindo o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-GI, quando foi interveniente num acidente de viação - despiste.
2.2. O arguido conduzia aquela viatura sob o efeito de uma TAS de 1,74 g/l.
2.3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que lhe não era permitida a condução de qualquer veículo automóvel, na via pública, após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidades susceptíveis de ultrapassar o limite legal de teor de álcool no sangue e que toda a sua conduta era proibida e punível por lei.
2.4. O arguido encontra-se desempregado, vivendo com a ajuda dos pais.
2.5. É reputado como boa pessoa, educado e bom condutor no meio social em que se insere.
2.6. Não tem antecedentes criminais.
Não há factos alegados que tenham resultado não provados.
3. Da convicção
O Tribunal valorou:
O depoimento da testemunha C………., soldado da GNR-BT de Penafiel, que de forma serena, isenta e coerente referiu que no dia em causa nos autos se encontrava em serviço de patrulha, tendo-se deparado com um acidente (despiste), em que o carro despistado era o em causa nos autos. Elaborou a respectiva participação do acidente (que se encontra arquivada no destacamento de Porto, ao qual pertence a Brigada de Penafiel), tendo falado no local com o arguido, que se identificou como o condutor da viatura. Este é um facto constatado pessoalmente pelo Sr. Agente, não constante de auto de tomada de declarações que tenha tomado ao arguido nessa qualidade e, como tal, sendo do seu conhecimento directo, não configura método proibido de prova, podendo o tribunal “… valorar o depoimento de um PJ (…) acerca de factos de que tomou conhecimento directo, mercê da vigilância a que procedeu ao local do crime ou da investigação que fez a partir da denúncia de indivíduo cuja identidade não foi revelada, ou ainda do que observou aquando da busca efectuada”, como vem entendendo a jurisprudência dos tribunais superiores (vide a este propósito o ac. STJ de 25/09/97, in BMJ 469-351).
Se é certo que o silêncio do arguido não o pode prejudicar, também não pode, à luz do princípio de presunção de inocência, beneficiá-lo a todo o custo. O arguido, ao remeter-se ao silêncio, renunciou, assim, ao direito, até, de poder esclarecer o porquê das suas declarações, designadamente se as mesmas não tinham correspondência com a realidade.
Como resulta das regras da experiência da vida, logo no momento do acidente, os seus intervenientes, ainda sob o efeito da “surpresa” do mesmo, proferem declarações consentâneas com a realidade, pois que ficam de certa forma privados da sua capacidade de improviso, de elaboração de uma versão não realista dos acontecimentos, donde não se pode concluir, à falta de prova noutro sentido, que a declaração do arguido naquele momento não tivesse correspondência com a realidade.
Valoraram-se as declarações do arguido no que se refere à sua situação económica e pessoal; as declarações das testemunhas D………., E………., F………. e G………., que, de forma serena, isenta e coerente atestaram as características da personalidade e vivência do arguido.
O CRC encontra-se a fls. 12, o resultado do teste de alcoolemia a fls. 5-A”.
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Em termos de apertada síntese, para que a sentença sob recurso tivesse dado como verificado o tipo objectivo de ilícito em causa (com previsão e punição no art. 292º, n.º 1, do C. Penal), deu como assente que o arguido havia conduzido automóvel, na via pública, com uma taxa de álcool no sangue igual a 1,74 g/l (superior, portanto, a 1,2 g/l).
E, para tanto, a prova que produzida foi, em audiência, limitou-se à prova testemunhal.
Na verdade, foi a testemunha C………. quem, no seu depoimento, deu a conhecer que, tendo interpelado o ora arguido, na sequência de um despiste de um automóvel ligeiro de passageiros, e por força das funções que exercia (era, então militar da Guarda Nacional Republicana), despiste que, no entanto, não presenciara, veio a receber dele mesmo a informação de que era ele quem conduzia o dito automóvel no momento em que o despiste se dera.
Por isso, veio o arguido, na presente sede, dizer, em termos essenciais (é claro que não deixou de levar a cabo a apreciação dessa mesma prova, o que, perante o contido no art. 127º do C. de Processo Penal, só teria que se haver por juridicamente irrelevante ...), que se deparava situação de depoimento indirecto, que, de acordo com o previsto no art. 129º, n.º 1, de C. Penal, não podia servir de prova.
Podemos dizer, já: o arguido não tem razão.
Mas vamos ver porquê.
Nos termos do art. 55º, n.º 2, do C. de Processo Penal, é da competência, especial, dos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícias do crime e descobrir os seus agentes.
E de acordo com o que rege o art. 249º, n.ºs 1 e 2, al. b), de C. de Processo Penal, é incumbência dos órgãos de polícia criminal colher informações das pessoas que facilitarem a descoberta dos agentes do crime.
Foi, manifestamente, o que aquela testemunha, naquela precisa qualidade, fez; e nada mais do que isto.
E foi exactamente isto que veio dizer aquando da prestação, em audiência, do seu depoimento, dando nota de um (precisamente aquele) facto.
Está-se, assim, face a um depoimento de testemunha que constatou o arguido a dizer o que lhe disse; não, perante um depoimento indirecto.
Não vemos necessidade (nem utilidade), por se estar bem longe da situação que o arguido invocou para, pura e simplesmente, de forma insustentável, afastar a sua responsabilidade (não resistimos, no entanto, a este apontamento: mas porque havia o arguido de ter dito o que disse à indicada testemunha e para se submeter ao exame de pesquisa de álcool no ar, com as consequências que não podiam deixar de estar presentes?...) de aduzir mais considerandos.
Daí que, em conclusão, se tenha de concluir que o recurso não merece provimento.
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3. Dispositivo
Nega-se provimento ao recurso.
Condena-se o arguido, porque decaiu totalmente, no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (a situação económica do arguido é, pode-se dizer, indefinida e a complexidade do processo foi diminuta) e arbitrando-se a procuradoria em 1/3 de 3 UC (para lá do que se disse sobre a situação económica do arguido, há que reter que a natureza e volume da actividade desenvolvida não atingiu especial significado) – v. o que dispõem os arts. 513º, n.º 1, 514º, n.º 1, de C. de Processo Penal, 82º, n.º 1, 87º, n.º 1, al. b), e 95º, n.º 1, de C. das Custas Judiciais.

Porto, 7 de Fevereiro de 2007
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício
Arlindo Manuel Teixeira Silva