Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
217/08.0GACPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP20120627217/08.0GACPV.P1
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Comete o crime de Exploração ilícita de jogo, do art. 108º, nº 1, do DL 422/89, de 02.12 (na redação dada pelo DL 10/95, de 19.01) o agente que detém o estabelecimento comercial (café) onde se encontrava em funcionamento uma máquina com o seguinte funcionamento: “após a introdução de uma moeda, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório relativamente ao qual o jogador não tem qualquer influência. De seguida, o ponto luminoso imobiliza-se, fixando-se num dos orifícios da máquina, podendo acontecer uma de duas coisas, ou para num dos orifícios a que corresponde a atribuição de pontos, aos quais corresponde a atribuição de dinheiro, à razão de 1 € por ponto, ou para num orifício a que não corresponde a atribuição de qualquer ponto, restando ao jogador a possibilidade de realizar nova tentativa, introduzindo novas moedas e reiniciando o jogo”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 217/08.0GACPV.P1
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de processo comum singular supra referenciado, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Paiva, os arguidos:
B…, divorciada, comerciante, nascida a 8.8.1970, filha de C… e de D…, natural de …, Castelo de Paiva e residente em …, …, Castelo de Paiva;
E…, divorciado, comerciante, nascido a 28.4.1966, filho de F… e de G…, natural de …, Castelo de Paiva; e
H…, solteira, comerciante, nascida a 11.3.1963, filha de C… e de D…, natural de …, Castelo de Paiva e residente em …, …, Castelo de Paiva,
Foram acusados pelo M.º P.º da prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108º, n.º 1 do DL 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19.01.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que assim decidiu:
a) Condenou a arguida B…, pela prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108º, n.º 1 do DL 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19.01, na pena de 5 [meses] meses de prisão, esta substituída por 150 [cento e cinquenta] dias de multa, e na pena 120 [cento e vinte] dias de multa, perfazendo a multa global de 270 [duzentos e setenta] dias, à taxa diária de € 6,00, num total de € 1.620,00 [mil e seiscentos e vinte euros];
b) Condenou o arguido E… pela prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108º, nº 1 do DL 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19.01, na pena de 5 [meses] meses de prisão, esta substituída por 150 [cento e cinquenta] dias de multa, e na pena 120 [cento e vinte] dias de multa, perfazendo a multa global de 270 [duzentos e setenta] dias, à taxa diária de € 6,00, num total de € 1.620,00 [mil e seiscentos e vinte euros];
c) Condenou a arguida H…, pela prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108º, n.º 1 do DL 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19.01, na pena de 5 [meses] meses de prisão, esta substituída por 150 [cento e cinquenta] dias de multa, e na pena 120 [cento e vinte] dias de multa, perfazendo a multa global de 270 [duzentos e setenta] dias, à taxa diária de € 6,00, num total de € 1.620,00 [mil e seiscentos e vinte euros];
d) Ao abrigo do disposto nos art.ºs 116º e 117º do DL 422/89, na redacção decorrente do DL 10/95, foram declarados perdidos a favor do Fundo de Turismo as quantias em dinheiro e a favor do Estado as máquinas e respectivos acessórios apreendidos à ordem dos autos.

Não conformados, os arguidos interpuseram recurso e extraíram da sua motivação as seguintes conclusões:
1. Na sequência de acção de fiscalização, pelos agentes da GNR, no estabelecimento comercial denominado “I…” sito em …, …, no concelho e comarca de Castelo de Paiva, foram apreendidas, no interior do mesmo, duas máquinas de jogo contendo uma no seu interior a quantia de € 25,00 e a outra € 7,50. “Sujeitas as máquinas, uma com a designação “J…” e outra com a designação “K…”, apreendidas, e submetidas ao respectivo exame pericial, foram as mesmas descritas da seguinte forma, quanto ao seu funcionamento: após a introdução de uma moeda, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório, relativamente ao qual o jogador não tem qualquer influência. De seguida o ponto luminoso imobiliza-se fixando-se num dos orifícios da máquina, podendo acontecer uma de duas coisas: ou pára num dos orifícios a que corresponde a atribuição de pontos, os quais correspondem á atribuição de dinheiro, à razão de 1€ por ponto ou para num orifício a que não corresponde a atribuição de qualquer ponto, restando ao jogador a possibilidade de realizar nova tentativa, introduzindo novas moedas e reiniciando o jogo.” Quanto a ambas as máquinas, os pontos obtidos, convertidos em dinheiro, dependem exclusivamente da sorte, limitando-se a intervenção do jogador á introdução de uma moeda no início do jogo.
2. Pelo que, foram os Arguidos ora Recorrentes condenados pela prática de exploração ilícita de jogo uma vez que, as máquinas, integravam os preceitos normativos contidos nos art.ºs 108° n.° 1, art.º 1 e art.º 4° alíneas f) e g) do D. L. 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. 10/95 de 19 de Janeiro, nas penas de 5 meses de prisão, esta substituída por 150 dias de multa e na pena de 120 dias de multa, perfazendo a multa global de 270 dias de multa á taxa diária de € 6,00, num total de € 1.620,00 (Mil seiscentos e vinte euros), para cada um dos Recorrentes.
Não podem os Recorrentes conformar-se com tal decisão considerando que:
3. O princípio da Legalidade determina, no nosso sistema jurídico que é necessária uma definição tanto quanto possível precisa e concreta da norma incriminadora (tipificando os elementos típicos do tipo legal de crime - quer os elementos típicos do tipo objectivo quer os elementos típicos subjectivo) para cumprir com a função de garantia dos direitos individuais das pessoas devendo portanto estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são concreta e especificamente valoradas ou proibidas. E, por outro lado, a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente isto é, quando há uma dúvida séria e firme sobre o sentido da norma incriminadora, não é lícito punir condutas omissivas ou activas por analogia uma vez que, o direito penal não tem lacunas e forma uma ordem jurídica completa.
Ora, no caso concreto,
4. O art.º 1º e 4º do D.L. 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção do DL 10/95 de 19 de Janeiro, na definição de jogos de fortuna ou azar, combina uma fórmula generalizadora no art.º 1º - considerando jogos de fortuna ou azar aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, com uma fórmula exemplificativa enunciando, no art.º 4. Pelo que, poder-se-á concluir que, os jogos considerados de fortuna ou azar, no nosso sistema jurídico, estão tipificados de modo exemplificativo mas, no contexto, tendencialmente especificados. Pelo que, diversos tipos de jogos considerados como de fortuna e azar, e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei embora, outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. (cfr. art.º 4º, n.º 3 e art.º 5º do diploma legal citado).
5. Ora, porque a lei penal é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, mesmo nas situações em que possa ser tendencialmente exemplificativa, como é o caso na definição de jogos de fortuna ou azar, sempre teremos de fazer a subsunção do caso concreto, limitados à rigidez e critérios da legalidade impostos pelo direito penal. Assim sendo, sempre teremos de concluir que todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos artigos 1º e 4° do DL no 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95 de 19 de Janeiro, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, devem ser subsumidos na modalidade de afim de jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo previstas no art.° 159º do DL pelo que só serão considerados jogos de fortuna:
- Os desenvolvidos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- Os desenvolvidos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
6. No caso em análise, está em causa, o desenvolvimento de jogo em duas máquinas automáticas, cujo resultado depende exclusivamente da sorte, mas em que, nenhuma das máquinas paga directamente prémios em dinheiro ou fichas nem, nenhuma das máquinas desenvolve temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem tais factos resultaram provados nos presentes autos. Na verdade, entendem os Recorrentes que, o funcionamento destas máquinas, constituem uma espécie de sorteio por tômbola mecânica o que, por um lado se arrisca assume dimensão pouco significativa, uma vez que a expectativa é limitada ou pré definido; Por outro lado, o impulso para o jogo, tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que acontece nesses jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando um série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, pelo que, deveria ter sido enquadrada juridicamente na estatuição do normativo constante do art° 159° do DL citado.
Donde resulta que:
7. O único elemento típico preenchido pelo desenvolvimento dos jogos nas máquinas em questão é o facto de, apresentarem resultados dependentes exclusivamente da sorte o que, entendemos ser manifestamente insuficiente para integrar a conduta no tipo incriminador, sob pena de se violar frontalmente os princípios basilares do direito pena): legalidade e tipicidade. Com o mesmo fundamento, veio o Acórdão de fixação de jurisprudência 4/2010 de 8 de Março, entender que caberiam na definição de modalidade de jogos afins e não como fortuna ou azar, o jogo desenvolvidas em determinadas máquinas automáticas, considerando e determinando como assente a ideia de que, só podem ser considerados como jogos de fortuna ou azar as máquinas que: paguem directamente prémios em fichas ou moedas ou, não pagando, desenvolvam temas próprios de fortuna ou azar - os identificados no art.º 4º, n.º 1 o que, não tendo ficado provado nos presentes autos, inviabiliza a possibilidade de condenação dos Recorrentes pela prática deste ilícito criminal.
Pugnam, pois, pela sua absolvição.

Respondeu o MP com as seguintes conclusões:
1. Do Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado pelo Recorrentes resulta que no caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna e azar aqueles que pagam directamente prémios em fichas ou moedas ou jogos que, não o fazendo, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna e azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
2. Os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito, que deram origem à jurisprudência fixada, se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
3. Pelo contrário, as máquinas em causa nos autos para além de pagarem os prémios directamente em moedas, funcionam como que uma roleta electrónica, sendo o seu resultado dependente exclusivamente da sorte.
4. Decidiu, e bem, o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão proferido no processo 34/09.OFAPRT, em 25-05-20, e disponível em www.trp.pt que é de fortuna ou azar um jogo desenvolvido por máquinas em que:
- O resultado assenta exclusivamente no factor sorte.
- O prémio, que depende da pontuação obtida através do factor exclusivo sorte é pago unicamente em dinheiro; e
- O modo de obtenção da pontuação é em todo igual ou análogo ao funcionamento do jogo da roleta, com a característica desta máquina se tratar de uma “roleta electrónica”.
5. Compulsados os autos verifica-se que as máquinas em causa preenchem todas estas características. Estamos, pois, perante máquinas que cabem na definição do disposto no artigo 4°, n.° 1, alínea g), do Decreto-lei 422/89, de 2/12, com as alterações do Decreto-lei 10/95, de 19/01.
6. Impõe-se, deste modo, concluir que não foram violadas quaisquer normas ou princípios e o Tribunal aplicou bem o Direito aos factos.

Nesta Relação, a Ex.ma PGA limita-se a aderir à douta resposta do MP na 1ª Instância.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade que se tem por definitivamente assente:
a) No dia 4 de Junho de 2008, agentes da G.N.R. procederam a uma acção de fiscalização no estabelecimento comercial denominado “I…”, sito em …, …, neste concelho e comarca de Castelo de Paiva.
b) O aludido café pertence aos aqui arguidos que, à data, procediam à exploração comercial do mesmo.
c) Assim, na sequência da referida fiscalização foi apreendida, no interior do aludido café uma máquina de jogo e ainda a quantia de 25,00€, quantia que se encontrava no interior da máquina referida.
d) Sujeita a máquina, com a designação “J…”, apreendida, ao respectivo exame pericial, foi a mesma descrita da seguinte forma, quanto ao seu funcionamento: após a introdução de uma moeda, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório, relativamente ao qual o jogador não tem qualquer influência. De seguida o ponto luminoso imobiliza-se fixando-se num dos orifícios da máquina, podendo acontecer uma de duas coisas, ou pára num dos orifícios a que corresponde a atribuição de pontos, os quais correspondem à atribuição de dinheiro, à razão de 1€ por ponto ou pára num orifício a que não corresponde a atribuição de qualquer ponto, restando ao jogador a possibilidade de realizar nova tentativa, introduzindo novas moedas e reiniciando o jogo.
e) Posteriormente, no dia 4 de Outubro de 2008, agentes da GN.R. procederam a uma nova acção de fiscalização no mesmo estabelecimento comercial denominado “I…”, sito em …, …, neste concelho e comarca de Castelo de Paiva.
f) O aludido café continuava, naquela data, a pertencer aos aqui arguidos que procediam à exploração comercial do mesmo.
g) Assim, na sequência da referida fiscalização foi apreendida, no interior do aludido café uma máquina de jogo e ainda a quantia de 7,50€, quantia que se encontrava no interior da máquina referida.
h) Sujeita a máquina, com a designação “K…”, apreendida, ao respectivo exame pericial, foi a mesma descrita da seguinte forma, quanto ao seu funcionamento: após a introdução de uma moeda, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório, relativamente ao qual o jogador não tem qualquer influência. De seguida o ponto luminoso imobiliza-se fixando-se num dos orifícios da máquina, podendo acontecer uma de duas coisas, ou pára num dos orifícios a que corresponde a atribuição de pontos, os quais correspondem à atribuição de dinheiro, à razão de 1€ por ponto ou pára num orifício a que não corresponde a atribuição de qualquer ponto, restando ao jogador a possibilidade de realizar nova tentativa, introduzindo novas moedas e reiniciando o jogo.
i) Ora, quanto a ambas as máquinas, os pontos obtidos, convertidos em dinheiro, dependem exclusivamente da sorte, limitando-se a intervenção do jogador à introdução de uma moeda no início do jogo.
j) Os arguidos conheciam as características das máquinas e agiram deliberada, livre e conscientemente.
k) Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
l) Os arguidos exploravam as máquinas descritas no café de que eram proprietários, bem sabendo que se tratavam de jogos de fortuna e azar.
m) Os arguidos tinham igualmente conhecimento de que não podiam explorar as ditas máquinas, por a sua exploração ser vedada fora dos locais legalmente autorizados.
n) Não são conhecidos aos arguidos antecedentes criminais.
o) A arguida B… é divorciada, vive em casa própria, tem dois filhos menores que estão a cargo do pai - o arguido E… - suporta o pagamento de uma pensão de alimentos no valor de € 150,00 e o valor correspondente a 1/3 de € 700,00 a titulo de uma prestação ao Banco pela aquisição da casa onde vive.
p) A arguida B… é comerciante, aufere € 500,00 mensais e tem o 9º ano de escolaridade.
q) A arguida H… é solteira, vive em casa própria, não tem filhos, suporta o pagamento do valor correspondente a 1/3 de € 700,00 a título de uma prestação ao Banco pela aquisição casa onde vive.
r) A arguida H… é comerciante e aufere € 500,00 mensais e tem o 9º ano de escolaridade.
s) O arguido E… é divorciado, vive em casa dos pais e vive com eles.
t) Tem três filhos menores, dois deles a seu cargo e outro a cargo da mãe a quem entrega uma pensão de alimentos no montante de € 80,00 e suporta o pagamento do valor correspondente a 1/3 de € 700,00 a título de uma prestação ao Banco pela aquisição casa onde vivem as outras duas arguidas.
u) O arguido é comerciante e aufere € 500,00 mensais e recebe € 150,00 de pensão de alimentos pelos dois filhos que tem a seu cargo.
v) O arguido tem o 7º ano de escolaridade.

E considerou que inexiste, com relevo para a decisão a proferir, qualquer facto não provado.

A única questão deste recurso é de apurar se o jogo explorado pelos arguidos nas duas máquinas automáticas apreendidas pode ser subsumível ao tipo p. e p. pelo art.º 108º do DL 422/89, de 2/12, ou antes se a conduta deveria ter sido enquadrada juridicamente na estatuição do normativo constante do art° 159° do mesmo DL.

DECIDINDO:
A respeito da subsunção legal, expendeu a Sr.ª Juiz a quo:
“Vêm os arguidos acusados da prática, em autoria material, de um crime de exploração de jogo, p. e p. pelo art.º 108º, n.º 1 do DL 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19.01.
Ora, preceitua o art.º 108, n.º 1 do DL 422/89, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, que incorre na prática do crime em sujeito todo aquele que, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados.
Pode, pois, dizer-se que o ilícito penal em referência se decompõe, no que aos respectivos elementos objectos concerne, nos seguintes requisitos:
- A exploração, por qualquer modo, de jogos de fortuna ou de azar;
- Fora dos locais legalmente autorizados.
No que respeita ao primeiro dos apontados requisitos, importa considerar que o art.º 1º do diploma legal em referência define aquilo que se entende por jogos de fortuna ou de azar, fazendo os mesmos corresponder com todos aqueles cujo resultado se caracterize pela contingência, ou seja, pela particularidade de o mesmo assentar, exclusiva ou fundamentalmente, na sorte. Temos, pois, que não se encontram cobertos pela previsão incriminadora os jogos cujo resultado dependa da destreza ou perícia do jogador, seja esta de natureza física, intelectual ou sensorial.
Em complemento da previsão contida no art.º 1º, dispõe-se no art.º 4º, n.º 1, als. f) e g) que constituem jogos de fortuna ou de azar os realizados em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas ou em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Da classificação como sendo de fortuna ou de azar não estão, à partida, excluídos aqueles jogos que possam depender, em certa medida, da perícia ou da habilidade do jogador. O essencial é que, contudo, o resultado final dependa, ainda que em última instância, de algo que apenas a sorte ou a álea podem determinar e incontrolável, portanto, pela perícia, habilidade ou inteligência do jogador.
A disciplina legal respeitante ao jogo e às máquinas de diversão - espelhada não apenas no diploma legal em sujeito, mas, entre outros, no DL 316/95, de 28.11, e nos DL 21/85 e 22/85, de 17.01 - pretendeu conciliar a vantagem, discutível embora, de se conseguirem receitas com utilidade social explorando jogos de fortuna ou de azar em moldes estritamente regulamentados e permitindo-se uma possibilidade de escape para a tendência que muitos manifestam para a sua prática, com a necessidade de impedir os efeitos perniciosos da respectiva liberalização. Esta preocupação faz-se sentir com especial acuidade precisamente nos jogos de fortuna ou de azar, pois que, por via deles, existe a potencialidade de incremento da tendência de certas pessoas para tentar o ganho rápido, arriscando, não raro, todo o seu património em jogos aleatórios.
Para efeitos de preenchimento do tipo vindo de analisar, é indiferente o modo de exploração dos jogos de fortuna ou de azar. Essencial é, apenas, que ocorra exploração, por esta se entendendo o desenvolvimento de actividade predisposta à obtenção de lucros, e que a mesma se exercite através da colocação de máquina em local público funcionalmente em condições de proporcionar a eventuais jogadores interessados a sua utilização.
No que concerne ao segundo dos enunciados elementos objectivos do tipo, a que não é indiferente a tutela de áreas concessionadas para o jogo, prende-se o mesmo, como se disse já, com o exercício da actividade de exploração de jogos de fortuna ou de azar fora dos locais legalmente estabelecidos.
Com relevo, importa considerar que a exploração e a prática desse tipo de jogos apenas é permitida em zonas de jogo permanente ou temporário nos termos constantes dos art.ºs 3º, 6º a 8º do DL 422/89.
Do ponto de vista subjectivo, o ilícito em sujeito reveste natureza dolosa, sendo o mesmo compatível com qualquer das modalidades que o dolo pode revestir - directo, necessário ou eventual [cfr. art.º 14º do Código Penal].
A propósito da questão invocada pelos arguidos sobre a diferença entre máquinas de jogo e máquinas afins e da vária jurisprudência sobre o assunto é oportuno referir a que foi fixada pelo STJ no acórdão 4/2010, e que foi a seguinte:
Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos art.ºs 159º, n.º 1, 161º, 162º e 163º do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.
E no texto deste acórdão referiu-se que no caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
- Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do art. 159º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do art. 1º do DL 21/85, também de 17 de Janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cfr. supra 6.1. e 6.2)., se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 4º do Decreto-Lei 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art.º 159º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a (específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento.
Ora, a situação de facto deste processo é outra, por ser diferente o jogo desenvolvido pela máquina. Esta, se não pagava prémios directamente em fichas ou moedas - e pagava -, apresentava, desde logo, como resultado dependentes exclusivamente da sorte, facto que não se verificava nas situações apreciadas no acórdão de fixação de jurisprudência.
Com efeito e vertendo ao caso em sujeito, não temos dúvidas em considerar que os arguidos incorreram, com a sua apurada conduta, na prática do ilícito penal de que vêm acusados.
Com efeito, logrou-se demonstrar que os arguidos detinham, no estabelecimento de café por si explorado, em dois momentos distintos duas máquina cujo modo de funcionamento permite, muito claramente, classificá-la como destinada a jogo de fortuna ou de azar.
Na realidade, depois de na mesma ser introduzida quantia em dinheiro, o resultado proporcionado ao jogador depende, em exclusivo, da sorte ou da álea, sem qualquer interferência ou contribuição da perícia, habilidade ou inteligência.
Por outro lado, resultou demonstrado que os arguidos detinham a referida máquina, para exploração, no estabelecimento de café que tinha aberto ao público, não se encontrando munida de autorização para o efeito nem se verificando qualquer das excepções previstas pelos art.ºs 6 a 8 do DL 422/89.
Mais se provou que os arguidos sabiam que as máquinas em referência desenvolviam um jogo de fortuna ou de azar, sabendo, também, que a exploração de jogos de fortuna ou de azar só é permitida nos Casinos ou nos casos excepcionados por lei, que, no caso, não se verificavam, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei.
Temos, pois, que os arguidos integraram, com a sua apurada conduta, os elementos objectivos e subjectivo - este último, na modalidade de dolo directo - do ilícito penal previsto e punível pelo art.º 108º, n.º 1 do DL 422/89, sem que da factualidade demonstrada avulte a concorrência de qualquer circunstância passível de excluir a ilicitude dos factos ou a culpa dos arguidos.

Contrapõem os Recorrente: “todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos artigos 1º e 4° do DL no 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95 de 19 de Janeiro, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, devem ser subsumidos na modalidade de afim de jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo previstas no art.° 159º do DL”.

Quid júris?
Com o devido respeito, a razão está do lado da Senhora Juiz a quo.
Os Recorrentes concluem que as máquinas apreendidas desenvolviam jogos afins aos de fortuna e azar apenas porque ignoraram a última parte da alínea g) do n.º 1 do art.º 4º do DL 422/89, de 2/12.

O STJ, face a jurisprudência divergente, teve oportunidade de se pronunciar sobre a temática dos jogos de fortuna e azar, em profundidade, de forma categórica e convincente. Afirmou[1]:
“Desde tempos recuados, os Estados têm chamado a si a tarefa de regulamentar os jogos ditos de fortuna e azar no intuito de controlar as paixões que o jogo desperta no homem, levando-o a assumir riscos que poderiam (e podem) ter consequências nefastas a vários níveis: moral, patrimonial, social, familiar, etc. Encarado como ocupação ou passatempo ocioso, frequentemente gerador de dependências, a literatura e agora também o cinema dão-nos amplos exemplos de «perdição» por causa do jogo. (…)
Uma coisa é certa: é impossível reprimir totalmente o jogo. Por um lado, a sua proliferação, mesmo no seio dos grandes meios de comunicação social, como a televisão, onde diariamente se exibem jogos que, a pretexto do aumento de conhecimentos, uns mais edificantes, outros menos, têm como mola real incentivadora o ganho de prémios em dinheiro (de entre os mais populares, um deles chamava-se mesmo, paradigmaticamente, A febre do dinheiro), a atitude que se tem perante o jogo é diferente: mais aberta, mais tolerante, mais permissiva.
Desta forma, o Estado tenta controlar os efeitos negativos do jogo, chamando a si a tarefa de regulamentar e disciplinar essa manifestação lúdica do homem, estabelecendo, por meio de leis apropriadas, os locais onde certas modalidades de jogo consideradas mais atentatórias de bens comunitários de relevo podem ser praticadas, as entidades que as podem explorar, o seu modo de funcionamento e de fiscalização, as regras que devem ser observadas para garantir a seriedade e isenção dos jogadores, as restrições e condições de acesso aos locais onde ele se pratica, de modo a assegurar a protecção de certas pessoas, como menores e incapazes, o prestígio de certas funções, a segurança e a tranquilidade públicas.
Por via disso, procura-se extirpar o jogo clandestino, de características perniciosas e muitas vezes associado à marginalidade”.
No desenvolvimento de tal tarefa, que é exclusiva do Estado, foi publicado o DL 422/89, de 2 de Dezembro que, como é normal, não é perfeito e tem lacunas.
Reconhecendo deficiências ao Diploma Legal, o DL 10/95, de 19 de Janeiro, que aquele republicou, procedeu a “um reenquadramento da actividade, alterando-se para o efeito, o mencionado Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro”.
No exórdio deste DL 10/95 lê-se: “(…) dada a impossibilidade de reprimir efectivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, susceptível de assegurar a honestidade do jogo e de trazer alguns benefícios para o sector público”.
O DL 422/89 fez, assim, a regulamentação do jogo distinguindo, por um lado, os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar; e, por outro, interditou o jogo clandestino.
Para o que ora interessa (saber se os arguidos cometeram um crime ou uma contraordenação), importa convocar as normas legais aplicáveis aos jogos de fortuna e azar e às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, indagando o critério distintivo.
O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, define os jogos de fortuna ou azar como sendo “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Acrescenta o art.º 3º que, por regra, a exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar só é permitida nos casinos existentes em zonas de jogo legalmente criadas.
O artigo 4.º do referido Decreto-Lei, sob a epígrafe, “Tipos de jogos de fortuna ou azar”, enuncia no seu n.º 1, a título exemplificativo, e restringindo ao que interessa aos autos, na alínea g), como sendo tipo de jogo de fortuna e azar, “Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
O art.º 108º do mesmo Diploma Legal pune criminalmente quem, por qualquer forma, explorar os jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados.
Já artigo 159.º, n.º 1, do mesmo DL diploma define as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, nos seguintes termos: “Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
No n.º 2 do mesmo preceito legal, o legislador enunciou de forma exemplificativa as modalidades afins.
Porque as modalidades afins têm uma carga axiológica bem menos negativa, se não mesmo neutra, a sua prática é punida como contraordenação e não já como crime.
Qual, então, o critério distintivo entre os jogos de fortuna e azar e as modalidades afins destes?
“O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito - ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social - não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal - uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade. (…)
Como vimos (…), a lei (artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas [vários jogos bancados, concretamente determinados - alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados – alínea e); e jogos em máquinas - alíneas f) e g)].
No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas «modalidades afins». Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do artigo 1.º, são os que estão especificados no artigo 4.º, n.º 1. Como se afirma no acórdão fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados». Aliás, o referido artigo 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar [...]», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades [alíneas a) a d)]; os não bancados, também concretamente especificados [alínea e)] e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas [as alíneas f) e g)].
Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados por apresentarem características análogas. (…)
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”[2].

Crê-se que assim é, na realidade.
In casu, estamos perante máquinas que, “não pagando directamente prémios em fichas ou moedas” (apresentavam) “como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
Na verdade, segundo se lê na alínea d) da matéria de facto provada, “Sujeita a máquina, com a designação “J…”, apreendida, ao respectivo exame pericial, foi a mesma descrita da seguinte forma, quanto ao seu funcionamento: após a introdução de uma moeda, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório, relativamente ao qual o jogador não tem qualquer influência. De seguida o ponto luminoso imobiliza-se fixando-se num dos orifícios da máquina, podendo acontecer uma de duas coisas, ou pára num dos orifícios a que corresponde a atribuição de pontos, os quais correspondem à atribuição de dinheiro, à razão de 1€ por ponto ou pára num orifício a que não corresponde a atribuição de qualquer ponto, restando ao jogador a possibilidade de realizar nova tentativa, introduzindo novas moedas e reiniciando o jogo”.
E na alínea h): “Sujeita a máquina, com a designação “K…”, apreendida, ao respectivo exame pericial, foi a mesma descrita da seguinte forma, quanto ao seu funcionamento: após a introdução de uma moeda, é disparado um ponto luminoso que inicia um movimento giratório, relativamente ao qual o jogador não tem qualquer influência. De seguida o ponto luminoso imobiliza-se fixando-se num dos orifícios da máquina, podendo acontecer uma de duas coisas, ou pára num dos orifícios a que corresponde a atribuição de pontos, os quais correspondem à atribuição de dinheiro, à razão de 1€ por ponto ou pára num orifício a que não corresponde a atribuição de qualquer ponto, restando ao jogador a possibilidade de realizar nova tentativa, introduzindo novas moedas e reiniciando o jogo”.
Porque, “quanto a ambas as máquinas, os pontos obtidos, convertidos em dinheiro, dependem exclusivamente da sorte, limitando-se a intervenção do jogador à introdução de uma moeda no início do jogo”, parece óbvio que estamos perante máquinas que desenvolviam jogos de fortuna e azar na medida em que apresentem como resultado pontuações, que eram convertidas em dinheiro, e eram dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte [o vocábulo ou, constante da alínea g) do n.º 1 do citado art.º 4º, colocado antes da expressão “apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” não deixa qualquer dúvida acerca da sua autonomia relativamente ao restante texto legal e, por isso, não estamos perante requisito cumulativo mas antes alternativo].
Face ao exposto, bem condenados foram os arguidos pela prática do crime p. e p. pelo art.º 108º do DL 422/89, de 2/12.

A mais recente jurisprudência dos Tribunais da Relação, que se conheça, vai toda no sentido do texto.
Assim:
Ac da RL de 5/04/2011, processo 728/06.1GBVFX.L1-4:
“A máquina funciona da seguinte forma:
- Após a introdução de uma moeda de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem.
- O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que perde gradualmente, até parar ao fim de várias voltas, fixando-se, aleatoriamente, num dos orifícios já mencionados, casos em que duas situações podem ocorrer:
- O orifício em que pára o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números indicados no mostrador circular existente na máquina e, neste caso, o jogador teria direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 pontos (pontos que correspondiam a um prémio monetário que lhe seria pago a um euro por cada ponto e que poderia variar entre um mínimo de 1 euro e um máximo de 200 euros;
- O ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer identificação e, então, o jogador nada ganhava, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas”.
A exploração destas máquinas, em tudo idênticas à dos autos, foi considerada como exploração ilícita de jogo porque “O resultado do jogo depende única e exclusivamente do factor sorte, não podendo ser controlada pelo jogador, de forma alguma, mormente, com habilidade, destreza ou experiência.
É claro que a destreza e experiência do jogador são completamente indiferentes para o resultado do jogo que, como se vê, depende exclusivamente da sorte. (…)
É certo que ela não desenvolve jogo com tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, designadamente, algum dos previstos nas alíneas, a) a e), do n.º 1, citado, e também não pagava directamente prémios em fichas ou moedas. Mas, como vem provado, proporcionava o pagamento de prémios em dinheiro, e apenas em dinheiro, embora não directamente. A simples natureza do prémio em dinheiro, directa ou indirectamente, nos jogos de fortuna ou azar, e coisas com valor económico, nas modalidades afins não é, a nosso ver, critério suficiente para proceder à qualificação.
Mas o que também se provou é que o jogo desenvolvido pela máquina, independentemente da sua maior ou menor similitude com a roleta, permitia ao jogador ganhar pontos, imediatamente visualizados no mostrador existente, e acumular os respectivos créditos nas várias jogadas ganhadoras efectuadas, pontos que eram convertidos em dinheiro.
Assim, porque a máquina apreendida não pagava directamente prémios em dinheiro pagava, como vimos, indirectamente, nem desenvolvia jogo próprio dos de fortuna ou azar, mas apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, entendemos que a mesma se encontra abrangida pela previsão da alínea g), do n.º 1, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro”.

Ac da RC de 21/03/2012, processo 354/10.0GCACB.C1, in www.dgsi.pt
“Qualquer jogo cujo resultado dependa exclusiva ou parcialmente da sorte e cujo prémio seja em dinheiro, desenvolva ou não tema característico de jogo de fortuna ou azar, integra o conceito de jogo de fortuna ou azar e, logo, a sua exploração (fora dos locais legalmente autorizados) integra a prática do crime de exploração ilícita de jogo, previsto no artigo 108°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro”.
E isto porque “Nos apontados normativos (art.ºs 1º e 4º do DL 422/89, de 2/12) prevê-se a exploração de jogos em percursos turísticos e aeroportos, a exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo e a exploração do jogo de bingo em salas próprias fora dos casinos nos termos de legislação especial (Dec. Lei n° 314/95, 24.11), e o art. 9° estipula que o direito de explorar jogos de fortuna e azar só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o governo adjudicar a respectiva concessão mediante contrato administrativo.
No entanto, a lei do jogo não integrou todo o tipo de jogo de fortuna e azar e respectiva exploração nas normas acabadas de citar: criou a categoria paralela de modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e outras formas de jogo (art. 161.º do diploma em referência) definindo-as no artigo 159°, n° 1 como «as operações oferecidas ao público em que a expectativa de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador ou somente na sorte e que atribuem como prémios coisas com valor económico». E o n° 2 do mesmo preceito dá exemplificativamente como referências de modalidades afins dos jogos de fortuna e azar as rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
Só que a lei, a estas modalidades afins impõe uma restrição temática, nos termos do art. 161° n° 3 do mesmo diploma, tais modalidades afins referidas no artigo 159° não podem desenvolver temas característicos de jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.
Da interpretação conjunta e harmónica de todas estas normas pode inferir-se, pois, o seguinte quadro de conclusões: (1) qualquer jogo cujo resultado dependa exclusiva ou parcialmente da sorte e cujo prémio seja em dinheiro, desenvolva ou não tema de jogo de fortuna e azar, integra o conceito de jogo de fortuna e azar (logo a sua exploração integra a prática do crime previsto no artigo 108°, n° 1 do diploma referido); (2) são crime as condutas violadoras do artigo 161°, n° 3, consistentes na exploração de jogos que desenvolvam temas de jogos de fortuna e azar, (3) como são crime as condutas que, não desenvolvendo esses temas, substituam o prémio devido por dinheiro ou fichas (Neste sentido o Ac STJ, de 28-11-2007, CJ/STJ, ano XV, t. III., p. 256)”.

Ac da RC de 15/02/2012, processo 41/07.7FDCBR.C1, in www.dgsi.pt:
“No nosso caso, a máquina tem as seguintes características:
Após a introdução de uma moeda de 0,5 euros (permite uma jogada), 1 euro (permite duas jogadas) ou 2 euros (permite quatro jogadas), inicia-se de imediato a jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão, e automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular uniformemente desacelerado os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem.
De seguida, e sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados.
Neste ponto duas situações podem acontecer:
- O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 pontos, pontos estes que são de imediato visualizados na janela digital já referida, pontos que são posteriormente convertidos em quantias monetárias, à razão de 1 euro por cada ponto;
- O ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.
O jogador pode receber o prémio correspondente aos pontos ganhos, assim como pode também optar por fazer jogadas com esses pontos, acumulados na já referida janela digital; para o efeito utiliza o botão, situado na parte lateral direita da máquina, que permite efectuar duas jogadas por cada ponto anteriormente ganho.
A máquina aceita um número indeterminado de moedas; cada moeda de 0,50 euros proporciona uma jogada; o ritmo (velocidade) do jogo é rápido e permite ao jogador várias jogadas por minuto.
O objectivo do jogo consiste em conseguir que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, sendo que para tal a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo existente para o efeito.
O jogo apresenta como resultados pontuações que são posteriormente convertidas em dinheiro, à razão de 1 euro por cada ponto, sendo que estas pontuações são dependentes exclusivamente da sorte, não podendo o jogador com a sua intervenção condicionar o resultado final.
A atribuição de pontos é exclusivamente dependente da sorte, não tendo o jogador qualquer intervenção para além de colocar a moeda.
Assim lido o modo de funcionamento da máquina em causa, torna-se claro também para nós que a mesma desenvolve jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos.
O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio.
A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.
Ou seja: o jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro.
Por isso, o jogo da máquina, no nosso caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido AFJ sobre a definição de jogo de fortuna ou azar”.

Ac da RP de 25/05/2011, processo 34/09.0FAPRT.P1, in www.dgsi.pt:
É de fortuna ou azar o jogo desenvolvido por uma máquina em que:
- O resultado ou pontuação final assenta exclusivamente no factor sorte;
- O prémio é pago unicamente em dinheiro;
- O modo de obtenção da pontuação é igual ou análogo ao funcionamento do jogo da roleta, com a característica de, nesta máquina, se tratar de uma “roleta electrónica”.

Improcedem, pois, todas as conclusões da motivação.

DECISÃO:
Termos em que, na improcedência do recurso se mantém e confirma a douta sentença recorrida.
Fixa-se em 5 Ucs a tributação.

Porto, 27 de Junho de 2012
Francisco Marcolino de Jesus
Élia Costa de Mendonça São Pedro
________________
[1] Ac. Uniformizador 4/2010
[2] Ac Uniformizador 4/2010