Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
734/08.1TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP00043148
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
NULIDADE DO TERMO
Nº do Documento: RP20091109734/08.1TTVNG.P1
Data do Acordão: 11/09/2009
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROCEDENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 90 - FLS 139.
Área Temática: .
Sumário: I- Nos termos do art. 18º, n.º 4 do DL 427/89, de 7/12, “o contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo.
II- Contudo, como decorre do art. 2º, al. n) da Lei Preambular ao Código de Trabalho, “Com a aprovação do Código de Trabalho é efectuada a transposição, parcial ou total, das seguintes directivas comunitárias: Directiva n.º 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo”
III- Nem o DL 427/89, de 7/12, nem a Lei 23/04, de 22/6, consagram medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo e, como tal, não cumprem os objectivos impostos pela Directiva.
IV- É assim abusivo o recurso ao disposto no art. 18º, n.º 4 do DL 427/89, de 7/12, e no art. 10º, n.º 2 da Lei 23/04 de 22/6, quando (como no caso da presente acção) os contratos de trabalho a termo do trabalhador perduraram num período que vai de 4-03-2002 a 19-2-2008.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º734/08.1TTVNG.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 585-A
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa -
Dr. Machado da Silva -


Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B………. instaurou no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia acção de impugnação de despedimento contra C………., IP (C1………., IP), pedindo a condenação da Ré a) a reconhecer a existência de um contrato de trabalho que manteve com o Autor de 4.3.2002 a 29.2.2008; b) a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor pela rescisão unilateral do contrato em 29.2.2008; c) a readmitir o Autor no posto de trabalho ou, caso, por tal o Autor opte, a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 7.890,00; d) a pagar ao Autor todas as prestações pecuniárias já vencidas, bem como todas as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença.
Alega o Autor que em 17.1.2000 foi trabalhar para o Réu ao abrigo de um programa ocupacional de emprego e formação profissional, tendo finalizado a 25.7.2000. No entanto, continuou a trabalhar de 26.7.2000 a 14.8.2000, tendo por essas funções sido pago. A partir de 4.3.2002 o Autor reiniciou função no Réu mediante contrato de trabalho a termo certo, por seis meses e que caducou em 3.9.2002. Apesar dessa declaração de caducidade por parte do Réu o Autor continuou a prestar funções sem qualquer interrupção até 23.3.2003, tendo nesta data celebrado um contrato de tarefa, por 24 meses, que se prolongou até 23.3.2005.Em 2.6.2005 celebrou contrato com uma empresa de trabalho temporário para prestar funções de limpeza na Ré, funções que nunca exerceu, mas antes as que sempre exercera até à data. Aquele contrato terminou em 28.2.2006 sem que por algum modo o Autor tenha contactado com a empresa de trabalho temporário, limitando-se a assinar os papéis que lhe foram apresentados. Em 1.3.2006 celebrou mais um contrato de tarefa, pelo período de 24 meses sendo que tal contrato cessou em 29.2.2008 por declaração do Réu. Durante todo o tempo que trabalhou para o Réu o Autor sempre exerceu as mesmas funções para que tinha sido contratado configurando a declaração do Réu de 29.2.2008 um despedimento ilícito.
O Réu contestou arguindo a incompetência do Tribunal do Trabalho e a inexistência de um contrato de trabalho. Contudo, a entender-se de modo diferente, então o contrato de trabalho a termo nunca se converteria em contrato sem termo por força do disposto no art.10ºnº2 da Lei 23/200 e seria nulo atento o prescrito no nº3 da mesma disposição legal. Mais refere que a interpretação de que o contrato a termo seria convertível em contrato sem termo é inconstitucional atento o teor do acórdão do Tribunal Constitucional com o nº368/2000 de 11.7.2000 e o disposto no art.47ºnº2 da Constituição da República Portuguesa. Conclui, deste modo, pela sua absolvição da instância ou do pedido.
No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria.
Procedeu-se a julgamento tendo o Autor, no decurso da mesma declarado optar pela indemnização por antiguidade. Consignou-se a matéria dada como provada e não provada e foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar o Réu a reconhecer a existência de um contrato de trabalho nulo que manteve com o Autor de 4.3.2002 a 29.2.2008. Dos demais pedidos foi o Réu absolvido.
O Réu veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção totalmente improcedente, concluindo nos seguintes termos:
1. Não pode ser classificada como laboral a relação existente entre 1.3.2006 e 29.2.2008.
2. A relação existente entre Autor e Réu é um mero contrato de prestação de serviços na modalidade de tarefa.
3. Como tal, não pode o Réu ser condenado a reconhecer a existência de um contrato de trabalho nulo que, alegadamente, manteve com o Autor desde 4.3.2002 a 29.2.2008.
4. O único entendimento possível é aquele que aponta para a interpretação e aplicação errada dos arts.10º e 12º do C. do Trabalho.
5. A sentença recorrida entra em contradição ao afirmar que o clausulado não leva a concluir que as partes quiseram celebrar um contrato de trabalho por tempo indeterminado e por outro lado se o Autor “celebrou vários contratos com o demandado. Porém, nenhum deles era contrato de trabalho por tempo indeterminado”, a “actividade prestada pelo Autor ao Réu consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho”.
6. A sentença recorrida violou o art.17º do Decreto-Lei 41/84 de 3.2 ao interpretar como contrato de trabalho um contrato de prestação de serviços.
7. Violou ainda o art.12º do C. Civil ao aplicar ao contrato celebrado em 1.3.2006 as disposições do Decreto-Lei 271/2007 de 26.7 que somente entraram em vigor a 1.8.2007.
8. Em particular, violou o art.14º do Decreto-Lei 271/2007 e o art.5ºnº1 do C. Civil ao interpretar como aplicável o regime do contrato individual de trabalho como modalidade de relação jurídica de emprego previsto no art.6º da Lei 3/2004, quando somente após a entrada em vigor do Decreto-Lei 271/2007 é que era, no plano teórico, possível a celebração de contratos individuais de trabalho por parte do Réu.
9. A sentença recorrida interpreta erradamente o vertido nos artigos 6º e 34º da Lei 3/2004 de 15.1 ao interpretar uma mera possibilidade consagrada pelo legislador, como uma realidade legal e factual aplicável ao Réu.
O Autor veio também recorrer da sentença pedindo a sua revogação na parte em que absolveu o Réu devendo ser proferido acórdão que considere ilícita a cessação do contrato e condene o recorrido na indemnização por antiguidade, concluindo nos seguintes termos:
1. De acordo com o nº1 do art.34º da Lei 3/2004, os Institutos Públicos podem optar pelo regime de contrato individual de trabalho.
2. Diz o art.14º do Decreto-Lei 271/2007 que ao pessoal do recorrido se aplica o regime de contrato individual de trabalho.
3. O contrato celebrado com o recorrente em 2006 foi precedido de um processo de aquisição de serviços públicos.
4. Por força da Directiva 1999/70/CE do Conselho de 28.6.99 conjugada com o art.53º da Constituição da República Portuguesa deve ser permitida a conversão dos contratos em contrato sem termo ou por tempo indeterminado como “sanção” à violação daquele direito constitucional à segurança no emprego.
5. Havendo um contrato de trabalho entre as partes desde 4.3.2002 o mesmo não podia ter cessado em 29.2.2008 excepto ilicitamente porquanto era um contrato por tempo indeterminado.
6. Devendo ser o recorrido condenado, pela cessação do contrato que tinha com o recorrente, a indemnizar nos termos em que optou.
7. Errou, assim, a sentença recorrida na medida em que absolveu o recorrido por entender ser nulo o contrato de trabalho existente.
O Réu veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida na parte em que absolveu o Réu do pedido de indemnização por antiguidade, concluindo nos seguintes termos:
1. Apesar da consagração legal prevista no nº1 do art.34ºda Lei 3/2004 nunca o Réu teve a real e efectiva possibilidade de celebração de contratos individuais de trabalho.
2. No mesmo sentido aponta o DL271/2007 que só entrou em vigor em 1.8.2007.
3. Como tal não pode ser aplicado o art.14º do DL271/2007 a uma relação que se iniciou em momento anterior.
4. A contratação do Autor não foi precedida de um processo de recrutamento e selecção que possibilitou a candidatura de todos os eventuais interessados em condições de liberdade e de igualdade – art.47ºnº2 da CRP.
5. A Directiva 1999/70/CE deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que exclui, em caso de abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos por uma entidade patronal pública, que os referidos contratos se convertam em contratos ou relações de trabalho por tempo indeterminado, mesmo quando essa conversão está prevista para os contratos e relações de trabalho celebrados com uma entidade patronal privada.
O Autor veio também responder ao recurso apresentado pelo Réu reafirmando que a matéria provada permite concluir pela existência de um contrato de trabalho entre 2.3.2002 a 29.2.2008, e pedindo a improcedência do recurso.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido de as apelações improcederem.
Admitidos os recursos e corridos os vistos, o processo foi inscrito em tabela e adiado o julgamento por falta de vencimento.
Cumpre decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada e a ter em conta na decisão do presente recurso.
1. O C………. cujas atribuições constavam do DL 413/71 de 27.9 e DL 35/72 de 31.1, foi reformulado organicamente e viu, as suas responsabilidades actualizadas pelo DL 307/93 de 1.9.
2. Em 26.7 pelo DL271/2007 é publicada a Lei Orgânica do Réu que cria dois centros autónoma operacional e cientificamente, no Porto, que vêm substituir o D.……… e o E………. .
3. Em 27 de Julho é publicada a Portaria 812/2007 que aprovou os Estatutos do Réu.
4. O Réu é um Instituto Público com autonomia científica, técnica, administrativa, financeira e patrimonial.
5. Por força do art.14º do DL 271/2007 ao pessoal do C1………., IP aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho.
6. O Autor em 17.1.2000 foi trabalhar para os serviços de então do Réu ao abrigo do Programa Ocupacional de Emprego e Formação Profissional, tendo finalizado a 25.7.2000, conforme documento de fls.10.
7. No entanto continuou a trabalhar de 26.7.2000 a 14.8.2000, tendo por essas funções sido pago, conforme documento de fls.11.
8. A partir de 4.3.2002 o Autor reiniciou função na Ré mediante contrato de trabalho a termo de seis meses, conforme documento de fls.12 e 13, que o Réu fez caducar na data prevista de 3.9.2002, conforme documento de fls.14.
9. Apesar desta caducidade o Autor continuou a prestar função ao Réu, sem qualquer interrupção até 23.3.3003.
10. Em 23.3.2003, para continuar a exercer as suas funções, celebrou um contrato de tarefa de 24 meses que se prolongou até 23.3.2005, conforme documento de fls. 15 a 17.
11. Foi assim que em 2.6.2005 para poder continuar a prestar as suas funções celebrou com uma empresa de trabalho temporário (G………., Lda.) um contrato para ir prestar funções de limpeza no Réu, conforme documento de fls.18.
12. Este contrato terminou em 28.2.2006 sem que o Autor alguma vez tenha conhecido aquela empresa com ela contactado, limitando-se a assinar os papéis que lhe foram apresentados, sem que alguma vez tenha exercido qualquer função de limpeza no Réu.
13. Em 1.3.2006 celebrou mais um contrato de tarefa com o Réu, conforme documento de fls.19 a 21 pelo prazo de dois anos.
14. Recebeu uma carta do Réu fazendo cessar o referido contrato para 29.2.2008 apenas pelo mesmo não poder exceder o prazo contratualizado, e não por ter cessado a tarefa ou mais precisarem do Autor, conforme documento de fls.22.
15. Independentemente do tipo de contrato assinado, sempre o Autor desempenhou as mesmas funções administrativas iguais às que os demais trabalhadores da secção normalmente, fosse qual fosse o vínculo que tinham ao Réu.
16. Procedia ao registo diário dos produtos recebidos no laboratório de tuberculose; preenchia os boletins dos resultados das análises realizadas nos laboratórios; registava nos registos diários estes resultados e arquivava-os; após a recepção dos boletins conferidos e validados pelo responsável, enviava-os por via correio para as entidades requisitantes; procedia à elaboração informática de boletins que se demonstrassem necessários, etiquetas, folhas de trabalho (tabelas); atendimentos telefónico; tratava das notas internas, informativas que lhe eram solicitadas; procedia à estatística e relatório de actividades do laboratório.
17. Sempre desempenhou estas funções no horário das 9 às 16 horas com meia hora de almoço, de 2ª a 6ªfeira, qualquer que fosse o tipo de vínculo.
18. Sempre desempenhou as suas funções nas instalações do Réu primeiro no ………. e depois na Rua ………., ambos no Porto.
19. Todos os instrumentos de trabalho e meios utilizados eram propriedade do Réu.
20. Gozava os feriados, férias, as tolerâncias de ponto, uma folga mensal, como qualquer outro funcionário do Réu.
21. Toda a determinação do serviço e sua fiscalização sempre foi feita pela mesma pessoa, Dra. F………. .
22. Por esse trabalho remunerava o Réu mensalmente à razão de € 815,00 ilíquidos mensais.
23. A função desempenhada pelo Autor e determinada pelo Réu eram de carácter permanente e constante, tendo este dela necessidade para a prossecução da sua finalidade.
24. O C………., IP (C1………., IP) já há mais de 50 anos que possui uma delegação no Porto.
25. Entre o Autor e Réu foi celebrado o acordo de fls.19 a 21.
26. A celebração desse contrato de tarefa foi precedida de um processo de aquisição de serviços.
Os pontos 1 a 5 supra referidos a itálico contêm apenas e tão só matéria de direito. O ponto 14 é em parte conclusivo, na parte que se deixou assinalado a itálico. O ponto 23 é igualmente conclusivo. Assim, ao abrigo do art.646ºnº4 do C. P. Civil consideram-se não escritos os pontos 1 a 5, parte do ponto 14, e o ponto 23. Elimina-se o ponto 25 por o mesmo ser a repetição do referido no ponto 13.
No ponto 14 faz-se referência a uma carta cujo teor importa aqui transcrever, aditando-se à matéria de facto o seguinte:
27. O Réu remeteu ao Autor carta onde lhe comunicava que “A 1 de Março de 2006 foi celebrado entre este Instituto Público e V. Exa. um contrato de prestação de serviços na modalidade de tarefa pelo período de 24 (vinte e quatro) meses. De acordo com o nº1 do art.17º do DL 41/84 de 3.2, o contrato de prestação de serviços na modalidade de tarefa não poderá exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido. Face ao exposto, cumpre informar que o contrato de prestação de serviços celebrado terá o seu termo, impreterivelmente, no próximo dia 29 de Fevereiro de 2008”.
* * *
III
Apelação do Réu – Questões a apreciar.
1. Inexistência de um contrato de trabalho.
2. Da contradição dos fundamentos da decisão.
3. Se a sentença aplicou indevidamente as disposições do DL271/2007 de 26.7.
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IV
Inexistência de um contrato de trabalho.
O apelante começa por dizer que a relação existente entre 1.3.2006 e 29.2.2008 não pode ser classificada como laboral, para mais adiante concluir que não pode ser condenado a reconhecer a existência de um contrato de trabalho nulo entre 4.3.2002 e 29.2.2008.
Fica-nos a dúvida se o apelante apenas põe em causa o período de tempo a que se reporta o contrato de tarefa celebrado a 1.3.2006. No entanto, do teor das suas conclusões resulta, a nosso ver, que o apelante defende a inexistência de um contrato de trabalho no período temporal “coberto” pelos dois contratos de tarefa. Por isso, será dentro deste enquadramento que se irá apreciar a questão.
Decorre da matéria provada que o Réu celebrou com o Autor dois contratos, um em 23.3.2003 e outro em 1.3.2006, que apelidou de “contrato de tarefa”.
Na data da celebração dos contratos acabados de referir encontrava-se em vigor o art.17º do DL41/84 de 3.2, o DL427/89 de 7.12 e o DL23/2004 de 22.6, este último apenas no que se refere ao contrato de 1.3.2006.
Prescreve o art.17ºnº1 do DL41/84 de 3.2 que “para a execução de trabalhos de carácter excepcional sem subordinação hierárquica poderão ser celebrados contratos de prestação de serviços sujeito aos regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços, não podendo em caso algum exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido”. E diz-se no nº2 do mesmo preceito que “o contrato de tarefa caracteriza-se por ter como objecto a execução de trabalhos específicos sem subordinação hierárquica, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto da tarefa”.
Resulta da matéria de facto dada como provada que o Autor executou ao longo do tempo que trabalhou para o Réu tarefas sempre sujeito a um horário de trabalho e cumprindo ordens, ou seja, o Autor esteve sempre vinculado ao Réu por um contrato de trabalho.
Por isso, improcede a pretensão do apelante no sentido da existência de um contrato de tarefa.
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V
Da contradição dos fundamentos da decisão.
O apelante defende que a sentença recorrida entra em contradição ao afirmar que “o clausulado não leva a concluir que as partes quiseram celebrar um contrato de trabalho por tempo indeterminado e por outro lado se o Autor “celebrou vários contratos com o demandado. Porém, nenhum deles era contrato de trabalho por tempo indeterminado”, “a actividade prestada pelo Autor ao Réu consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho”.
Salvo o devido respeito, inexiste a referida contradição. Na verdade, na sentença concluiu-se pela existência de um contrato de trabalho para depois se analisar se esse contrato de trabalho seria por tempo indeterminado ou a termo certo aí se referindo “na verdade, se atentarmos apenas ao teor dos contratos, nomeadamente o que foi celebrado em 1 de Março de 2006, verificamos que o clausulado não nos leva a concluir que as partes quiseram celebrar um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Antes pelo contrário, negam tal finalidade, por um lado, e, pelo outro, estabelecem um prazo de dois anos, o que contraria a indeterminabilidade no tempo”.
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VI
Se a sentença aplicou indevidamente as disposições do DL271/2007 de 26.7.
O apelante refere que o Mmo. Juiz a quo aplicou ao contrato celebrado em 1.3.2006 as disposições do DL271/2007 de 26.7, quando este diploma apenas entrou em vigor a 1.8.2007. Mais defende que não é aplicável ao caso o art.6º da Lei3/2004 por só após a entrada em vigor do DL271/2007 ser possível a celebração de contrato individual de trabalho por parte do Réu. Vejamos então.
Continuamos a analisar a questão tendo em conta apenas os contratos de tarefa celebrados em 23.3.3003 e 1.3.2006 na medida em que só a estes o Réu se refere.
Neste particular cumpre referir o seguinte.
O C1………, cujas atribuições constavam do DL413/71 de 27.9 e do DL35/72 de 31.1, foi reformulado organicamente pelo DL307/93 de 1.9, aí sendo definido como uma pessoa colectiva pública dotada de autonomia técnica, administrativa e financeira, sob a tutela do Ministro da Saúde (art.1ºnº1).
Com o DL271/2007 de 26.7 o C1………. é profundamente reformulado na sua orgânica e é definido como um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia científica, técnica, administrativa e financeira e património próprio (art.1ºnº1). Tal DL entrou em vigor em 1.8.2007 (art.23º).
Temos, deste modo, dois momentos temporais na vida jurídica do Réu: aquele que existiu até 1.8.2007 e o outro, a partir desta data.
Até 1.8.2007 o Réu era uma pessoa colectiva pública sujeita, em termos de relação jurídica de emprego, e na data do contrato celebrado em 23.3.2003, ao regime previsto no DL427/89 de 7.12. Já no que respeita ao contrato celebrado em 1.3.2006 estava o Réu obrigado a observar o disposto na Lei 23/2004 de 22.6.
Aliás, já anteriormente – em 4.3.2002 – o Réu recorreu à celebração de contrato a termo certo ao abrigo do art.18ºnº2 do DL427/89.
Por isso, e salvo o devido respeito, parece-nos de nenhuma relevância para o caso a invocação na sentença recorrida do regime previsto no DL271/2007 de 26.7 relativamente ao Réu, na medida em que os contratos que celebrou com o Autor reportam-se a momento anterior ao início de vigência do mesmo diploma e as relações jurídicas de emprego estavam definidas pelos diplomas que deixamos supra referidos.
E a conclusão a que se chegou – de que o DL271/2007 não é aplicável aos contratos celebrados em 23.3.2003 e 1.3.2006 – não retira a classificação jurídica da existência de um contrato de trabalho, conforme já defendemos atrás.
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VII
Apelação do Autor – Questões a apreciar.
1. Da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e da aplicação da Directiva 1999/70/CE.
2. Do despedimento ilícito.
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VIII
Da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e da aplicação da Directiva 1999/70/CE.
Na sentença recorrida concluiu-se pela existência de um contrato de trabalho, mas atendendo ao teor do texto desses contratos o Mmo. Juiz a quo entendeu que as partes não quiseram celebrar um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
O Autor defende a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e a aplicação da Directiva 1999/70/CE. Vejamos então.
Segunda a factualidade provada o Autor iniciou a sua actividade para o Réu vinculado a um contrato de trabalho a termo certo ao abrigo do art.18ºnº2al.d) do DL427/89 de 7.12 (“aumento excepcional e temporário da actividade do serviço”). Este contrato caducou em 2.9.2002 mas o Autor continuou ao serviço do Réu até 23.3.2003. Nesta data celebrou com o Réu um contrato a termo certo, pelo período de dois anos (de 23.3.2003 a 23.3.2005), a que o demandado apelidou de contrato de tarefa. Entre 23.3.2005 e 1.3.2006 o Autor continuou a exercer para o Réu as mesmas funções até que em 1.3.2006 celebrou novo contrato de trabalho a termo certo, pelo período de dois anos (de 1.3.2006 a 29.2.2008), a que o Réu voltou a chamar de contrato de tarefa.
Face ao acabado de referir podemos concluir que no caso se verifica a celebração sucessiva de contratos a termo certo num período que vai de 4.3.2002 a 29.2.2008 com espaços temporais em que o Autor trabalhou para o Réu sem qualquer contrato escrito (de 3.9.2002 a 23.3.2003 e de 23.3.2005 a 1.3.2006). E também se verifica o recurso abusivo a tal forma de contratação para suprir necessidades permanentes e diárias próprias da actividade do Réu (nºs.15 a 17 da matéria provada).
Tais contratos de trabalho a termo certo (que o Réu chamou a dois deles de contratos de tarefa), não obedeceram ao disposto no art.18ºnº2 do DL 427/89 de 7.12 e 131ºnº1al.e) e nº3 do C. do Trabalho de 2003, ex vi art.2º da Lei 23/2004 de 22.6. Por sua vez no contrato de trabalho a termo celebrado em 4.3.2002 o motivo da sua celebração inexiste na medida em que no mesmo apenas se reproduziu o que consta do art.21ºnº5 do DL427/89 (“os contratos de trabalho a termo certo consideram-se sempre celebrados por urgente conveniência de serviço”).
Tudo isto para dizer que o termo apostos nos contratos a termo celebrados com o Autor são nulos face ao disposto nos arts.14ºnº1al.b) e nº3, 18ºnº2 do DL427/89 de 7.12, 131ºnº1al.e) e nº3 do C. do Trabalho de 2003 ex vi art.2º da Lei 23/2004.
E quais as consequências da nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho?
Será que a sanção jurídica a aplicar às indicadas irregularidades será a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo?
O art.18º nº4 do DL 427/89 de 7.12 prescreve que “o contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo”. Neste sentido é também a Lei 23/2004 de 22.6 (art.10º nº2).
Então, teríamos aqui a resposta: independentemente dos vícios que atingem os referidos contratos a termo eles nunca se converterão em contratos sem termo.
Mas a resposta terá de ser outra bem diferente como vamos de seguida expor.
Conforme decorre do art.2ºal.n) da Lei Preambular ao Código do Trabalho “Com a aprovação do Contrato de Trabalho é efectuada a transposição, parcial ou total, das seguintes directivas comunitárias: Directiva nº1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo”.
No referido Acordo-Quadro, preâmbulo do Anexo, consta o seguinte: (…) “as partes signatárias deste acordo reconhecem que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores”, determinando, no Anexo, o seu art.1º que “O objectivo do presente acordo-quadro consiste em a) melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação; b) estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo”. Por sua vez o art.2º nº1 refere que “o presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado-Membro”, e o art.5º “para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei”(…) “deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas: a) razões objectivas que justifiquem a renovação dos supra mencionados contratos ou relações laborais; b) duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo; c) número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo” (nº1); “Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais” (…) “deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados: a) como sucessivos; b) como celebrados sem termo” (nº2).
Do acabado de transcrever podemos concluir que as medidas de prevenção do recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo são aplicáveis quer às relações de trabalho estabelecidas no sector público quer às relações estabelecidas no sector privado.
Neste sentido é a posição de Susana Sousa Machado em “Contrato de Trabalho a Termo – A Transposição da Directiva 1999/70/CE para o Ordenamento Jurídico Português: (In)compatibilidades”, página 299.
E se na referida Directiva não se fez qualquer distinção quanto à natureza pública ou privada do empregador, certo é que o nosso legislador ordinário acabou por fazer essa distinção – primeiramente no art.18º nº4 do DL 427/89 de 7.12 (na redacção dada pelo DL 218/98 de 17.7) e posteriormente no art.10º nº2 da Lei 23/2004 de 22.6 -, ao determinar que verificados certos pressupostos, se o empregador for público o contrato a termo não se converte em contrato sem termo, mas se o empregador for privado então a conversão (baseada nos mesmos pressupostos) já ocorre.
E porquê esta distinção?
O Tribunal Constitucional decidiu que essa distinção se justifica sob pena de violação do disposto no art.47º nº2 da C.R. Portuguesa (acórdão 368/00, com força obrigatória geral, publicado no DR 1ª-A série, nº277, de 30.11.2000, contendo seis votos de vencimento).
Mas, e salvo o devido e muito respeito, não parece que assim seja.
Na verdade, e neste particular acompanhámos as considerações de Francisco Liberal Fernandes quando refere que o princípio da igualdade de acesso à função pública consagrado no art.47º nº2 da C.R.P., “não é aplicável aos contratos a termo celebrados pela Administração, mas apenas às relações de serviço constituídas através de nomeação ou de contrato administrativo de provimento” (Questões Laborais, 2002, nº19, pg.80/81).
Aliás, quando no art.47º nº2 da C.R.P. se fala que todos têm direito de acesso à função pública “em condições de igualdade e liberdade, em regra, por via de concurso”, tal não significa que a única via de acesso seja o concurso (nosso sublinhado).
Também Susana Sousa Machado sustenta que a “argumentação do Tribunal Constitucional poderá começar a perder progressivamente as suas bases de sustentação” por se estar perante situação em que “o trabalhador não iria aceder à modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por nomeação mas tão só a um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado” – obra citada, páginas 317 e 318.
Por isso, e tendo em conta os princípios estabelecidos na Directiva 1999/70/CE, está o Estado Português obrigado a definir medidas concretas que punam o recurso sucessivo à celebração de contratos de trabalho a termo, quer na Administração Pública quer no Sector Privado, sendo certo que a distinção a que atrás nos referimos viola claramente o direito à segurança no emprego previsto no art.53º da C.R.P.
E o direito à segurança no emprego não se satisfaz com a criação de uma compensação pecuniária devida ao trabalhador pela falsa expectativa de emprego permanente que de algum modo a contratação “sucessiva” criou no seu espírito e na sua vida pessoal e familiar -, e que a Directiva teve em conta igualmente no seu preâmbulo.
Neste particular são oportunas e pertinentes as considerações feitas por Susana Sousa Machado, considerações que acompanhamos na íntegra e que aqui se deixam transcritas: (…) “Sucede que, segundo acreditamos, Portugal tem uma legislação que não está em condições de prevenir eficazmente a utilização abusiva de contratos a termo quando se trata de uma entidade empregadora pública e, dessa forma, não garante o efeito útil da norma comunitária. A verdade é que, prevenir e compensar são realidades bem diferentes. Ora, assim sendo, parece-nos que o regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas”, e também o DL427/89 de 7.12 e a Lei 23/2004 de 22.6, dizemos nós, “não procura acautelar ou impedir a celebração de sucessivos contratos a termo, o que é manifestamente contrário ao art.5º do acordo quadro, cujo objectivo é prevenir a utilização abusiva desses contratos. Julgamos, outrossim, que a medida consagrada no nosso ordenamento jurídico, a jusante da prevenção, se insere unicamente numa lógica de compensação”(…) “haverá, portanto, uma certa monetarização da utilização abusiva de contratos a termo sucessivos por uma entidade empregadora do sector público. Restará, então, ao sector público celebrar sucessivos contratos a termo com o mesmo trabalhador e para o mesmo posto de trabalho, para satisfação de necessidades permanentes, e esperar que o trabalhador, coagido pela necessidade de ter um emprego (ainda que precário), não invoque a responsabilidade civil do dirigente máximo do órgão que celebrou o contrato de trabalho” – obra citada página 324.
Em conclusão: quer o DL 427/89 de 7.12, quer a Lei 23/04 de 22.6 não consagram medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo, e como tal não cumprem os objectivos impostos pela Directiva.
Basta ler o preâmbulo do DL 218/98 de 17.7 (que alterou o DL 427/89 de 7.12), para concluirmos que o legislador conhece perfeitamente a realidade da contratação de trabalhadores por contrato de trabalho a termo certo, e o uso e abuso que se fez, (e faz) desses contratos para satisfazer necessidades permanentes dos serviços. E não obstante tal conhecimento, o legislador não foi capaz (por razões que aqui e agora não interessam averiguar) de “travar” esse abuso (como aliás soube perfeitamente fazer no sector privado), adoptando medidas concretas de protecção para esses trabalhadores, no caso de violação das regras que determinaram a contratação a termo.
Assim sendo, e no seguimento da posição que a aqui relatora e 1ºadjunto defenderam no processo 2929/2007 – e que aqui se seguiu de perto -, podemos concluir ser abusivo o recurso ao disposto no artigo 18º nº4 do DL 427/89 de 7.12 e no artigo 10º nº2 da Lei 23/2004 de 22.6 quando, como no caso da presente acção, os contratos de trabalho a termo do Autor perduraram num período que vai de 4.3.2002 a 19.2.2008 em virtude da sua sucessiva celebração.
Tal comportamento do Réu só pode significar – segundo as regras da experiência – que ele usou a contratação a termo certo para suprir carências que não são nem nunca foram esporádicas.
E como já anteriormente afirmámos que nos citados diplomas não se previu a protecção dos trabalhadores para situações como as descritas (ao contrário do que acontece no sector privado), em clara violação dos objectivos impostos pela Directiva, terá esta de prevalecer sobre o disposto nos arts. 18º nº4 do DL 427/89 de 7.12 e 10º nº2 da Lei 23/04 de 22.6.
Face à posição aqui descrita os contratos a termo celebrados entre Autor e Réu consideram-se sem termo atento o disposto nos artigos 14ºnº2 do DL427/89 de 7.12, 131ºnº4 do C. do Trabalho ex vi art.2ºnº1 da Lei 23/2004 de 22.6.
* * *
IX
Do despedimento ilícito.
E sendo o contrato de trabalho sem termo, a declaração de caducidade operada pelo Réu em 29.2.2008 traduz um despedimento ilícito, atento o disposto no art.429ºal.a) do C. do Trabalho de 2003.
Em audiência o Autor declarou optar pela indemnização de antiguidade.
Nos termos do art.439º do C. do Trabalho “em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao Tribunal fixar o montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no art.429º”.
No caso dos autos, e tendo em conta que o despedimento ilícito decorre apenas e tão só da diferente interpretação a que se chegou quanto aos princípios e normas aplicáveis ao caso, apenas há que considerar, para efeitos do cálculo da referida indemnização, o montante do salário base auferido pelo Autor e que à data do despedimento era superior à retribuição mínima mensal.
Assim, entendemos que a indemnização deve ser fixada em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, e é devida até ao trânsito em julgado do presente acórdão – nº2 do art.439º do C. do Trabalho.
Atento o disposto no art.437º do C. do Trabalho de 2003 o Autor tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde 30.6.2008 (nº4 do citado artigo) e até ao trânsito em julgado do presente acórdão.
Quer a indemnização quer as retribuições deverão ser liquidadas posteriormente, já que este Tribunal não possui elementos no sentido de saber qual o vencimento do Autor a partir daquela data e até ao presente.
* * *
Termos em que
1. Se julga a apelação do Réu improcedente.
2. Se julga a apelação do Autor procedente e em consequência
A. Se declara que entre Autor e Réu vigorou um contrato de trabalho sem termo com início em 4.3.2002 e cujo termo ocorreu em 29.2.2008.
B. Se declara ilícita a cessação do referido contrato por configurar um despedimento ilícito e em consequência
C. Se condena o Réu a pagar ao Autor a) a indemnização a que alude o art.439º do C. do Trabalho, a liquidar oportunamente; b) as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 30.6.2008 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, a liquidar oportunamente.
* * *
Custas da acção e da apelação a cargo do Réu.
* * *

Porto, 9.11.2009
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
José Carlos Dinis Machado da Silva (vencido conforme declaração que anexo)

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Declaração de vencimento:

Desde logo, a nossa discordância com a tese vencedora começa na matéria de facto.
Para além das alterações efectuadas, considerava também conclusivos os pontos nºs 11 e 12, por traduzirem matéria conclusiva, nos termos do art. 646º, nº 4, do CPC.
+++
No tocante ao mérito de cada recurso, a tese que não logrou vencimento assentava na seguinte fundamentação:
«As questões suscitadas nos recursos são:
- Apelação do Réu:
Inexistência de contrato de trabalho;
- Apelação do autor:
- validade do contrato de trabalho;
- despedimento ilícito.
+++
3.1. Inexistência de contrato de trabalho.
No caso vertente, tal como resulta das conclusões do R./recorrente, está em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre o autor e o réu, desde 1 de Março de 2006 a 29 de Fevereiro de 2008, portanto, constituída depois da entrada em vigor do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8), e que cessou muito antes da publicação da Lei nº 7/09, de 12.02 (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), pelo que tem aqui inteira aplicação o regime definido no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/03, de 27.08, atento o disposto nos arts. 3º, nº 1, e 8º, nº 1, 1ª parte, desta última Lei, e no art. 7º, nº 1, da Lei nº 7/09.
Tal como dispõe o art. 10º do CT “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”.
Por seu turno, o contrato de prestação de serviço "é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição" (art. 1154º do CC).
Como é sabido, a delimitação do contrato de trabalho relativamente ao de prestação de serviços tem, como elemento decisivo, a subordinação jurídica.
Esta subordinação jurídica traduz-se numa "relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem" (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª edição, págs. 131 e 139, e, no mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, pags. 15-17).
Para aferir da existência desse estado de subordinação do trabalhador, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram um método tipológico de qualificação que passa pela identificação de factores, que, na sua globalidade, sejam susceptíveis de o revelar: são os denominados indícios de subordinação jurídica – cf. Maria do Rosário Ramalho, ob. cit., pags 33-34.
Entre eles são apontados os seguintes:
- vinculação a horário de trabalho;
- prestação da actividade em local definido pelo empregador;
- retribuição em função do tempo;
- utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo empregador;
- reconhecimento do direito a férias, subsídios de férias, e de Natal;
- inserção na organização produtiva.
Como indícios externos, apontam-se: o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização.
Identificando-se com os indícios a que a doutrina e a jurisprudência normalmente recorriam para a qualificação como contrato de trabalho, o CT estabeleceu no art. 12º (na versão introduzida pela Lei nº 9/2006, de 20.03) a seguinte presunção:
«Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição».
O sentido útil desta norma, tal como referido na doutrina e jurisprudência – cf. Romano Martinez, in Código do Trabalho Anotado, Almedina, 5ª edição, pag. 103 –, parece residir apenas na identificação legal de indícios para a existência de subordinação jurídica.
No caso em apreço, e interessante a esta questão, está provado:
- Em 01Mar.06 celebrou o A. um contrato de tarefa com o R., denominado de tarefa dele constando, entre outras as seguintes cláusulas:
Cláusula Primeira
(Objecto do contrato)
O Primeiro e o Segundo Outorgantes acordam entre si celebrar o presente contrato de tarefa, que tem como objecto a prestação sucessiva pelo Segundo Outorgante, dos serviços de tratamento de dados, que lhe forem solicitados pelo Primeiro Outorgante.
Cláusula Segunda
(Prazo)
O presente contrato vigora durante um período de 24 (vinte e quatro) meses.
Cláusula Terceira
(Remuneração)
O Primeiro Outorgante compromete-se a pagar mensalmente ao Segundo Outorgante, pelos serviços objecto deste contrato, a quantia de 815 €.
Cláusula Quarta
(Pagamento)
O pagamento da remuneração mensal estabelecida na cláusula anterior será efectuado de acordo com as disposições legais que regulamentam a realização e processamento de despesas nos Serviços da Administração Pública, até ao último dia do mês a que corresponda, contra apresentação de recibo.
Cláusula Quinta
(Local)
Os serviços objecto deste contrato serão prestados pelo Segundo Outorgante no seu domicílio profissional, nas instalações da Delegação do Porto do Primeiro Outorgante ou em qualquer outro local por este indicado, sempre que para tal seja solicitado.
Cláusula Sexta
(Situação Jurídica)
O presente contrato não confere ao Segundo Outorgante a qualidade de funcionário ou agente, não ficando este sujeito a subordinação hierárquica, nem ao regime legal da Função Pública».
- O A. recebeu uma carta do R. com o seguinte teor:
A 1 de Março de 2006 foi celebrado entre este Instituto Público e V. Exª um contrato de prestação de serviços, na modalidade de tarefa pelo período de 24 meses.
De acordo com o nº 1 do art. 17º do Decreto-Lei nº 41/84, de 3 de Fevereiro, o contrato de prestação de serviços na modalidade de tarefa não poderá exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido.
Face ao exposto, cumpre informar que o contrato de prestação de serviços celebrado terá o seu termo, impreterivelmente, no próximo dia 29 de Fevereiro de 2008.
- O A. procedia ao registo diário dos produtos recebidos no laboratório de tuberculose;
- preenchia os boletins dos resultados das análises realizadas nos laboratórios;
- registava nos registos diários estes resultados e arquivava-os;
- após a recepção dos boletins conferidos e validados pelo responsável, enviava-os por via correio para as entidades requisitantes;
- procedia à elaboração informática de boletins que se demonstrassem necessários, etiquetas, folhas de trabalho (tabelas), etc.
- atendimento telefónico;
- tratava das notas internas, informativas que lhe eram solicitadas:
- procedia à estatística e relatório de actividades do laboratório.
- Sempre desempenhou estas funções no horário das 9 h às 16 horas com meia hora de almoço, de 2ª a 6ª feira, qualquer que fosse o tipo de vínculo.
- Sempre desempenhou as suas funções nas instalações do R., primeiro no ………. e depois na Rua ………., ambos no Porto.
- Todos os instrumentos de trabalho e meios utilizados eram propriedade do R.
- Gozava os feriados, férias, as tolerâncias de ponto, uma folga mensal, como qualquer outro funcionário do R.
- Toda a determinação do serviço e sua fiscalização sempre foi feita pela mesma pessoa, Dra. F………. .
- Por esse trabalho remunerava o R. mensalmente à razão de € 815,00 (oitocentos e quinze euros) ilíquidos mensais.
Ora, de toda esta factualidade resulta, com clareza, que o autor exercia as suas funções administrativas, cumprindo um horário, prestando a sua actividade nas instalações do Réu, com instrumentos fornecidos por este, não só integrado na organização e estrutura da instituição, como sob as sua ordens e direcção, já que toda a determinação do serviço e sua fiscalização sempre foi feita pela mesma pessoa, Dra. F………. e pela prestação do seu trabalho, o autor auferia uma retribuição mensal fixa.
É certo que se provou igualmente que o A. assinou um contrato denominado como contrato de tarefa.
Tal contrato de tarefa, na data da sua celebração, estava regulado pelo DL nº 41/84, de 03.02, cujo art. 17º, nº 1, apenas permitia a sua celebração, quando estivesse em causa a execução de trabalhos de carácter excepcional e sem subordinação hierárquica.
No entanto, resulta com toda a evidência dos factos assentes que o Autor, contrariamente ao previsto no art. 17º, nºs 1 e 2, do DL nº 41/84, não só não tinha qualquer autonomia técnico-jurídica ou discricionária, encontrando-se sujeito a um horário de trabalho, que deveria ser cumprido nas próprias instalações do Réu, como executava trabalhos administrativos, destinados a satisfazer necessidades permanentes do Réu.
Entendemos, assim, que o Autor não actuava como tarefeiro ou prestador de serviços, mas antes como um trabalhador subordinado.
Concluindo:
Sendo a situação em apreço típica das dificuldades de delimitação da subordinação do trabalhador, entendemos, tal como decidido na 1ª instância, que a apreciação global dos indícios que emergem da relação contratual em apreço conduz à conclusão de que a mesma se caracteriza como contrato de trabalho subordinado, desde 1 de Março de 2006 a 29 de Fevereiro de 2008.
Importa, no entanto, registar um lapso na parte decisória da sentença, pois aí se reconheceu a existência de um contrato de trabalho celebrado entre o A. e o R., no tocante ao período de 04.03.2002 a 29.02.2008, o que é contraditório com a anterior fundamentação da mesma sentença, onde se qualificou a relação jurídica existente entre as partes como um contrato de trabalho, desde 04.03.2002 até 23.03.2005 e de 02.06.2006 até 29.02.2008.
Tal fundamentação correspondia, aliás, à comprovada ausência de elementos factuais para afirmar a existência de um contrato de trabalho entre o A. e o R., no período de 23.03.2005 a 02.06.2006.
Procedem, pois, nesta parte, as conclusões do Réu, ora recorrente.
+++
3.2. Validade do contrato de trabalho.
Para a solução desta questão importa começar por introduzir algumas considerações básicas acerca da natureza e regime do Réu.
Seguidamente, será enunciado o regime jurídico pertinente à celebração do contrato de trabalho em causa.
+++
O C1……… cujas atribuições constavam do DL nº 413/71, de 27 de Setembro, e DL nº 35/72, de 31 de Janeiro, foi reformulado organicamente pelo DL nº 307/93, de 01 de Setembro, aí sendo definido – art. 1º, nº 1 – como uma pessoa colectiva pública dotada de autonomia técnica, administrativa e financeira, sob a tutela do Ministro da Saúde.
Com o DL nº 271/2007, de 26 de Julho, entrado em vigor no dia 01.08.2007, nos termos do seu art. 23º, o C1………. é profundamente reformulado na sua orgânica, através da criação, no Porto, de 2 centros dotados de autonomia operacional e científica: o D………. e o E………. .
Com o DL nº 271/2007 – art. 1º, nº 1 – o C1………., aliás, na sequência da Lei nº 3/2004, de 15.01 – lei quadro dos institutos públicos – e do DL nº 212/2006, de 21.09, é definido como um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia científica, técnica, administrativa e financeira e património próprio
Até ao DL nº 271/07, ao Réu, como pessoa colectiva pública, era aplicável, a Lei nº 23/04, de 22.06 – que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, tendo entrado em vigor em 22.07.04, nos termos do art. 31º.
A Lei nº 23/04 veio definir o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas (art. 1º, nº 1).
Assim:
- Art. 2º, nº 1: “Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação com as especificidades constantes da presente lei”.
- Art. 5º: define-se a obrigatoriedade de sujeição da contratação a um processo prévio de selecção subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos.
- Art. 8º:
«1- Os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas estão sujeitos à forma escrita.
2- Do contrato de trabalho devem constar as seguintes indicações:
a) Nome ou denominação e domicílio ou sede dos contraentes;
b) Tipo de contrato e respectivo prazo, quando aplicável;
c) Actividade contratada e retribuição do trabalhador;
[...]
3- A não redução a escrito ou a falta das indicações constantes das alíneas a), b) e c) do número anterior determinam a nulidade do contrato.»
- No art. 9º, para além do mais que dele consta, definem-se as situações em que é lícita a contratação a termo resolutivo e determina-se a sujeição da contratação a um processo de selecção simplificado, precedido de publicitação da oferta e de decisão reduzida a escrito e fundamentada em critérios objectivos de selecção.
- Art. 10º, sob a epígrafe “Regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo”:
«1- O contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática.
2- O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho.
3- A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho».
Entretanto, o art. 14º, nº 1, do DL 271/07, que entrou em vigor no dia 01.08.07, dispõe que:
“Ao pessoal do C1………., IP, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho”.
Do referido conclui-se que, no período que decorreu entre 01.03.2006 e 29.02.2008, a contratação do A. pelo Réu estava sujeita ao regime constante da Lei nº 23/04, no âmbito do qual era possível a contratação sem termo ou a termo resolutivo, nos termos e condições supra referidas.
Ora, como supra exposto, apesar de lhe ter sido atribuído um outro nomen juris, o certo é que o contrato celebrado entre o A. e o Réu deve ser qualificado como um contrato de trabalho, passando a reger-se pelas normas do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou contrato de trabalho a termo certo previstas na citada Lei nº 23/04.
No caso, ao contrato celebrado pelas partes foi aposto um termo certo, ou seja, estipulou-se a sua duração por 24 meses, a contar de 01.03.2006, pelo que a relação jurídica em causa deve ser qualificada como contrato de trabalho a termo certo.
Tal contrato, como resulta dos preceitos supra citados, concretamente os arts. 9º e 10º, nºs 2 e 3, da Lei nº 23/04, é nulo, visto que estas disposições prescrevem expressamente as condições de celebração de contratos a termo, sendo certo que não consta do acordo outorgado entre A. e R. qualquer referência a situação subsumível numa das alíneas do nº 1 do art. 9º.
Esta nulidade, apesar de não invocada pelas partes, foi declarada oficiosamente pela 1ª instância, que assim se acompanha, nos termos dos normativos citados e, ainda, dos arts. 286º e 294º do CC.
Resulta deste regime, que contrariamente ao estabelecido no CT – em que a celebração de contratos a termo fora dos casos nele previstos ou sem obediência à forma ali prescrita, tem como efeito a sua conversão em contratos sem termo (cf. arts. 130º, nº 1, 131º, nº 4, 132º, nº 3, e 141º, nº 4) – no caso de inobservância dos preceitos relativos à celebração dos contratos a termo com pessoas colectivas públicas, a consequência será a nulidade do contrato, produzindo este efeitos como se válido fosse em relação ao tempo em que esteve em execução – art. 115º, nº 1, do CT.
Invoca, no entanto, o A./recorrente a necessidade de aplicação da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, respeitante ao Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, conjugada com o art. 53° da CRP, para sustentar a conversão do contrato em contrato sem termo.
Uma nota prévia para sublinhar o seguinte:
Nos termos do art. 1º, al. b), do Anexo ao referido Acordo-Quadro, constitui objectivo do mesmo “Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo”.
Por sua vez, dispõe o art. 5º, sob a epígrafe “Disposições para evitar os abusos” que:
“1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei” (…) “deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:
a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supra mencionados contratos ou relações laborais;
b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;
c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.
2. Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais (…) deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:
a) como sucessivos;
b) como celebrados sem termo”.
É, pois, indiscutível que constitui propósito da citada Directiva evitar o abuso decorrente da sucessiva contratação a termo, privilegiando a contratação sem termo como forma normal de constituição da relação jurídico laboral, e contribuir para a qualidade de vida dos trabalhadores e melhoria do seu desempenho (cf. ainda nº 6 das considerações gerais do Anexo ao Acordo-Quadro).
Dito isto, importa recordar que, na petição, o A. se limitou a alegar que, desde 04.03.02 até 29.02.08, entre ele e o R. existia um contrato de trabalho por tempo indeterminado, nada alegando no tocante ao eventual abuso pelo R., decorrente de sucessiva contratação a termo.
Por isso não se estranha que a sentença recorrida também não tivesse dedicado à matéria a menor referência.
Nem se diga que estamos no domínio da mera interpretação de normas legais:
É que a factualidade atendível, com a qual as partes se conformaram, guarda absoluto silêncio sobre a existência e aplicabilidade desse quadro normativo, o que nos impede, sem mais, de com ele confrontar a situação específica dos autos.
Evidencia-se, pois, uma "questão nova" da qual esta Relação não pode conhecer.
Como é jurisprudência pacífica, os recursos destinam-se a reapreciar questões já decididas e não a decidir questões novas, pois visam modificar decisões e não emitir juízos de valor sobre matéria nova, salvo se for de conhecimento oficioso.
Voltando novamente à questão da nulidade do contrato de trabalho a termo e da sua cessação.
Pretendia o recorrente que, reconhecida a existência de um contrato de trabalho sem termo, a sua cessação pelo R. fosse também declarada ilícita, sendo-lhe atribuído o direito a indemnização por antiguidade, nos termos dos arts. 438º e 439º do CT.
Como supra se disse, apenas se reconheceu ter existido um contrato de trabalho entre o A. e o R. no período de 04.03.2002 até 23.03.2005 e de 02.06.2006 até 29.02.2008, sendo que este se traduziu num contrato de trabalho a termo nulo.
Nos termos do nº 1 do art. 116º do CT, «aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato».
Ou seja, a regra de que o contrato de trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado.
Tudo para concluir que à cessação da relação de trabalho em causa, antes da declaração oficiosa da sua nulidade, que só ocorreu com a sentença recorrida, aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.
Sucede que, na comunicação de fls. 22, o réu limita-se a informar o A. que o contrato terá o seu termo, impreterivelmente, no próximo dia 29 de Fevereiro de 2008, por de acordo com o nº 1 do art. 17º do Decreto-Lei nº 41/84, de 3 de Fevereiro, o contrato de prestação de serviços na modalidade de tarefa não poderá exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido, 24 meses – ponto nº 14 dos factos provados.
Tal invocação, no contexto de uma relação de trabalho ferida de nulidade, que produz efeitos como se válida fosse – citados arts. 115º, nº 1, e 116º, nº 1, do CT – não configura uma declaração de despedimento, mas apenas de caducidade, o que implica a improcedência, também nesta parte, do recurso do Autor».
Uma nota final:
Para além da discordância sobre a aplicação no caso da Directiva 1999/70/CE, também entendemos que a interpretação da mesma no sentido de prevalecer sobre o disposto nos arts. 18º, nº 4, do DL 427/89, de 7.12, e 10º, nº 2, da Lei 23/04, de 22.6, ou seja, no sentido de que, o caso (em que não foi alegado pelo A., nem se encontra provado, que o seu recrutamento anterior haja obedecido ao processo prévio de selecção como configurado na legislação vigente à data da celebração dos contratos), impunha a conversão do contrato a termo em contrato sem termo é inconstitucional por violação do disposto no art. 47º, nº 2, da Constituição – neste sentido, o acórdão desta Relação, de 16.03.2009 (relatora Paula Carvalho) em que interviemos como adjunto, e disponível in www.dgsi.pt.
Assim:
- concederia parcial provimento ao recurso do Réu, assim alterando a sentença recorrida, e declarando existente entre as partes um contrato de trabalho, desde 04.03.2002 até 23.03.2005 e de 02.06.2006 até 29.02.2008, no demais se confirmando a sentença recorrida;
- negava provimento ao recurso do Autor, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que por fundamentação não coincidente.

José Carlos Dinis Machado da Silva