Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
226/08.9IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CRIME FISCAL
REGULARIZAÇÃO DA DÍVIDA
SUSPENSÃO DA PENA
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RP20131120226/08.9IDPRT.P1
Data do Acordão: 11/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo o limite máximo da moldura abstracta do crime fiscal cometido pelo arguido/recorrente (no caso crime de fraude fiscal qualificado p. e p. nos arts. 103º, nº 1 e nº 2 e 104º, nº 2 do RGIT) superior a 3 anos, não tem aplicação o regime previsto no DL nº 151-A/2013, de 31.12, particularmente seu art. 2º, nº 4 (por isso, não há que aguardar até 20.12.2013 por eventual regularização da dívida fiscal aqui em causa).
II - Perante o circunstancialismo apurado mostra-se ajustada e adequada a suspensão da execução da pena de 1 ano e 3 meses de prisão aplicada ao arguido/recorrente, pelo período respectivo indicado pela 1ª instância, condicionada ao pagamento, no mesmo prazo, do montante das vantagens indevidamente obtidas, nos termos do art. 14° do RGIT.
III - Não é de censurar a avaliação e juízo de prognose feito pelo tribunal da 1ª instância quando considerou (ponderando o que foi dado como provado quanto à situação económica e financeira do recorrente e o que resultava do ac. do STJ nº 8/2012, apesar de não ser o caso destes autos) que o arguido/recorrente tem condições económicas e financeiras para cumprir a condição prevista no art. 14º do RGIT no prazo de 1 ano e 3 meses, prazo esse correspondente ao período de suspensão da execução da pena de prisão imposta, tendo em atenção o disposto no art. 50º do CP, na versão actual, que é o regime penal concretamente mais favorável.
IV - A substituição da pena de prisão imposta por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º do CP) não realizava de forma adequada e suficiente, neste caso (atenta a natureza do crime cometido pelo arguido/recorrente, forma como foi executado e o que se apurou em audiência de julgamento, designadamente, tendo em atenção que trabalha na Noruega, onde aufere um bom salário mensal, se compararmos com salários portugueses, designadamente de profissionais com elevadas categorias), as finalidades da punição, razão pela qual sempre se impunha a preferência por aquela outra que lhe foi aplicada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (processo nº 226/08.9IDPRT.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, nos autos de processo comum nº 226/08.9IDPRT, foi proferida sentença em 7.12.2012 (fls. 872 a 891 do 3º volume), constando do dispositivo o seguinte:
Face ao exposto e pelos fundamentos expendidos, julgo a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência, decido:
a) Condenar B…, filho de C… e de D…, nascido a 5.02.1963, casado, empresário e residente na …, …, .º Dto. Frente, Marco de Canaveses, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º,1 e 2 e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
b) Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses, ao abrigo do art. 50.º, 5 do CP, condicionada ao pagamento no prazo de 1 (um) ano e 3 (três) meses, da prestação tributária no montante € 24.093,84 e respectivos juros de mora, respeitante aos benefícios indevidamente obtidos, em sede ao IRC, no ano de 2004.
c) Condenar B…, nos termos conjugados dos arts. 513.º,1, 2 e 3 e 514.º,1, ambos do CPP e art. 8.º, 5 do RCP e Tabela III Anexa a este diploma, nas custas de processo, fixando a taxa de justiça em 2 (DUAS) UCs.
d) Absolver B… no mais que lhe vinha imputado na Acusação Pública.
e) Absolver E…, Lda., com o NIF ……… e sede no …, …, Lousada, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
f) Absolver F…, filho de G… e de H…, nascido a 15.03.1964, casado e residente no …, Lousada, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhes vinha imputado.
g) Absolver I…, filha de J… e de K…, nascida a 10.09.1966, casada e residente no …, Lousada, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
h) Absolver L…, Lda., com o NIF ……… e sede na Rua …, …, …, Vila do Conde, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
i) Absolver M…, filho de N…, nascido a 29-11-1965 e residente na Rua …, …, …, Vila do Conde, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhes vinha imputado.
j) Absolver O…, Lda., com o NIF ……… e sede na …, lote …, …, …, Moita, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
k) Absolver P…, filho de Q… e de S…, nascido a 12-03-1963, natural da Guiné e residente na …, lote …, …, …, Moita, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
l) Absolver T…, Lda., com o NIF ……… e sede em …, …, Amarante, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
m) Absolver U…, filho de V… e de W…, nascido a 19-05-1978 e residente no …, …, Amarante, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
n) Absolver X…, filha de Y… e de Z…, nascida a 9-07-1979 e residente no …, …, Amarante, da prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, como lhe vinha imputado.
(…)
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2. Recorreu apenas o arguido B… (fls. 915 a 949 do 4º volume), apresentando as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença, por não se conformar o arguido/recorrente com a mesma, e que o condenou pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pela conjugação dos arts. 103º e 104º, nº 1 e 2, com referência aos artigos 6º e 7º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (doravante RGIT).
B) O recorrente não se pode conformar com tal decisão, porquanto, face à prova produzida, entende que não foi devidamente analisada e ponderada a lei aplicável, o que acabou por conduzir a uma condenação e a uma pena exagerada e como tal injusta.
C) Portanto, o motivo do inconformismo do arguido, ora recorrente em relação ao decidido pelo tribunal ad quo é relativamente ao vício constante no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova – e quanto ao direito aplicável.
D) O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação, tal como prescrito pelo art. 127º, nº 1, do Código de Processo Penal.
E) A livre apreciação da prova traduz-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
F) No caso em apreço, a opinião do tribunal ad quo fundou-se fundamentalmente nos depoimentos dos inspectores tributários, a saber, AB…, AC… e AD… e no seu know how.
G) Apenas o inspector AB… inspeccionou a sociedade “AE…., LdA”, e referiu a possibilidade da existência de subempreiteiros contratados por esta mesma sociedade, por forma a supor as carências de logística que a mesma tinha.
H) Ademais, não podem os inspectores afirmar, com certeza absoluta, de que tais contratos de subempreitada não existiram e que as facturas não correspondem a verdadeiras prestações de serviço.
I) Entende o tribunal que os testemunhos dos demais co-arguidos que prestaram declarações “merecem credibilidade”, não obstante estarem nesta posição, sabendo que, afinal poderão ser condenados, e ao invés a testemunha AF…, em nada interessado no decurso e desfecho do processo, ser “um pouco tendencioso”.
J) Segundo as regras da experiência comum, é mais frequente, tendo em conta a lógica, ser um arguido a mentir que uma testemunha, pois o primeiro tem mais interesses na decisão final da causa e tenderá a omitir certos factos que o possam prejudicar.
K) De facto, o depoimento da testemunha AF… apenas versou sobre factos relativos à sociedade “AE…, LDA” e, em consequência, ao arguido B…, aqui recorrente. Todavia, tais declarações assim ocorreram em virtude de este ser o TOC desta sociedade e nada mais!
L) A testemunha relatou, de forma calma, clara, isenta e verdadeira os factos que tinham ocorrido, tendo admitido a falta de recursos que a sociedade “AE…, LDA” tinha para cumprir com todos os contratos que assumia, presumindo-se, portanto, a contratação de subempreiteiros para a construção das obras a que se vinculara.
M) Trata-se de um testemunho descomprometido, sem qualquer intervenção na presente causa, ao invés dos testemunhos reproduzidos pelos arguidos presentes na audiência de discussão e julgamento.
N) Ora, da conjugação dos depoimentos dos inspectores tributários com o testemunho de AF… não pode, pois, resultar provado que as obras a que as facturas aludem não tenham sido realizadas; tais obras tenham sido realizadas pela sociedade de construção “AE…, LDA”, a sociedade “AE…, LDA” não tenha recorrido ao auxílio de outros subempreiteiros para a realização das obras referidas nas facturas e, em suma, que as facturas eram falsas, pois não estavam associadas a quaisquer transacções comerciais.
O) Afirma o tribunal que tal depoimento foi “isento e escorreito”. Todavia, se atentarmos no depoimento desta testemunha, podemos encontrar várias incongruências e depoimento por via indirecta.
P) Face ao exposto, manifesto é que a sentença recorrida, ao incorrer em tão clamorosos desvios de raciocínio na apreciação das provas e bem assim da formulação de juízos ilógicos, arbitrários e mesmo contraditórios, os quais afrontam de forma manifesta as regras de experiência comum, padece dos vícios referidos no art. 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal, os quais deverão ser declarados pelo tribunal ad quem, com a consequente revogação do decidido em 1ª instância e subsequente absolvição do recorrente, ou, concedendo-se, com reenvio do processo para novo julgamento.
Q) Terá de ser considerada a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base na apreciação da prova produzida em audiência e da qual resultam os vícios supra apontados.
R) O tribunal ad quo julgou incorrectamente os factos que deu como provados nos pontos 14, 17, 18, 19 e 20 da factualidade considerada assente na decisão recorrida, a qual não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal ad quo – na sua fundamentação – reputou de determinante para a formação da sua convicção.
S) Para cumprimento do disposto no art. 412º, nº 3, alínea b), do C.P.Penal, indicam-se como provas que impõem decisão diversa da recorrida as seguintes:
- depoimentos dos arguidos e das testemunhas cujas gravações encontram-se melhor identificadas na motivação do presente recurso, para a qual remetemos.
- prova documental junta aos autos.
T) Analisada conjugada e criteriosamente a prova produzida e supra indicada, não podia o tribunal ad quo ter dado como provada a factualidade que levou aos pontos 14, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados, antes se impondo que, face à prova produzida em audiência de julgamento, tivesse dado tal factualidade como não provada.
U) Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, o arguido e recorrente discorda do direito aplicável, designadamente quanto à aplicação do princípio, fundamental e constitucionalmente consagrado, in dubio pro reo.
V) E este princípio é um dos princípios basilares e estruturantes do nosso sistema jurídico-legal, uma decorrência do princípio da presunção de inocência dos arguidos, enquanto regra probatória, e tem como consequência o facto de caber à acusação carrear para o processo o material probatório, desonerando assim o arguido do ónus da prova da sua inocência.
W) Não havendo, pois, prova directa sobre os factos descritos na acusação pública, impunha-se a avaliação dos elementos de prova indiciária existentes à luz dos critérios legais e dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência.
X) Isto é, na dúvida sobre quais os factos a dar como provados, os mesmos devem ser considerados de forma a não condenar o arguido.
Y) Face à prova produzida, entende o recorrente que não se pode considerar ou concluir que os meios de produção não existissem efectivamente, pois os inspectores tributários não visitaram as obras que a arguida tinha em curso e estavam descritas nas facturas, por forma a descobrir se aí existia trabalhadores de outras sociedades, designadamente as sociedades emitentes das facturas que se dizem “falsas”.
Z) Por último, o requerente entende que a condição de suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada é inconstitucional, na medida em que viola os princípios estruturantes do direito português, designadamente o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 18º, do mesmo diploma e o direito à liberdade, consagrado no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias (artigo 27º) e, por isso, goza de uma protecção especial, conforme disposto no artigo 18º da CRP.
AA) A condição de suspensão a que a pena está adstrita é inconstitucional, na medida em que viola os artigos 13º, 18º, 27º e 266º da CRP e o art. 1º do Protocolo nº 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
BB) A douta sentença viola os artigos 13º, 18º, 27º e 266º da CRP. 1º do Protocolo nº 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 127º do Código de Processo Penal.
Termina pedindo o provimento do recurso com a consequente absolvição ou então a modificação da pena e da sua medida.
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3. Respondeu o Ministério Público (fls. 1004 a 1009 do 4º volume), pugnando pelo não provimento do recurso.
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4. Neste Tribunal da Relação o Sr. PGA emitiu o parecer que consta de fls. 1032 a 1034, sustentando que deveria ser julgada nula a sentença por não ter conjugado a imposição da indemnização com a situação económica do arguido para a satisfazer, tal como determina o acórdão do STJ nº 8/2012, concluindo dever o processo ser remetido à 1ª instância e merecer o recurso provimento apenas quanto à condição de suspensão da execução da pena de prisão.
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5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, o recorrente apresentou a resposta que consta de fls. 1038 a 1040, que aqui se dá por reproduzida, concluindo pela procedência do recurso e chamando à atenção que deve improceder a pretendida nulidade da sentença, uma vez que dela consta que o tribunal fez o juízo de prognose relativamente à razoabilidade da suspensão da pena, tendo em atenção as condições sócio-económicas do arguido condenado e o referido ac. do STJ nº 8/2012.
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6. Foram colhidos os vistos legais, realizando-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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7. Na sentença recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
1. O arguido B… era sócio-gerente, de facto e de direito da sociedade, entretanto encerrada, AE…, Lda, que tinha como objecto social, entre outros, a construção civil;
2. O arguido F… e G… são sócios-gerentes da E…, Lda, que tem como objecto social, entre outros, a construção civil;
3. O arguido M… é sócio-gerente da L…, Lda., que tem como objecto social, entre outros, a construção civil;
4. O arguido P… é sócio-gerente da O…, Lda., que tem como objecto social, entre outros, a construção civil;
5. Os arguidos U… e X… são sócios-gerentes da T…, Lda., que tem como objecto social, entre outros, a construção civil;
6. A AG…, Lda. tem o n.º de Pessoa Colectiva que corresponde a outra empresa a “AH…, Lda.”;
7. A pessoa colectiva AG…, Lda. é inexistente para efeitos cadastrais, não laborando aquela empresa na sede que consta das facturas;
8. A AE…, Lda. foi alvo de uma Inspecção Tributária com incidência sobre o exercício de 2004;
9. A referida inspecção foi realizada pelo Inspector AB… e dela resultou o Auto de Notícia datado de 26.05.2008;
10. A sociedade AE…, Lda. estava enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral até 12.09.2007, altura em que cessou a actividade de “Construção de Edifícios” para a qual esteve colectada;
11. Da Certidão de Registo Comercial da AE…, Lda. consta o registo do encerramento da sua liquidação;
12. A AE…, Lda. utilizou as facturas discriminadas no quadro de fls 43 (4.ª coluna) do auto de notícia e constantes do Apenso I – documentos 4 a 9; 20 a 28; 47 a 49; 54; 63 a 68, emitidas com o nome das sociedades ora arguidas;
13. As facturas n.ºs … a …; …; …; … e … têm aposta rubrica legível com o nome F…, mas em nenhuma delas são quantificados ou especificados os serviços prestados;
14. O arguido B…, sabia que das mencionadas facturas as que respeitam às T…, Lda.; L…, Lda. e AG…, Lda, não correspondiam a quaisquer prestações de serviços e que as mesmas se destinavam apenas a gerarem o correspondente aumento de custos para efeitos de diminuição de tributação, em sede de IRC e IVA da, entretanto encerrada e liquidada, “AE…, Lda.”;
15. As sobreditas facturas não fazem qualquer menção a eventuais orçamentos, contratos ou autos de medição;
16. Os serviços inscritos nas facturas reportam-se à realização de trabalhos realizados um pouco por todo o país;
17. Uma vez na posse das referidas facturas, o arguido B…, apesar de saber que as mesmas não eram verdadeiras, fez constar da sua contabilidade as aludidas facturas, registando-as e apresentando-as para efeitos de declaração de IVA e de IRC.
18. Tendo sido artificialmente elevados os custos, a “AE…, Lda.” foi tributada em IVA e IRC em montantes inferiores aos legalmente devidos, o que acarretou prejuízos para a Administração Fiscal, nos valores que a seguir se indicam:
- Em sede de IRC, referente ao ano de 2004, de € 24.093,84
- Em sede de IVA, referente ao 2º trimestre de 2004, a quantia de € 4.449,60 e ao 3º trimestre de 2004, a quantia de € 10.439,37.
19. O arguido B… agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de conseguir uma vantagem patrimonial indevida para a sociedade AE…, Lda e, ao memo tempo, diminuir as receitas fiscais do Estado;
20. O arguido B… tinha conhecimento que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
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21. As facturas que constam dos autos, como tendo sido emitidas pela E…, Lda. não respeitam a ordem lógico-temporal, havendo facturas com número de série anterior que foram passadas em momento posterior;
22. A E…, Lda mantinha relações comerciais com a AE…, Lda;
23. O cheque n.º ………., datado de 14.08.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 750 e encontra-se ao portador;
24. O cheque n.º ………., datado de 10.10.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 600 e encontra-se ao portador;
25. O cheque n.º ………, datado de 26.10.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 2.600, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
26. O cheque n.º ………., datado de 28.10.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 3.500, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
27. O cheque n.º ……….., datado de 9.11.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 2.500, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
28. O cheque n.º ………., datado de 17.12.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 2.200, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
29. O cheque n.º ………., datado de 29.12.2004, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 3.800, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
30. O cheque n.º ………., datado de 6.01.2005, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 4.000, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
31. O cheque n.º ………., datado de 19.01.2005, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 3.600, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
32. O cheque n.º ………., datado de 1.02.2005, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 4.700, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
33. O cheque n.º ………., datado de 7.02.2005, foi emitido pela AE…, Lda., no valor de € 4.000, à ordem da E…, Lda e foi por F… levantado esse montante;
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34. Por sentença transitada em julgado a 7.04.2006 a L…, Lda foi declarada insolvente – Ap 2/20071102;
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35. A 28.04.2003 sob o NIPC: 395/03.4GBAMT foi registado, pela GNR de Amarante, um furto em veículo automóvel propriedade de U…, participado pelo próprio.
36. Do interior da viatura foi furtada uma pasta com facturas, cheques, contratos de trabalho, carimbo da empresa T…, Lda., entre outros elementos que se encontravam no interior do veículo;
37. Os impressos a partir dos quais foram elaboradas as facturas constantes dos autos, ostentam um logótipo que não coincide com os impressos de série de facturas ao tempo utilizadas pela T…, Lda;
38. As facturas em causa nos autos têm grafia diferente das encontradas nos elementos de escrituração da empresa T…, Lda.;
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39. O arguido U… não tem antecedentes criminais;
40. A arguida X… não tem antecedentes criminais;
41. O arguido M… não tem antecedentes criminais;
42. A arguida I… não tem antecedentes criminais;
43. O arguido P… não tem antecedentes criminais;
44. O arguido B… tem averbadas no seu Boletim de Registo Criminal as seguintes condenações:
a) Proc. N.º 423/06.1 GNPRT - Condenação em 100 dias de multa à taxa diária de € 5 e pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º do CP, por sentença datada de 15.09.2006 e transitada em julgado a 2.10.2006. Pena extinta pelo pagamento voluntário da multa em 31.10.2007.
b) Proc. N.º 538/08.5GAMCN - Condenação em 120 dias de multa à taxa diária de € 10 e pena acessória de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º do CP, por sentença datada de 21.07.2008 e transitada em julgado a 16.09.2008.
45. O arguido F… tem averbado no seu Boletim de Registo Criminal a seguinte condenação:
a) Proc. N.º 5169/04.2TDPRT- Condenação em 60 dias de multa à taxa diária de € 3,5 pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º do CP, por sentença datada de 16.06.2005 e transitada em julgado a 1.07.2005. Pena extinta pelo pagamento voluntário da multa em 7.10.2005.
Mais se provou que:
46. As facturas constantes dos documentos 47 a 56 do Apenso I têm inscritos serviços que não cabiam no âmbito social da L…, Lda;
47. Desde Outubro de 2001 que a L…, Lda não dispunha de trabalhadores ao seu serviço;
48. O arguido M… não reconhece a letra que se encontra inscrita nas facturas;
49. O arguido B… apenas mandou emitir as facturas provenientes da tipografia AI…, Lda, em Vila do Conde;
50. O arguido B… está emigrado em França, onde trabalha como ladrilhador, auferindo cerca de € 1.700 mensais;
51. O arguido está divorciado e tem dois filhos menores com 13 e 15 anos;
52. Vive com a companheira que aufere, cerca de € 400 por mês;
53. Tem o 9.º ano de escolaridade incompleto;
54. O arguido não tem registado em seu nome nenhum bem imóvel, nem móvel sujeito a registo.
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55. A sociedade T…, Lda., na pessoa do seu representante legal, U.., não celebrou qualquer negócio com a AE…, Lda.
56. A arguida X… não tinha conhecimento do giro comercial da sociedade da qual detinha uma participação social, sendo a mesma, apenas, gerida pelo marido;
57. A arguida X… não conhece nenhum dos co-arguidos.
58. O arguido U… emigrou para Espanha em Setembro de 2004 e permanece no estrangeiro, com a mulher, a arguida X…, até à presente data;
59. O arguido trabalha como Encarregado da Construção Civil, auferindo cerca de € 1600 mensais;
60. Vive com a mulher, a arguida X… e com os dois filhos menores do casal;
61. A mulher trabalha como empregada doméstica e aufere cerca de € 500 por mês;
62. O casal paga cerca de € 850 de renda de casa por mês;
63. O arguido U… tem como habilitações académicas o 6.º ano de escolaridade;
64. A arguida X…, em termos académicos, tem 12.º ano de escolaridade incompleto;
*
65. A arguida I… é doméstica;
66. É casada com o arguido F…;
67. Recebe um subsídio na ordem dos € 190 mensais;
68. Tem uma filha de 12 anos de idade;
69. Paga de renda de casa o montante de € 250;
70. Paga, ainda, uma mensalidade no montante de € 70 para amortizar um crédito pessoal que contraiu;
71. Tem como habilitações académicas o 3.º ano de escolaridade;
*
72. O arguido F… está a trabalhar em França, por conta da empresa AJ…, Lda;
73. Envia todos os meses para Portugal o montante de € 500;
74. Tem como habilitações académicas a 4.ª classe.
75. Estão registados em nome do arguido, ou na qualidade de sujeito passivo os seguintes automóveis: ..-..-DU, TP-..-.., ..-..-GE, DS-..-..; ..-..-BE;HF-..-.. e RG-..-..;
*
76. O arguido P… tem registado em seu nome o veículo de matrícula OM-..-.. que está penhorado a favor da Fazenda Nacional;
*
77. O arguido B… encontra-se a trabalhar para a empresa AK…, Lda., a prestar serviços na Noruega, como armador de ferro, auferindo cerca de € 2.700 mensais;
78. É casado e tem dois filhos, uma filha maior e um filho de 14 anos;
79. A mulher é doméstica e vive em casa da filha;
80. Quando o arguido vem a Portugal, fica em casa da filha;
81. Envia todos os meses € 500 para Portugal para o sustento da família;
82. O veículo de matrícula QR-..-.., registado em nome da AL…, Lda, tem como sujeito passivo B…;

Quanto aos factos dados como não provados, consta o seguinte:
1. Os arguidos F…, I…, M…, P…, U… e X…, de comum acordo, com o arguido B…, emitiram diversas facturas fictícias, uma vez que não correspondiam a qualquer transacção comercial ou prestação de serviços e pelas quais recebiam deste quantias monetárias, previamente estabelecidas, mas cujo montante não foi possível determinar com precisão.
2. Os arguidos U… e X…, em nome da “T…, Lda.”, emitiram as facturas constantes dos documentos nºs 4 a 19 do Apenso I, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Por outro lado, os arguidos F… e I…, enquanto sócios/gerentes da “E…, Lda.”, emitiram as facturas constantes dos documentos nºs 20 a 38 (excepto o doc. nº 29) do Apenso I, cujo teor também se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. M…, enquanto sócio/gerente da “L…, Lda.”, emitiu as facturas constantes dos documentos nºs 47 a 56 do Apenso I;
5. P…, enquanto sócio/gerente da “O…, Lda.” emitiu as facturas constantes dos documentos nºs 63 a 75 (excepto o doc. nº 69) do Apenso I, cujo teor também se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Os arguidos, à excepção de B…, sabiam que as mencionadas facturas não correspondiam a quaisquer prestações de serviços e que as mesmas se destinavam apenas a gerarem o correspondente aumento de custos para efeitos de diminuição de tributação em sede de IRC e IVA da, entretanto encerrada e liquidada, “AE…., Lda.”.
7. Todos os arguidos, à excepção de B…, agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo com um plano previamente estabelecido, com a intenção de conseguirem uma vantagem patrimonial indevida para a “AE…, Lda.” e, ao mesmo tempo, diminuir as receitas fiscais do Estado.
8. Tinham, além disso, todos eles, perfeito conhecimento que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
9. Foram artificialmente elevados os custos, da sociedade “AE…, Lda.”, tendo esta sido tributada em IVA e IRC em montantes inferiores aos legalmente devidos, o que acarretou prejuízos para a Administração Fiscal, nos valores que a seguir se indicam:
- Em sede de IRC, referente ao ano de 2004, de € 55.680,33
- Em sede de IVA, referente ao 2º trimestre de 2004, a quantia de € 23.413,67e ao 3º trimestre de 2004, a quantia de € 20.729,98.

Na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto escreveu-se:
A) Motivação quanto aos factos PROVADOS:
Para formar a sua convicção relativamente aos factos provados, o Tribunal, observando os critérios a que alude o artigo 127.º do CPP, baseou-se no correlacionamento das provas documentais juntas aos autos e de toda a prova produzida e apreciada em Audiência de Julgamento.
Em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pelos arguidos U… e X….
No que concerne às participações sociais de cada um dos arguidos nas respectivas sociedades arguidas, foram tidas em conta as Certidões Permanentes das arguidas que se encontram juntas aos autos, a fls 179 e ss; fls 181e ss; fls 238 e ss; 243 e ss. Razão pela qual se consideram provados os factos constantes dos pontos 1 a 6.
Quanto aos factos relativos à AE…, que não figura como arguida nos presentes autos, visto que foi já registado o encerramento da liquidação da pessoa colectiva, foram atendidos os documentos juntos aos autos e a prova testemunhal produzida.
Do Parecer de fls 452 e ss, resultante da inspecção levada a cabo pelo Inspector Tributário AB…, nas instalações da sociedade, retirou o Tribunal o enquadramento em sede de IVA da empresa. Retirou, ainda, os elementos contabilísticos que permitiram constatar que as facturas constantes dos pontos 12 e 13 dos factos provados foram emitidas em nome das sociedades arguidas.
Do mesmo Parecer resultou, ainda, provado que a AG…, Lda, não existia nos termos dados como provados.
Foi importante o depoimento da testemunha AB…, Inspector Tributário a exercer funções na área do Porto e responsável pela Inspecção Tributária realizada à sociedade comercial AE…, Lda., Desde logo, o seu contributo relevou porque foi a pessoa que lavrou o auto de notícia datado de 26 de Maio de 2008, apensado aos autos principais (fls 2 a 49).
Assim, atendendo ao seu conhecimento directo, que se traduziu num depoimento isento e escorreito, conjugado com o Parecer, o Tribunal deu como provados os factos 6 a 18.
O depoimento deste inspector assentou, necessariamente, no teor do Parecer elaborado com base no seu relatório.
A testemunha AB… relatou ao Tribunal quais os indícios que, na sua opinião, motivaram as fiscalizações às sociedades arguidas, T…, Lda e L…, Lda. E, segundo a testemunha, resultava um desfasamento entre os recursos humanos disponíveis nas sociedades prestadoras de serviços e os trabalhos facturados à sociedade P…, Lda. A acrescer a esse facto, as facturas emitidas pelas diferentes empresas no seu giro comercial, não provinham todas das mesmas gráficas. Além disso, as mesmas facturas eram emitidas sem respeito por uma ordem sequencial.
Ainda no que concerne à Inspecção Tributária propriamente dita, foram importantes os depoimentos das testemunhas AC… e AN…, ambos Inspectores da Administração Tributária e com intervenção directa nos autos.
Quanto ao depoimento de AD…, não se mostrou de grande relevância para a descoberta da verdade material, na medida em que, na qualidade de Jurista da Administração Tributária, apenas adiantou ao Tribunal que lhe coube ouvir os ora arguidos e proceder à sua constituição como tal. O seu conhecimento dos factos não foi directo, visto que, embora tenha realizado o Parecer junto aos autos, este, assentou nos Relatórios apresentados pelos colegas.
De realçar que a testemunha AC… procedeu à fiscalização junto da sociedade E…, Lda. e a testemunha AN… esteve envolvido na fiscalização à L…, Lda.
No que diz respeito aos cheques emitidos pela AE…, Lda. o Tribunal considerou os documentos 44 e ss juntos aos autos, que são as cópias dos cheques enviadas pelo Balcão do AP…, na sequência do ofício enviado pela Administração Tributária.
No que concerne à declaração de insolvência da arguida L…, o Tribunal atendeu ao teor da Certidão Permanente da Empresa, Ap 2/20071102, estando registado o trânsito em julgado da referida sentença a 7.06.2006.
Agrupando os factos relativos aos arguidos U… e X…, foi importante para que o Tribunal pudesse dar como provada a ocorrência de um furto na viatura do arguido, a confirmação expressa, pelas Autoridades Tributárias, de todas as diligências que fizeram para apurar a veracidade desse facto. Averiguaram, inclusive, o n.º da participação apresentada no Posto da GNR de Amarante.
A este propósito também prestaram declarações os arguidos e a testemunha por eles arrolada, AF…, tendo os três apresentado depoimentos coerentes e credíveis.
Desde logo, a arguida X… afirmou, peremptória e convictamente que, muito embora “ tivesse dado o nome para a sociedade” nunca havia tido qualquer intervenção na gestão da mesma, cabendo, em exclusivo, ao marido manobrar os destinos da arguida T…, Lda.
Esta posição foi corroborada pela testemunha AF…, que, não obstante ser pai da arguida X… mereceu do Tribunal credibilidade. Relevou, ainda, o seu depoimento para que o Tribunal confirmasse que os impressos das facturas da empresa T…, Lda. eram diferentes dos impressos constantes dos autos.
Em relação às características das facturas, supostamente, emitidas pela sociedade T…, Lda., foi importante o relato de U…, que foi convincente e claro na narração dos factos. Porém, foi suplantado pelo teor do Parecer da Direcção de Finanças do Porto, quando a fls. 461 dos autos refere que, para além dos impressos serem diferentes, “não foram descortinadas grafias semelhantes às facturas encontradas nos elementos de escrituração da empresa T…, Lda, o que indica que tiveram origem diferente”.
Quanto à situação pessoal dos arguidos foram tidos em conta os depoimentos dos próprios que, também nesta parte, mereceram credibilidade.
Em relação às facturas referentes à L…, Lda. o Tribunal operou a conjugação entre o depoimento do arguido M… e do Inspector AD…, ambos no sentido que são evidentes as diferenças entre as facturas ditas originais e as constantes dos presentes autos.
A prova dos serviços inscritos nas facturas 47 a 56 do Apenso I, extravasarem o objecto social da arguida, partiu do depoimento adiantado tanto pelo arguido como pelo Inspector AD…, que foi assertivo ao referir que a empresa em questão tinha uma actividade restrita na área da construção civil o que não deixou dúvidas ao Tribunal.
Acresce, ainda, como provado o facto de o arguido ter afirmado de uma forma peremptória que apenas procedeu à impressão de facturas na gráfica AI…, Lda., em Vila do Conde. Tal afirmação teve foros de verdade, vindo, depois, a ser reforçados pelo depoimento do Inspector AD…. O inspector AD…, confirmou, de forma isenta, que não conseguiu apurar a pessoa que teria requerido facturas em nome da L..., Lda. Chegou mesmo a recordar-se que, na gráfica, lhe disseram que havia sido alguém de sobrenome “AQ…” e que as facturas respeitariam a um Café em ….
Face ao exposto, considerou o Tribunal que o arguido M… apenas mandou emitir as referidas facturas da gráfica de Vila do Conde. Sendo estas as únicas que o arguido reconheceu como suas. O arguido referiu de forma assertiva e que deixou o Tribunal convencido, que não conhecia a letra que se encontra inscrita nas facturas juntas aos autos.
Além do exposto, o arguido referiu também que desde Outubro de 2001 a sociedade que geria, ora arguida, não dispunha de funcionários, facto que foi confirmado pelos Inspectores Tributários junto do Instituto da Segurança Social, como se extrai do Parecer junto aos autos a fls 459.
No que concerne aos factos provados relativos às condições pessoais do arguido M… o Tribunal considerou o depoimento do próprio que não ofereceu motivos de desconfiança quanto à veracidade do relatado.
Em relação à AG…, Lda. o Tribunal teve em linha de conta o Parecer junto aos autos, em particular, a fls 459, na parte que refere que “ é sobejamente conhecido pelos Serviços de Inspecção Tributária que o NIPC constante das várias facturas (…) corresponde a uma outra empresa, a AH…, Lda”.
No que tange aos montantes das vantagens patrimoniais obtidas angariadas pelo arguido B…, para a AE…, Lda. foi essencial o testemunho do Inspector Tributário AD… que, em Audiência de Discussão e Julgamento, esteve a realizar as operações aritméticas necessárias ao apuramento do imposto/ vantagem patrimonial obtida pela emissão das facturas imputadas a cada uma das empresas arguidas.
Foram, ainda, tidas em conta as informações das bases de dados consultadas e cujos comprovativos foram juntos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, foram tidos em conta os respectivos Certificados de Registo Criminal juntos aos autos.
*
B) Motivação quanto aos factos Não Provados:
Recorrendo ao mesmo juízo que acima foi levado a cabo na motivação dos factos provados, cumpre ao Tribunal articular toda a prova que foi trazida ao processo e produzida na Audiência de Discussão e Julgamento.
Considera o Tribunal que não foi produzida prova no sentido que os arguidos F…, I…, M…, P…, U… e X…, de comum acordo, com o arguido B…, emitiram diversas facturas fictícias, uma vez que não correspondiam a qualquer transacção comercial ou prestação de serviços e pelas quais recebiam deste quantias monetárias, previamente estabelecidas, mas cujo montante não foi possível determinar com precisão.
O Tribunal ao decidir que tal facto não se encontra provado, ponderou, nomeadamente, em relação aos arguidos: T…, Lda; U… e X… a versão dada como provada, que configura uma versão antagónica à que lhes vinha imputada na Acusação. Por tudo o que acima ficou dito em relação a estes arguidos, a acrescer ao facto de terem afirmado, de forma credível que nem sequer conheciam o arguido B…, considera o Tribunal que tal facto não pode ser tido por provado quanto a eles.
Em relação ao arguido M… e à arguida L…, Lda., tal como o Tribunal já teve oportunidade de referir, o depoimento deste arguido, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento não mereceu grande censura. Assim, levou o Tribunal a crer que as facturas que foram emitidas noutras gráficas que não a gráfica de Vila de Conde, como resulta dos factos provados não seriam suas.
Assim, visto que dos factos provados consta, igualmente, que este arguido não reconhece a letra aposta nas facturas juntas aos autos, parece incongruente dar como provado que este arguido e a sociedade que ele geria, tivessem actuado de comum acordo com o arguido B… na emissão de facturas fictícias.
Quanto ao arguido P… e à O…, Lda, não foi recolhida qualquer prova em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, inclusivamente, nenhum dos arguidos que depôs conhecia a sociedade ou o arguido. Quanto aos Inspectores Tributários nada adiantaram sobre a empresa, apenas que nunca chegaram a ver qualquer elemento contabilístico da mesma.
O Know-how dos Inspectores Tributários foi importante para esclarecer o esquema que, supostamente, está em causa no caso em pareço. Todavia, não conseguiu o Tribunal retirar elementos da prova produzida que lhe permitam considerar o facto 1 provado.
Tanto AB…, como AC… e AD… ao longo do seu depoimento, disseram que havia a possibilidade da AE…, Lda. poder subcontratar outras empresas para suprir as carências de logística que tinha, pelo que, foi com base nesta ponto que o Tribunal aceitou que as facturas emitidas pela E…, Lda sejam verdadeiras, tanto mais que se encontra provado nos autos a relação comercial entre ambas.
Atendeu, ainda, o Tribunal ao depoimento de AS…, que era TOC da AE…, Lda. em 2004. A testemunha referiu que, em relação às empresas arguidas no processo, apenas sabe dizer que viu facturas destas entidades na escrituração da AE…, Lda.
Adiantou que era muito frequente o arguido B… fazer o pagamento de quantias avultadas em numerário (p. ex. € 20.000). Além do mais, de acordo com a testemunha, em 2004, não era necessário haver registo bancário das operações.
O depoimento da testemunha decorreu de uma forma calma e, embora um pouco tendencioso, sempre foi esclarecendo o Tribunal que a AE…, Lda. tinha vários fornecedores e clientes. De entre o leque de fornecedores, soube precisar a E…, Lda.. Não se recordando das facturas constantes dos autos, em particular, visto que lhe passavam muitos documentos contabilísticos pelas mãos.
Devemos ter, ainda, em conta os depoimentos dos Inspectores AC… e AD…, na parte em que foram peremptórios ao referir que, em 2004, as tipografias não exigiam a identificação dos requerentes das facturas, nem faziam o cruzamento dos dados fornecidos pelos clientes.
Desta feita, e uma vez que o Tribunal não pode atender como prova os elementos que constam do Parecer relativo às declarações dos arguidos prestadas junto da Administração Tributária, considerou como não provados os factos 1 a 6.

Na fundamentação de direito consignou-se:
Aos arguidos vem imputada a prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, 1 e 2, com referência aos arts. 6.º e 7.º, todos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias (doravante, RGIT).
O crime em apreço, fraude fiscal, no que respeita ao tipo objectivo do ilícito e para o que aqui nos interessa, assenta na manipulação artificial, pelo agente, dos elementos objectivos ou subjectivos de definição da sua situação jurídico-tributária, tendo por objectivo a realização de uma vantagem fiscal que se repercuta numa perda para o credor tributário (cfr art. 103.º, 1 do RGIT).
A sobredita manipulação, que no texto da lei se refere a “condutas ilegítimas” vai para além do leque de opções de gestão e de direcção da actividade económica que é conferido ao ente tributário, ao abrigo de uma política de eficiência fiscal. Como tal, a actuação do ente tributário transpõe essa fronteira de liberdade, passando a mover-se no domínio do ilícito.
A conduta de gestão anti-jurídica terá que ser subsumível a um dos comportamentos especificamente caracterizados na Lei. Assim, fica a fraude fiscal qualificada como um crime de execução vinculada, por força da expressão, “tipificadas no presente artigo”, como prescreve o art. 103.º, 1 do RGIT.
As fórmulas de execução previstas na Lei Penal encontram-se elencadas nas alíneas do art. 103.º, 1 do RGIT e, ainda, com grande importância no caso sub iudicio, no n.º 2 do art. 104.º do mesmo diploma que, qualificando a conduta aí descrita como fraude qualificada – qualificação que se justifica pelo cariz insidioso do comportamento, de difícil detecção – descola-se do tipo base do art. 103.º do RGIT para estabelecer um desenho típico (“quando a fraude tiver lugar mediante”, cfr art. 104.º, 2, segunda parte, do RGIT).
Para o nosso caso, a forma de realização do ganho fiscal vs perda fiscal está definida no tipo do n.º1 do art. 103.º do RGIT, ou seja, será a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes.
Está em causa o emprego de elementos documentais, independentemente do respectivo suporte, que sejam qualificados pela Lei Tributária como aptos a comprovar operações económicas com relevo na definição da relação jurídico-fiscal e por forma a que nesses termos sejam considerados e os factos titulados nos documentos não correspondem a uma realidade factual e jurídica, como se extrai do n.º 2 do art. 104.º do RGIT.
A conduta ilegítima do agente terá que visar um resultado específico, ou seja, obter um proveito fiscal, quer ele se manifeste na eliminação de encargo ou na obtenção de ganho, em qualquer caso em cifra superior a € 15.000,00, como resulta do n.º 2 do art. 103.º do RGIT. Por outro lado, tem de representar uma perda junto do credor (Administração Tributária).
Pelo exposto, percebemos que a fraude fiscal configura um crime de dolo específico, sendo necessário que o agente actue visando obter uma mais-valia em quantitativo mínimo de € 15.00,01 e, uma vez que a relação entre Estado e sujeito passivo se traduz numa relação obrigacional, o credor terá uma desvantagem em idêntico quantitativo.
Do disposto no n.º 2 do art. 103.º do RGIT, o limiar de relevância pecuniária (de € 15.000,01) apenas respeita à vantagem visada pelo devedor, não à perda do credor/Estado que constitui seu reverso, pelo que, nos casos em que o prejuízo público seja inferior a esse montante, desde que se verifique o dolo específico quanto ao proveito tributário pretendido, não ficará precludida a punição.
A vantagem fiscal, visada pelo agente poderá radicar na diminuição dos encargos ou despesa decorrentes da actuação fiscal corrente para o sujeito passivo (“não liquidação, entrega ou pagamento de prestação tributária” – arts. 103.º,1 e 11.º, al. a), ambos do RGIT), na subsunção do sujeito a quadros de tributação excepcionais e transitórios mais favoráveis, de índole não-estrutural (“obtenção indevida de benefícios fiscais” – art. 103.º, 1 do RGIT), na realização, pelo obrigado tributário, de um encaixe financeiro sem correspondência com a transferência do encargo fiscal para terceiros no modelo de imposto (“reembolsos” – art. 103.º,1 do RGIT) ou, ainda e residualmente, na obtenção de uma qualquer outra vantagem com reflexo económico e financeiro no credor fiscal, ou seja, qualquer mais-valia desde que apta a materializar um decréscimo da situação patrimonial do credor tributário e a consubstanciar um encurtamento do seu encaixe financeiro.
A Lei estabelece, ainda, que o valor da vantagem fiscal se deve reportar a “cada declaração”, art. 103.º,3 do RGIT, o que significa que a conduta do agente relevará por cada período tributário por que se verifique e nos limites desse período de tempo.
No que concerne ao tipo subjectivo do ilícito, trata-se de um crime essencialmente doloso, o que significa que apenas será de sustentar a condenação dos arguidos quando se verifique existir o conhecimento intelectual pelos agentes do contexto factual em que a conduta se desenvolve, da contrariedade ao Direito do comportamento e da proibição legal do mesmo, cfr arts. 103.º,1 e 104.º, 1 e 2, ambos do RGIT e art. 14.º/1, 2 e 3, este do CP.
Quanto à definição do bem jurídico tutelado, de acordo com Mário Ferreira Monte in Da Legitimação do Direito Penal Tributário - Em Particular, os Paradigmáticos Casos de Facturas Falsas, Coimbra Editora, 2007, p. 280, no âmbito do ilícito penal tributário o bem jurídico protegido é a relação de confiança que se estabelece entre o sujeito passivo e o Estado, no âmbito da retenção do tributo. A violação desta confiança traduz-se num prejuízo para o património do Estado.
No que concerne à responsabilidade criminal dos representantes de pessoas colectivas no domínio do crime fiscal, sublinhe-se, em especial, que o art. 6.º, 1, al. a) do RGIT determina a imputação ao representante dos elementos pessoais do crime que se verifiquem apenas na pessoa do representado, por forma a evitar lacunas de punibilidade.
No caso da fraude fiscal, a situação tributária evasiva e ilegítima nos termos constantes do tipo verifica-se relativamente ao ente tributário e não sobre o seu gestor.
Para além do chamado efeito de contágio relativamente aos elementos pessoais do representado que decorre ope legis, será necessário demonstrar, casuisticamente, a assunção do papel de representação do ente colectivo na realização do comportamento delitual em todos os seus elementos típicos (não apenas a assunção funcional do cargo), sendo o agente quem materializa e comete a prática criminal em todo o seu recorte típico, sem dependência da demonstração de um acto juridicamente válido que o investisse nessa qualidade de representação, como se retira do disposto no art. 6.º, 1 e 2 do RGIT.
Por fim, relativamente à responsabilidade criminal das pessoas colectivas, tutelada no art. 7.º do RGIT, a sua punição depende da demonstração que o crime ocorreu, antes de mais, em nome da pessoa colectiva e pelos seus representantes. Assim, os comportamentos realizados pelo representante da sociedade, atendendo às suas atribuições e competências, leva à responsabilização do ente colectivo.
Para além disso, impõe a lei que a prática haja decorrido no interesse da pessoa colectiva, como se extrai do n.º 1 do art.7.º do RGITI.
Uma vez realizado o enquadramento jurídico do crime em apreço, cumpre analisar, face aos factos provados, se se encontram preenchidos os elementos típicos do crime de fraude fiscal.
Tendo em conta o acervo factual provado relativamente aos arguidos: T…, Lda., U… e X… não se extrai, dos factos provados, qualquer indício que os arguidos tenham falsificado ou viciado as facturas juntas aos autos. Pelo que, necessariamente, fica preterida a actuação dos arguidos em nome e no interesse da sociedade. Assim, face à falta de provas de que os arguidos praticaram as condutas que lhes vinham imputadas impõe-se a sua Absolvição.
De igual modo, em relação aos arguidos: O…, Lda. e P…, não se extrai, da Audiência de Discussão e Julgamento, acervo factual que concretize a prática do crime de fraude fiscal que lhes vinha imputado.
Em relação aos arguidos: L…, Lda e M…, pelos motivos expandidos na motivação da matéria de facto, considera o Tribunal que não reúne prova de que a emissão de tais facturas tenha partido dos arguidos, pelo que, não estando verificados os elementos do tipo de crime de fraude fiscal se impõe a Absolvição dos arguidos.
No que tange aos arguidos: L…, Lda.; F… e I…, ficou provado que aquela arguida mantinha relações comerciais com a E… PS, Lda. Inclusivamente, foi dada como provada a emissão de cheques, pela AE…, Lda., em nome da arguida L…, Lda para pagamento de serviços prestados.
Como tal, do acervo factual a atender, o Tribunal considera que não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos que o tipo legal de crime reclama. Isto é, não se retira, com a necessária certeza para que haja uma condenação, que, quanto a esta sociedade, tenham sido utilizadas facturas por operações inexistentes. Considera o Tribunal que, quanto a esta sociedade, não transparece dos factos provados o reclamado conluio.
De enfatizar que, em relação à arguida I…, não constam dos autos quaisquer evidências que detivesse a gestão de facto da empresa.
Por fim, no que toca ao arguido B…, dos factos provados constatamos que a AE…, Lda, utilizou as facturas constantes do quadro de fls 473 do Parecer apresentado pela Direcção de Finanças do Porto.
O arguido, enquanto sócio-gerente da sociedade utilizadora das facturas em causa, não podia deixar de saber que as operações relativas às facturas emitidas pelas sociedades T…, Lda, L…, Lda e AG…, SA, Lda. eram inexistentes. Considera o Tribunal que está verificado, quanto ao arguido B…, a obtenção de uma vantagem patrimonial, que se traduziu na diminuição das receitas tributárias.
Concretizando, com a sua actuação, o arguido B…, pretendeu reproduzir na contabilidade da empresa custos que, efectivamente, não teve. Assim, dizendo respeito tais facturas a serviços que não foram efectivamente prestados, o IVA nelas mencionado foi indevidamente deduzido, o que se traduziu num prejuízo causado ao Estado.
As facturas que, de acordo com os factos provados o Tribunal entende não corresponderem a serviços prestados são, então, as emitidas pela T…, Lda., na medida em que ficou provado que tais documentos não foram emitidos pelo sócio-gerente desta sociedade e este nenhuma relação tinha com B…, não o conhecendo sequer.
Por outro lado, as facturas emitidas pela L…, Lda.. Uma vez que estas facturas não foram emitidas pelo sócio-gerente da referida sociedade que disse, por sua vez, nunca ter celebrado qualquer tipo de contrato com a AE….
Temos, ainda, as facturas emitidas pela AG…, Lda. que, tendo por base a matéria de facto dada como provada, nem sequer existe em termos cadastrais, o que significa que, por maioria de razão, não poderia prestar quaisquer serviços.
Assim, atendendo ao acervo factual dado como provado, as facturas emitidas por estas três empresas não espelham a realização de quaisquer trabalhos prestados, pelo que, configuram um expediente ardiloso levado a cabo pela sociedade AE…, Lda., pela mão de B… que visava elevar o montante dos seus custos.
No que concerne às facturas emitidas pelas E…, Lda., considera, portanto, o Tribunal que, existem, de facto, evidências de que havia relações estreitas entre as duas sociedades, prova disso são os cheques constantes da matéria de facto dada como provada e o depoimento do TOC da empresa AE…, Lda.
No que tange à sociedade O…. Lda., o Tribunal entende que não foi produzida qualquer prova que possa indiciar a prestação dos serviços ou o seu contrário. Como tal, em face da inexistência de prova neste campo, sempre se impõe fazer uso do princípio in dubio pro reo, pelo que, considera o Tribunal que sempre será de considerar que as facturas relativas a esta sociedade, deverão ser vistas como dizendo respeito a efectivas prestações de serviços.
Em relação ao arguido B…, atendendo ao acervo factual considerado provado, entende o Tribunal que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito, como sendo: a utilização de facturas respeitantes a operações inexistentes, não podendo o arguido desconhecer que tais facturas eram falsas e, no intuito de obter uma vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias.
Da aplicação da Lei no Tempo
Os factos ora em discussão ocorreram em 2004, sucede que, posteriormente a esse momento, ocorreu uma alteração legislativa que importa ter em linha de conta para o caso.
Assim, comecemos por reproduzir o texto legal dos crimes de fraude e fraude fiscal qualificada, em vigor em 2004:
“Artigo 103.º (Fraude)
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Artigo 104.º (Fraude qualificada)
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber”.
Na sequência da alteração introduzida pela Lei nº 60-A/2005, o legislador alterou o montante mínimo da vantagem patrimonial estipulado no art. 103º, 2 do RGIT, fixando-o em 15.000 €.
Com a alteração em questão o artigo 103º do RGIT passou a ter a seguinte redacção:
“1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devem constar dos livros de contabilidade ou de escrituração ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
2. Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
Já o corpo do nº 1 do artigo 104º tem a seguinte redacção:
“1. Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias (…).
À luz da lei actual, e em exclusivo no que interessa para o caso, é punível a conduta ilegítima que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, mediante ocultação ou alteração de factos ou valores que devem constar dos livros de contabilidade ou de escrituração ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável ou mediante ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, se a vantagem patrimonial ilegítima for de valor igual ou superior a € 15.000.
Desta feita, estabelecendo o paralelo com a redacção pretérita, percebemos que, anteriormente, o montante mínimo para a criminalização das condutas acima descritas cifrava-se nos € 7.500. Hoje, a vantagem patrimonial ilegítima cifra-se em valor igual ou superior a € 15.000.
Como tal, in casu, aplica-se o n.º 2 do art. 2.º do CP que estabelece: “o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se a lei nova o eliminar do número de infracções (…). Assim, constatando Tribunal que o legislador, a posteriori, estabeleceu um patamar superior de criminalização da conduta tipificada nos arts. 103.º e 104.º do RGIT, tem de chamar à colação o supra citado artigo.
Tudo ponderado, considera o Tribunal que as vantagens patrimoniais, ora dadas como provadas, abaixo dos €15.000 deve ser considerada descriminalizada, ao abrigo do n.º2 do art. 103.º do RGIT.
Desta feita, a vantagem patrimonial, em sede de IVA, respeitante aos 2.º e 3.º Trimestres de 2004, não podem ser tidas em consideração nos presentes autos.
Quanto à aplicação do art. 103.º, 2 do RGIT, ao crime de fraude qualificada, a jurisprudência vai sendo maioritária no sentido afirmativo. Segundo uma interpretação conforme com o disposto no artigo 9.º do CCiv, tal significa que também a fraude fiscal qualificada apenas é punível se a vantagem patrimonial ilegítima não for inferior a 15.000 euros.
É que, quanto a nós, se não fosse essa a intenção do legislador, expressamente, teria empregue a linguagem de remissão para os números do artigo anterior que pretendia aplicáveis e conformadores do tipo de crime e não para todo o artigo.
E, nos termos do citado artigo do CCiv, se é certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, também igualmente estabelece que não pode ter acolhimento aquela que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expressa.
Existem afinal, segundo cremos, razões para se entender que o crime de fraude fiscal, ainda que qualificado nos termos do artigo 104º do RGIT, foi objecto de descriminalização quando o valor da vantagem obtida for inferior a 15.000 €.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2º edição, pág. 180, a propósito do princípio da legalidade “o princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que como tal preveja uma certa conduta significa que, por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento tem o legislador que o considerar como crime para que ele possa ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na sua punibilidade também certos (outros) comportamentos”.
Como tal, a lei penal fundamentadora ou agravadora da responsabilidade tem de ser uma lei certa e determinada. E, ainda, especificamente sobre as consequências do princípio da legalidade na delimitação da actividade interpretativa refere o mesmo autor (pág. 189) “ fundar ou agravar a responsabilidade do agente em uma qualquer base que caia fora do quadro de significações possíveis das palavras da lei não limita o poder do Estado e não defende os direitos, liberdades e garantias das pessoas”.
Por sua vez, escreve Susana Aires de Sousa, in Os crimes Fiscais, Coimbra Editora, 2009, pág.118: “Uma outra questão importante é a de saber se o n.º 2 do artigo 103.º que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas quando a vantagem ilegítima for inferior a € 7500 vale nos casos em que a fraude é qualificada. A nosso ver a resposta só pode ser no sentido da validade, no âmbito do artigo 104.º daquele limite. A fraude qualificada só assume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima, conseguida pelo agente em detrimento do património do Estado, for igual ou superior àquele montante”. Igualmente se refere a autora à redacção anterior do preceito.
Face ao exposto, constata o Tribunal que a vantagem patrimonial, em sede de IVA, que o arguido B… retirou com o seu comportamento, e que foi dada como provada, no 2.º Trimestre de 2004 cifra-se nos € 4.449,60 e, no 3.º Trimestre cifra-se em € 10.439,37.
Assim sendo, pelo que ficou expresso e quer se entenda que a não punibilidade dos factos de defraudação do fisco susceptíveis de causar uma “vantagem patrimonial ilegítima (…) inferior a € 15.000” (art. 103.º, 2 do RGIT), corresponde a uma condição objectiva de punibilidade ou integra antes o elemento descritivo do crime de fraude fiscal, o certo é que esse prejuízo ou de diminuição das vantagens tributárias no valor de € 15.000 é sempre “o mínimo dos mínimos” que justifica, segundo o legislador, a criminalização das condutas de fraude fiscal.
Nesta conformidade, a vantagem patrimonial retirada, em sede de IVA, pela AE…, Lda., observada por período declarativo, 2.º e 3.º Trimestre, respectivamente, como se retira dos factos provados (2º trimestre de 2004: € 4.449,60 e ao 3º trimestre de 2004: € 10.439,37), não atinge o patamar de criminalização que está legalmente imposto, logo não integra um crime de fraude fiscal qualificado p. e p. pelo art. 104.º, 1, alíneas a) e e) e n.º 2 do RGIT.
Todavia, em sede de IRC essa vantagem patrimonial relativa ao ano de 2004 cifra-se em € 24.093,84 pelo que, por tudo o que ficou acima referido, integra o crime de fraude fiscal qualificado p. e p. pelo art. 104.º, n.º 1, alíneas a) e e) e n.º 2, nos termos que acima ficaram expostos.

Na fundamentação da pena fez-se constar:
Quanto às consequências jurídicas do crime, entende o legislador que a pena deverá ser escolhida em função da sua aptidão para o desempenho das finalidades a que se propõe: de reposição e reforço das expectativas da comunidade na vigência da norma violada pelo contra-factual que decorre da sua execução sobre o agente que feriu o comando normativo (protecção de bens jurídicos que gozem de tutela penal) e, pela possibilidade de ressocialização do arguido, como se retira do art. 40.º, 1 do CP.
No plano dos princípios, em particular no que respeita ao Princípio da Proporcionalidade e ao objectivo de ressocialização, considerando o efeito potencialmente criminógeno que a prisão comporta, a pena privativa da liberdade será encarada como ultima ratio, cfr art. 70.º do CP.
Como tal, na escolha e aplicação da pena a aplicar, o Tribunal sempre oferecerá primazia às penas não-privativas, equacionando ainda a substituição ou suspensão da Pena de Prisão (quando aí se chegue).
O crime de fraude fiscal qualificado, p. e p. arts. 103.º, 1 e 104.º,2 do RGIT, aqui em causa, prevê a punição com pena de prisão de um a cinco anos, no caso de se tratar de pessoa singular.
Posto isto, o legislador já se encarregou de proceder à escolha da pena a aplicar, ou seja, prevê, em exclusivo a aplicação de pena de prisão.
Quanto à medida da pena, devemos apelar ao que acima expusemos, pois que, os propósitos de Prevenção Geral e Especial, têm de ser devidamente temperados com a culpa (como juízo ético-jurídico de censura, perante a actuação do arguido), que configura o seu limite inultrapassável, cfr art. 71.º,1 do CP.
Devem ser chamados a actuar os elementos do art. 71.º, 2 do CP, devendo ser convocados como referentes comprovativos da ressonância social transportada no facto da censurabilidade do comportamento do agente e do grau de desconformidade da sua personalidade, com os comandos normativos reclamados pela Ordem Jurídica.
Em especial quanto ao fenómeno penal-tributário, por se tratar do sancionamento de condutas no âmbito específico das relações jurídico-fiscais entre Estado e sujeitos passivos de imposto, a Lei sublinha da centralidade da patrimonialidade pública presente neste corpo normativo e da tutela de prevenção, impondo de forma particular que seja sopesado pelo julgador o valor do prejuízo económico em que se traduziu a conduta delitual, cfr art. 13.º do RGIT.
Relativamente à culpa e ao papel que desempenha na determinação concreta da pena, o arguido agiu com dolo directo (forma mais grave de culpa qualificada). Transparecendo dos factos provados que o arguido utilizava facturas que não correspondiam a serviços efectivamente prestados, a par de outras que não provinham da pessoa colectiva que constava na factura, com vista a aumentar os custos da sociedade e ser-lhe devolvido IVA ou deduzidos custos em montante superior ao que foi, efectivamente, pago.
Pela forma de actuação do arguido, podemos constatar que o crime revela uma natureza insidiosa e um certo juízo de censurabilidade.
Este esquema de facturação estava montado de forma a não ser facilmente descoberto, daí o seu carácter ardiloso. Este comportamento denuncia uma personalidade sagaz, na assunção de uma conduta delitual com prejuízo do erário público.
Ingressando agora na ilicitude, dir-se-á que a vantagem visada e obtida pela conduta penal é relativamente expressiva, encontra-se na ordem dos € 24.000.
Convirá ainda sublinhar, no juízo sobre as necessidades de prevenção geral, que o actual contexto económico-financeiro público tem vindo a importar um alarme social crescente ao longo dos últimos anos, sobre o fenómeno da evasão fiscal, estando profundamente enraizada na comunidade forte convicção sobre a imperativa necessidade de perseguir eficaz e severamente os autores de condutas subtractivas do erário público. Tal comportamento colide com a ideia de captação das receitas fiscais devidas nos termos da Lei Tributária.
Enfim, o dever fundamental de estar sujeito a tributação como paradigma da igualdade na repartição de encargos e no apoio financeiro às funções público-sociais que incumbem ao Estado é absolutamente basilar.
No que reporta a necessidades de prevenção especial, apenas consta dos autos que o arguido não tem condenações anteriores registadas por crime de igual natureza.
Face ao exposto é de aplicar, necessariamente, ao arguido, pena de prisão.
Esta, por sua vez, atendendo à moldura penal abstractamente considerada, dever-se-á fixar num patamar próximo do mínimo, atendendo ao facto do arguido não ter antecedentes criminais pela prática de crimes tributários, à sua inserção familiar e profissional e ao montante da vantagem patrimonial concretamente apurada.
Por tudo o que ficou dito e, realizada que está a conveniente ponderação, fixo em um ano e três meses de prisão a pena aplicar ao arguido B…, pela prática do crime de fraude fiscal qualificado, do qual vinha acusado.
Da suspensão da execução da pena de prisão
Da Aplicação da Lei no Tempo
Dispõe o artigo 2.º, 4, do CP, “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente (…)”.
Prevê o citado preceito, os casos patentes de sucessão de leis penais “stricto sensu” e, por isso, a implicarem o confronto da responsabilidade penal estabelecida pela Lei Antiga e da estabelecida pela Lei Nova, hipóteses em que, não havendo alteração da factualidade típica e mantendo esta a qualificação de infracção penal, é, porém, alterada a responsabilidade penal dela emergente, isto é, há, somente, modificação da pena, principal e, ou, acessória, e, ou, dos efeitos penais.
Em todas estas situações aplica-se o regime penal concretamente mais favorável ao arguido, o que pressupõe, por parte do Tribunal, a realização de todo o processo de determinação da pena concreta a aplicar face a cada uma das leis, a não ser que seja evidente, numa simples consideração abstracta, que uma das leis é claramente mais favorável que a outra. Veja-se neste sentido, Américo Taipa de Carvalho, in “Sucessão de Leis Penais no Tempo”, 2ª edição, 1997, Pag. 112.
Sendo que ao decidir-se, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, 4, do CP, aplicar ao arguido um dos regimes em confronto, tal regime tem de aplicar-se na sua totalidade e não respigando neles as normas que lhe forem mais favoráveis. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Outubro de 2000, Proc nº 0040480.
Interessa perceber qual o regime da suspensão da pena de prisão que, no caso concreto, se mostra mais vantajoso para o arguido. Vejamos, assim, a redacção do artigo 50.º do CP em vigor à data da prática dos factos:
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.
Para se optar pela suspensão da execução da pena exige a lei pretérita, como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 3 anos.
No que tange ao pressuposto material, o Tribunal deve preferir a pena de substituição em causa sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
O que o mesmo é dizer que a suspensão da execução da pena de prisão depende de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da comunidade.
No caso concreto, de acordo com o juízo de prognose feito pelo Tribunal, e não obstante o que já ficou expresso sobre as exigências de prevenção geral e de prevenção especial ou de socialização, vislumbra-se uma esperança sobre a capacidade do arguido moldar a sua conduta de acordo com os ditames do Direito. Consideramos, assim, que uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo legal de crime e está inserido socialmente, a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de novos crimes.
Na sequência do exposto, vem o n.º 5 do art. 50.º do CP, na versão que ora apreciamos, estabelecer que: “O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”. Verificados que estão, em concreto, todos os pressupostos de suspensão da execução da pena de prisão, dúvidas não restam ao Tribunal que a pena de prisão será suspensa.
Na esteira do que ficou dito, ponderando os factores inerentes à personalidade do agente que constam dos factos provados, nomeadamente, o facto de não ter antecedentes criminais por crime da mesma natureza; As suas condições de vida, encontra-se social e profissionalmente integrado, auferindo a quantia mensal de € 2.700 e estando em causa o pagamento de uma vantagem patrimonial que ronda os € 24.000, tal suspensão deverá ter lugar pelo período de 2 anos.
*
A versão actual do art. 50.º, do CP, em particular no que nos interessa e que foi alvo de alteração prescreve o seguinte:
“1. O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)
5. O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Face ao exposto, para se optar pela suspensão da execução da pena exige a lei, agora, exige como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 5 anos.
À semelhança do que ficou dito acima, actualmente, mantém-se o mesmo requisito quanto ao pressuposto material, o Tribunal deve preferir a pena de substituição em causa sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
Face ao texto legal, a verificarem-se os requisitos legais da suspensão da execução da pena de prisão, como acontece in casu, tal suspensão terá, necessariamente, duração igual à pena de prisão aplicada, ou seja, 1 ano e 3 meses.
*
Importa, então chamar à colação o disposto no n.º 4 do art. 2 do CP acima citado e, procedendo ao confronto da lei pretérita e da lei actualmente em vigor, perceber qual o regime que se mostra mais favorável ao agente.
Comparando, à luz do art. 50.º, 5 do CP, segundo a redacção que dada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15-03-1995, o arguido veria a pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. E, com base na redacção actual do CP, a suspensão da execução da pena de prisão manter-se-ia pelo período de 1 ano e 3 meses.
Face ao exposto e tendo em conta as condições económicas do arguido, em contraposição com o montante que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão (€ 24.093,84), o Tribunal considera que o esforço financeiro em causa é menos relevante do que o estigma da suspensão da execução da pena de prisão que incide sobre o arguido.
Assim, atendendo às diferentes redacções dos artigos em causa, considera o Tribunal que, no caso concreto, tendo por base as condições sócio-económicas do arguido B…, que resultam do facto 77 (o arguido aufere cerca de € 2.700 mensais), é mais favorável ao arguido a aplicação do art. 50.º, 5 do CP na redacção actualmente em vigor.
Senão, vejamos: a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido condenado, que tem na sua origem a ponderação da personalidade do agente, das suas condições de vida e o circunstancialismo envolvente da infracção.
Isto porque, como resulta da lei, durante o período de suspensão todos os comportamentos do condenado são escrutinados, sob pena de, no limite, poder ser revogada a suspensão, em caso de comportamento culposo do arguido.
Desta feita, tendo o arguido condições para cumprir a condição que lhe é imposta, como resulta dos factos provados, revela-se mais favorável ficar sujeito a um período menor de suspensão da execução da pena.
Sucede que, no âmbito da criminalidade tributária, onde se inclui o crime de fraude fiscal, “ a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequente à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento da quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”, cfr art. 14.º, 1 do RGIT.
Face ao texto legal, dúvidas não restam que, verificados que estejam os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, esta terá lugar mediante a condição legalmente imposta.
A este propósito, convém realçar que, a suspensão condicionada não ofende o ideário constitucional. Em termos jurisprudenciais vejamos, por exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datado de 23.02.2011, no Proc. n.º 2760/05.3TAVNG.P1 e de 11.11.2009, no Proc n.º 338/05.0IDPRT.P1.
E, ao nível do Tribunal Constitucional, os Acórdãos nºs 256/03 e 427/08 que têm afirmado, uniformemente, quanto à exigência de pagamento, à margem da condição económica pessoal do responsável tributário, que nada tem de desmedida, assim, é preciso ter em conta, de acordo com aqueles arestos, “o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; sempre pode haver regresso de melhor fortuna; e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição; a revogação é sempre uma possibilidade e não dispensa a culpa do condenado; o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena”
De salientar, então, que o Tribunal procedeu ao juízo de prognose quanto à razoabilidade da presente suspensão, isto é, a respeito da satisfação da condição de pagamento dos benefícios indevidamente obtidos, e respectivos acréscimos legais durante o período de suspensão da pena de prisão, art. 14.º do RGIT, como impõe o AUJ 8/2012, de 24.10.2012. E, cumpre referir que, as condições socioeconómicas do arguido, o facto de se encontrar a auferir cerca de € 2.700 mensais, a sua idade e o montante em causa (€ 24.093,84), considera o Tribunal que, durante o período de suspensão de 1 ano e 3 meses o arguido terá capacidade para pagar os montantes em que, comprovadamente, lesou a Fazenda Nacional.
Desta feita, considera o Tribunal que a pena de prisão de 1 (um) ano e 3 (três) meses na qual foi condenado o arguido, deve ser suspensa por igual período de tempo, ao abrigo do art. 50.º, 5 do CP, condicionada ao pagamento, no prazo de 1 (um) ano e 3 (três) meses, da prestação tributária no montante € 24.093,84 e respectivos juros de mora, respeitante aos benefícios indevidamente obtidos, em sede ao IRC, no ano de 2004.
Como tal, entende o Tribunal suspender a execução da pena de prisão de um ano e três meses, na qual o arguido B… foi condenado, ao abrigo do estatuído nos arts. 50.º, 1 do CP e art. 14.º do RGIT.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art. 412º, nº 1, do CPP).
As questões que se suscitam no recurso aqui em apreço são as seguintes:
1ª – Quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, averiguar se existe erro de julgamento quanto aos factos dados como provados impugnados pelo recorrente, se ocorrem os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP e se foram violados os princípios da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), do in dubio pro reo e da presunção de inocência;
2ª – Verificar se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito;
3ª – Ponderar se a pena aplicada é excessiva e se a condição da suspensão da pena de prisão que lhe foi imposta é inconstitucional.
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso em apreço.
1ª Questão
Quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, invoca o recorrente que existe erro de julgamento quanto aos factos dados como provados nos pontos 14, 17, 18, 19 e 20 por si impugnados, considerando ainda que se verificam os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP e que foram violados os princípios da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), do in dubio pro reo e da presunção de inocência.
Vejamos então.
Como se verifica dos autos, procedeu-se à documentação (por meio de gravação) das declarações e depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento, encontrando-se junto aos autos o respectivo suporte técnico.
Embora de forma pouco modelar, consideramos que o recorrente cumpriu minimamente os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, indicados no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP.
Atentos os poderes de cognição das Relações (art. 428º, nº 1, do CPP), uma vez que a prova oral produzida em audiência de 1ª instância foi gravada, constando dos autos o respectivo suporte técnico (art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP), pode este tribunal conhecer da decisão proferida sobre a matéria de facto.
No entanto, convém aqui lembrar que “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”[1]
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto[2].
Apesar dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto, a verdade é que não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas.
O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª instância.
Posto isto, tendo presente que o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) também se aplica ao tribunal da 2ª instância, importa “saber se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta”[3].
E, claro, como sabido com as provas “pretende-se comprovar a realidade dos factos”, ou seja, pretende-se “comprovar a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica”[4], criar no juiz um determinado convencimento.
Produzidas as provas em audiência de julgamento, o julgador (seja o tribunal singular, seja o tribunal colectivo) terá de as apreciar, com vista à sua valoração.
Quando procede à apreciação das provas, o julgador está sujeito a determinados limites que tem de respeitar, nomeadamente, decorrentes da vinculação temática e do funcionamento do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), bem como das respectivas “excepções” ou limitações.
A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever»[5], assenta nas regras da experiência[6] e na livre convicção do julgador.
Por sua vez, o princípio in dubio pro reo (também convocado pelo recorrente) destina-se «a dar solução a um problema muito preciso – o da falta de convicção suficiente do julgador relativamente à matéria de facto, objecto da prova»[7].
A decisão sobre a matéria de facto é “o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz”[8].
De lembrar que, a impugnação da matéria de facto em sentido amplo, não se pode confundir com a invocação dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP.
Os vícios do art. 410º, nº 2, do CPP terão de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[9].
Dispõe o art. 410º, nº 2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2-a), do CPP) “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”[10]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º, nº 2-b), do CPP) “é somente aquela que é intrínseca ao próprio teor da sentença, “considerada como peça autónoma e não também as contradições eventualmente existentes entre a decisão e o que consta do processo, no inquérito ou na instrução”.
O erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2-c), do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[11]
Feitas estas considerações teóricas vejamos então a argumentação do recorrente.
Em julgamento, o arguido/recorrente exerceu o direito ao silêncio quanto aos factos que lhe eram imputados (cf. acta de fls. 861 a 863 do 3º volume, relativo à sessão de 4.12.2012).
O exercício do seu direito ao silêncio significa (como diz Costa Andrade[12], citando Kühl), que o arguido «renuncia (faculdade que lhe é reconhecida) a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o Tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo».
Começa o recorrente por alegar que os inspectores tributários ouvidos em julgamento não podiam afirmar, com certeza absoluta, que não existissem subempreiteiros contratados pela sociedade AE…, Lda e que as facturas em causa não correspondessem a verdadeiras prestações de serviço, transcrevendo um excerto do depoimento da testemunha AB… (que inspeccionou a sociedade AE…, Lda), quando interrogado pelo defensor oficioso do arguido.
Ora, lendo esse excerto não se pode concluir que se impunha decisão diversa daquela que foi proferida pelo julgador.
Aliás, ouvindo integralmente o depoimento desse inspector tributário (AB…), bem como o dos demais ouvidos em julgamento, a saber, AC… (que procedeu à fiscalização junto da E…, Lda) e AD… (que esteve envolvido na fiscalização à L…, Lda), articulando-os com a prova documental citada na sentença sob recurso e com as declarações prestadas pelos co-arguidos U…, X… (ligados à sociedade T…, Lda, embora a segunda não tivesse intervenção na gestão daquela sociedade, como foi por ela verbalizado e confirmado pelo seu pai, a testemunha AF…a, cujas declarações e depoimento mereceram crédito ao tribunal) e M… (que foi sócio-gerente da L…, Lda), podia o julgador formar a sua convicção no sentido dos factos dados como provados.
Note-se que a situação das facturas supostamente emitidas por T…, Lda, por L…, Lda e pela AG…, Lda (sendo que esta última nem existia para efeitos cadastrais, não laborando na sede que consta da factura nº …., o que é uma evidência considerando por um lado o teor dos documentos nº 54 a 56 do Apenso I e por outro lado a consulta do número fiscal que indica como seu nessa factura, que pertence a outra sociedade como se verifica do documento nº 57 do mesmo Apenso I) utilizadas na contabilidade da sociedade de AE…, Lda, foi tratada de forma diferente em relação às facturas usadas na mesma contabilidade emitidas em nome da E…, Lda (relativamente à P…, Lda não foi produzida prova do alegado na acusação).
Quanto às facturas usadas como tendo sido emitidas pelas ditas sociedades T…, Lda, L…, Lda e AG…, Lda não há quaisquer dúvidas, perante as provas produzidas em julgamento e analisadas na sentença que eram falsas (não correspondendo a verdadeiras transacções ou prestações de serviços), enquanto em relação às restantes relativas à E…, Lda (não tendo sido produzidas provas quanto às relativas à O…, Lda), como o julgador teve em atenção o que foi dito pelos referidos inspectores tributários (de haver a possibilidade de a sociedade AE…, Lda poder subcontratar outras empresas para suprir as carências de logística que tinha), aceitou a hipótese de poderem ser verdadeiras, tanto mais que existiam relações comerciais entre a sociedade AE…, Lda e a E…, Lda.
Portanto, ao contrário do que alega o recorrente, o tribunal teve em atenção o que foi dito pelos inspectores tributários em julgamento, no que respeita à possibilidade de a sociedade AE…, Lda poder ter contratos de subempreitada e, por isso, não deu como provado que fossem falsas as facturas emitidas em nome da E…, Lda.
Obviamente que essa situação não se confunde com a relativa às facturas que o tribunal considerou falsas, que são aquelas que supostamente teriam sido emitidas pelas sociedades T…, Lda, L…, Lda e AG…, Lda.
E, percebe-se, pelos motivos indicados na sentença, analisando objectiva e criticamente todas as provas avaliadas pelo tribunal, as razões pelas quais em relação a essas facturas consideradas falsas não se colocava a questão da sociedade AE…, Lda poder ter com elas contratos de subempreitada.
Com efeito, das provas que convenceram o julgador (cuja apreciação não merece crítica) resulta:
a)- que os impressos das facturas emitidas em nome da sociedade T…, Lda (utilizadas na contabilidade da sociedade AE…, Lda), constantes dos documentos nº 4 a 9 do Apenso I, ostentam um logótipo que não coincide com os impressos de série de facturas ao tempo utilizadas pela T…, Lda (cf. documento nº 18 do Apenso I, relativo à factura nº …) e têm grafia diferente da encontrada nos elementos de escrituração da empresa T…, Lda (sendo certo que em 28.04.2003, sob o NIPC: 395/03.4GBAMT, a GNR de Amarante registou o furto do interior do veículo automóvel propriedade de U…, participado por este, de uma pasta com facturas, cheques, contratos de trabalho, carimbo da empresa T…, Lda., entre outros elementos que se encontravam no interior do veículo), não tendo a mesma sociedade (T…, Lda) celebrado qualquer negócio com a sociedade AE…, Lda (ver, de resto, pontos 5, 35 a 38 e 55 dados como provados, não impugnados pelo recorrente e ouvir integralmente o depoimento da testemunha AB…, inspector tributário, articulado com as declarações prestadas pelos arguidos U… e X…, bem como com o depoimento da testemunha AF… e conferir a prova documental respectiva constante do apenso I);
b)- As facturas constantes dos documentos 47 a 53 (e não também 55 a 56, como por lapso se escreveu, uma vez que estas já se relacionam com a AG…, Lda) do Apenso I têm inscritos serviços que não cabiam no âmbito social da L…, Lda, sendo certo que desde Outubro de 2001 essa sociedade não dispunha de trabalhadores ao seu serviço, para além de que o próprio arguido M… (gerente da mesma sociedade) não reconheceu a letra que se encontra inscrita nessas facturas e apenas mandou emitir as facturas provenientes da tipografia AI…, Lda, em Vila do Conde (ver, a este propósito, também os pontos 46 a 49 dados como provados, não impugnados pelo recorrente e ouvir integralmente os depoimentos das testemunhas AB… e AD…, inspectores tributários, articulando-os ainda com as declarações prestadas pelo arguido M… e conferir a prova documental respectiva constante do apenso I);
c)- a factura emitida pela AG…, Lda, que é a constante do documento nº 54 (também aludido no documento nº 55 e repetida no documento nº 56) do Apenso I é ostensivamente falsa uma vez que essa mesma sociedade tem o n.º de Pessoa Colectiva que corresponde a outra empresa a “AH…, Lda” e, além disso, é inexistente para efeitos cadastrais, não laborando aquela empresa na sede que consta dessa factura (ver os pontos 6 e 7 dados como provados, não impugnados pelo recorrente, devendo ouvir-se integralmente o depoimento da testemunha AB…, inspector tributário, bem como analisar a prova documental respectiva constante do apenso I, acima indicada).
Daí resulta igualmente que, perante os dados objectivos obtidos no sentido daquelas facturas emitidas em nome de T…, Lda, de L…, Lda e da AG…, Lda (utilizadas na contabilidade da sociedade gerida pelo recorrente) serem falsas, era desnecessário que os inspectores tributários se deslocassem a obras que AE…, Lda, estivesse a realizar.
Quanto às vantagens patrimoniais obtidas pela utilização dessas facturas falsas na contabilidade da sociedade AE…, Lda, gerida pelo recorrente, deve ouvir-se particularmente o depoimento da testemunha AD… (inspector tributário), que realizou as operações aritméticas necessárias ao apuramento do imposto / vantagem patrimonial obtidos.
Quanto à testemunha AF…, que em 2004 era TOC da sociedade gerida pelo recorrente, não merece censura a análise crítica que desse depoimento foi feito pelo julgador (mesmo quando fez alusão a ter sido um pouco tendencioso), desde que seja ouvido integralmente e seja articulado com a prova documental existente nos autos.
Não há qualquer obstáculo a que o tribunal tivesse acreditado, nos moldes em que o fez, nas declarações dos co-arguidos acima referidos, tendo em atenção igualmente os depoimentos dos inspectores tributários e, bem assim, a respectiva prova documental junta aos autos.
O facto dos referidos U…, X… e M… terem a qualidade de arguidos, não impede o tribunal de neles acreditar, ainda para mais quando a versão que apresentaram em julgamento é corroborada pelos demais elementos de prova indicados na sentença sob recurso.
Por isso, não se pode dizer, como o faz o recorrente, que a credibilidade conferida às declarações daqueles arguidos U…, X… e M… é “contra-natura” e/ou vai contra as regras da experiência comum, por terem interesse no desfecho da acção penal (esqueceu o recorrente as demais provas produzidas e analisadas pelo tribunal, que corroboram aquelas declarações desses arguidos e, portanto, permitem conferir-lhes crédito, apesar da qualidade que tinham no processo).
Portanto, não assiste qualquer razão ao recorrente quando argumenta em sentido contrário, pretendendo retirar crédito àquelas declarações prestadas em julgamento, que convenceram o julgador pelos motivos indicados na motivação de facto da sentença.
Quanto ao depoimento do referido TOC, como já foi dito, não merece censura a apreciação que dele foi feita pelo julgador, sendo irrelevante a argumentação do recorrente, quando pretende convencer do contrário, invocando generalidades, esquecendo até as funções de um TOC, todo o depoimento que o mesmo prestou em julgamento e ignorando as demais provas avaliadas pelo julgador.
A análise pessoal e subjectiva do recorrente de parte das provas produzidas em julgamento é irrelevante, não impondo decisão contrária à decidida pelo julgador.
A apreciação pessoal e subjectiva que o recorrente faz do depoimento da testemunha AB… (inspector tributário), designadamente a partir da transcrição parcial do que o mesmo teria respondido quando inquirido pelo Ministério Público e quando contra-interrogado pela defesa (v.g. em parte em que o seu depoimento até era indirecto, por ser proveniente de informações obtidas junto do arguido U…), não coloca em causa o restante depoimento dessa mesma testemunha, nem contraria a credibilidade que o julgador lhe atribuiu, mesmo quando o considerou como um depoimento “isento e escorreito”.
Logicamente que a testemunha em causa foi respondendo às perguntas que lhe iam sendo feitas, indicando as fontes do seu conhecimento, algumas indirectas, sendo certo que no que se relaciona com as declarações que em julgamento foram prestadas pelos arguidos que prescindiram do direito ao silêncio, não havia qualquer obstáculo à sua valoração, atento o disposto no art. 129º, nº 1, do CPP (tanto mais que a defesa também teve oportunidade de exercer o contraditório quanto às declarações prestadas pelos ditos arguidos que em julgamento prescindiram do seu direito ao silêncio).
Também as considerações genéricas feitas pelo recorrente quanto ao julgador ter retirado conclusões inaceitáveis, arbitrárias, ilógicas e contra as regras de experiência comum, são gratuitas e inconsequentes; o mesmo se diga quanto à referência genérica que faz sobre a forma como o tribunal apreciou “os depoimentos das testemunhas (da defesa), apesar de confirmados por documentos”.
Esse tipo de referências genéricas não tem valor bastante para abalar a convicção formada pelo julgador, quando avaliou as provas que indicou na motivação de facto da sentença sob recurso.
Portanto, ao contrário do que alega o recorrente, as transcrições que fez de aspectos pontuais do depoimento do inspector tributário AB…, mesmo considerando as demais apreciações subjectivas que (o recorrente) fez de apenas parte das restantes provas (ignorando a demais que convenceu o julgador pelos motivos claramente expostos na sentença sob recurso e que não merecem censura), não impõem decisão diversa quanto aos factos por si impugnados.
Por isso, podemos concluir, sem margem para dúvidas, que não há qualquer erro de julgamento.
A apreciação objectiva feita pelo julgador, que consubstancia o exame crítico das provas produzidas em julgamento, não contraria as regras da experiência comum, baseando-se em opção aceite na imediação e oralidade.
Não se detecta (ao contrário do que alega o recorrente conclusivamente) que o julgador se tivesse desviado do raciocínio que fez e foi expondo quanto às provas que avaliou.
Podemos assim afirmar de forma clara que não foi violado o disposto no art. 127º do CPP.
Também não foi violado o princípio in dubio pro reo, nem o disposto no art. 32º da CRP, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados, como igualmente se verifica do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida (não havendo sequer motivo para recorrer a esse princípio).
De esclarecer que o tribunal, perante as provas que indicou, convenceu-se no sentido da realidade dos factos que deu como provados, sendo suficiente que esse estado de convicção assentasse na certeza relativa da verificação desses factos dados como provados[13] (ou seja, não era necessário, como alega o recorrente, a certeza absoluta do factos que deu como provados e, como já foi explicado, atentas as provas produzidas em relação às facturas falsas em questão nem era necessário que os inspectores tributários tivessem visitado quaisquer obras da sociedade gerida pelo recorrente).
Acresce que, para além dos factos apurados permitirem ao tribunal proferir uma decisão (o que mostra a sua suficiência), não se detecta qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão (nem sequer foi exposto qualquer raciocínio ilógico ou contraditório na fundamentação que apontasse para decisão contrária à da condenação do arguido/recorrente), sendo certo que a apreciação feita pelo Tribunal da 1ª instância não contraria as regras da experiência comum e tão pouco evidencia qualquer erro relevante de que o homem médio facilmente se desse conta.
Isso significa igualmente que não há qualquer motivo para determinar o reenvio do processo, como chega a aventar o recorrente.
De resto, não se vê do texto da sentença sob recurso que o tribunal da 1ª instância tivesse usado “pré-juízos” ou presunções ilegais para avaliar as provas produzidas em julgamento.
Por isso, não há qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal.
As divergências do recorrente, quando apresenta a sua própria análise de parte da prova produzida em julgamento, são irrelevantes porque é ao tribunal que incumbe valorar toda a prova produzida em julgamento, sendo certo que não se pode confundir essas divergências com impugnação da matéria de facto ou com a invocação dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP.
Além disso, não é pelo facto de um depoimento ou declaração ser em parte divergente de outro que o tribunal fica desde logo impedido de o apreciar e valorar na parte que merece credibilidade (nem essa divergência só por si justifica o recurso ao princípio in dubio pro reo).
Portanto, o que acontece no caso dos autos é que o recorrente esqueceu o teor do art. 127º do CPP (apesar das considerações teóricas que fez no início da motivação de recurso), sendo a sua divergência pessoal e subjectiva, carecida de relevância jurídica.
Uma vez que a decisão proferida pela 1ª instância se mostra sustentada nas provas indicadas, produzidas em julgamento (tendo o julgador obtido, por essa via, a certeza dos factos dados como provados), apenas se pode concluir que também não foi afrontado o princípio da presunção de inocência, nem tão pouco o disposto no art. 32º da CRP.
Ora, não existindo erro de julgamento, não se detectando os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, nem ocorrendo qualquer violação dos princípios do in dubio pro reo, da presunção de inocência, nem do disposto nos artigos 127º do CPP e 32º da CRP, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto, acima transcrita.
Improcede, pois, nesta parte a argumentação do recorrente.
2ª Questão
Importa, agora, verificar se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito.
Na perspectiva do recorrente, que parte do princípio que seria procedente o invocado erro de julgamento da decisão proferida sobre a matéria de facto, não estariam preenchidos todos os pressupostos do crime pelo qual foi condenado.
No entanto, como já se viu, não existe o alegado erro de julgamento e, perante a decisão proferida sobre a matéria de facto, já definitivamente fixada, não há dúvidas que se verificam os pressupostos do crime de fraude fiscal qualificado p. e p. nos arts. 103º, nº 1 e nº 2 e 104º, nº 2 do RGIT, quer na versão prevista à data da sua consumação, quer nas versões posteriores.
Perante a fundamentação de direito constante da sentença (que não foi objecto de recurso pelo Ministério Público) apenas está em causa a matéria de facto apurada, relativa às facturas falsas supostamente emitidas em nome da T…, Lda, da L…, Lda e da AG…, Lda, utilizadas na contabilidade da sociedade AE…, Lda gerida pelo recorrente, no que se relaciona com as vantagens patrimoniais que obteve indevidamente em sede de IRC relativa ao ano de 2004, que ascendeu ao valor global de € 24.093,84.
A conduta dolosa do arguido/recorrente quando, com intenção de conseguir vantagem patrimonial indevida para a sociedade AE…, SA, que geria, à custa da diminuição das receitas do Estado, utilizou aquelas facturas falsas (supostamente emitidas em nome da T…, Lda, da L…, Lda e da AG…, Lda), obtendo em sede de IRC o valor global de € 24.093,84 que era indevido, integra a prática em autoria material de um crime de fraude fiscal qualificado p. e p. nos arts. 103º, nº 1 e nº 2 e 104º, nº 2 do RGIT, quer na versão prevista à data da sua consumação, quer nas versões posteriores (ao contrário do que refere o tribunal da 1ª instância, embora apenas na fundamentação de direito, não se verifica a circunstância integradora da alínea a) do nº 1 do art. 104º do RGIT), cuja moldura abstracta é, no seu caso (enquanto pessoa singular) de prisão de um a cinco anos.
Acrescente-se que, sendo o limite máximo da moldura abstracta do crime cometido pelo arguido/recorrente superior a 3 anos, não tem aqui aplicação o regime previsto no DL nº 151-A/2013, de 31.12, particularmente seu art. 2º, nº 4 (por isso, não há que aguardar até 20.12.2013 por eventual regularização da dívida fiscal aqui em causa, apesar de se depreender do recurso que o recorrente também não está na disposição de em tão escasso tempo regularizar a sua situação tributária).
Improcede, pois, essa argumentação do recorrente.
3ª Questão
Importa, agora, ponderar se a pena aplicada é excessiva e a condição da suspensão da pena de prisão que lhe foi imposta é inconstitucional.
Na tese do recorrente, perante os factos dados como provados relativos à sua condição económica e financeira, no prazo de 15 meses (prazo de suspensão de execução da pena de 1 ano e 3 meses de prisão que lhe foi imposta) concedido para pagar a quantia tributária em dívida (no montante de € 24.093,84 e respectivos juros de mora) apenas conseguiria obter a importância de € 21.750,00, o que era insuficiente para liquidar a sua dívida tributária.
Nessa medida, sustenta que a pena que lhe foi aplicada, ainda que suspensa na sua execução, por estar condicionada ao pagamento da dívida tributária, acaba por significar a sua condenação em prisão efectiva, o que é inconstitucional, por violar designadamente os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como o direito à liberdade, dessa forma considerando violado o disposto nos artigos 13º, 18º, 27º e 266º da CRP e, bem assim, o art. 1º do Protocolo nº 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Vejamos então, tendo em atenção que, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[14].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[15].
Por sua vez, nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[16], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[17], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[18] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Uma vez determinada a pena concreta principal, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respectivas penas de substituição previstas na lei.
Com efeito, as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”[19].
Considerações relativas à culpa não podem ser ponderadas para justificar a não aplicação de uma pena de substituição[20].
E, também não se pode esquecer que a pena de prisão é encarada como a ultima ratio, sendo preocupação do legislador e, obrigação do Estado, contribuir para a própria socialização do arguido.
Importa, pois, analisar as operações efectuadas pela 1ª Instância quanto à determinação da medida da pena aplicada ao arguido/recorrente.
Assim.
Considerando os factos apurados, importa atentar que o arguido/recorrente agiu com dolo, na forma directa e com consciência da ilicitude da sua conduta.
Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a acção concreta em questão nos autos (que ainda assim envolveu a utilização das referidas facturas falsas, no período de tempo referido nos factos provados) e o modo de actuação do arguido/recorrente, apesar de ser o habitual neste tipo de crime (quando se utilizam facturas falsas da forma descrita nos factos provados).
A ilicitude da sua conduta é média considerando o valor total das vantagens indevidas obtidas (total de € 24.093,84) a nível do IRC.
Para além disso, embora tendo como limite a medida da culpa do arguido/recorrente, há que ter em atenção as prementes necessidades de prevenir a prática de futuros crimes (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), designadamente, tendo em atenção o bem jurídico primordial violado no crime em questão, o qual deve ser combatido com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias de cada caso.
Também importa ter em atenção que os factos em questão ocorreram há cerca de 8 anos, sendo certo que o arguido/recorrente não tem antecedentes criminais (sofreu duas condenações posteriores em pena de multa, por crimes que não relevam para este caso), o que atenua as necessidades da pena.
As razões de prevenção especial (carência de socialização) neste caso são baixas uma vez que o arguido/recorrente está inserido pessoal, profissional e socialmente.
Da situação pessoal, social e económica do arguido/recorrente resulta que tem uma personalidade recuperável, mostrando alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.
E, tendo em atenção a respectiva idade (consta da sua identificação na sentença sob recurso, que nasceu em 5.2.1963) quer à data dos factos em questão, quer actualmente (o que revela que tem uma personalidade ainda recuperável), importa igualmente atender ao efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro.
Assim, tudo ponderado, tendo presente o limite máximo consentido pelo seu grau de culpa, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão aplicada pela 1ª instância.
No domínio da lei penal vigente à data dos factos (antes das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4.9) essa pena de prisão (de 1 ano e 3 meses) podia ser suspensa na sua execução (art. 50º do CP) por um período entre 1 e 5 anos e também podia ser sujeita, v.g. ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementadas com o regime de prova (arts. 50º a 54º do CP);
Após as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4.9, igualmente essa pena de prisão pode ser suspensa na sua execução (art. 50º do CP), embora pelo período da prisão fixada, v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementada com o regime de prova (arts. 50º a 54º do CP), além de poder ainda ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º do CP, dependendo esta ainda da aceitação do condenado e podendo ser sujeita ao cumprimento de regras de conduta).
Como se trata de crime fiscal, caso seja aplicada a suspensão da execução da pena de prisão (que é uma pena de substituição), a mesma terá de ser subordinada ao regime especial previsto no art. 14º do RGIT.
A propósito dessa subordinação à condição de pagamento prevista no art. 14º do RGIT invoca o recorrente que, atentas as suas condições de vida apuradas, essa sujeição decorrente da referida norma (art. 14º do RGIT) é desadequada e desproporcionada, acabando por conduzir a uma prisão por dívidas (o que é inconstitucional).
Nesse aspecto, podemos desde já adiantar que o Tribunal Constitucional em diversas ocasiões pronunciou-se “sobre a norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento, pelo arguido, do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais”, designadamente, nos acórdãos n.ºs 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 587/06, 29/07 e 61/07”[21], sempre tendo concluído (antes e depois da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4.9, acima citada) que aquela norma (art. 14º do RGIT) não é inconstitucional, em conjugação com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal[22], interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar, de prestação tributária e acréscimos legais, não havendo qualquer violação dos princípios da proporcionalidade ou da culpa.
Portanto, quanto a essa argumentação do recorrente, remete-se o mesmo para a leitura v.g. dos citados acórdãos do Tribunal Constitucional, destacando-se apenas as seguintes considerações que constam do Acórdão do TC nº 556/2009, v.g. quando repete a fundamentação do Ac. do mesmo tribunal nº 327/08 (onde já se tiveram em atenção as alterações introduzidas pela citada Lei nº 59/2007):
“Sobre esta questão, à luz da nova redacção do artigo 50.º do CP, pronunciou-se a 3.ª Secção deste Tribunal Constitucional, em Acórdão n.º 327/08, que julgou não inconstitucional a norma do artigo 14.º do RGIT, quando interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de prisão concretamente determinada, a contar do trânsito em julgado da decisão, da prestação tributária e acréscimos legais, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«Suposto que corresponda à exacta interpretação da lei e apesar deste efeito perverso, esta nova configuração do regime de suspensão da execução da pena de prisão por crimes fiscais não é de molde a justificar a revisão do entendimento consolidado do Tribunal na matéria.
Continuam a ser válidas as três razões pelas quais nesta jurisprudência se afasta a objecção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição.
No limite, admitindo que a força convincente das outras razões tenha diminuído na medida da perda do poder modelador do prazo por parte do tribunal, continua a verificar-se a razão que essa jurisprudência enuncia como decisiva para não julgar violados os princípios da culpa e da proporcionalidade e que se retira do artigo 55.º do Código Penal: “o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14.º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado”».
Partindo do mesmo pressuposto de que partiu este acórdão do Tribunal Constitucional, ou seja, o de que a interpretação feita pelo tribunal recorrido corresponde à exacta interpretação da lei, é de reiterar, no caso em apreço, a jurisprudência nele fixada, fundamentalmente, pela última razão apontada. De facto, a revogação da suspensão da pena de prisão não é automática, mas antes está dependente de avaliação judicial, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 2, alínea c), do RGIT, e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.”[23]
E, quanto a nós, concordamos com essa fundamentação e jurisprudência do Tribunal Constitucional (que aqui se dá por reproduzida) pelo que improcede a argumentação em sentido contrário do recorrente (v.g. quando argumenta com a sua situação económico-financeira apurada nos autos, com a eventual prisão por dívidas[24], com a violação das disposições legais por si invocadas, bem como com a violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e do direito à liberdade).
Podemos, agora, regressar ao caso concreto, para apurar se é caso de substituir a pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente.
Claro que não se pode esquecer a natureza dos crimes aqui em questão e categoria de pena principal que melhor se ajusta ou adequa ao caso concreto, sabido que as penas de substituição radicam “tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão”[25] contínuas e, por outro, que o chamado “efeito criminógeno da prisão”, “vale para a pena de prisão contínua, mas já não (ou só de forma muito atenuada) para a prisão por dias livres ou para o regime de semi-detenção”[26].
Foi precisamente considerando todo o circunstancialismo apurado, a personalidade do arguido/recorrente e respectiva condição de vida, que o tribunal da 1ª instância conseguiu efectuar um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão.
Essa fundamentação mostra-se justificada neste caso, tendo em especial atenção as razões de prevenção especial que mostram que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão são suficientes para afastar o arguido/recorrente da prática de novos crimes.
Perante o circunstancialismo apurado mostra-se ajustada e adequada a suspensão da execução da pena de 1 ano e 3 meses de prisão aplicada ao arguido/recorrente, pelos períodos respectivos indicados pela 1ª instância (considerando a aplicação na lei no tempo e o regime em vigor antes e depois das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007), condicionada ao pagamento, nos prazos respectivos, do montante das vantagens indevidamente obtidas, ou seja, da quantia global de € 24.093,84 e respectivos juros de mora, nos termos do art. 14° do RGIT (que o arguido bem pode pagar no prazo concedido atenta a sua situação económico-financeira desde que passou a trabalhar na Noruega).
Note-se que não é de censurar a avaliação e juízo de prognose feito pelo tribunal da 1ª instância quando considerou (tendo em atenção o que foi dado como provado quanto à situação económica e financeira do recorrente e o que resultava do ac. do STJ nº 8/2012[27], apesar de não ser o caso destes autos) que o arguido/recorrente tem condições económicas e financeiras para cumprir a condição prevista no art. 14º do RGIT no prazo de 1 ano e 3 meses, prazo esse correspondente ao período de suspensão da execução da pena de prisão imposta, tendo em atenção o disposto no art. 50º do CP, na versão actual, que é o regime penal concretamente mais favorável (aliás, desde que emigrou para a Noruega já podia ter começado a diligenciar no sentido de, no menor tempo possível, liquidar a sua dívida fiscal, até tendo em atenção que, por um lado, apenas envia para Portugal 500 euros mensais e aufere cerca de € 2.700,00 mensais e, por outro lado, quanto mais tempo demorar a pagar, maior será o montante da dívida, desde logo tendo em atenção os juros que se vão vencendo).
Como foi bem explicado na decisão da 1ª instância, tendo em atenção o disposto no art. 2º, nº 4, do CP, não há dúvidas que é concretamente mais favorável ao arguido/recorrente, o regime actualmente em vigor.
Acrescente-se que essa pena de substituição é muito mais adequada do que a prestação de trabalho a favor da comunidade (apesar do arguido/recorrente não se ter pronunciado sobre se aceitava ou não tal pena de substituição).
Do circunstancialismo fáctico apurado não resultava existir qualquer expectativa séria e razoável de que a Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, viesse a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º do CP) não realizava de forma adequada e suficiente, neste caso concreto (atenta a natureza do crime cometido pelo arguido/recorrente, forma como foi executado e o que se apurou em audiência de julgamento, designadamente, tendo em atenção que trabalha na Noruega, onde aufere um bom salário mensal, se compararmos com salários portugueses, designadamente de profissionais com elevadas categorias), as finalidades da punição[28], razão pela qual sempre se impunha a preferência por aquela outra que lhe foi aplicada.
Assim, nos termos do art. 2º, nº 4, do CP, não há dúvidas que o tribunal da 1ª instância aplicou ao arguido/recorrente, o regime penal que lhe era concretamente mais favorável, tendo igualmente em atenção que a pena de prisão fixada de 1 ano e 3 meses de prisão (próxima do mínimo legal de 1 ano de prisão) não podia ser substituída por multa ou por outra pena de substituição (em qualquer dos regimes de punição).
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, sendo certo que não foram violadas as disposições legais por ele citadas (como já acima foi explicado não houve qualquer interpretação inconstitucional das normas aplicadas no caso concreto).
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B….
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 20-11-12013
Maria do Carmo Silva Dias (relatora)
Ernesto Nascimento (Adjunto)
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[1] Cf. Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais). Aliás, como se diz no Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), a admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação “mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.”
[2] Assim, cit. Ac. do STJ de 21/1/2003.
[3] Assim, Ac. do TRG proferido no recurso nº 1016/2005, relatado por Nazaré Saraiva.
[4] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”.
[5] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Coimbra: Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, p. 139, refere que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo» (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».
[6] Regra de experiência que, como diz Paolo Tonini, A prova no processo penal italiano (trad. de Alexandra Martins e Daniela Mróz, de La prova penale, 4ª ed., publicado em Pádua, pela Cedam – Casa Editrice Dott. António Milani, em 2000 e posterior actualização de Setembro de 2001), São Paulo, Brasil: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002, pp. 55 e 56, “expressa aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraída de casos similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio de tipo indutivo” e sucessivamente “um raciocínio dedutivo”.
[7] Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 65.
[8] Assim, Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), chamando à atenção para o que se escreveu em Ac. de 8/2/99, em recurso de apelação do proc. nº 1/99 do Tribunal de Círculo de Chaves.
[9] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402/232ss.
[10] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais).
[11] Ibidem.
[12] Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, p. 129. Realça ainda (ob. cit., pp. 128 e 129) que «o silêncio deve, por isso, ser tomado como a ausência pura e simples de resposta, não podendo, enquanto tal, ser levado à livre apreciação de prova. E isto (…) quer se trate de silêncio total quer, na parte pertinente, de silêncio meramente parcial».
[13] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”. No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. Revista e actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra: Coimbra Editora, Limitada, 1985, pp. 435-436, quando afirmam que “a prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto. (…) É o juiz da causa ou o tribunal colectivo, consoante as circunstâncias, que há-de convencer-se da realidade do facto, para que este se considere provado e se lhe possa aplicar a estatuição da norma que o tem como pressuposto”. Também Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales (obra compilada dos manuscritos do Autor por E. Dumont, trad. de Manuel Ossorio Florit), Granada: Comares, 2001, p. 22, refere que a prova é «um meio que se utiliza para estabelecer a verdade de um facto, meio que pode ser bom ou mau, completo ou incompleto».
[14] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[15] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[16] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[17] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[18] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro -Março de 1991), p. 29.
[19] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 91.
[20] Anabela Rodrigues, ob. cit., p. 256.
[21] Decisões essas disponíveis no site do Tribunal Constitucional (www.tribunalconstitucional.pt).
[22] Já no domínio das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ver, entre outros, Ac. do TC nº 556/2009 e nº 237/2011, disponíveis no mesmo site do Tribunal Constitucional.
[23] Veja-se, também, a fundamentação do Ac. do TC nº 61/2007 quando escreve:
Assim, no acórdão n.º 335/03 escreveu-se o seguinte:
«7. O artigo 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, dispõe como segue:
“Artigo 14º
Suspensão da execução da pena de prisão
1 – A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
2 – Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:
a) Exigir garantias de cumprimento;
b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;
c) Revogar a suspensão da pena de prisão.”
8. O Tribunal Constitucional teve, muito recentemente, oportunidade de se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade que agora, mais uma vez, vem colocada à sua consideração. Fê-lo, concretamente, no Acórdão n.º 256/03 (ainda inédito), onde concluiu pela não inconstitucionalidade daquele artigo 14º do RGIT (bem como do artigo 11º, n.º 7 do RJIFNA, preceito que antecedeu este artigo 14º). Para decidir dessa forma, o Tribunal escudou-se na seguinte fundamentação:
“[...]
10.4. Comparando o artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA com o (posterior) artigo 14º do RGIT, verifica-se que ambos condicionam a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das quantias em dívida.
Não sendo pagas tais quantias, o primeiro preceito remetia (em parte) para o regime do Código Penal relativo ao não cumprimento culposo das condições da suspensão; já o segundo preceito – que englobou tal regime do Código Penal – é mais dúbio, porque não faz referência à necessidade de culpa do condenado.
De qualquer modo, deve entender-se que a já referida aplicação subsidiária do Código Penal, prevista no artigo 3º, alínea a), do RGIT (cfr. os artigos 55º e 56º do referido Código), bem como a circunstância de só o incumprimento culposo conduzir a um prognóstico desfavorável relativamente ao comportamento do delinquente implicam a conclusão de que o artigo 14º, n.º 2, do RGIT, quando se refere à falta de pagamento das quantias, tem em vista a falta de pagamento culposa (refira-se, a propósito, na sequência de Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português / Parte Geral, II – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pp. 342-343, que pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é a existência de um prognóstico favorável a esse respeito).
[...]
10.7. A questão que ora nos ocupa tem algumas afinidades com uma outra que já foi discutida no Tribunal Constitucional.
Assim, no acórdão n.º 440/87, de 4 de Novembro (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º volume, 1987, p. 521), o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 49º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982 (versão originária), na parte em que ela permite que a suspensão da execução da pena seja subordinada à obrigação de o réu “pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado”. Nesse acórdão, depois de se ter salientado que se deve considerar como princípio consagrado na Constituição a proibição da chamada “prisão por dívidas”, entendeu-se, para o que aqui releva, o seguinte:
“(...)nos termos do artigo 50º, alínea d), do actual Código Penal, o tribunal pode revogar a suspensão da pena, «se durante o período da suspensão o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos na sentença», v.g., o de «pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado» [artigo 49º, n.º 1, alínea a), primeira parte]. Nunca, porém, se poderá falar numa prisão em resultado do não pagamento de uma dívida: – a causa primeira da prisão é a prática de um «facto punível» (artigo 48º do Código). Como se escreveu no acórdão recorrido, «o que é vedado é a privação da liberdade pela única razão do não cumprimento de uma obrigação contratual, o que é coisa diferente».
Aliás, a revogação da suspensão da pena é apenas uma das faculdades concedidas ao tribunal pelo citado artigo 50º para o caso de, durante o período da suspensão, o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos na sentença: – na verdade, «conforme os casos», pode o tribunal, em vez de revogar a suspensão, «fazer-lhe [ao réu] uma solene advertência [alínea a)], exigir-lhe garantias do cumprimento dos deveres impostos» [alínea b)] ou «prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano» [alínea c)].”
Por outro lado, no acórdão n.º 596/99, de 2 de Novembro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 2000, p. 3600), o Tribunal Constitucional não considerou inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido. Foram os seguintes os fundamentos dessa decisão:
“(...) 8. A alegada inconstitucionalidade do artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.
Dispõe o artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal que «a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea».
Trata-se mais uma vez, no entender do recorrente, da previsão de uma situação de «prisão por dívidas», proibida pela Constituição.
Desde logo deve notar-se que tem inteira razão o Ministério Público quando refere que, a proceder, a argumentação do recorrente acabaria por redundar em seu próprio prejuízo, «na medida em que a considerar-se inconstitucional a norma ora objecto de recurso, estaria afastada a possibilidade de suspensão da execução da pena – que só se justifica pela ‘condição’ estabelecida naquele preceito – restando-lhe o inexorável cumprimento da pena de prisão que a decisão recorrida, em primeira linha, lhe impôs...».
É, no entanto, manifestamente improcedente a alegação de que a norma que se extrai do artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal, traduz uma violação do princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e à segurança (artigo 27º, n.º 1 da Constituição).
Na realidade, e mais uma vez, não se trata aqui da impossibilidade de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.(...).”
Apesar da afinidade com a questão de que ora cumpre apreciar, nos arestos citados não estava em causa o problema da conformidade constitucional (à luz dos princípios da adequação e da proporcionalidade) da imposição de uma obrigação que, no próprio momento em que é imposta, pode ser de cumprimento impossível pelo condenado, mas um outro (que Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 353, aliás, considerou absolutamente infundado), que era o de “saber se o condicionamento da suspensão pelo pagamento da indemnização não configuraria, quando aquele pagamento não viesse a ser feito, uma (inconstitucional) prisão por dívidas”.
De qualquer modo, dos arestos citados extrai-se uma ideia importante para a resolução da presente questão: é ela a de que não faz sentido analisá-la à luz da proibição da prisão por dívidas. Na verdade, mesmo que se considere – e é isso que importa determinar – desproporcionada a imposição da totalidade da quantia em dívida como condição de suspensão da execução da pena, o certo é que o motivo primário do cumprimento da pena de prisão não radica na falta de pagamento de tal quantia, mas na prática de um facto punível.
10.8. A questão em análise tem também algumas afinidades com a questão da conformidade constitucional do estabelecimento dos limites da pena de multa em função do valor da prestação em falta, analisada pelo Tribunal Constitucional a propósito dos artigos 24º, n.º 1, e 23º, n.º 4, do RJIFNA (cfr., por exemplo, os acórdãos n.ºs 548/01, de 7 de Dezembro, e 432/02, de 22 de Outubro, respectivamente publicados no Diário da República, II Série, n.º 161, de 15 de Julho de 2002, p. 12639, e n.º 302, de 31 de Dezembro de 2002, p. 21183).
Neste último aresto, disse-se nomeadamente o seguinte:
“(...) Por outro lado – e sendo certo que o legislador goza de ampla margem de liberdade na fixação dos limites mínimo e máximo das molduras penais –, não se afigura que o critério da vantagem patrimonial pretendida pelo agente, adoptado na norma em apreço, se revele ofensivo dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das penas. Contrariamente ao que sustenta o recorrente, a adopção de um tal critério não significa que a pena aplicável ao crime de fraude fiscal prossiga o fim da retaliação ou da expiação. É que a conduta que lhe subjaz é tanto mais grave e socialmente mais lesiva quanto mais elevado for o montante envolvido: como tal, é ainda a protecção de um bem jurídico o que se visa e não a mera censura do agente. (...).”
Desta passagem retira-se uma importante consideração para o problema que nos ocupa.
É ela a de que, podendo a realização dos fins do Estado – dependente do cumprimento do dever de pagar impostos – justificar a adopção do critério da vantagem patrimonial no estabelecimento dos limites da pena de multa, não há qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena. As razões que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do artigo 51º, n.º 2, do Código Penal [...] não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida.
[...]
10.9. As normas em apreço não se afiguram, portanto, desproporcionadas, quando apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais, assume o interesse em arrecadar impostos.
Cabe, todavia, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer.
Esta impossibilidade, que não chegou a ser declarada pelo tribunal recorrido – pois que este analisou a questão em abstracto, sem averiguar se o ora recorrente efectivamente estava impossibilitado de cumprir [...] –, não altera, todavia, a conclusão a que se chegou.
Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade de suspensão da execução da pena.
Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de cumprimento impossível.
Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de cumprimento da obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora, nada permite supor a existência de um tal prognóstico: sucede apenas que a lei – bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos ocupa, irrelevante –, verificadas as condições gerais de suspensão da execução da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento da quantia em dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito, indiferente.
Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida.
A imposição de uma obrigação de cumprimento muito difícil ou de aparência impossível teria assim esta vantagem: a de dispensar a modificação do dever (cfr. artigo 51º, n.º 3, do Código Penal) no caso de alteração (para melhor) da situação económica do condenado. E, neste caso, não se vislumbra qualquer razão para o seu tratamento de favor, nem à luz do princípio da culpa, nem à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado (supra, 10.4.).
Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, e no artigo 14º do RGIT.
[...]”.
Esta conclusão, e a fundamentação que a sustenta, além de aplicáveis ao caso que ora nos ocupa, merecem concordância, pelo que, reiterando-a, importa concluir, uma vez mais, pela não inconstitucionalidade do artigo 14º do RGIT
É esta orientação que, mais uma vez, se reitera.”
[24] Não se pode invocar qualquer “prisão por dívidas”, nem sequer existindo qualquer violação do disposto nos artigos 27º e 28º da CRP.
Como se diz no Ac. do TC nº 312/2000 «Tem, pois, de considerar-se que a proibição de «prisão por dívidas» é princípio decorrente da Constituição da República Portuguesa (cf. Acórdão n.º 440/87, in "Acórdãos do Tribunal Constitucional", Vol. 10, 1987, pág. 521), sendo, porém, certo que entre nós sempre se entendeu que o princípio só se aplicava aos «devedores de boa fé», dele se excluindo os casos de provocação dolosa de incumprimento (cf. Acórdão n.º 663/98, já citado).
Por outro lado, as razões aduzidas para a proibição da «prisão por dívidas» não se aplicam quando a obrigação não deriva de contrato mas da lei (ver, neste sentido e desenvolvidamente, o citado Acórdão n.º 663/98).”
Por isso, no caso dos presentes autos, tal como foi repetidamente decidido pelo Tribunal Constitucional (ver também Ac. do TC nº 54/2004, no mesmo sentido), deve entender-se que a norma penal incriminadora em apreço e as disposições aplicáveis no caso dos autos não violam o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade (artigo 27º, n.º 1, da Constituição) nem o disposto no artigo 28º (prisão preventiva) da CRP (ver, também, o Ac. do STJ de 18.2.2010).
[25] Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 91.
[26] Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 336.
[27] Ac. do STJ nº 8/2012, publicado no DR I de 24.10.2012 (apesar de não ser exactamente o caso dos autos): No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
[28] Maria João Antunes, “Substituição da prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade (Tribunal Judicial da Comarca de Braga, processo nº 488/2000 – 3ª secção), RPCC ano 11º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 2001), p. 709, chamando à atenção que “na hipótese de o tribunal ter ao seu dispor mais do que uma pena de substituição a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o critério só pode ser o de, avaliando as exigências de prevenção especial que, em concreto, se façam sentir, optar pela pena de substituição que as satisfaça de forma mais adequada”.