Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP00038794 | ||
Relator: | MARQUES DE CASTILHO | ||
Descritores: | PROCEDIMENTOS CAUTELARES FÉRIAS JUDICIAIS ACTO URGENTE | ||
Nº do Documento: | RP200602070520200 | ||
Data do Acordão: | 02/07/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I- A “urgência” dos procedimentos cautelares esgota-se com a decisão judicial em primeira instância e a sua execução. II- O prazo para alegar em recurso nesses processos não corre nas férias judiciais. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: Relatório B........... com os sinais dos autos, instaurou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra C........, Ld.ª, com sede na ....., ...., ....., Gondomar, pedindo - a suspensão da deliberação social tomada em 21 de Outubro de 2003, que decretou o seu afastamento como sócio gerente da referida sociedade. Alegou para o efeito o Requerente que é sócio da sociedade Requerida, onde detém 1/3 do capital social, exactamente o mesmo que cada um dos outros dois sócios, D...... e E......, e que estes dois sócios tomaram a referida deliberação em AG sem qualquer fundamento onde pudesse alicerçar-se a referida medida. A Requerida opôs-se à suspensão da deliberação, alegando a sua completa legalidade, não só porque a deliberação não enferma de qualquer vício formal, como ainda pelas circunstâncias seguintes: - não estar consagrado no pacto social qualquer direito especial à gerência, - ser tal deliberação decorrente da maioria de capital que a votou - e ainda porque foram praticados pelo Requerente factos que são integrantes de justa causa para o afastamento do cargo. Em 17 de Maio de 2004, a Mm.ª Juíz atendendo à matéria já constante dos autos, entendeu não ser necessário proceder a mais diligências de prova, julgando então improcedente o pedido, porque entendeu que não se verificava a conjugação cumulativa de dois requisitos indicados no art. 396.º-1 do CPC, e que referiu como sendo os seguintes: - ilegalidade da deliberação, por contrária à lei geral ou ao pacto social: - dano apreciável decorrente da execução imediata da medida. Sustentou na verdade a Mm.ª Juíz que, para além de se verificar que a destituição de gerente com justa causa não estava proibida no pacto social - pois podia ser votada por maioria simples -, não se via onde pudesse enquadrar-se o dano. O Requerente não se conformou, interpondo recurso em 4 de Junho de 2004. cfr. fls. 82 Este foi admitido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo em 13 de Julho de 2004. - fls. 84 Em 14 de Julho de 2004 foram expedidas as notificações às partes da admissão do recurso. Em 18 de Agosto foi o processo concluso ao Juiz de turno, que nele lavrou um despacho onde escreveu não se lhe afigurar a existência de medida urgente, mandando por isso concluir os autos (ao Juiz titular) após férias judiciais. Em 15 de Setembro de 2004 a Mm.ª Juíz proferiu despacho em que julgou deserto o recurso por falta de alegações. - fls. 88. O Requerente não se conformou com esse despacho, tendo então interposto recurso dessa última decisão. - fls. 91 A M.ª Juíza ordenou notificação para o Requerente vir esclarecer por que pretendia recorrer. Este veio então a prestar o esclarecimento pretendido – fls. 95. Em função disso, Mm.ª Juíz admitiu então este último recurso. - fls. 96 Alegou então o Requerente quanto ao último recurso conforme fls. 99 a 101 tendo na referida peça processual nas respectivas conclusões referido o seguinte que passamos a transcrever: “1.º O recurso vem interposto da decisão que o julgou deserto por falta de alegações dentro do prazo comum. 2.º A solução depende da interpretação a dar ao art. 382.º do CPC, que estabelece a “urgência” do procedimento cautelar. 3.º Entende o recorrente que, após as reformas do DL n.º 329-A/95 e Dl n.º 180/96, essa interpretação é fácil. 4.º E é fácil no sentido de que a urgência cessa imediatamente quando há indeferimento liminar do requerimento inicial ou indeferimento da providência, em resultado da coordenação dos arts. 382.º e do art. 738.º do CPC. 5.º É que, a partir de então nada há que providenciar no sentido da “conservação” ou “antecipação” de medidas para assegurar a efectividade do direito ameaçado, como é texto do n.º 1 do art. 381.º. 6.º Desta opinião é também esta Relação do Porto, em seu Acórdão de 16 de Janeiro de 2001, publicado in CJ, 2001, 2.º-5. 7.º Em abono da mesma solução vem a “ordem sistemática” do CPC, ao colocar o art. 382.º na secção do procedimento cautelar comum e não a colocar em qualquer das Subsecções da Secção II dos procedimentos cautelares especificados, tudo como foi explanado supra. 8.º Consequentemente, não se aplicando a “urgência” já ao caso dos autos, o prazo passou a ser um prazo comum, não se contando nem correndo em férias. 9.º Quando foi proferido o despacho em recurso, ainda não se tinha esgotado o prazo para alegações. 10.º Foi violada toda a legislação citada nestas alegações e suas conclusões. Termos em que se deve conceder provimento ao recurso, revogar-se o despacho recorrido e ordenar-se que o processo siga os seus ulteriores termos para produção de alegações sobre apreciação da decisão final proferida e passos seguintes.” Não foram apresentadas contra-alegações. A Mm.ª Juiz proferiu despacho tabelar de sustentação. Remetidos os autos a este Tribunal, foi o recurso aceite com a qualificação atribuída . Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir. THEMA DECIDENDUM A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial. Da leitura das conclusões, vemos que a apelante pretende que nos pronunciemos sobre uma única questão: Saber se, tendo havido recurso do despacho que indeferira a providência cautelar corre em férias o prazo para apresentação de alegações. DOS FACTOS E DO DIREITO Os factos a ter em consideração para a apreciação do recurso encontram-se já indicados supra no Relatório com que iniciamos o presente Acórdão. Vejamos. Indica-nos o art. 144º que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do Juiz, suspende-se durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes. (carregado e sublinhado nossos) Os procedimentos cautelares são processos que se destinam à obtenção de uma decisão sumária e breve que permita evitar, em tempo útil, danos irreparáveis quando haja ofensa de um direito - art. 381º nº1. Todavia é nosso entendimento que o cariz de urgência esgota-se, no entanto, com a decisão judicial em primeira instância e sua execução. Na verdade, o art. 382º nº2, pronunciando-se sobre a necessidade de uma decisão urgente, apenas estipula um prazo específico relativamente à decisão a proferir na primeira instância (dois meses ou 15 dias, consoante tenha havido ou não citação do Requerido). É a sua redacção a seguinte: 2. Os procedimentos instaurados perante o tribunal competente devem ser decididos, em 1ª instância, no prazo máximo de dois meses ou, se o requerido não tiver sido citado, de 15 dias. Assim, não se suspendem durante as férias judiciais os prazos em curso a eles atinentes, nem devem deixar de praticar-se os actos processuais que para o efeito se tornem necessários quando anteriores à decisão do Juiz em primeira instância ou correspondam à execução do decidido. (sublinhado nosso) O carácter de urgência termina no entanto com a notificação e execução do despacho final proferido ou a proferir na primeira instância, onde o Juiz fez logo a sua análise sumária (summaria cognitio), a respeito da necessidade ou não do decretamento da providência. A prática de actos processuais ou a não suspensão de prazos durante as férias judicias são uma excepção à regra geral, pelo que não deve proceder-se a uma interpretação extensiva, mantendo e alargando a natureza urgente a outros actos que se prolonguem para além da decisão contemplada no art. 382.º-2 e sua natural execução. Foi este aliás o entendimento já adoptado por este Tribunal da Relação no Ac. de 16 de Janeiro de 2001, CJ, 2.º volume, pg. 5, e de que nos dá nota a alegação do agravante.[Temos conhecimento de outro proferido neste Tribunal todavia de sentido diverso e publicado em 28/11/05 in www.dgsi.trp., que todavia não acolhe o nosso sufrágio pelas razões expostas] O próprio Juiz de turno na primeira instância, ao considerar que não era urgente proferir despacho quando o processo lhe foi concluso, deixou implicitamente reconhecido que o prazo para alegações estava suspenso. De contrário, teria logo que se pronunciar. Concluímos assim que no momento em que a M.ª Juíz proferiu o despacho a julgar deserto o primeiro recurso por falta de alegações coincidiu com o início do curso do prazo para alegações, já que a notificação do despacho recorrido ocorreu durante as férias judiciais, e o dia 15 de Setembro é o primeiro dia útil após as férias. Assim, o despacho a julgar deserto o recurso fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, devendo por isso, dar-se provimento ao interposto recurso. DELIBERAÇÃO Nestes termos e no provimento do agravo, revoga-se a decisão recorrida. Porto, 07 de Fevereiro de 2006 Augusto José Baptista marques de Castilho Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes Emídio José da Costa |