Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
790/08.2TVPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: REIVINDICAÇÃO
PARCELA DE TERRENO OCUPADA PELA AUTARQUIA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
LOTEAMENTO
ACÇÃO REAL
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
CEMITÉRIO
DOMÍNIO PÚBLICO
Nº do Documento: RP20131104790/08.2TVPRT.P2
Data do Acordão: 11/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1311º DO CÓDIGO CIVIL
L 168/99, DE 18 DE SETEMBRO
L 5-A/2002 DE 11/01
ARTº 469/ACTUAL 554º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTº 4º DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Sumário: I - A decisão quanto ao tribunal competente em razão da matéria impõe que se tenha em atenção a relação jurídica que se discute na acção nos precisos termos em que o demandante a apresenta, o concreto ou os concretos pedidos que formula e os respectivos fundamentos (a causa de pedir), e não outras vias processuais que não correspondem à que foi escolhida pelo autor para a efectivação do direito que se arroga.
II - O facto de ser necessário discutir as circunstâncias concretas em que se verificou um loteamento, com vista a apurar, em termos factuais, as exactas condições em que a ré ocupou a parcela de terreno, no sentido de determinar a legitimidade ou ilegitimidade de tal apropriação, não altera a natureza da acção, não a transforma de acção de natureza real em acção administrativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido no Processo n.º 790/08.2TVPRT.P2
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- A decisão quanto ao tribunal competente em razão da matéria impõe que se tenha em atenção a relação jurídica que se discute na acção nos precisos termos em que o demandante a apresenta, o concreto ou os concretos pedidos que formula e os respectivos fundamentos (a causa de pedir), e não outras vias processuais que não correspondem à que foi escolhida pelo autor para a efectivação do direito que se arroga.
II- O facto de ser necessário discutir as circunstâncias concretas em que se verificou um loteamento, com vista a apurar, em termos factuais, as exactas condições em que a ré ocupou a parcela de terreno, no sentido de determinar a legitimidade ou ilegitimidade de tal apropriação, não altera a natureza da acção, não a transforma de acção de natureza real em acção administrativa.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. B…, L.da, sociedade anteriormente denominada C…, L.da, intentou na 4.ª Vara Cível do Porto a presente acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Freguesia …, ambas melhor identificadas nos autos.
No decurso da acção, em incidente suscitado pela ré, foi admitida a intervenção principal de D…, como associada da autora, e a intervenção principal do Município …, como associado da ré (fls. 210).
Perante a constatação do falecimento da interveniente D…, foram habilitados a intervir no processo, na qualidade de seus herdeiros, E…, F…, G… e H…, todos melhor identificadas nos autos.
1.1 A autora, na respectiva petição inicial, alega o seguinte:
É a legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua …, freguesia …, concelho do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 1958, da freguesia …, e inscrito na competente matriz predial sob o artigo 7710, correspondente a um terreno destinado a construção, com a área total de 2.578 m2 e cujas confrontações define, relevando aqui que, a norte, confronta com o Cemitério ….
Diz que adquiriu o referido prédio mediante contrato de compra e venda que celebrou em 2001 com a anterior proprietária, D…, pretendendo que, face ao registo existente, se presume o respectivo direito, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial.
Invoca ainda os pressupostos da aquisição por usucapião pelo que, se outro título não tivesse, sempre teria adquirido o prédio por essa via.
A ré ocupou abusivamente, sem qualquer título que o legitimasse, uma área de cerca de 1.550 m2 do referido prédio; vedou esse trato de terreno através da construção de um muro, estando hoje essa parcela do prédio indevidamente ocupada afecta a cemitério pela Freguesia …, impedindo assim a ré o acesso e a utilização desse trato de terreno pela autora, sua proprietária.
Afirma que a conduta da ré é manifestamente violadora do disposto no artigo 1308.º do Código Civil, pelo que, nos termos do artigo 1311.º do mesmo diploma, a autora pode exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, relativamente a qualquer possuidor ou detentor da coisa.
A entender-se pela impossibilidade da restituição do prédio em causa, hipótese que apenas por mera cautela de patrocínio concebe sem conceder, sempre se imporá a justa indemnização da autora pela ré, em virtude da ocupação ilícita e culposa do referido trato de terreno, a qual visa ressarcir o prejuízo que para a autora advém da descrita factualidade, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal.
Termina afirmando que, com a procedência da acção, deve:
«a) Declarar-se que o prédio identificado no art.º 1.º supra, no qual se inclui o trato de terreno identificado no art.º 12.º supra, é propriedade da A.;
b) Ser a Ré condenada a restituir à Autora o trato de terreno identificado no art.º 12.º desta petição inicial, livre, devoluto e no estado anterior à sua ocupação pela Ré;
c) E a Ré condenada a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da A. desse mesmo trato de terreno.
d) Subsidiariamente, a considerar-se impossível a restituição do trato de terreno em crise, ser a Ré condenada no pagamento duma indemnização à A. no valor de € 744.000,00.»
1.2 Citada, a Freguesia …, através da respectiva Junta, contestou a acção.
No respectivo articulado impugna a generalidade dos factos alegados pela autora.
Começa por afirmar que foi emitido alvará de loteamento, pela Câmara Municipal …, que incidiu sobre o prédio urbano sito na Rua …, abrangendo onze lotes numerados de 1 a 11; de acordo com o alvará de loteamento, foram cedidos para domínio público os lotes 6, 7, 8 e 11, correspondendo a parcela de terreno a que a autora se reporta ao lote 8, cedido para domínio público e para onde foi entretanto ampliado o cemitério ….
Excepciona a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre D…, como vendedora, e a autora, como compradora, invocando para o efeito o disposto nos artigos 57.º, 58.º e 60.º do Decreto-lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro [regime jurídico das operações de loteamento urbano] e o facto de não constar qualquer alvará ou documento equivalente na respectiva escritura pública.
Excepciona ainda a ilegitimidade da autora para a presente acção com a consequente absolvição da instância.
Prossegue alegando que na parcela reivindicada está implantada uma parte do cemitério da freguesia … e que está classificado como equipamento, não sendo permitida qualquer construção. Com fundamento no facto de a parcela de terreno objecto do litígio ser do domínio público deduziu incidente de intervenção principal provocada da Câmara Municipal … e de D….
Invocou a litigância de má fé por parte da autora e deduziu reconvenção, na qual pede o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno em litígio com fundamento na usucapião.
Concluiu afirmando que deve julgar-se improcedente a acção e declarar-se a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a autora e D…; requer que se defira o chamamento formulado e, em reconvenção, pede que se declare que a parcela de terreno dos autos é propriedade da Freguesia …, adquirida por usucapião, nos termos do artigo 1296.º do Código Civil.
1.3 A autora apresentou extensa réplica, respondendo às excepções invocadas pela ré. Afirma-se legítima proprietária da parcela do prédio em crise e parte legítima na acção, argumentando que jamais foi tal parcela transferida para o domínio público ou privado de qualquer ente público, nunca se tendo realizado a cedência da propriedade do dito “lote 8” para o domínio público ou privado do Município ….
Impugna os factos alegados pela ré para sustentar a reconvenção, aceitando no entanto a intervenção principal provocada do Município … e de D….
No final, alegando existirem dúvidas sobre o sujeito passivo da relação material controvertida (Freguesia … ou Município …) e na hipótese de ser admitida a intervenção principal provocada da Câmara Municipal …, deduziu subsidiariamente contra esta o pedido vertido na petição inicial, suscitando também e para esse efeito a respectiva intervenção.
1.4 Citado, o Município … apresentou contestação, começando por excepcionar a incompetência material do Tribunal para conhecer do presente litígio; a este propósito pretende que o respectivo objecto reveste natureza pública, resultando de uma relação jurídico-administrativa, pelo que é competente a jurisdição administrativa, nos termos do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Acresce que, por força do artigo 4.º, n.º 1, alínea g), deste Estatuto, é da competência dos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que haja lugar a responsabilidade extracontratual das pessoas colectivas de direito público, aqui se enquadrando a indemnização reclamada pela autora.
Sem prescindir, impugna os factos alegados pela autora para suportar as respectivas pretensões que entende carecidas de tutela jurisdicional; alega que a atribuição do carácter dominial a um bem pode decorrer de determinação legal, da sua classificação ou afectação dessa coisa à utilidade pública e que, no caso concreto, a integração no domínio público da parcela reivindicada resultou da concreta afectação da parcela em discussão ao cemitério da Freguesia … e da concreta utilização dessa parcela para enterramentos, estando afecta ao domínio público da Freguesia …, que adquiriu a parcela por usucapião; afasta as eventuais irregularidades invocadas pela autora na réplica quanto à integração no domínio público da parcela de terreno reclamada, sendo que, nesta última parte, alega que quando a autora comprou o prédio do qual fez parte a parcela de terreno em apreço sobre a mesma incidia o loteamento 6/90 e que a vendedora expressamente assumiu o cumprimento das obrigações assumidas de cedência da parcela em apreço, estabelecidas no alvará daquele loteamento.
Prossegue, alegando que o Município …, após a notificação dos interessados para previamente se pronunciarem, declarou, em 16 de Março de 2006, a caducidade do alvará ./90, tendo a autora sido notificada desse facto em 5 de Abril de 2006; o Município … pode substituir-se aos particulares e executar as obras de urbanização em falta, accionando as cauções prestadas para o efeito, e emitir oficiosamente novo alvará, nos termos do artigo 84.º n.º 4 do Decreto-lei n.º 555/99; está pendente a decisão quanto à efectiva realização dessas obras pelo Município …, designadamente em virtude dos custos a elas associados e da necessidade de serem efectuados realojamentos em alguns dos lotes em causa; está pendente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o processo n.º 2188/04.2BEPRT, em que é autora I… e outros, em que se peticiona a condenação do Município … na realização daquelas obras, concluindo que a caducidade do loteamento ./90 não significa que o mesmo deixa de produzir efeitos definitivamente, uma vez que a realização das obras de urbanização pelo Município … implicará a emissão de novo alvará com a consequente reposição do anterior.
Pugna, tal como a ré, pela nulidade da escritura pública e do registo de propriedade feito a favor da autora.
Impugna os factos alegados pela autora para sustentar o pedido de indemnização.
Termina, pedindo a procedência da excepção de incompetência material do presente Tribunal; sem prescindir, defende a improcedência do pedido e a consequente absolvição e pede que se declare a nulidade do negócio subjacente ao contrato de compra e venda objecto de escritura pública, declarando-se que a parcela de terreno dos autos é propriedade da Freguesia …, adquirida por usucapião, nos termos do artigo 1296.º do Código Civil.
1.5 A autora também aqui apresentou articulado de resposta, impugnando os factos alegados e afirmando a competência material do tribunal; reafirma os fundamentos da anterior réplica, nomeadamente que nunca ocorreu a transferência para o domínio público do trato de terreno em causa nos autos.
1.6 F… e G… também apresentaram articulado, aderindo aos argumentos expendidos pela autora em oposição à alegada incompetência material do tribunal e defendendo a improcedência do pedido de declaração de nulidade do negócio subjacente ao contrato de compra e venda.
2. Realizada audiência preliminar, sem obtenção de acordo, foi depois proferido despacho saneador-sentença; aí, apreciando a arguição da incompetência material, decidiu-se nos seguintes termos:
«Pelo exposto, atento o que se estabelece nos artigos 101.º, 102.º, 105.º, 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º, al. a), todos do Cód. Processo Civil, julga-se materialmente incompetente este Tribunal, por essa competência pertencer aos Tribunais Administrativos, e, consequentemente absolve-se a Ré da instância (n.º 1 do artigo 105.º do citado diploma legal).
Custas (…)».
2.1 A autora, inconformada com tal decisão, veio interpor o presente recurso, concluindo assim a respectiva motivação:
«Atento o supra referido conclui-se que:
A – Na Sentença Recorrida a Mm.ª Juiz a quo, por um lado, sustenta que porque num terreno, cuja propriedade foi adquirida pela A.-Recorrente, se fazem-se enterramentos e funerais o mesmo passou a “domínio público”, nisso estribando a conclusão de que “o objecto central da presente acção gira em torno da apreciação da questão da Dominialidade da parcela reivindicada” e, por outro lado, depois de enunciar efemeramente que “não se ignorando que as partes discutem a regularidade da continuação dessa implantação, aduzindo, cada um, argumentação diversa”, afirma “abstrair-se” de “a que título se deu a integração da parcela de terreno reivindicada no cemitério da Freguesia …”, reiterando conclusivamente que “se deu a integração da parcela de terreno reivindicada no cemitério da Freguesia …”,
B – Assim estribando a conclusão pela afirmada competência dos Tribunais Administrativos para conhecer o pedido (incluindo o subsidiário de indemnização independentemente de “aquela responsabilidade decorrer de actos de gestão pública ou de gestão privada”), do que a A.-Recorrente discorda.
C – É pacífico, embora a tal não se refira directamente a Sentença recorrida, que para a definição da competência em razão da matéria importa o objecto da causa, encarado este sob o ponto de vista qualitativo da natureza da relação substancial pleiteada, considerando a versão apresentada em juízo, isto é, a causa de pedir e a pretensão ou pedido, tal como o autor os configura (cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 94 e ss e a inúmera e unânime jurisprudência identificada no corpo da presente), portanto, em função do quid disputatum, tal como o autor substancia a sua pretensão, e não do que, mais tarde, será objecto do quid decisum.
D – Ora, in casu, na petição inicial a A. alega ser proprietária do prédio que identifica – e que, como é pacífico, se encontra registado em seu nome na competente conservatória do registo predial –, invoca a aquisição originária e derivada do mesmo e alega a ocupação e utilização de parte do mesmo ilícita e sem qualquer título pela Ré e que prejudica aquela e assim estribada peticiona (i) declarar-se que o prédio, no qual se inclui o trato de terreno referido, é propriedade sua; (ii) ser a Ré condenada a restituir-lhe o trato de terreno que ocupa abusivamente, livre, devoluto e no estado anterior à sua ocupação e (iii) que a Ré seja condenada a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da A. desse mesmo trato de terreno, (iv) acrescendo subsidiariamente, ser a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 744.000,00.
E – Considerando a natureza da relação material controvertida tal como foi configurada pela A.-Recorrente, e, evidentemente atento o disposto nos supra citados preceitos – maxime os art.ºs 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, n.º 1, e 4.º do ETAF, 26.º, n.º 1, da LOTJ e 66.º do Cód. Proc. Civil – é competente o Tribunal Cível do Porto para o julgamento das pretensões apresentadas a juízo, diversamente o julgado na Sentença Recorrida.
F – Com efeito, A.-Recorrente intentou uma acção de reivindicação (cfr. Ac. do S.T.J. de 15/05/2003, processo 03B3959, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/), alegando para tanto factos que imputa à Ré que configuram actuação violadora do disposto no art.º 1308.º do Código Civil e que nos termos do art.º 1311.º do mesmo Código lhe conferem o direito de exigir judicialmente; não reivindicando qualquer cemitério, mas sim um trato de terreno que, registado em seu nome, adquiriu e do qual é proprietária, alegando, pois, a aquisição originária e derivada;
G – Assim, in casu, “Face aos pedidos e à causa de pedir verificamos estar perante uma acção de reivindicação normal em que o perturbador é uma Junta de freguesia. A relação material controvertida está configurada na petição inicial como uma relação jurídica de direito privado a dirimir por aplicação de normas de direito privado. (…) No essencial referem os A. que são proprietários de certo imóvel que foi ocupado pela R., sem qualquer título, sem autorização dos A. e que essa ocupação lhes causou prejuízos. Sem sombra de dúvida que o que está em causa nos pedidos formulados na petição inicial é a definição do direito de propriedade dos A.A. sobre um imóvel que indicaram como sendo pertença sua, e a indemnização pelos prejuízos causados pela Ré. Todas estas questões são questões de direito privado, a resolver segundo as regras do direito privado cuja aplicação a entes públicos não está afastada por lei.… Ocupar um terreno de um particular, sem qualquer título, seja o ocupador o Estado, uma Autarquia, uma empresa pública ou privada, ou um simples cidadão, será sempre uma ofensa ao direito de propriedade dos particulares, a defender junto dos Tribunais comuns, por serem estes os competentes a dirimir tais conflitos. (…)” (sic. Ac. Rel. Porto de 18/01/2007, in loc. cit, proc. 0637020 e no mesmo exacto sentido entre muito outros e com notável identidade com a questão sub judice, o douto Ac. Sup. Tribunal de Justiça de 09/07/2002, in loc. cit processo: 02B2233 e do mesmo Supremo Tribunal o Ac. de 13/05/2004, in loc. cit., processo: 04A1213).
H – O Tribunal Cível da Comarca do Porto é, pois, competente em razão da matéria para o julgamento dos autos considerando a causa de pedir, o pedido e o disposto nos supra referidos preceitos legais, tudo em conformidade com o entendimento actualmente pacífico da jurisprudência, diversamente do julgado na Sentença que, por isso, deve ser revogada. Acresce que,
I – Diversamente do referido pela Mm.ª Juiz a quo, por um lado, nem a parcela em causa integra o domínio público, nem a A. discute apenas a “regularidade da continuação dessa implantação”, sendo que, em vez disso, a A. afirma a “ilegalidade” – e não apenas a “irregularidade” – dessa ocupação, agora e desde sempre, e
J – Por outro lado, a dita “regularidade/ irregularidade” da ocupação em causa, é facto decisivo, nuclear, essencial para a conclusão pela (in)competência do Tribunal, pelo que é incompreensível não merecer na Sentença consideração nenhuma, que não seja aquela afirmação de a não ignorar, pelo que não podia a Mm.ª Juiz a quo, para a decisão da questão da competência, ter entendido “abstraindo, nesta fase, a que título se deu a integração da parcela de terreno reinvindicada no cemitério da Freguesia …”.
K – Efectivamente, diversamente do vertido na Sentença recorrida, estribada apenas na realização de funerais e enterramentos no prédio, nunca se realizou, isto é nunca ocorreu, de forma nenhuma a transferência para o domínio público do trato de terreno em causa nos autos, e, aliás, nunca, em momento nenhum, nem em processo ou procedimento nenhum, de qualquer natureza, esteve em causa a cedência pela A.-Recorrente, ou por qualquer antepossuidor, à Ré Freguesia … do trato de terreno reivindicado,
L – Sendo que a aquisição de estatuto de bem do domínio público implica (i) a afectação do bem à produção da utilidade pública, isto é, o “princípio da efectividade da destinação”, é também imperativo e imprescindível à aquisição de estatuto de bem do domínio público, (ii) o acto ou facto jurídico translativo da propriedade que não existiu na situação sub judice, não se compreendendo que a Mm.º Juiz a quo haja entendido a este propósito disso abstrair e mesmo assim julgar a incompetência material do Tribunal.
M – Por um lado (ii.a)) para a posse juridicamente relevante para a aquisição originária do direito de propriedade não basta a alegada prática dos actos aludidos na Sentença recorrida – “enterramentos e funerais” – que configuraria apenas o “corpus”, faltando-lhe o “animus” que inexiste e a Sentença não considera, pois que tem de existir “intenção ou o animus sem o qual não há posse jurídica” (Prof. Marcelo Caetano, ob. cit. pág. 924), acrescendo que absolutamente nada de nada se encontra alegado nos autos relativamente à aquisição derivada do trato de terreno em causa por qualquer outro dos “processos normais de Direito privado”;
N – Por outro lado (ii.b)), também não ocorreu a aquisição do trato de terreno em causa por nenhum dos “processos próprios de Direito público”, pois que, em primeiro lugar, não foi efectuada a escritura pública de cessão da parcela em causa nos autos no âmbito do caducado processo de loteamento; em segundo lugar, a Interveniente declarou “definitiva a caducidade do Alvará de Loteamento 6/90” (cfr. doc. 1 com a sua contestação), aliás ocorrida em 1992 ou, pelo menos, em 1996 (cfr. art.º 24.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 289/73 e art.º 24.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 289/73 e José de Oliveira Ascensão – Direito Civil Teoria Geral, Vol III, Coimbra Editora, 2002, pág. 333) e em terceiro lugar inexistiu “qualquer procedimento expropriativo sobre a parcela em causa nos autos” (cfr. confissões vertidas nos art.ºs 29.º e 30.º da contestação da Interveniente).
O – Considerando, a este propósito, por dever de ofício já que a tal não aludem nem as partes, nem a Mm.ª Juiz a quo, a denominada “apropriação irregular”, “via de facto” ou “expropriação de facto” (cfr. Alves Correia, in As Garantias do particular da Expropriação, pág. 173), sempre consistiriam os actos praticados um acto materialmente ilícito de pretendida afectação ao domínio público que não é susceptível de atribuir à coisa carácter dominial, diversamente do que a Sentença recorrida consagra, ainda que com o abstraimento nela própria enunciado, como decorre necessariamente dos art.ºs 62.º e 266.º da C.R.P. e 1308.º do Código Civil
P – Assim, in casu, poderia considerar-se que “A actuação da autarquia enquadra-se claramente na figura da «via de facto», já que aquela se apoderou de «direitos patrimoniais privados de um modo fáctico, isto é, sem que se verifique previamente qualquer decisão que lhe sirva de fundamento, no caso presente um acto de declaração de utilidade pública, e qualquer procedimento próprio da expropriação (cfr. F. Alves Correia – As Garantias do Particular na Expropriação, pág. 173) (…) Contrariamente ao defendido pela Junta de Freguesia …, o acto ilícito praticado sobre bens alheios não lhe atribui qualquer direito. Aquela autarquia, agindo pela forma como agiu, está em situação idêntica à de qualquer particular que tivesse agido daquele modo. (…) Concluindo: (…) a ocupação feita pela autarquia através da "via de facto" coloca esta em paridade com qualquer particular que de igual modo proceda, devendo o tribunal ordenar a restituição da posse, se tal for pedido e condenar a autarquia no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pelo dono do terreno” (sic. o douto Acórdão desta Relação do Porto de 22.06.1995 (in CJ, tomo III, pág. 240 e ss e, no mesmo sentido, cfr. os Ac. do Sup. Trib. Justiça de 11.01.96 in BMJ, 453, pág. 211 e de 06.02.2001, proc. n.º 43 274, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 48, Nov-Dez 2004)”.
Q – Assim, diversamente do que se sustenta e ampara na Sentença recorrida, não é pelo simples facto de no prédio da A.-Recorrente a Ré realizar enterramentos e funerais que se deu a integração do mesmo no “domínio público” – com a entendida consequente incompetência material do Tribunal Cível para o julgamento da causa – pois que “a República Portuguesa é um Estado de direito democrático” e tal procedimento é “atentatória dos mais elementares direitos dos cidadãos e nada condizentes com o imperativo legal e constitucional da subordinação do poder administrativo à lei - art.s 2.º, 3.º, 62.º, 266.º da Constituição e 1.º e 2.º do Código das Expropriações.” (sic. o Supremo Tribunal de Justiça), não integrando, pois, o prédio em causa o domínio público, sendo competentes para o julgamento da lide o Tribunal Cível da Comarca do Porto, diversamente do decidido. Sem prescindir,
R – Diversamente do vertido na Sentença recorrida, os cemitérios não integram necessariamente o domínio público, pois que “a publicidade das coisas resulta da lei: é um carácter atribuído pelo Direito positivo. Qualquer teoria elaborada acerca da definição das coisas públicas não poderá aspirar a substituir-se à lei: tem de assentar em bases dogmáticas e urdir os fios colhidos nos preceitos legais de modo a fazer a síntese dos diversos elementos encontrados.” (in Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10.ª ed. Almedina ob. cit., pág. 886) e “Não há texto legal que expressamente declare a dominialidade dos cemitérios” (ob. cit. pág. 919) – cfr. Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de Outubro;
S – Assim, e em conclusão, não obstante a irrelevância da questão, considerando que não é objecto dos autos, e os termos legais da determinação da competência material considerando a natureza da relação subjacente, atendendo à configuração da acção pela A. e respectivos pedidos - pois que é objecto dos autos um trato de terreno ocupado - não integram os cemitérios o domínio público, diversamente do entendimento vertido na Sentença recorrida, sendo que em qualquer caso, jamais poderia o prédio em causa ser assim qualificado – como cemitério, para efeitos legais – face ao carácter ilícito, absolutamente ilegal, da respectiva ocupação. Por último,
T – O pedido subsidiário deduzido só o é – deduzido – enquanto tal, portanto com carácter subsidiário, não podendo, por isso sustentar a julgada incompetência material que determinou o não conhecimento do pedido principal (cfr. art.º 469.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil e Prof. Alb. dos Reis, in Comentário, vol. III, pág. 143), pois que mesmo que o Tribunal fosse – e não é – incompetente para o conhecimento do pedido subsidiário sempre teria de conhecer os pedidos principais, pelo que a incompetência para conhecer aquele em nada bulia com a competência para conhecer estes.
U – De todo o modo, se “Intentaram eles [AA.] contra o R., em defesa do direito de propriedade que arrogam, a acção de reivindicação prevista no art.º 1311.º do C. Civil, juntando aos dois pedidos que a integram o pedido de indemnização, como habitualmente sucede nestes casos. Cabe aos tribunais comuns a tutela judicial dos direitos reais privados. (…) Em suma: respeita a uma questão de direito privado que o art.º 4.º, n.º 1 f) do ETAF, em sintonia com o art.º 501.º do C. Civil, excluiu da jurisdição administrativa. Deste modo, também para o pedido de indemnização, com fundamento na responsabilidade civil excontratual da R., é competente em razão da matéria o tribunal judicial de Lousada.” (Ac. STJ. de 13/05/2004 in http://www.dgsi.pt, processo: 04A1213 e, no mesmo sentido, o douto Acórdão deste Tribunal de 18/01/2007, in loc. cit., proc. 637020).
V – Aliás, “Os tribunais judiciais são os competentes, em razão da matéria, para condenar a Administração no pagamento de indemnização a particular, por danos directos ou indirectos, de que foi vítima, por mor da actuação daquela, fundada, não em expropriação, sim em denominada «via de facto», por traduzida em apossamento seu de direitos patrimoniais privados de um modo fáctico, sem ocorrência de decisão a servir-lhe de fundamento, como acto de declaração de utilidade pública e qualquer procedimento próprio da expropriação.” (sic. douto Ac. do Sup. Trib. de Justiça de 20/09/2007, in loc. cit, proc.: 07B2340 e, no mesmo sentido, Alves Correia, in As Garantias do particular da Expropriação, pág. 173 e Osvaldo Lopes in Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, pág. 43.
W – Assim, e em conclusão, para além de que “Não se justifica portanto, e seria um desconcerto, a fragmentação da competência daquele tribunal quanto a questões tão conexionadas, impondo aos A.A. duas acções diferentes em tribunais diferentes.” (sic. o douto Acórdão citado), em qualquer caso são as Varas Cíveis da Comarca do Porto competentes para conhecer o pedido subsidiário deduzido pela A.-Recorrente, diversamente do entendimento vertido na Sentença recorrida que, também por isso, deve ser revogada.
X – Salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida violou os supra enunciados preceitos legais, devendo, por isso, ser revogada.»
Termina afirmando que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a Sentença recorrida, com as legais consequências.
2.2 A ré Freguesia … apresentou resposta, onde conclui nos seguintes termos:
1 – Salvo melhor entendimento, não tem o recorrente qualquer razão nas suas alegações, sendo a decisão recorrida um exemplo de bem julgar e, merecendo o inteiro aplaudo da recorrida.
2 – Na petição inicial o Autor/Recorrente refere, sendo verdade, por ser um facto público e notório que a parcela de terreno reclamada, se encontra afecta ao cemitério da Freguesia ….
3 – A ampliação do cemitério … concretizou-se em Dezembro de 1986, sendo desde essa altura, a parcela de terreno tratada como parte integrante da Freguesia …, que sempre tratou como seu, procedendo a enterramentos e funerais, aos actos normais praticados num cemitério, construção de jazigos e sepulturas, exumações e inumações, lavagem e limpeza do cemitério e, isto sucede desde essa altura, de forma ininterrupta à vista de todas as pessoas e sem a oposição de quem quer que seja, na intenção e convicção de que o mesmo lhe pertence.
4 – A Ré/Recorrida, Junta de Freguesia …, não ocupa abusivamente qualquer parcela do prédio, até porque desde sempre, designadamente desde 23 de Dezembro de 1986, por informação prestada pela Câmara Municipal …, obteve autorização da Câmara Municipal … e dos proprietários para ocupar os lotes de terreno para a ampliação do cemitério ….
5 – E, tal facto era do conhecimento da Autora/Recorrente, pelo menos desde 27 de Setembro de 2001, porquanto na referida escritura, o representante da Autora, o seu sócio-gerente, J…, confessa “que a sua representada tem conhecimento do compromisso que a vendedora (D… e 1ª Outorgante do documento) tem para com a Câmara Municipal … e Freguesia … de cedência de parte do terreno para o domínio Público, passando esse compromisso a ser assumido pela compradora”.
6 – Diz-se no n.º 2 do artigo 202.º do Código Civil que. “… Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual”.
7 – Compete à Junta de Freguesia no cumprimento do determinativo legal – decorrente do artigo 34.º n.º 4 alínea c) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro – gerir, conservar e promover a limpeza dos cemitérios.
8 – As coisas devem ser classificadas como públicas atendendo ao fim a que se destinam e de acordo com as características que apresentam.
9 – Donde, salvo o devido respeito, dúvidas não existem de que a parcela de terreno é de domínio público, e que o cemitério … é público, afecto a um fim de utilidade pública.
10 – Em consequência, entende-se por competente a jurisdição administrativa, nos termos do artigo 212.º n.º 3 da CRP e do artigo 1.º n.º 1 do ETAF.
Termina afirmando que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
2.3 O interveniente Município … também apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos:
1. O recurso em apreço carece em absoluto de qualquer fundamento, pelo que ao mesmo deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
2. Por razões de economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzida a factualidade processual relevante tida em consideração pela douta sentença recorrida.
3. Contrariamente o que a Recorrente alega, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que os cemitérios públicos são bens dominiais, possuídos e administrados pelas autarquias, afectos a um fim de utilidade pública.
4. Como a própria Autora reconhece nas suas alegações – e reconheceu logo no artigo 14.º da PI – a parcela de terreno cuja titularidade é controvertida nos autos foi afecta ao Cemitério … pela Freguesia …, donde redunda que aquela parcela de terreno integrou o domínio público desta.
5. Mesmo abstraindo a que título se deu essa integração, o litígio em apreço respeita a uma parcela de terreno integrada no domínio público, pelo que se encontra subtraído à presente jurisdição.
6. Revestindo o objecto do litígio natureza pública – ou mesmo na hipótese de se aceitar a tese da Recorrente o que não se concede, estando em discussão essa mesma natureza, – forçoso é concluir que estamos perante uma relação jurídico-administrativa, para cujo conhecimento é competente a jurisdição administrativa, nos termos do artigo 212.º, n.º 3 da CRP e do artigo 1.º, n.º 1 do ETAF [Aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004].
7. É incontornável e indiscutível que a questão fulcral nos presentes autos é a de saber se a parcela de terreno reivindicada pela Recorrente está ou não integrada no domínio público da freguesia ….
8. A determinação da competência do Tribunal em razão da matéria, tem em conta não só as pretensões formuladas na petição inicial pelo autor – como a Recorrente pretende fazer crer – mas também, como não poderia deixar de ser, a relação jurídica e a situação factual descrita nessa peça processual.
9. Bem andou, pois, a douta decisão recorrida quando entendeu que “Assim, o objecto central da presente acção gira em torno da apreciação da questão da Dominialidade da parcela reivindicada, na qual, reconhecidamente está actualmente implantado parte do cemitério da freguesia …”, em sintonia, de resto, com a jurisprudência maioritária existente nesta matéria.
10. A questão de saber se a parcela de terreno reivindicada é ou não propriedade da Recorrente está umbilicalmente ligada e é indissociável da questão da integração da mesma no domínio público da freguesia ….
11. Não estamos perante uma situação de “via de facto” que, porventura, pudesse ser considerada para efeitos de averiguação da competência do tribunal.
12. Isto mesmo considerou a douta decisão recorrida que mesmo “abstraindo, nesta fase, a que título se deu a integração da parcela de terreno reivindicada no cemitério da Freguesia …”, não deixou de considerar – e bem – que “não se ignorando que as partes discutem a regularidade da continuação dessa implantação, aduzindo, cada um, argumentação diversa quanto a essa regularidade/ irregularidade, (nesta parte a Autora alega que não foi feita a necessária escritura pública de formalização de cedências para o domínio público do Município no âmbito do loteamento ./90, nem existiu qualquer procedimento expropriativo sobre a parcela em causa) e eventuais consequências daí resultantes” – cf. p. 10 da decisão recorrida.
13. Desde a entrada em vigor do ETAF actualmente vigente, em 1 de Janeiro de 2004, as questões relacionadas com a integração de bens no domínio público são do âmbito da competência dos tribunais administrativos, por força do n.º 1 do artigo 1.º daquele diploma, sendo que a jurisprudência citada pela Recorrente é maioritariamente proferida ao abrigo do anterior ETAF ou em situações bem diferentes da dos presentes autos.
14. A cláusula geral contida no artigo 1.º do ETAF prescreve que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
15. O conceito de “relação jurídica administrativa” deve ser entendido de uma forma material, isto é, tendo presente que é a prossecução de interesses públicos que justifica a submissão ao Direito Administrativo e ao contencioso administrativo.
16. Resulta à saciedade dos presentes autos que, para além da eventual questão indemnizatória, deduzida a título subsidiário, de que adiante se falará, o cerne do litígio reside na afectação de uma parcela de terreno ao cemitério pela Freguesia ….
17. Ora, como bem entendeu o Tribunal a quo, apoiando-se em abundante doutrina unânime sobre a matéria, é inegável que os cemitérios revestem um “carácter indispensável para o interesse público de enterramento dos corpos, que é também higiénico e de decência”, sendo que é da competência das autarquias locais zelar pela conservação, gestão e limpeza bem como conceder terrenos para jazigos, mausoléus e sepulturas perpétuas, – cf. n.ºs 4 e 6 do artigo 34.º, 66.º, n.º 2, alínea h) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
18. Também não colhe a tese da Recorrente de que a ocupação do terreno em questão não foi precedida de um acto administrativo ou de expropriação e que estaríamos perante aquilo a que a doutrina designa de “via de facto”.
19. Para que se pudesse falar em “via de facto”, sempre seria necessário que o Município e a Freguesia … tivessem agido claramente à margem da lei, com manifesta incompetência, o que conforme resulta ex abundantia dos autos não é o caso.
20. A afectação da parcela de terreno em apreço pela Freguesia … ao cemitério teve origem no loteamento ./90
21. Não é verdade que a Freguesia … não tenha adquirido o terreno em apreço “por nenhum dos processos próprios do Direito público”.
22. A partir do momento da execução, pela Freguesia …, da ampliação do cemitério na parcela de terreno reclamada e, em sequência, da realização de enterramentos e funerais e demais actos normais praticados num cemitério, isto é, da abertura desta parte do cemitério … ao público em geral, que a parcela em causa está afecta ao domínio público da Freguesia, numa situação de afectação tácita que contém um acto administrativo implícito, enquanto acção material que contém em si uma estatuição.
23. A parcela de terreno em apreço integrou, pois, o domínio público da Freguesia … e, como tal, está fora do comércio jurídico, nos termos do artigo 202.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que é impossível a sua subtracção a este estatuto por via da presente acção de reivindicação, como bem refere a douta sentença recorrida.
24. Qualquer exigência de escritura pública de formalização de cedências para o domínio público do Município no âmbito do loteamento ./90, a sua declaração de caducidade ou a existência de qualquer procedimento expropriativo sobre a parcela em causa nos autos em nada interfere com a aquisição por usucapião da mesma pela Freguesia ….
25. A caducidade-sanção não opera imediatamente, tendo de ser declarada pela câmara municipal, com prévia audiência dos interessados, pois que subjacente a este regime está – portanto e uma vez mais – o interesse público de que as obras de urbanização efectivamente se realizem, interesse este coincidente com o dos particulares adquirentes dos lotes.
26. A declaração de caducidade do loteamento ./90 não significa, portanto, que o mesmo desapareceu da ordem jurídica, sem mais.
27. A Recorrente não tem nem nunca teve qualquer expectativa legítima de vir adquirir a posse e propriedade da parcela de terreno em causa nos autos.
28. Sempre se diga, ainda, que, estando em causa uma questão relacionada com a cedência para o domínio público de uma parcela de terreno resultante de um loteamento – caducado ou não – obrigação esta que a Recorrente assumiu, é inquestionável a administratividade da relação jurídica em apreço.
29. Do que vem dito resulta já que a sentença recorrida apreciou a competência do tribunal para conhecer do litígio em função do “quid disputatum” e que à Recorrente não assiste qualquer razão nas críticas que lhe assaca.
30. A Recorrente antevendo que poderá não se afigurar possível desafectar o terreno em causa da utilização que lhe foi dada, em virtude do marcante interesse público que obviamente está em causa, desde logo do ponto de vista da saúde pública, peticiona, subsidiariamente, que lhe seja atribuída uma indemnização.
31. Compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que haja lugar a responsabilidade extracontratual das pessoas colectivas de direito público, por força do artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do ETAF.
32. A questão de saber qual é o tribunal competente para julgar acções sobre a responsabilidade civil extracontratual da Administração, em função de aquela responsabilidade decorrer de actos de gestão pública ou de gestão privada, ficou ultrapassada com a actual redacção do ETAF
33. A indemnização pretendida, na configuração que lhe é dada pela Recorrente, é enquadrável na responsabilidade extracontratual de dois entes públicos – a Freguesia … e o Município … – pelo que a competência para conhecer deste pedido é dos tribunais administrativos.
34. O Tribunal materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados pela Recorrente, a título principal e subsidiário, são os Tribunais Administrativos.
35. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura a douta sentença proferida, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar. Assim, impõe-se decidir a seguinte questão:
● Determinar se a competência material para julgar a presente acção cabe aos tribunais comuns ou aos tribunais administrativos.
II)
Fundamentação
1. Relativamente a factos relevantes, com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os fundamentos enunciados pela autora e pelos réus e que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que antecede, com referência aos diferentes articulados apresentados pelas partes, tendo especial relevância as razões enunciadas pela autora para justificar a sua pretensão e as que os réus invocam em oposição à mesma.
2. A competência material.
A autora pretende que a presente acção cabe na competência material dos tribunais comuns, sustentando os réus – em oposição – que a competência cabe antes aos tribunais administrativos. Importa então afirmar qual das partes tem razão.
2.1 A competência judiciária em razão da matéria é uma questão de ordem e interesse públicos, estabelecida directamente pela lei em função da concreta natureza da matéria a apreciar e atribuída ao tribunal que estiver mais vocacionado para dela conhecer, com vista a uma melhor prestação da qualidade da justiça e em função das concretas áreas de competência estabelecidas.
A infracção das regras de competência em razão da matéria, a par de outras, determina a incompetência absoluta do tribunal e a absolvição do réu da instância – artigos 101.º e 105.º do Código de Processo Civil, na redacção vigente na data em que foi proposta a acção, permanecendo esta disciplina, sem alterações relevantes, nos artigos 96.º e 99.º do referido diploma na redacção actual, aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Em sede de princípios constitucionais e no que concerne à organização dos tribunais, além do Tribunal Constitucional, existem: o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; o Tribunal de Contas – artigo 209.º da Constituição.
Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, sendo que, na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas, nomeadamente, no âmbito cível e criminal; compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – artigos 211.º e 212.º da Constituição.
Nesse enquadramento, os artigos 66.º do Código de Processo Civil (artigo 64.º na redacção actual) e 18.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, reiteram a natureza residual da competência dos tribunais comuns, ao estabelecer que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
A afirmação da competência dos tribunais judiciais (comuns) passa então pela conclusão de que o conhecimento da acção não integra a jurisdição de outros tribunais; especificamente, tendo em conta o concreto caso que se aprecia nos autos, que não integra a jurisdição dos tribunais administrativos. Mantém-se actual o ensinamento já antigo de Alberto dos Reis: “a competência do foro comum determina-se por exclusão: apurado que a causa de que se trata não entra na competência de nenhum tribunal especial, conclui-se que para ela é competente o tribunal ou juízo comum” – “Código de Processo Civil, anotado”, volume I, 3.ª edição, página 201.
Reportando-se ao artigo 212.º da Constituição (com a epígrafe “Tribunais administrativos e fiscais”), dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira: «Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente da administração), (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal» – “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª edição, página 815.
Nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 1.º, n.º 1).
Definindo o âmbito da jurisdição, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma dispõe que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal [alínea a)], fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração [alínea b)], fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública [alínea c)], questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público [alínea e)], questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público [alínea f)] ou questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa [alínea g)].
A relação jurídica de direito administrativo pode definir-se como “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração” – Freitas do Amaral, “Direito Administrativo” (Lições aos alunos do curso de Direito em 1988/89), volume III, página 439.
Assim, aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas.
2.2 Perante o que se deixa exposto, logo avulta que a decisão quanto ao tribunal competente em razão da matéria impõe que se tenha em atenção a relação jurídica que se discute na acção nos precisos termos em que o demandante a apresenta, o concreto ou os concretos pedidos que formula e os respectivos fundamentos (a causa de pedir), e não outras vias processuais que não correspondem à que foi escolhida pelo autor para a efectivação do direito que se arroga.
No caso dos autos, a pretensão da autora ao demandar a ré, atento o pedido que por ela é formulado e os fundamentos que alega, configura uma acção de reivindicação, pela qual visa a defesa do respectivo direito de propriedade, cuja permanência é afirmada pela norma imperativa do artigo 1308.º do Código Civil, nos termos do qual ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei, onde se incluem as expropriações, em conformidade, aliás, com o princípio constitucional do artigo 62.º da Constituição.
Perante a alegada ofensa ao respectivo direito de propriedade, a autora actua em defesa do mesmo, nos termos do artigo 1311.º do Código Civil (“O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”).
É pacífico que, ao reportar-se a qualquer possuidor ou detentor, a norma visa a total abrangência relativamente à acção de reivindicação, incluindo particulares, mas também entidades públicas, onde se inserem as freguesias e os municípios.
A autora invoca a ocupação abusiva, pela ré, de uma parcela de terreno que integra o respectivo prédio.
É certo que afirma que essa parcela do prédio indevidamente ocupada está hoje afecta a cemitério pela Freguesia ….
Discute-se se os cemitérios integram o domínio público. Afirma-se por todos, em sede de jurisprudência: “É certo que a lei atribui aos municípios, através das câmaras municipais, ou às freguesias, através das respectivas juntas, conforme se trate de cemitérios municipais ou de cemitérios paroquiais, a competência para conceder terrenos nos cemitérios para jazigos, mausoléus ou sepulturas perpétuas (artigos 34.º, n.º 6, alínea d) e 68.º, n.º 2, alínea r), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11/1). Os cemitérios são, assim, bens do domínio público da respectiva autarquia (…)” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de Abril de 2013, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt, processo 8113/12.0TBVNG.P1).
Importa no entanto salientar que a referência a cemitério não determina, por si só, a competência dos tribunais administrativos – como se expõe de forma modelar no acórdão citado no parágrafo antecedente.
Ora, no caso dos autos e como salienta a recorrente, não está em discussão o cemitério para cuja ampliação terá sido afectada a parcela de terreno em disputa ou qualquer questão com ele relacionada.
A autora pretende, através da presente acção de reivindicação, a defesa do respectivo direito de propriedade, o que configura uma acção de natureza privada.
Não altera a natureza da acção o facto de nela se discutir, para apurar a procedência ou improcedência da pretensão da autora, as circunstâncias em que terá ocorrido o processo de loteamento mencionado pela ré, bem como as vicissitudes ocorridas no âmbito desse mesmo processo e a coberto do qual diz ter ocupado a parcela de terreno em discussão.
Dito de outro modo, o facto de ser necessário discutir as circunstâncias concretas em que se verificou o loteamento, com vista a apurar, em termos factuais, as exactas condições em que a ré ocupou a parcela de terreno, no sentido de determinar a legitimidade ou ilegitimidade de tal apropriação, não altera a natureza da acção, não a transforma de acção de natureza real em acção administrativa, não a situa, por se reportar a relação jurídica administrativa, no campo da competência material dos tribunais administrativos.
Conclui-se então que, atenta a relação jurídica que se discute nos autos, nos precisos termos em que a demandante a apresenta – os concretos pedidos que formula e a causa de pedir que invoca para os sustentar –, os tribunais comuns são materialmente competentes para conhecer a matéria que aqui se discute.
Esta conclusão não é prejudicada pelo pedido formulado pela autora a título subsidiário. Nos termos do artigo 469.º do Código de Processo Civil, na redacção vigente na data em que foi instaurada a presente acção (artigo 554.º na redacção actual, resultante da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), podem formular-se pedidos subsidiários, denominando-se como tal o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
Sem ignorar o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a competência do tribunal deve aferir-se em função do pedido principal, acolhendo-se aqui o entendimento expendido no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 13 de Maio de 2004, no âmbito do processo 04A1213, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt): respeitando o pedido a uma questão de direito privado, excluída da jurisdição administrativa, também para o pedido de indemnização, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual da ré, é competente em razão da matéria o tribunal judicial; “Não se justifica portanto, e seria um desconcerto, a fragmentação da competência daquele tribunal quanto a questões tão conexionadas, impondo aos A. A. duas acções diferentes em tribunais diferentes”.
Ainda a este propósito, entendeu-se no acórdão proferido pelo mesmo Supremo Tribunal, em 20 de Setembro de 2007, disponível na mesma base de dados (processo 07B2340), que “os tribunais judiciais são os competentes, em razão da matéria, para condenar a Administração no pagamento de indemnização a particular, por danos directos ou indirectos, de que foi vítima, por mor da actuação daquela, fundada, não em expropriação, sim em denominada «via de facto», por traduzida em apossamento seu de direitos patrimoniais privados de um modo fáctico, sem ocorrência de decisão a servir-lhe de fundamento, como acto de declaração de utilidade pública e qualquer procedimento próprio da expropriação”.
Conclui-se no sentido da procedência do recurso, afirmando-se a competência material dos tribunais judiciais, mais especificamente, da Vara Cível do Porto, para conhecer e decidir a presente acção.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas e dando provimento ao recurso, afirma-se a competência material dos tribunais judiciais, mais especificamente, da 4.ª Vara Cível do Porto, para conhecer e decidir a presente acção; em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, prosseguindo no saneamento do processo, determine o seu prosseguimento se a isso não obstarem outros fundamentos.
Custas a cargo dos réus/recorridos.
*
Porto, 4 de Novembro de 2013.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Ana Paula Carvalho