Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0813497
Nº Convencional: JTRP00042181
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
REENVIO
Nº do Documento: RP200902040813497
Data do Acordão: 02/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 565 - FLS. 219.
Área Temática: .
Sumário: No caso de reenvio do processo sumaríssimo para a forma comum, o MP deve notificar de novo o arguido do requerimento/acusação, para que ele possa exercer, querendo, o seu direito a requerer a abertura da instrução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 3497/08-1.
1ª Secção Criminal.
Processo em 1ª instância nº ……/07.1GTBRG-A.
*
Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1.
Nos autos nº ……/07.1GTBRG do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso em que é arguido,
B………….., melhor id. nos autos,
O Ministério Público requereu o seu julgamento em Processo Sumaríssimo, por ter cometido um crime de condução sem habilitação legal, pp. pelo artigo 3º, nº2, do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro, com a redacção dada pelo DL nº 265-A/2001, de 28 de Novembro, propondo a aplicação ao arguido de uma pena de 50 dias de multa à taxa diária de 3,00 Euros.
Por despacho judicial foi entendido que a pena proposta era insuficiente para se atingir as finalidades da punição, atento o dolo em causa e a necessidade de prevenção geral, a qual deveria ser fixada em 80 dias de multa.
Concordando o Ministério Público, foi proferido novo despacho judicial ao abrigo do disposto no artigo 396º, ordenando a notificação do arguido para, no prazo de 15 dias, declarar se se opunha ou não à pena proposta.
Exercendo o seu direito, veio o arguido declarar que não aceitava a pena proposta nos autos.
Na sequência da posição assumida pelo arguido, pelo Sr. Juiz foi então proferido o seguinte despacho:
“ Atenta a oposição manifestada a fls. 76, determina-se o reenvio do processo para a forma comum, nos termos do artigo 398º, do Código de Processo Penal.
Dando a competente baixa, remeta os autos aos serviços do Ministério Público para que ali seja feita a notificação ao arguido da acusação e do prazo para requerer a abertura de instrução.
Notifique o Ministério Público deste despacho”.
Não concordando com este despacho, vem o Ministério Público dele interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O primeiro impulso processual na sequência da dedução de oposição por parte do arguido cabe ao Juiz.
2. O Juiz deverá ordenar o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba.
3. No processo penal português existem apenas duas formas de processo, o processo comum e os processos especiais (estes subdivididos em processo sumário, processo abreviado e processo sumaríssimo).
4. Independentemente da opção do Juiz relativamente à forma de processo que competir, ele não pode este escolher determinar o reenvio do processo para qualquer outra fase processual.
5. Não existe qualquer normal legal que permita ao Juiz, no caso concreto, determinar o reenvio do processo para qualquer outra fase processual.
6. Assim, deverá o julgador ater-se ao comando legal contido no artigo 398º, n.º 1 do CPP e determinar o reenvio do processo para outra forma processual que lhe couber.
7. Dificilmente se compreenderia que o Juiz determinasse a remessa dos autos para a fase de inquérito (sob a tutela do Ministério Público), ordenando ao Ministério Público que seguisse nesse mesmo processo uma determinada forma processual (a qual não pode deixar de determinar nos termos do comando do artigo 398º, n.º 1 do CPP).
8. Encontrando-se o inquérito encerrado e estando o processo já distribuído como processo especial sumaríssimo, da direcção de um Juiz e, não havendo nenhuma norma que preveja que é o Ministério Público que tem de notificar o arguido do requerimento que passa a equivaler à acusação e de que lhe assiste o direito de requerer a abertura de instrução e, existindo uma norma processual penal que regula uma situação análoga e que prevê que é no âmbito da fase em que o processo se encontra que se faz tal notificação, não se vislumbra qual o fundamento que está na base do despacho proferido, por via do qual remeteu os autos ao Ministério Público, para dar cumprimento às formalidades legais do inquérito, já encerrado e ultrapassado.
9. A apresentação do requerimento de abertura da instrução não se encontra limitada à fase imediatamente subsequente ao inquérito, podendo acontecer mesmo após os autos já se encontrarem na fase de julgamento.
10. Com a actual redacção do CPP, no seu artigo 398º, n.º 2, prevê-se expressamente que o arguido pode requerer a abertura da instrução na sequência da remessa do processo para outra forma, determinada pelo Juiz.
11. A solução vinda de defender é a única compatível com o princípio da celeridade processual que se encontra subjacente à utilização das formas de processo especial, designadamente, o processo sumaríssimo, o qual não pode ter como consequência uma dilação processual nos casos em que o arguido não concorda com a sanção proposta pelo Ministério Público.
12. Pelo que, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a forma processual que ao caso couber e ordene a notificação ao arguido da acusação proferida nos autos.

O despacho recorrido foi mantido pelo Sr. Juiz a quo.
Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto concordando com a motivação do recurso em 1ª instância, entende que este merece provimento.
Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.
II

A única questão a apreciar consiste em saber se os autos devem prosseguir seus termos sob a direcção do juiz que mandará notificar o arguido da acusação bem como para este requerer, querendo, a instrução, ou se pelo contrário, conforme decidido, os autos devem ser remetidos aos serviços do Ministério Público para aí serem cumpridas aquelas diligências, prosseguindo os autos seus termos normais como processo comum.
III

Apreciando:
1.
O artigo 398º, do Código de Processo Penal, que nos vai ocupar na resolução do presente recurso, sofreu alteração com a Lei nº 47/2007, de 29 de Agosto que, em nosso entender, veio trazer alguma Luz às dúvidas que se suscitavam com a anterior redacção.
Era o seguinte o teor deste artigo:
Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para a forma comum, equivalendo à acusação o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do ar 394º.
Não sendo o artigo expresso quanto à fase do processo comum para que era reenviado o processo que estava a correr termos sob a forma de processo sumaríssimo, suscitava-se, entre outras, a dúvida se o arguido poderia ainda requerer ou não a abertura da instrução.
É pacífico que a introdução das formas especiais no processo penal é pautada por ratios e soluções de celeridade, eficácia e simplicidade[1].
Mas também é verdade que, no que ao processo sumaríssimo respeita, esta celeridade e simplicidade só era prosseguida e atingida, sem a oposição do arguido, sujeito processual que, afinal de contas, é o sancionado com a pena proposta pelo Ministério Público.
A partir do momento em que o arguido não concordava com a pena proposta, o processo deixava de prosseguir como processo sumaríssimo, com a desejada celeridade legislativa, sendo remetido para a forma comum.
E vinha a jurisprudência entendendo que, no caso de remessa do processo para a forma comum, não podia aquele ficar coarctado do seu direito a uma fase processual deste tipo de processo, a abertura da instrução.
Foi este o entendimento perfilhado desde logo, no ac. da Relação de Guimarães, de 6.1.2003, in C.J., ano XXVII, Tomo I, fls. 294/295, bem como no ac. desta Relação do Porto de 14.2.2007, citado na nota 1.
2.
A Lei nº 47/2007, de 29 de Agosto, com a redacção que deu ao artigo 398º, veio expressamente clarificar a fase a partir da qual prossegue o processo comum – se for esta a forma ordenada pelo juiz -, ao estipular o seguinte:
1. Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, equivalendo à acusação, em todos os casos, o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do ar 394º.
2. Ordenado o reenvio, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução.
Ou seja, não se verificando os pressupostos de prosseguimento do processo sob a forma sumaríssima por oposição do arguido, o juiz pode ordenar o reenvio do processo para outra forma, entre elas, a forma comum.
Em todos os casos:
- equivale à acusação, o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do ar 394º.
- o arguido é notificado da acusação.
E se optar pela forma comum, o arguido é ainda notificado para requer a abertura da instrução, sendo certo que este requerimento não é obrigatório mas apenas uma faculdade ou direito.
Não restam agora dúvidas de que se o processo for reenviado para a forma comum, o mesmo retoma a sua fase com a notificação da acusação e posteriores termos, incluindo a imediatamente a seguir, que é a da abertura da instrução.
Pelo quem entramos agora no objecto propriamente dito deste recurso:
Quem procede à notificação da acusação ao arguido?
Na jurisprudência já citada[2] foi entendido que os autos devem ser remetidos ao Ministério Público que mandará notificar a acusação, prosseguindo os autos a partir desta notificação a sua tramitação normal, incluindo a dita abertura de instrução ou, caso não seja requerida, a sua remessa para julgamento.
Mas outra jurisprudência se tem pronunciado neste sentido, nomeadamente:
- Ac. da Relação de Lisboa de 18.3.2003, proferido no processo nº 0020075, consultável em www.dgsi.pt.jtrl, com o seguinte sumário: “Se em processo sumaríssimo, o arguido deduzir oposição ao requerimento do Mº Pº, nos termos do art. 394º, do CPP, o juiz deve determinar o reenvio do processo ao Mº Pº, uma vez que, equivalendo à acusação o requerimento já apresentado, tem de se proceder às devidas notificações, a ordenar por quem deduziu a acusação (o Mº Pº).
- Ac. da Relação do Porto de 14.2.2007, proferido no processo nº 0616812, consultável em www.dgsi.pt.jtrp, com o seguinte sumário: “ Frustrando-se a resolução consensual do litígio penal, através do processo sumaríssimo (por oposição do arguido ou rejeição do juiz), compete ao Ministério Público proceder à notificação do arguido, nos termos dos artigos 283º, n.º 5 e 277, n.º 3 do Código de Processo Penal”.
Se assim era já entendido, com a alteração referida mais se justifica que assim seja.
O legislador veio expressamente dizer que, se os autos forem remetidos para a forma comum, o arguido é notificado da acusação bem como para requerer a abertura de instrução.
Tudo se passará como se não tivesse havido processo sumaríssimo.
A tentativa e as diligências feitas para que o processo tivesse uma forma e um final célere e simples, não resultaram. Não passaram de um incidente no percurso da forma comum do processo, que será retomado exactamente na fase em que se determinou a sua prossecução como sumaríssimo. Essa fase é a da notificação da acusação proferida pelo Ministério Público.
E retomando o processo a sua normalidade da forma comum, normal é, pois, que seja o Ministério Público a ordenar a notificação da acusação, diligência que teria sempre de efectuar se não tivesse sido a dita incursão em forma de processo diferente.
É expressiva a fórmula consignada no ac. da Relação de Lisboa de 26.6.2002, proferido no processo nº 0042373, podendo ser consultado em www.dgsi.pt.jtrl:” Opondo-se o arguido à prossecução do processo na forma sumaríssima, deve o M.P. cumprir todo o ritual subsequente à acusação em processo comum, não devendo o processo seguir imediatamente para julgamento” – sublinhado nosso.

Bem como um dos argumentos usados no ac. da Relação do Porto de 12.3.2008, proferido no processo nº 0840052, consultável em www.dgsi.pt.jtrp [3]:
“ De resto, a esta mesma conclusão se chegaria, sem apelo aos princípios e regras jurídicas, mas pelo sentido etimológico do termo “reenvio”, de reenviar, reenviar, que não pode deixar de significar o acto de tornar a enviar, de devolver à procedência, cfr. artigo 426º C P Penal”.
E tanto é de interpretar assim a fórmula do reenvio, que em outro momento, a propósito de outra forma de processo especial – o processo sumário -, o legislador usa aquela expressão com o sentido de remessa ao Ministério Público – v. artigo 390º, do Código de Processo Penal.
De resto, percorrendo toda a tramitação do processo comum, o legislador definiu concretamente os actos processuais que devem ser praticados em cada fase e qual a autoridade judiciária que lhe deve presidir: Ministério Público, Juiz de instrução e Juiz de julgamento.
A notificação da acusação proferida pelo Ministério Público, é inequivocamente, um acto praticado sob a sua direcção – artigos 53º, nº 2, alínea c) e 283º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Penal.

Também não suscita dúvidas, a este propósito, a posição de Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, que em anotação ao artigo 398º, a fls. 1006, nota 3, textualiza:
“ No caso de reenvio para a forma comum, o Mª Pº deve notificar de novo[4] o arguido do requerimento / acusação para que ele possa exercer o seu direito à instrução”.
Concluindo:
Bem andou o Sr. Juiz a quo ao determinar o reenvio do processo para a forma comum e consequente remessa do mesmo aos serviços do Ministério Público para que ali seja feita a notificação ao arguido da acusação e do prazo para requerer a abertura de instrução.
IV
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso do Ministério Público.

Sem custas.

Porto, 04 de Fevereiro de 2009
Luís Augusto Teixeira
José Alberto Vaz Carreto
______________________
[1] Conforme se decide no ac. desta Relação do Porto de 14.2.2007, proferido no processo nº 0616771, consultável em www.dgsi.pt.jtrp, “ ratios e soluções de celeridade, eficácia e simplicidade, que teve inspiração no “Progetto Preliminare” italiano, assim como nas “Ordens Penais” alemãs ou no “Ordonance pénale” francês – veja-se Manuel da Costa Andrade, em “Consenso e Oportunidade”, p. 356 e ss; António Henriques Gaspar, em “Processos Especiais”, p. 364 e ss., publicado nas “Jornadas de Direito Processual Penal”, (1997); Maia Gonçalves, “Código Processo Penal Comentado” (2001), p. 746 e ss”.
[2] Decide-se no ac. da Relação de Guimarães de 6.1.2003:
“ Face ao exposto, é evidente que cabe ao Mº Pº proceder à notificação da acusação e, seguidamente, aguardar nos termos do disposto no artigo 287º, do Código de Processo Penal, que o arguido, querendo, requeira a abertura da instrução”.
E no ac. desta Relação do Porto de 14.2.2007:
“…decide-se julgar procedente o presente recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra a remeter os autos aos serviços do M. P.”.
Pelo que, não deixa de ser estranha a referência que o recorrente Ministério Público faz deste acórdão nas suas alegações para fundamentar a sua agora posição, quando neste acórdão é recorrente precisamente também o Ministério Público, recorrendo pelo facto de o então juiz a quo ter designado data para julgamento – após a não concordância do arguido com a pena proposta no processo sumaríssimo -, pugnando o Ministério Público, como veio a ser julgado procedente, que os autos deveriam ser remetidos ao Ministério Público, conforme teor das duas primeiras conclusões que aqui se reproduzem:
“ 1.ª) nos casos em que o arguido vem opor-se à aplicação da sanção em processo sumaríssimo, o legislador não pretendeu coarctar-lhe a possibilidade de recurso a uma das fases processuais – a instrução;
2.ª) o despacho que determina o reenvio do processo para a forma comum deve ter como consequência necessária a devolução dos autos ao Ministério Público para efeitos de cumprimento do disposto nos art. 277.º, n.º 3 e 283.º, n.º 5 do C. P. Penal, já que é o M. P. a entidade competente para proceder à notificação de um despacho por si proferido”.
[3] Proferido, pois, já à luz da nova redacção do artigo 398º, do Código de Processo Penal.
[4] Em nosso entender, este de novo deve considerar-se referido a arguido e não a Ministério Público, pois a primeira notificação do requerimento que passou a ter equivalência a acusação, foi mandada efectuar pelo juiz, nos termos do artigo 396º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal.