Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0342218
Nº Convencional: JTRP00036101
Relator: TEIXEIRA PINTO
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Nº do Documento: RP200404140342218
Data do Acordão: 04/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Para a consumação do crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar basta a colocação da máquina de jogo em local acessível ao público e em condições de funcionamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Os arguidos A.......... e B.........., identificados nos autos, foram julgados em processo comum e perante Tribunal Singular e a final foi proferida sentença que decidiu condenar cada um dos arguidos como co-autores materiais de um crime de exploração ilícita de jogo p.p. pelo artº 108°, n° 1, com referência aos artºs 1°,3° e 4° nº1 al. g) , do Dec.-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Dec.-Lei n° 10/95, de 19/01, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 3 (três euros), substituindo-se a pena de prisão pelo número de dias de multa correspondente, aplicando-se, assim, aos arguidos a pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 3 (três euros), o que perfaz a multa de € 600 (seiscentos euros).
A mesma sentença decidiu ainda:
Nos termos do artº 109°, n° 1 do C. Penal, declarar perdido a favor do Estado o material de jogo apreendido;
Nos termos do disposto no artº 117°, do citado Dec.-Lei declarar perdida a favor do Fundo de Turismo a quantia em dinheiro apreendida nestes autos.
Nos termos do artº 116° do Dec.-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro na redacção dada pelo Dec.-Lei n° 10/95, 19/01 ordenar a oportuna destruição daquele material de jogo.
É desta sentença que os arguidos interpõem o presente recurso concluindo que:

1. A factualidade dada como provada nos autos não integra os elementos do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual os recorrentes foram condenados.
2. O Tribunal "a quo" deu como provados determinados factos, sem que tenha feito uma análise critica sobre os mesmos, e sem ter aferido de questões pertinentes que convergiam, de forma lógica e razoável, na veracidade dos depoimentos prestados pelos ora recorrentes.
3. O Tribunal concluiu pela ocorrência da exploração de jogo ilícito, com base no pressuposto de que a percentagem de lucros obtida pelos recorrentes decorria do jogo de fortuna ou azar, esquecendo o facto de a máquina em causa ter também instalado um jogo de diversão "TETRIS", donde igualmente provinham os lucros obtidos pelos recorrentes.
4. Ou seja, o facto de se ter constatado que a máquina continha jogo proibido, não quer obrigatoriamente dizer que todos os proveitos económicos resultantes da mesma derivassem do jogo proibido "P. BLOCK." uma vez que, logicamente, também era utilizado o jogo de diversão, quiçá, unicamente o jogo utilizado, donde os recorrentes apuravam a sua percentagem.
5. De forma que, nunca poderia o tribunal "a quo" concluir que os recorrentes exploravam ilicitamente uma máquina só porque auferiam rendimentos com aquela.
6. Mais que, os recorrentes afirmaram, de forma segura e peremptória, que não eram proprietários da máquina dos autos e que desconheciam que desenvolvesse jogo de fortuna ou azar, visto a mesma possuir registo e licença de exploração, o que lhes incutiu credibilidade quanto à legalidade da mesma.
7. O Tribunal não valorou tais depoimentos, nem logrou apurar se de facto a máquina possuía ou não licença, para apreciar da veracidade de tais declarações.
8. Não se compreende como pode o tribunal a quo considerar como isentos e seguros os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, quando as mesmas não conseguiram precisar se a máquina em causa tinha, efectivamente, a respectiva licença.
9. Não se mostra razoável acreditar que na acção de fiscalização levada a efeito os elementos da G.N.R. apenas se tenham preocupado em averiguar se a máquina desenvolvia ou não jogo ilícito, sem que se tenham certificado da existência de licença de exploração com o propósito de levantar o correspondente auto de contra-ordenação caso se mostrasse pertinente.
10. Pelo que, salvo o devido respeito, contrariamente ao entendido, somos em crer que os depoimentos que fundamentaram a decisão, se revelaram pouco precisos, incoerentes e inseguros.
11. As testemunhas, C.......... e D.......... foram peremptórios em afirmar que quando se dirigiram ao estabelecimento que é explorado pela aqui recorrente A.........., quem os atendeu foi o recorrente B.........., não estando nessa mesma altura no estabelecimento a A...........
12. Sendo que, a fiscalização dos jogos da máquina foi levada a cabo pela terceira testemunha, E.........., que depois de falar com o recorrente B.......... se dirigiu para a máquina.
13. Sucede que, inquirido o Sr. E.........., foi dito de forma contraditória relativamente ao afirmado pelas primeiras testemunhas que, quando entraram no estabelecimento quem se encontrava a atender era a A.......... e não o B.......... e que a mesma teria fornecido um código para aceder ao jogo de fortuna ou azar que entretanto teria sido desligado pela recorrente, em virtude da sua presença.
14. Após ter sido confrontado com tal contradição admitiu que, eventualmente, a A.......... teria chegado posteriormente.
15. Ora, tal facto, é revelador de incertezas, não se compreendendo como pode a recorrente ter desligado o jogo de fortuna ou azar e ter fornecido um código logo que entraram os elementos da G.N.R., quando, efectivamente, nem sequer se encontrava no estabelecimento, como afirmado por duas das testemunhas.
16. E se de facto os recorrentes tivessem consciência de que a máquina continha jogo ilícito, que sentido faria terem o jogo de fortuna ou azar a descoberto no ecrã de forma a que qualquer pessoa pudesse verificar, sabendo que podiam ser inspeccionados, como aconteceu?!
17. Logicamente o jogo que devia aparecer no ecrã seria o de diversão e o jogo de fortuna ou azar apenas se verificaria quando accionado.
18. Sucede que, não apurou o tribunal se no momento da fiscalização o referido jogo estava ou não a ser explorado, pois não faz sentido que a máquina não estando a ser utilizada estivesse visível o jogo proibido.
19. Até porque, caso assim acontecesse estaria também implicada a pessoa que o estivesse a jogar, o que não se verificou.
20. O que só demonstra que nunca poderia estar no ecrã o jogo de fortuna ou azar -mas sim o de diversão, motivo pelo qual se presume que o agente inspector pudesse estar a confundir a fiscalização efectuada com outra qualquer.
21. Pelo que, não tendo o tribunal "a quo" providenciado pela procura das respostas que se afiguravam úteis, nunca poderia ter emitido um juízo seguro de condenação.
22. O tribunal deveria ter ordenado a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa - artigo 340.º, n.º1, do C.P.P. - o que não aconteceu.
23. Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável- artigo 17º, nº 1, do C.P..
24. Relativamente ao recorrente B.........., não se pode concordar com uma decisão condenatória quando resultou provado nos autos que este apenas se encontrava no estabelecimento esporadicamente, que não é essa a sua profissão e que habitualmente é apenas a A.......... quem explora o estabelecimento e quem contacto com clientes e fornecedores.
25. Revela-se incongruente condenar alguém que tem outro modo de vida e de profissão, que não explora nem o estabelecimento nem a máquina exposta no mesmo, aliás, que desconhece completamente o modo de funcionamento da mesma e o tipo de jogos que desenvolve.
26. Quanto à A.......... não se mostra razoável condenar uma pessoa para quem, ingénua e confiantemente, a exploração de máquinas se prende somente com o facto de possuir registo e licença de exploração,
27. Ademais que, tal facto decorre da consciencialização que o proprietário da máquina lhe incutiu de que, dessa forma, estaria plena e descansadamente a explorar uma máquina de diversão legalmente.
28. A conduta dos arguidos de forma alguma reflecte qualquer qualidade desvaliosa e juridicamente relevante da sua personalidade.
29. Não é do conhecimento geral que a exploração dos jogos como os dos autos é proibida e punível.
30. A finalidade da proibição de exploração de jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados mostra-se despida de conteúdo ético.
31. Os arguidos mantiveram-se fieis a uma recta consciência ético-jurídica, o que afasta a sua culpa - artigo 17.º, n.º 1, do C.P..
32. A máquina apreendida nos autos não serviu ou estava destinada a servir para a prática de qualquer facto ilícito típico.
33. O legislador, ao criar a referida al. g) sabe perfeitamente que as máquinas aí previstas não são nem nunca serão utilizados ou utilizáveis em zonas de jogo legalmente autorizadas.
34. O seu único objectivo é proibir que fora dessas zonas se utilizem essas máquinas, obviamente para apenas e tão só proteger os casinos da concorrência das mesmas.
35. O propósito de protecção das concessionárias de zonas de jogo não é claramente a tutela de um princípio ético.
36. Tal protecção não pode ser feita através de sanção penal, sob pena de se violar os princípios da "liberdade individual" e da "proporcionalidade" consagrados no artigo 18.º da Constituição.
37. O artigo 108.º, n.º 1, do DL 422/89, conjugado com os artigos 3.º e 4.º, n.º 1, al. g) do mesmo diploma, violam os princípios da "liberdade individual" e da "proporcionalidade" das penas consagrados no artigo 18.º da Constituição, o que impõe que o Tribunal recuse, por inconstitucionalidade, a sua aplicação.
38. A douta sentença sob recurso violou os artigos 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, al. g), e 108.º, n.º 1, do DL 422/89, de 2.12, o artigo 340.º, n.º 1, do C.P., o art.º 17 n° 1 do C.P. e o artigo 18.º da Constituição.
Terminam pedindo a absolvição dos arguidos, uma vez que os factos provados não se enquadram no crime de exploração ilícita de jogo ou, caso assim se não entender, que se recuse a aplicação do artº 108º nº1 do DL nº422/89 por inconstitucionalidade material.
Na resposta, o Mº Pº junto da 1ª instância pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta instância, o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumprido o disposto no art.º 417º nº2 do Cód. Proc. Penal não houve qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
II – Na Sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
No dia 18 de Janeiro de 2001, pelas 22 horas e 45 minutos, no interior do estabelecimento denominado "Café X.....", sito na Rua.........., freguesia de ....., concelho da Trofa, área da comarca de Santo Tirso, no exercício das suas funções e no âmbito de uma missão de fiscalização, agentes da G.N.R., por suspeitarem do carácter ilícito dos jogos desenvolvidos numa máquina que aí se encontrava, procederam à apreensão da mesma, a qual se encontrava ligada à corrente eléctrica, em condições de poder ser imediatamente utilizada para desenvolvimento do jogo de fortuna ou azar denominado "P. BLOCK" e tendo no seu interior a quantia de 15 600$00 (quinze mil e seiscentos escudos) € 77, 81, composta por 156 (cento e cinquenta e seis) moedas de 100$00 (cem escudos), € 0,50.
Na ocasião, era o arguido B.........., marido da arguida A.........., quem se encontrava à frente daquele estabelecimento, assegurando a actividade de exploração comercial do mesmo, incluindo a exploração lucrativa dos jogos desenvolvidos nessa máquina, mas por regra e na maior parte do tempo era a esposa arguida quem se mantinha à frente do "Café" e assegurava a sua exploração, incluindo a da dita máquina, já que, quanto a ela, é essa a sua exclusiva ocupação profissional, enquanto ele o faz, como no momento da fiscalização policial, apenas fora do horário de exercício da sua profissão de revestidor.
A máquina, cujo valor comercial não foi possível apurar com precisão tinha sido ali colocada por terceira pessoa não identificada com quem o casal repartia, em proporção de 50%, os lucros de exploração, sendo que aos arguidos cabia, em média por mês, uma quantia que podia variar entre os € 89,78 e os € 149,64.
Uma vez apreendida foi a máquina objecto do exame pericial documentado no Relatório de fls 35 a 39 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido.
Aquela máquina tem a designação de HIPER VÍDEO é de cor preta, com estrutura de madeira e as dimensões aproximadas de 0,64m x 0,82m x 1 75 m. À frente, na parte superior encontra-se um vidro com o dizer "HIPER VÍDEO" mais abaixo um écran vídeo protegido por vidro com as bandas laterais pintadas, a preto com riscas de outras cores, uma consola com 8 botões (2 brancos e 6 azuis) e 2 manípulos (1 encarnado e 1 preto), um moedeiro com duas entradas, uma para moedas de 50$00 e outra para moedas de 100$00. No topo encontra-se uma ficha e um interruptor para ligar a máquina à corrente eléctrica (Fig.l *).
O Sistema de funcionamento é do tipo vídeo e, conforme experiências efectuadas, desenvolve dois tipos de jogos, a saber:
a) - Um tema de jogo de diversão designado por "TETRIS" (Fig.2 *) que consiste em, através da manipulação de um joystick da consola fazer sequências numéricas de três ou mais figuras "quadrados" que, uma a uma, vão surgindo ao cimo e ao meio do écran, de forma aleatória quanto às cores (azul, amarelo, rosa e verde) e dentro destas quanto aos números - que vão de 1 a 13 -, figuras essas que percorrem o écran no sentido descendente e vertical e podem ser desviadas pelo jogador para a esquerda ou para a direita, no seu trajecto descendente, em ordem a formar as aludidas sequências numéricas que, uma vez conseguidas, originam a desintegração do conjunto, libertando espaço para a recepção de novas figuras e consequente prolongamento do jogo. Este acaba quando o espaço do écran fica preenchido com figuras, sem hipóteses de formação de sequências e, por tal facto, fica impedida a entrada de novas figuras.
b) - Um jogo de fortuna ou azar com as características do VIDEO-POKER designado de "P. BLOCK" (Figura 3 *), com a diferença de que, em vez de cartas, aparece no écran, de forma aleatória e dispostos em linha, um conjunto de cinco figuras "quadrados" distribuídos por quatro cores (azul, amarelo, rosa e verde) e cada cor numerada de 1 a 13, de que resulta poderem aparecer 4 figuras com o n° 1 correspondente ao ÁS, o 13 ao REI e os números intermédios correspondem às demais cartas de um naipe do baralho. Quanto às cores (azul, amarelo, rosa e verde) correspondem, por convenção, aos naipes de copas, espadas, ouros e paus.
Ligando a máquina à corrente o écran ilumina-se e nele aparece - à esquerda, em coluna, ocupando cerca de 1/3 do écran - o título "TETRIS" seguido do desenho de um PANDA. Logo abaixo, as palavras "SCORE" "BONNUS" e "TIME". Nos restantes 2/3 do écran surgem, a piscar, ao mesmo tempo que, em jeito de apresentação do jogo, as palavras "INSERT COIN" , ao mesmo tempo que, em jeito de apresentação do jogo de diversão "TETRIS" vão surgindo ao centro da parte superior do écran e em movimento, descendente para a base figuras "quadrados" distribuídos por quatro cores (azul amarelo, rosa e verde) e cada cor numerada de 1 a 13.
No entanto, introduzindo um código nas teclas da consola, de imediato o título “TETRIS” é substituído pelo título “P .BLOCK” e:
- “SCORE” passa a apresentar à sua frente os pontos provenientes das moedas introduzidas, registando 10 pontos por cada moeda de 100$00:
-“BONNUS” assinala os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas,
- “TIME” regista o número de apostas (pontos) que o jogador decide arriscar em cada jogada e que pode ir de um mínimo de 1 aposta =10$00 ao máximo de 40 apostas =400$00.
As, figuras “quadrados” deixam de aparecer uma a uma ao cimo e ao meio do écran, a descer lentamente para a base. Em vez disso, e imediatamente após o começo do jogo através do accionamento da tecla “START” surgem, em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha, na base do écran, cinco fulguras “quadrados” distribuídas por quatro cores e cada cor numerada de 1 a 13.
1º A máquina aceita um número indeterminado de moedas de 100$00;
2º Cada moeda de 100$00 proporciona um crédito de dez pontos, a significar que cada ponto custa 10$00;
3º Aceita de 1 a 40 apostas em cada jogada, o que significa que o jogador pode arriscar entre 10$00 e 400$00 por jogada;
4º No seu interior junto ao moedeiro, existe um micro switch (dispositivo semelhante a um botão de pressão) (Fig.4 *) que cada vez que é pressionado proporciona um crédito de cem (100) pontos, a significar que equivale a 1000$00;
5º O ritmo (velocidade) do jogo é igual ao das máquinas dos casinos.
Quando sai uma combinação premiada (pares, trios, sequências, etc.) surge automaticamente na parte superior do écran a informação do número de pontos ganhos (BONUS) e ao lado da legenda “P .BLOCK” surge um símbolo correspondente à combinação premiada que saiu, tendo-se verificado que um par de corações sobrepostos corresponde a um par, três barras na horizontal representam um trio, um trevo representa a cor, etc. Então o jogador poderá optar por tentar dobrar o ganho obtido ou ficar-se com os pontos ganhos.
Caso o jogador se decida pela dobra pressiona a tecla correspondente, e o cenário que passa a visualizar-se é o seguinte.
Na parte principal do écran aparece um rectângulo com os dizeres. “5 TN WIN” abaixo, deste rectângulo e no espaço que separa aquele das cinco figuras que permanecem em linha - e mostram a combinação ganhadora - surge um quadrado no enfiamento da figura da extrema direita, quadrado esse identificado com a letra "B" a corresponder ao grande, "BIG" que vai do n° 8 ao n° 13, e um quadrado no enfiamento da figura do meio, identificado com a letra "S" a corresponder ao pequeno "SMALL, que vai do n° 1 ao n° 6, (Fig. 5 *).
Decidida a opção "SMALL" ou "BIG" e pressionada a tecla correspondente, desaparece o ponto de interrogação e, no seu lugar, aparece, automática e aleatoriamente, um número. Se tal número corresponder ao conjunto do botão pressionado surge de imediato duplicado no écran o número de pontos arriscado na aposta. Se tal número não corresponder ao conjunto do botão pressionado o jogador perde tudo, ou seja, os pontos provenientes da combinação ganhadora e os pontos apostados. Para retomar o jogo tem de utilizar mais pontos, se os tiver em crédito, carregando de novo na tecla "START" ou, caso já não tenha créditos, tem de introduzir novas moedas de 100$00.
De igual modo há a referir que sendo o ritmo (velocidade) do jogo igual ao das máquinas de "POKER" dos casinos, tal significa que se o jogador tiver poder económico, for ambicioso, resolver jogar nos máximos (100$00 por jogada) e estiver em maré de azar, poderá perder vários milhares de escudos por minuto.
Observado foi também que desligando a energia eléctrica da máquina com o jogo de fortuna ou azar "P .BLOCK" no écran e voltando a ligar, o jogo que reaparece é o de diversão "TETRIS". Logo, para retirar ou camuflar o jogo de fortuna ou azar basta desligar a corrente à máquina e para o retomar há que fazer uso do código acima referido.
O objectivo do jogo tal como no POKER, é o de conseguir combinações premiadas, tais como SEQUÊNCIA REAL (ás, rei, valete, dama e 10 do mesmo naipe e que no jogo da máquina dos autos é substituída por figuras da mesma cor com os nºs 1, 13, 12, 11 e 10): SEQUÊNCIA NUMÉRICA, SEQUÊNCIA DE COR, FULLEN TRIOS, PARES, etc., tudo dependendo única e exclusivamente da sorte do jogador .
Os arguidos mantinham a referenciada máquina no seu estabelecimento comercial, com o propósito concretizado de, proporcionando à clientela a prática do jogo de fortuna ou azar pela forma que atrás ficou descrita, auferirem os correspondentes ganhos da exploração desse jogo, apesar de conhecerem as características e natureza da máquina e dos jogos nela desenvolvidos e de saberem que tal exploração só é permitida em casinos ou locais devidamente autorizados, e que, por conseguinte, ao assim actuarem, praticavam actos proibidos e punidos por lei.
Fizeram-no previamente acordados, em conjugação de actuação, sempre de modo livre, deliberado e consciente.
Com a exploração do mencionado estabelecimento os arguidos retiram, em média, por mês, a quantia de € 349, 16, o arguido aufere com a sua actividade de revestidor a quantia de € 648, 44 e ambos têm como habilitações literárias o 4° ano de escolaridade.
Os arguidos não têm antecedentes criminais.

E como não provados os seguintes:
- a máquina em causa tenha o valor comercial de Esc. 300.000$00 (trezentos mil escudos) € 1496,39.

Fundamentação:
O tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada das declarações dos arguidos, que não obstante afirmarem desconhecer que a mencionada máquina desenvolvesse um jogo de fortuna ou azar, alegaram a percentagem de lucros que eles e o respectivo proprietário recebiam, bem como o rendimento, médio, mensal, que era atribuído a cada um, nos depoimentos isentos e seguros das testemunhas, C.........., D.........., E.........., elementos da G.N.R. que se deslocaram ao estabelecimento de café dos arguidos e aí apreenderam a máquina de jogo em causa, sendo certo que o último na ocasião estava requisitado pela Inspecção Geral de Jogos e foi peremptório em afirmar que no momento em que se aproximou da máquina ela estava ligada à corrente eléctrica, em condições de poder ser imediatamente utilizada para desenvolvimento de jogo de fortuna ou azar denominado "P. Block", de imediato o mencionado jogo desapareceu e após apareceu no écran o jogo identificado na al. a), só após lhe ter sido fornecido o código pela arguida e introduzido o mesmo voltou a aparecer no écran o primeiro jogo mencionado, sendo certo que a circunstância da arguida ter fornecido o mencionado código foi também presenciado pela testemunha D.........., e no Relatório de fls. 35 a 39 .
Quanto a circunstâncias pessoais dos arguidos o tribunal atendeu às suas declarações.
No que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos o tribunal baseou-se nos C.R.Cs. de fls.72 e 73 .
Relativamente aos factos não provados o tribunal baseou-se na ausência de prova sobre tal matéria.
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III – A Relação, no presente caso, conhece de facto e de direito uma vez que a prova produzida oralmente na audiência de julgamento ficou registada magnetofonicamente – art.º 364º, nº1 e 428º nº2 do Cód. Proc. Penal.
Os recorrentes impugnaram não só a matéria de direito mas também a matéria de facto.
O MºPº junto da 1ª instância suscita como questão prévia, a questão da rejeição do recurso por incumprimento por parte dos recorrentes do disposto nos nºs 3, al. b) e 4 do Cód. Proc. Penal.
Sendo certo que os recorrentes não deram integral cumprimento ao estatuído nos nºs 3 e 4 do art.º 412º do Cód. Proc. Penal, a verdade é que se percebe pela motivação do recurso quais a s provas que, na perspectiva dos recorrentes, impõem decisão diversa da recorrida.
Assim, entende-se que foi minimamente cumprido o estatuído nas referidas normas legais.
Acresce que já foi feita a transcrição da prova produzida em julgamento.
Concluindo-se pela improcedência da questão prévia suscitada, ir-se-à conhecer do recurso também quanto à matéria de facto.
E numa primeira abordagem quanto à matéria de facto devemos dizer o seguinte:
Analisando a pretensão dos recorrentes, o que os mesmos querem é, no fundo, uma reapreciação da prova produzida, com base, essencialmente nas declarações e depoimentos que indicam, pretendendo que este Tribunal “ad quem” faça uma nova valoração desses meios de prova, de forma a concluir que os factos que discriminam foram erradamente julgados e que, por consequência, não incorreram os arguidos na prática do crime por que foram condenados, devendo ser dele absolvidos.
No entanto, convém, desde já realçar “que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para corrigir os vícios do julgamento em 1ª instância”, Cfr. (Germano Marques da Silva, Forum Justitiae, Ano 1, nº0, pág. 2.
Por outro lado, também não se pode esquecer que o Tribunal “a quo” esteve em melhores condições para valorar a prova produzida na audiência de julgamento, baseando-se nos princípios da oralidade e da imediação - este último definido em geral, como a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de tal modo que possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão (neste sentido Figueiredo Dias, Dir. Proc. Penal, 1 Vol. Pág. 232).
Veja-se também a este propósito o que se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 31/01/2000, in CJ 2000, tomo IV/28, onde se diz “a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o principio da livre apreciação das provas que está deferido à 1ª Instância, sendo que na formação da convicção do julgador entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, por mais fiel que ela seja. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também elementos intraduzíveis e subtis, tais como mímica e todo o aspecto exterior do depoente e mesmo as próprias reacções quase imperceptíveis do auditório que vão agitando o espírito de quem julga. Transcrevendo a lição de Castro Mendes, salienta-se ainda neste Acórdão que existem aspectos comportamentais ou de reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. Assim, o Tribunal de 2ª jurisdição vai à procura, não de uma nova convicção, mas de saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode transmitir ao julgador.
No caso sub-judice, cumpre dizer que analisando o teor das declarações transcritas nos autos e confrontando-as com a matéria de facto dada como provada, conclui-se que esta factualidade retrata com fidelidade e exactidão a prova produzida oralmente na audiência de julgamento.
Por outro lado, é necessário que o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa controlar a razoabilidade da convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados ou não provados.
E para que não seja arbitrária, a lei impõe a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, “com uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do Tribunal” – art.º 374º, nº2 do Cód. Proc. Penal.
Ora, da motivação resulta que, no caso em apreço, a convicção do Tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, antes resultou da análise objectiva e crítica da prova.
Em toda a motivação se nota uma intenção de objectividade.
Vejamos, agora, os invocados vícios que na perspectiva dos recorrentes inquinam a sentença recorrida.
Começam os recorrentes por invocar a insuficiência da matéria de facto provada e da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
Tal consubstancia os vícios enunciados nas als. a) e b) do nº2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal.
Para evidenciar tais vícios os recorrentes alegam variados factos, exprimem conclusões que extraem dos factos alegados, põem em causa a credibilidade de certas testemunhas, destacam as alegações dos próprios arguidos/recorrentes e a falta de apuramento pelo Tribunal de certos factos – cfr. conclusões 1 a 22.
Ora, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – al. a) do nº2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal – consiste em não bastarem os factos provados para justificar a decisão proferida, por haver uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito – cfr. Acs. do STJ de 3/10/96 (proc. nº440/96 - 3º Secção) e de 22/5/97 (proc. nº 1389/96 - 3ª Secção)
E contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – al. b) do nº2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal – existe quando se dão como provados factos contraditórios, quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto e quando existe incompatibilidade entre os factos provados e a respectiva fundamentação probatória ou entre os factos provados e a decisão.
E, além disso, quando a contradição se apresenta de tal modo no contexto da decisão recorrida que não pode ser ultrapassada através da decisão recorrida e das regras da experiência comum.
Tais vícios, como aliás o outro enunciado na al. c) do nº2 do art.º 410 do Cód. Proc. Penal – erro notório na apreciação da prova – para relevarem como fundamento de recurso têm de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Significa isto que tais vícios não podem ser evidenciados com recurso a elementos exógenos à própria decisão recorrida.
Como se diz no Ac. STJ de 13/2/91; AJ nºs 15/16, 7, “se o recorrente alega vícios da decisão recorrida, a que se refere o nº2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre as mesmas ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no art.º 127º”
Ora, lendo-se e analisando-se a sentença recorrida não se vislumbra nenhum dos vícios enunciados no nº2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal e designadamente aqueles que os recorrentes lhe assacam.
Na realidade, do quadro factual dado como provado não resulta que faltam elementos que o tribunal podia e devia apurar para tomar a decisão de condenar os arguidos.
Face à matéria de facto provada, não resultam dúvidas de que se encontram preenchidos todos os elementos do crime de exploração ilícita de jogos, p. e p. pelos art.º 1º, 4º, nº 1 al. g) e 108º nº1 do DL 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo DL 10/95, de 19/10.
Assim, e em síntese, ficou provado:
- Que a máquina apreendida no estabelecimento explorado pelos arguidos desenvolvia, além de um jogo de diversão, um jogo denominado “P. BLOCK” que é um jogo de fortuna ou azar já que os resultados nele obtidos dependem exclusivamente da sorte, já que o jogador não tem possibilidades de os influenciar ou condicionar;
- Os arguidos tinham essa máquina no seu “café” com o propósito de fazerem a exploração desse jogo de fortuna ou azar, proporcionando para tanto a prática desse jogo aos seus clientes e auferindo os correspondentes ganhos;
- Os arguidos sabiam que a exploração de jogos de fortuna ou azar só é permitida em casinos ou locais devidamente autorizados e que a sua conduta era proibida por lei;
- Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços.
Assim, não se descortina qual a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito proferida.
A alegação dos recorrentes no sentido da necessidade de apurar a eventual existência de uma licença da máquina, não procede.
Na verdade, desenvolvendo a máquina um jogo de fortuna ou azar, como desenvolvia, nunca a mesma poderia ter uma licença válida e legal, já que qualquer licença que eventualmente existisse só abrangeria o jogo de diversão (o legal) e nunca o jogo de fortuna ou azar – que é o que está em causa nestes autos.
Também não se descortina no texto da decisão recorrida qualquer contradição insanável da fundamentação.
Assim, o facto de se dar como provado que o arguido tinha ocupação profissional não entra em contradição com o facto de se afirmar que o mesmo explorava o jogo em questão, uma vez que é também dado como provado que o arguido explorava o estabelecimento convencional “café” “apenas fora do horário de exercício da sua profissão de revestidor”.
Aliás, são os próprios arguidos que admitem que o arguido marido habitualmente à noite estava à frente do “café”.
Os recorrentes põem em causa a convicção formada pelo tribunal alegando que os depoimentos em que o tribunal alicerçou a sua convicção não merecem credibilidade.
Para tanto, afirmam não merecer credibilidade os depoimentos dos agentes da autoridade que não sabiam nem procuraram saber se a máquina tinha licença. Por outro lado, acoimam tais depoimentos de pouco precisos, incoerentes e pouco seguros.
Não têm, no entanto, qualquer razão.
A Mma Juiz a quo, cumprindo o disposto no art.º 374º do Cód. Proc. Penal, refere que o Tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada das declarações dos arguidos, nos depoimentos isentos e seguros das testemunhas C.........., D.......... e E.........., elementos da G.N.R. que se deslocaram ao estabelecimento de café dos arguidos e aí, apreenderam a máquina de jogo em causa, sendo certo que este último, que na altura estava requisitado pela Inspecção Geral de Jogos e que foi peremptório em afirmar que no momento em que se aproximou da máquina ela estava ligada à corrente eléctrica, em condições de poder ser imediatamente utilizada para desenvolvimento de jogo de fortuna ou azar, que esse jogo desapareceu e após apareceu no écran o jogo identificado na al. a) e que só após lhe ter sido fornecido o código pela arguida e introduzido o mesmo voltou a aparecer no écran o primeiro jogo mencionado, sendo que a circunstância da arguida ter fornecido o mencionado código foi também presenciado pela testemunha D.........., e também no Relatório de fls. 35 a 39.
Tal exposição demonstra que o Tribunal seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, pois, uma decisão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
A razão apontada pelos recorrentes para retirar credibilidade aos depoimentos dos agentes de autoridade – não saberem nem procurarem saber se a máquina tinha licença – não tem qualquer cabimento.
Na realidade, uma máquina que desenvolve um jogo de fortuna ou azar num estabelecimento comercial particular de “Café” nunca poderia ter licença válida e legal – cfr. art.º 1º e 3º do DL nº422/89, de 2/12.
A eventual licença que a máquina pudesse ter apenas abrangeria o jogo de diversão que, paralelamente, também desenvolvia. Portanto, mesmo que esta licença para exploração de jogo de diversão existisse a mesma seria inócua para efeito de afastar a ilicitude de exploração do jogo de fortuna ou azar.
Os elementos da GNR C.........., D.......... e E.......... relataram os factos de forma coerente, isenta e segura, pelo que mereceram a credibilidade do Tribunal.
Aliás, a testemunha E.......... afirma que naquele dia apenas tinha efectuado aquela fiscalização, não sendo assim possível, como insinuam os recorrentes, que o mesmo se tivesse enganado ao afirmar que viu inicialmente no écran o jogo de fortuna ou azar confundindo com outra fiscalização.
Os recorrentes alegam que o Tribunal concluiu pela ocorrência da exploração de jogo ilícito com base no pressuposto de que a percentagem de lucros obtida por eles decorria do jogo de fortuna ou azar, sendo certo que a máquina também tinha instalado um jogo de diversão “TETRIS” donde igualmente provinham os lucros obtidos.
Assim, entendem, que não se pode concluir que os recorrentes exploravam ilicitamente uma máquina só porque auferiam rendimentos com ela.
Não têm, no entanto, razão.
Para a consumação do crime de exploração ilícita do jogo de fortuna ou azar basta a colocação da máquina de jogos em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento – cfr. Ac. RL de 21/05/02, in CJ, Ano XXVII, tomo III, pág. 128 e o Ac. desta Relação, de 05/02/97, in CJ, Ano XXII, tomo I, pág. 249, do qual o ora aqui relator também foi relator.
Portanto, o facto de os arguidos auferirem rendimentos da máquina apenas é mais um índice de exploração da mesma.
Assim, também não é necessário para a consumação do crime em causa que a máquina em questão estivesse em funcionamento efectivo e a ser utilizada por alguma outra pessoa que jogasse o jogo de fortuna ou azar.
Basta que a máquina com capacidade de desenvolver o jogo ilícito esteja em condições de funcionamento, colocada em local público, para que se considere preenchido o tipo legal respectivo, “por assim se criar uma situação em que é possível a lesão do bem jurídico tutelado” – cfr. o citado Ac. RL de 21/05/02.
Os recorrentes alegam também falta de consciência da ilicitude.
Para tanto, argumentam, em síntese, que o arguido B.........., como se deu como provado, tinha outra profissão e só se encontrava no “café” esporadicamente, sendo só a arguida A.......... que o explorava; que esta confiava que a exploração da máquina se prende só com o facto de possuir licença de exploração; que o proprietário da máquina lhe incutiu a ideia de que estaria a explorar uma máquina de diversão legalmente; e que não é do conhecimento geral que é proibida e punível a exploração de jogos como os dos autos.
Ainda aqui carecem de razão os recorrentes pois ficou demonstrado em audiência que tinham perfeito conhecimento da forma como a máquina funcionava, que sabiam que a mesma possuía camuflado um jogo de fortuna ou azar, que só funcionava através da introdução de um código, código esse que os arguidos conheciam e forneceram a um dos agentes, embora antes tivessem tentado iludir a fiscalização, realizando a comutação do jogo de fortuna ou azar pelo jogo de diversão.
Se os arguidos desconheciam que a máquina continha um jogo de fortuna ou azar, por que é que procederam à comutação de jogos mal se aperceberam de que estavam perante autoridades policiais?
Acresce que foi a própria arguida que forneceu o código que permite a visualização e o desenvolvimento do jogo de fortuna ou azar, mas só o fez após a testemunha E.......... lhe ter afirmado que tinha chegado a ver naquela máquina o referido jogo, apesar de eles terem procedido à comutação de jogos.
Aliás, contrariamente ao alegado pelos recorrentes não se pode afirmar que “não é do conhecimento geral que a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos é proibida”.
Pelo contrário, há que considerar que o homem médio sabe que uma máquina daquele género, com aquelas características, colocada num estabelecimento comercial de Café, é ilegal pois visa a sua exploração fora dos locais autorizados por lei.
De facto, a lei (DL 422/89, de 2/12) vigora há mais de 14 anos e é a própria arguida que afirma saber existirem jogos proibidos e jogos permitidos e saber que a exploração dos jogos de fortuna ou azar só é permitida nos casinos.
Os recorrentes alegam também que o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo o que equivale a um erro notório na apreciação da prova.
Ora, o referido princípio só tem aplicação quando o tribunal, face à prova produzida, permanece com dúvidas sobre a factualidade.
“A persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido” – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I vol., Coimbra Editora Limitada, 1974, pág. 213 – 215.
No caso sub-judice, após a produção de prova, não ocorreu qualquer situação de dúvida, qualquer situação de “non liquet” que o tribunal tivesse de valorar a favor dos arguidos.
Não se verifica, pois, a violação do citado princípio.
Nem se constata, consequentemente, qualquer erro notório na apreciação de prova – al. c) do nº2 do art.º 410 do Cód. Proc. Penal .
Tal vício consiste naquele erro de tal forma evidente que não escapa à observação do homem de formação média.
E, também ele, tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Ora, tal não se verifica na sentença recorrida.
É jurisprudência uniforme que não consubstância esse vício a discordância sobre a forma como o tribunal apreciou a prova produzida – cfr. Ac. STJ de 01/07/98, proc. nº 548/98 e Ac. STJ de 21/10/98, proc. nº 961/98.
Por último, os recorrentes invocam a inconstitucionalidade material do art.º 108º, nº1 do DL 422/89, conjugado com os art.º 3º e 4º, nº1, al. g) do mesmo diploma.
Para tanto, alegam que a proibição de exploração e prática de jogos de fortuna e azar fora das zonas de jogo permitidas apenas visa proteger os casinos da concorrência; assim, a protecção dos concessionários de zonas de jogo não é a tutela de um princípio ético; tal protecção não pode ser feita através de sanção penal sob pena de se violar os princípios da “liberdade individual” e da “proporcionalidade” consagrados no art.º 18º do CRP.
Contudo, também aqui, não assiste razão aos recorrentes.
Como refere Altina Rento e Abel Laureano, in Direito de Jogo – Legislação Anotada, Quid Juris? – Sociedade Editora, Lda; Lisboa, 1991, pág. 23, “O jogo só é permitido em zonas circunscritas, definidas imperativamente pela lei. Porquê?”
E os mesmos Autores explicitam:
“O jogo é visto, simultaneamente, como benéfico e maléfico.
Este posicionamento híbrido reflecte-se, depois, em medidas correspondentes. Assim, entende-se que o jogo é uma actividade boa. E, em conformidade, deixa de se proibir a sua prática; diz-se que ele favorece o turismo; quer-se garantir a rentabilidade aos que o exploram; protege-se o jogador, cuja comodidade e privacidade se assegura. No entanto, não está igualmente arredia a ideia de que o jogo é coisa má. Por isso se proíbe a sua prática fora dos locais rigidamente determinados; pensando-se que provoca viciação fácil e indesejável, reprimem-se severamente os empréstimos de dinheiro para o jogo; monta-se uma apertadíssima vigilância, por banda do Estado, através da Inspecção Geral de Jogos (além da repressão ao jogo clandestino, a cargo, também, das autoridades policiais); é notória a preocupação de velar pela transparência dos actos de jogo (como se, por natureza, fossem tendencial ou inevitavelmente obscuros ou enganosos)...”
Na legislação do jogo pesaram também razões ordem prática e realística.
Os citados Autores referem a propósito:
“Ainda que se pudesse pensar que os seus inconvenientes superariam as suas vantagens sempre haveria que reconhecer que a sua proibição, jamais tendo conduzido a uma erradicação, geraria ao invés o florescimento do jogo clandestino”.
Também Mota Pinto, Pinto Monteiro e Calvão da Silva, in Jogo e Aposta – Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico – Jurídica, apontamentos copiografados, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, s.d., 74/5, dizem, do jogo, que o seu “poder instintivo de atracção o torna ineliminável e de desterro impossível” acrescentando que ele “aparece dotado da força das coisas imparáveis e como uma necessidade para o homem”.
E estes Autores concluem que com a enumeração dos locais onde é autorizado o jogo, “ao mesmo tempo que permite que o homem satisfaça o seu desejo de jogar, o Estado encaminha a sua prática para instituições onde são dadas garantias de seriedade e isenção aos jogadores – instituições que o Estado controla e fiscaliza” – ob. cit. fls. 68.
Assim sendo, para além da inegável protecção dos concessionários das zonas de jogo, o sistema legal implantado pelas citadas normas visou acautelar outros interesses que não são axiologicamente neutros.
Por isso, não se pode afirmar que a proibição de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar fora das zonas de jogo permitidas careça de uma base ética.
Consequentemente justifica-se a sanção penal para a violação da referida proibição legal, não se descortinando qualquer inconstitucionalidade nas normas apontadas pelos recorrentes quer na perspectiva do princípio da “liberdade individual” quer na perspectiva do princípio da “proporcionalidade” das penas consagradas no art.º 18º da Constituição.
Igualmente afirmando a constitucionalidade dos art.º 108º, nº1, 3º, nº1 e 4º, nº1, al. g) do DL 422/89, de 12/2, na redacção vigente, se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdãos recentes, como, por exemplo, o nº99/2002, no proc. nº482/01, de 27/02/2002, publicado no DR, II Série nº79 de 04/04/02, fls. 6214. com cuja fundamentação concordamos e para a qual remetemos.
DECISÃO

Em conformidade, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso.
Os recorrentes pagarão 6Ucs de taxa de justiça, cada um.
Honorários: os da Tabela.

Porto, 14 de Abril de 2004
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro