Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
518/06.1TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP00043488
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RP20090928518/06.1TTOAZ.P1
Data do Acordão: 09/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 86 - FLS 221.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 95.º, n.º 1, do DL 49.408, de 29.11.1969 (LCT), a entidade patronal não pode compensar a retribuição em dívida com créditos que tenha sobre o seu trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante da referida retribuição.
II - O mencionado dispositivo legal constitui uma excepção ao regime da compensação de créditos previsto no art.º 847.º do Código Civil, diz respeito, unilateralmente, ao empregador, e vigora apenas durante a vigência do contrato de trabalho.
III - No n.º 2 do mesmo preceito estão previstas um conjunto de situações em que por força dos interesses em presença, o legislador consentiu na atenuação do princípio da não compensação de créditos, admitindo-se descontos na retribuição que não ultrapassem determinada percentagem (1/3 e 1/6).
IV - Viola o referido art.º 95.º, onde em parte alguma se admite a compensação total, bem como o art.º 59.º, n.º1 da nossa Constituição - segundo o qual todos os trabalhadores têm direito à retribuição - a entidade patronal que descontou no vencimento do trabalhador o adiantamento do empréstimo que lhe havia feito, tendo esse vencimento ficado totalmente absorvido, com saldo negativo, e o trabalhador sem receber qualquer salário durante cerca de três meses.
V - Essa conduta do empregador viola, ainda, o princípio de que todos os trabalhadores têm direito à retribuição mínima mensal garantida, pois coloca irremediavelmente em causa, aquele patamar mínimo de subsistência que a todo e a qualquer trabalhador deve ser proporcionado como modo de garantir o valor supremo da dignidade da pessoa humana consagrado no art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. 354
Apel. 518/06.1TTOAZ.P1
PC 518/06.1TTOAZ



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B………., instaurou acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra C………., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia global de € 73.935,29. Invocou, em síntese que, o réu alterou o seu local de trabalho e não pagou as despesas ocasionadas com tal alteração; aplicou-lhe uma pena de 60 dias de suspensão do trabalho com perda de remuneração e a sanção acessória de desvio de funções, ambas ilegais, o que lhe causou danos de natureza não patrimonial.

A ré contestou aduzindo que a acção deve improceder.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido à matéria de facto sem reclamação.

Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente provada e procedente e, em consequência a ré condenada a pagar ao autor o montante de € 25.000 (vinte e cinco mil euros) para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Julgada ilegal a sanção de 60 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e, a ré condenada a pagar ao Autor o montante de € 3.794,54, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições e até efectivo e integral pagamento. Foi ainda julgada ilegal a ordem de mudança de funções do autor de gerente bancário para gestor de mediadoras imobiliárias.

Inconformada com esta decisão dela recorre a ré, concluindo em resumo que deve ser anulado o n.º 14 dos factos provados, por dizer respeito a matéria (nascimento) que apenas se prova por documento; é aplicável aos factos relevantes o regime anterior ao Código do Trabalho, sendo lícita a compensação efectuada pela ré; os danos alegados pelo autor foram meras consequências de uma situação de incumprimento contratual causado pelo próprio de que não resulta obrigação de reparação de danos, mas mesmo que se considerasse existirem danos dessa natureza os mesmos nunca poderiam ser fixados no montante consignado na sentença; a ré lançou mão do mecanismo previsto no art. 436, n.º 2 do Código do Trabalho, sanando assim a irregularidade decorrente da não justificação de uma diligência probatória requerida na resposta à nota de culpa; para além disso, a única nulidade insuprível do processo disciplinar é a violação do princípio do contraditório o que se não pode concluir tenha ocorrido no presente caso.

O autor respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência. Deduziu também recurso subordinado, concluindo em suma que a matéria dos artigos 10 a 13 da p.i. deve ser considerada provada e eliminado o n.º 16, alterado o n.º 17, manter-se o n.º 18 com esclarecimento da falta de transportes públicos adequados.

A ré respondeu ao recurso do autor concluindo pelo seu não provimento.

O MP nesta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento de ambos os recursos.

Foi recebido o recurso e colhidos os vistos legais.

2. Matéria de Facto
1. O A. foi admitido pelo R. em 6.9.1999, para lhe prestar serviço, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, como empregado bancário.
2. Em 8.1.2002 foram-lhe atribuídas funções de gerente do balcão de Castelo de Paiva.
3. Em Janeiro de 2003 foi promovido à categoria de gerente.
4. O A. é sócio do D………. e a R. subscritora do ACTV dos bancários.
5. O R. concedeu ao A. um empréstimo para construção de casa própria que foi formalizado por escritura outorgada em 26.9.2003, cuja cópia se mostra junta de fls. 133 a 140 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor, na sua literalidade.
6. No âmbito do processo de concessão de tal empréstimo, após a aprovação do mesmo pela Direcção de Pessoal do R. pelo montante de € 109.000,00, o A. em circunstâncias não apuradas solicitou ao R. um adiantamento para aquisição do respectivo terreno no valor de aproximado de € 70.0000,00, valor esse que foi creditado na sua conta de depósitos à ordem pela Unidade Especializada de Crédito à Habitação, por duas vezes, € 50.000,00 em 21.11.2000 e € 20.000,00 em 13.2.2001, e tendo o A. registado a aquisição de tal terreno a seu favor em 10.7.2002.
7. Em 27.1.2003, o A. por carta cuja cópia se acha inserta a fls 147 dos autos, solicita ao Departamento de Pessoal do R. a prorrogação do prazo do adiantamento de C.H.P.P. ao abrigo do ACTV.
8. Em resposta a esse pedido o Departamento de Pessoal do R., por carta datada de 6.2.2003, cuja cópia se mostra inserta a fls 156 dos autos, concede ao A. a prorrogação do prazo até Junho de 2003 para conclusão do processo de CHPP- ACTV.
9. Em 7.2.2003, a Direcção de Crédito Habitação do R., prorroga o prazo do adiantamento em função da prorrogação concedida pelo Departamento de Pessoal, conforme comunicação, cuja cópia se acha a fls 157 dos autos.
10. Em 23.7.2003 o Banco R. debitou na conta ordenado do A. o valor de € 69.255,56, referente ao adiantamento concedido, com o fundamento de que tinha expirado o respectivo prazo.
11. Devido a esse lançamento a débito do montante do adiantamento, o vencimento do A. desse mês de Julho, creditado no mesmo dia, foi totalmente absorvido e a conta ficou com um saldo negativo, no valor de € 69.255,56.
12. Em 29.7.2003, o Departamento de Pessoal do R. autoriza a prorrogação até 31.12.2003 do prazo para a conclusão do processo de CHPP-ACTV do A., conforme comunicação inserta a fls. 158 dos autos.
13. Nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2003, o montante dos vencimentos do A. depositados pelo R. continuou a ser totalmente absorvido na amortização do dito adiantamento, ficando o A. sem a possibilidade de receber a remuneração.
14. A mulher do A. estava grávida do filho que nasceu em 6.10.2003.
15. O não recebimento das remunerações pelo A. nos meses indica nos referidos meses criou-lhe uma situação de angústia e de carência familiar.
16. No ano de 2003, o A. era gerente e exercia funções no balcão de Castelo de Paiva, tendo-o o R. mandado em data não concretamente apurada para a sede da Direcção Regional de Espinho e desta derivava nalguns dias, por ordem dos responsáveis do R., para a Direcção Regional de Aveiro.
17. E foi mantido nesta situação sem funções atribuídas até que foi colocado como gerente na agência de Arouca, em data não apurada.
18. Durante este período o A. viu-se forçado a deslocar-se de carro próprio de ………., onde vivia e tem família constituída, para Espinho ou Aveiro, sem pagamento pelo R. de despesas de viagem pela utilização de carro próprio e das despesas de alimentação.
19. Em virtude dos factos mencionados nos nºs 16, 17 e 18 o A. viveu um período difícil na sua vida, sentia-se desconsiderado, angustiado e teve crises depressivas.
20. No dia 15.2.2006 foi organizada uma nota de culpa ao A. num processo disciplinar com intenção de despedimento, que se encontra apenso por linha aos presentes autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na sua literalidade.
21. Na parte final da resposta à nota de culpa, inserta a fls. 40 a 43 do respectivo processo, o A. requereu a realização de uma peritagem pelos serviços de auditoria do banco às contas de empregado de todos os gerentes da área do Departamento Comercial Norte para prova da matéria dos itens 19º a 26º, maxime da alegação dos itens 19º, 25º e 26º.
22. Esse requerimento de prova não foi objecto de qualquer despacho no processo disciplinar.
23. O Instrutor do processo aquando da inquirição das testemunhas indicadas pelo A. comunicou a este verbalmente que tal requerimento era indeferido por impertinente e dilatório, pois o Banco não tinha um gabinete de inspecção para realizar a peritagem requerida e que se tinha conhecimento de casos idênticos que os indicasse.
24. No prazo da contestação, o R. elaborou e juntou aos autos o documento inserto de fls. 57 a 60, cujo teor se dá aqui por reproduzido na sua literalidade, no qual é exarado o despacho de indeferimento da peritagem requerida pelo A., fundamentando tal procedimento no disposto no nº 2 do art. 436º do C.Trabalho.
25. O processo disciplinar terminou com a decisão exarada de fls 60 a 67 do respectivo processo, cujo teor se dá aqui por reproduzido na sua literalidade, na qual foi aplicada ao A. a sanção de 60 dias de suspensão com perda de retribuição.
26. Tal decisão do Conselho de Administração do R. foi entregue em mão ao A. no dia 5.5.2006 no Departamento de Pessoal em Lisboa pelo respectivo Director Coordenador, Dr. E………., na presença do Dr. F………. .
27. No dia 5.7.2006, o A. apresentou-se ao serviço na agência de Arouca e comunicou superiormente essa sua apresentação, tendo recebido ordens para se dirigir à Direcção Comercial Norte, no Porto, para falar com o Dr. G………. .
28. O Dr. G………. comunicou-lhe que na sequência da sanção disciplinar ia exercer a função de gestor de imobiliárias na Direcção Regional de Espinho, explicando-lhe sumariamente o âmbito da mesma, tendo o A. pedido que essa ordem lhe fosse dada por escrito.
29. Face a tal pedido, o Dr. G………. solicitou ao Departamento de Pessoal que reduzisse a ordem a escrito e, algumas horas mais tarde, acabou por entregar ao A. uma comunicação escrita epigrafada de «exercício de funções» junta a fls 14 e 15 da providência cautelar apensa, subscrita pelo Dr. E………., cujo teor é o seguinte: “Na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado, deliberou o Conselho de Administração aplicar-lhe a sanção de 60 (sessenta) dias de suspensão do contrato com perda de retribuição, não concretizando, assim, o despedimento que inicialmente tinha intenção de aplicar.
Tal, como sabe, pois consta de Deliberação final, decorreu da opinião da Direcção Comercial do DCN de que seria possível reganhar a confiança, que, com o seu comportamento, abalou seriamente, atribuindo-lhe funções em área distinta mas compatível com a sua categoria profissional.
Assim, tendo em conta que a sua actuação foi extremamente grave e pôs em crise a confiança em si depositada, sendo importante um período transitório de modo a reganhar toda a confiança imprescindível para assumir uma gerência; tendo em atenção que nas várias áreas de negócios a da imobiliária representa uma quota de relevante importância para o Banco e que cumpre dinamizar, entendeu o Banco atribuir-lhe, provisoriamente, funções nessa área, como Gestor de Mediadoras onde, neste momento já exercem funções outros quatro Gerentes. As funções a exercer prendem-se com a captação de negócios de crédito à habitação junto das imobiliárias, acompanhamento das mesmas na área comercial, estabelecendo protocolos e prospeccionando negócios, tal como se encontra definido na NG 0050/2006.
Sendo esta uma função de primordial importância e responsabilidade, cabendo inteiramente dentro da sua categoria profissional, ficará colocado na área da Direcção regional de Espinho e hierarquicamente dependente da Direcção Central do DCN de quem receberá as directivas relativas ao desempenho das funções, a partir do momento em que recepcionar a presente carta.”
30. De seguida, o A. reuniu-se com a responsável pelo apoio às mediadoras, aproximadamente entre as 15.20 e as 16.20 horas, tendo-lhe sido feito o enquadramento funcional para as novas funções de gestor de imobiliárias, dentro do Novo Modelo Organizativo de Funcionamento da Estrutura Orgânica da Rede de Retalho.
31. Após, o A. despediu-se do Dr. G………. que lhe voltou a referir que no dia seguinte, se apresentasse na Direcção Regional de Espinho, tendo-lhe o A. dito que ia falar com o seu advogado.
32. No dia 6 não compareceu na Direcção Regional de Espinho, alegando razões familiares.
33. O Requerente nunca se apresentou para trabalhar na Direcção Regional de Espinho e nos dias 11 e 12 de Julho foi apresentar-se na agência de Arouca, onde foi impedido de trabalhar, tendo-lhe sido dito que devia comparecer na Direcção Regional de Espinho e que já não era funcionário daquela agência, sendo no dia 12 chamada a GNR que aconselhou o A. a deixar a agência, o que ele fez.
34. Na sequência do sucedido no dia 12.7.06,o R. instaurou ao A. novo processo disciplinar.
35. De acordo com a nova Estrutura Orgânica e Funcional da Rede de Retalho do requerido, constante da NG 0050/2006, o de Gestor de Mediadoras tem por objectivo a dinamização e gestão de Mediadoras Imobiliárias através de:
-Dedicação exclusiva à actividade comercial;
-Angariação de novas Mediadoras Imobiliárias;
-Controlo dos níveis de serviço aos Clientes provenientes destes canais e reportar aos responsáveis dos mesmos.
36. E as principais atribuições do Gestor de Imobiliárias são:
- Dinamizar os Empreendimentos Imobiliários comercializados pelas Mediadoras da sua Carteira;
- Negociar com as Mediadoras as condições previstas na Oferta específica para Imobiliárias;
- Elaborar a Agenda Semanal de Visitas de Angariação ou Acompanhamento a Mediadoras Imobiliárias, para envio ao responsável da Direcção Comercial, com conhecimento da Direcção Regional;
- Elaborar Relatórios de Actividade para a Direcção Comercial;
- Carteirizar as Mediadoras Imobiliárias de acordo com os novos modelos em vigor;
- Responder pelo cumprimento dos objectivos que lhe são atribuídos;
- Apoiar nas Acções de Formação às Imobiliárias os colaboradores dos balcões, para uma correcta instrução de processos de Crédito à Habitação, evitando devoluções e enganos, garantindo assim a rapidez e cumprimento dos Níveis de Serviço;
- Garantir a qualidade do Serviço prestado pelos Balcões, quer num correcto enquadramento das operações de Crédito à Habitação, quer no tratamento administrativo dos processos angariados por Mediadoras, de forma a garantir o cumprimento dos Níveis de Serviço;
-Dar feed-back às Mediadoras Imobiliárias sobre o ponto da situação dos processos com periodicidade mensal;
-Articular com os Gerentes de Balcão na actividade diária do Gestor que dependa de interacção com os Balcões;
-Controlar o cumprimento dos Níveis de Serviço definidos para os Processos de Crédito à Habitação angariados por Imobiliárias;
-Apoiar a disponibilização de suportes de Merchandising (controlo de necessidades de Imobiliárias, garantindo a sua disponibilização quando necessário);
-Outras que no âmbito das suas funções lhe sejam atribuídas pela Direcção do Departamento.
37. O Requerente na Direcção Regional de Espinho iria exercer as funções descritas no número anterior dentro da estrutura Orgânica e Funcional da Rede de Retalho e do respectivo Modelo Organizativo.
38. Essas funções são exercidas, essencialmente, por Gerentes dado o perfil de conhecimentos específicos e responsabilidade acrescida que é exigida, os quais reportam à Direcção Comercial em que se integram, embora o local de trabalho esteja sediado nas Direcções Regionais.
39. Essas funções na Direcção Comercial Norte já são desempenhadas por vários Gerentes.
40. Alguns gerentes são colocados a exercer tais funções após a aplicação de sanções disciplinares.
41. Em consequência da ordem de mudança de funções subsequente ao cumprimento da sanção disciplinar o A. sentiu-se angustiado e desmotivado, teve manifestações de depressão com factores reactivos, careceu de assistência médica especializada e continua a necessitar de apoio médico para repor o seu equilíbrio psico-somático.
42. O A. praticou os seguintes factos que originaram o processo disciplinar que lhe foi movido em 15.2.2006 e com base nos quais o R. lhe aplicou a sanção de suspensa com perda de retribuição por 60 dias :
a) No período compreendido entre Janeiro de 2005 e Janeiro de 2006, o A. inseriu na conta nº………… de que é titular no Balcão de Arouca, várias operações de crédito, como descobertos contratados e não contratados para permitir o pagamento de diversos cheques que emitiu sem ter a conta provisionada e desta forma ocultava da sua hierarquia o saldo devedor da conta.
b) Em 3.1.2001, o A. visou e autorizou o débito de um cheque de € 8.000,00 por si emitido sem que a conta apresentasse saldo suficiente para o débito, pelo que daí resultou um saldo devedor de € 8.485,61.
c) Para que este débito pudesse ser processado, o A. no dia 4.1.2006 inseriu na sua conta uma operação de descoberto não contratado de igual montante.
d) No dia 5.1.2006 procedeu ao descativo de um depósito de valores de € 8.000,00, constituído por um cheque de € 8.000,00, por si sacado sobre uma conta domiciliada no H………., de que é co-titular com seu pai.
e) O A. sabia que o valor do depósito ficaria cativo por cinco dias, tendo procedido ao descativo para evitar que a sua conta apresentasse saldo devedor originado pela emissão de um cheque de € 8.000.00, sem que a conta dispusesse de saldo para tal.
f) Ao praticar os actos mencionados o A. sabia que infrigia os normativos do R. e que devia ter submetido tais movimentações a autorização superior.
43. A norma NG-PE.10.03 do Banco R., na sua alínea a) dispõe:” Não é permitido a qualquer colaborador efectuar, alterar e/ou autorizar quaisquer operações ou condições em contas nas quais tenha qualquer tipo de titularidade ou representação, o mesmo se aplicando às contas dos seus familiares.”
44. O Conselho de Administração do R. decidiu aplicar ao A. não a sanção de despedimento mas a suspensão com perda de retribuição por 60 dias, com base nas declarações prestadas de fls 48 a 52 do processo disciplinar pelo Director Coordenador da Direcção Comercial Norte, Dr. I………., nas quais o mesmo disse: “Que ele agiu mal e contrariamente ao código de conduta. Devia ter colocado o problema à sua Direcção Regional. No entanto, se ele quiser, ainda tem lugar no Banco, noutras funções onde pode ser útil.”
45. Com a ordem de mudança de funções do A. para gestor de imobiliárias o R. pretendeu aplicar o que ficou consignado no penúltimo parágrafo da decisão disciplinar: “...há, ainda, possibilidade de reganhar essa confiança, dando-lhe funções noutra área, compatíveis com a sua categoria profissional.”
46. O A. aufere 1.364,20€ de remuneração de base, 37,77€ de diuturnidades, 115,85€ de remuneração complementar e 379,45€ de retribuição especial pela isenção de horário de capacidade financeira.
47. O R. é uma instituição bancária de prestígio e de grande capacidade financeira.
48. Após a decisão da providência cautelar, o A. retomou funções como gerente na agência de Arouca em 20.11.2006, estando a ser apreciadas as razões de tal só ter sucedido nessa data no âmbito dos autos de oposição à execução de sentença, apensos ao presente processo.

3. O Direito
De acordo com o preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art. 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art. 1, n.º 2, alínea a) e art. 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões que as partes colocam à nossa apreciação consistem no seguinte:

I). No recurso de apelação da ré:
1. Impugnação da matéria de facto;
2. Aferir da legalidade do desconto efectuado pela ré no vencimento do autor;
3. Aquilatar se é devida indemnização ao autor por danos não patrimoniais;
4. Apreciar a licitude da sanção disciplinar aplicada ao autor.

II). No recurso subordinado do autor:
Impugnação da matéria de facto

I) 3. 1 Da impugnação da matéria de facto
Sustenta a ré que o número 14 dos factos provados não pode ter-se como provado por dizer respeito a factos que apenas se provam por documento. No ponto 14 da factualidade dada como provada consignou-se que “A mulher do A. estava grávida do filho que nasceu em 6.10.2003”. É sabido que tanto o estado civil como o nascimento apenas de provam por documento (artigos 1, 3, 4, 50 e 52 do Código de Registo Civil). E que se têm por não escritas as respostas aos factos que apenas se provem por documento (art. 646, n.º 5). Acontece, porém, que se é certo o nascimento invocado pelo autor não está demonstrado nos autos através do competente assento de nascimento, a referência à mulher do autor pode entender-se como não tendo sido feita, no pressuposto de que a mesma estaria casada com o mesmo no sentido legal do termo, assumindo a qualidade de seu cônjuge. Com efeito, a expressão “mulher” pode perfeitamente significar alguém que vive em união de facto com outrem, e, por isso, se considera que quando no ponto 14 se menciona que a mulher do autor estava grávida, se está a mencionar a companheira do autor, matéria essa perfeitamente demonstrável por via testemunhal. Desta feita, mantêm-se a redacção daquele ponto na parte onde se diz “A mulher do autor estava grávida”, suprimindo-se a restante redacção no que se refere ao nascimento e à filiação. Procedem em parte as conclusões da ré quanto a esta matéria.

I) 3. 2 Da legalidade do desconto efectuado pela ré no vencimento do autor
A ré pugna pela legalidade da sua actuação quanto a este aspecto e refere que os descontos que efectuou no vencimento do autor estão contidos na previsão do art. 95 do DL 49.408, de 14.11.1969 (LCT).
A fim de se analisar a presente questão importa relembrar a matéria de facto que se apurou a este respeito e que é a seguinte:
- O R. concedeu ao A. um empréstimo para construção de casa própria que foi formalizado por escritura outorgada em 26.9.2003, cuja cópia se mostra junta de fls. 133 a 140 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor, na sua literalidade.
- No âmbito do processo de concessão de tal empréstimo, após a aprovação do mesmo pela Direcção de Pessoal do R. pelo montante de € 109.000,00, o A. em circunstâncias não apuradas solicitou ao R. um adiantamento para aquisição do respectivo terreno no valor de aproximado de € 70.0000,00, valor esse que foi creditado na sua conta de depósitos à ordem pela Unidade Especializada de Crédito à Habitação, por duas vezes, € 50.000,00 em 21.11.2000 e € 20.000,00 em 13.2.2001, e tendo o A. registado a aquisição de tal terreno a seu favor em 10.7.2002.
- Em 27.1.2003 o A. por carta cuja cópia se acha inserta a fls 147 dos autos, solicita ao Departamento de Pessoal do R. a prorrogação do prazo do adiantamento de C.H.P.P. ao abrigo do ACTV.
- Em resposta a esse pedido o Departamento de Pessoal do R., por carta datada de 6.2.2003, cuja cópia se mostra inserta a fls. 156 dos autos, concede ao A. a prorrogação do prazo até Junho de 2003 para conclusão do processo de CHPP- ACTV.
- Em 7.2.2003, a Direcção de Crédito Habitação do R., prorroga o prazo do adiantamento em função da prorrogação concedida pelo Departamento de Pessoal, conforme comunicação, cuja cópia se acha a fls. 157 dos autos.
- Em 23.7.2003 o Banco R. debitou na conta ordenado do A. o valor de € 69.255,56, referente ao adiantamento concedido, com o fundamento de que tinha expirado o respectivo prazo.
- Devido a esse lançamento a débito do montante do adiantamento, o vencimento do A. desse mês de Julho, creditado no mesmo dia, foi totalmente absorvido e a conta ficou com um saldo negativo, no valor de € 69.255,56.
- Em 29.7.2003, o Departamento de Pessoal do R. autoriza a prorrogação até 31.12.2003 do prazo para a conclusão do processo de CHPP-ACTV do A., conforme comunicação inserta a fls. 158 dos autos.
- Nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2003, o montante dos vencimentos do A. depositados pelo R. continuou a ser totalmente absorvido na amortização do dito adiantamento, ficando o A. sem a possibilidade de receber a remuneração.
Refira-se, antes de mais, que a lei aplicável a esta matéria é efectivamente o art. 95 da LCT, visto os adiantamentos terem tido lugar em Novembro de 2000 e Fevereiro de 2001, os descontos terem ocorrido entre Julho a Outubro de 2003, e o Código de Trabalho apenas ter sido aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto e entrado em vigor em 1 de Dezembro de 2003.
Nos termos do art. 95, n.º 1 daquela disposição legal “A entidade patronal não pode compensar a retribuição em divida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante da referida retribuição.”
O n.º 2, por seu turno, indica um conjunto de situações a que se não aplica a regra do n.º 1, como são os casos previstos nas alíneas b) (indemnizações liquidadas por decisão judicial), c) (as multas enquanto sanções disciplinares), e) (preços de refeições, utilização de telefones, fornecimento de géneros, combustíveis e materiais solicitados pelo trabalhador e outras despesas efectuadas pela entidade patronal), f) (abonos ou adiantamentos por conta da retribuição), sendo que tais descontos não podem exceder no seu conjunto 1/6 da retribuição.
A hipótese da alínea d), onde se estriba a ré, contempla também uma das excepções à proibição ínsita no n.º 1, e diz respeito a “amortizações e juros dos empréstimos concedidos pela entidade patronal aos trabalhadores, para construção, beneficiação ou aquisição de casas a estes destinadas, precedendo autorização do Instituo Nacional do Trabalho e Previdência” (esta última parte, a itálico, está obviamente revogada, por dizer respeito a organismo do Estado Corporativo).
Da leitura do art. 95, claramente ressalta a intenção do legislador sobre esta matéria. Contempla-se no n.º 1 o princípio de que não é admissível à entidade patronal compensar a retribuição em divida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções sobre o montante da retribuição. Configura essa norma uma excepção às regras do art. 847 do Código Civil, apenas vigorando unilateralmente para o empregador e durante a pendência do contrato de trabalho.
No n.º 2 prevêm-se um conjunto de situações em que, por força dos interesses em presença, o legislador consentiu na atenuação daquele princípio da não compensabilidade, admitindo descontos na retribuição desde que não ultrapassam determinada percentagem. Ou seja, são permitidos, nesses casos, descontos desde que não excedam no seu conjunto 1/6 da retribuição (alienas b), c), e) e f), e os demais casos (das alíneas a) e d), que devendo ser articulados com o art. 853, n.º 1 alínea b), do Código Civil e art. 824, n.º 1, alínea c), implicam que tais descontos se situem entre 1/3 e um 1/6 da retribuição.
E compreende-se que assim seja. Em verdade, assumindo o salário natureza alimentícia e de sobrevivência para o trabalhador e sua família, o legislador dotou-o de um conjunto de “garantias” onde se contam a impossibilidade de renuncia, de cessão, de penhora, e para o que ora interessa, de compensação. Todo este regime tutelar se compreende numa perspectiva de integralidade da retribuição (ou de mínimos dessa integralidade) face à sobredita função social do salário e à própria sobrevivência do trabalhador.
No presente caso, o que se passou foi que a ré, em Julho de 2003, descontou, sem mais, no vencimento do autor o adiantamento do empréstimo que lhe havia feito, no valor de euros 69.255,56, tendo aquele vencimento ficado totalmente absorvido e com saldo negativo, o que continuou a suceder nos meses de Agosto, Setembro e Outubro do mesmo ano. Durante esses 4 meses a ré, deixou o autor, pura e simplesmente, desprovido de salário.
Ora, essa situação, como salta à evidência, não pode ser. Não somente traduz uma prática contrária ao prescrito no citado normativo (e onde em lado algum se admite a compensação total), como atenta, de modo grosseiro, contra a Constituição da República Portuguesa, de onde resulta, com efeito, que “todos os trabalhadores têm direito à retribuição”, art. 59, n.º 1, tendo-se ainda consagrado o direito ao salário mínimo nacional (actualmente retribuição mínima mensal garantida – rmmg) por se entender que abaixo desse valor, cujo montante é actualizado anualmente, nenhum ser humano deve viver. Embora se possa questionar, se esse montante verdadeiramente acautela o mínimo de sobrevivência, o que é facto é que o legislador assim o pressupõe e pretende que ninguém aufira menos do que essa importância.
Desta feita, a conduta da ré ao descontar no salário do autor, durante aquele (longo) período, o montante do adiantamento que lhe havia feito por conta do empréstimo à habitação, deixando-o nesse tempo sem receber qualquer retribuição, viola o princípio de que todos os trabalhadores têm direito à retribuição mensal mínima, também consagrado no art. 266 Código do Trabalho, colocando, assim, irremediavelmente em causa aquele patamar mínimo de subsistência que a todo e a qualquer trabalhador deve ser proporcionado como modo de garantir o valor supremo da dignidade da pessoa humana consagrado no art. 1 da nossa Constituição.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso quanto a esta questão.

I) 3. 3 Da indemnização por danos não patrimoniais
Quanto a esta questão a ré invoca que os danos alegados pelo autor foram meras consequências de incumprimento do próprio, não havendo lugar ao ressarcimento de tais danos, e que, mesmo a admitir-se, por mera hipótese, essa ressarcibilidade os mesmos foram fixados num montante absurdo.
É sabido que nos termos dos números 1 e 3 do art. 496, do Código Civil, apenas são ressarcíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494, onde se contam, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias do caso. Na qualificação de dano moral vêem-se recentemente incluindo o dano moral subjectivo, dano biológico e o dano existencial, este ligado sobretudo à vida de relação, nomeadamente, familiar. O que se traduz nas dores físicas e psíquicas, na perturbação da pessoa e sofrimentos morais.
Tem sido entendido que tais danos para serem juridicamente relevantes e por conseguinte ressarcíveis, devem ser graves e si mesmos, e ultrapassar os simples incómodos e contrariedades, de modo aque fosse exigível ao lesante um comportamento diverso do empreendido. Isso implica uma análise ponderada, objectiva, comum à generalidade das pessoas e que possa servir como padrão para a apreciação do grau de gravidade do dano, desprendido de sensibilidades exageradas ou requintadas, embora reportado ao dano concreto. Tal apreciação exige, assim, o recurso a um método de vaporação em que quem aprecie o prejuízo se distancie o suficiente do caso de forma que no resultado final não entre a subjectividade do lesado. O montante da indemnização deve ainda ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 499 e Acordão desta Relação proferido no ambito da Apelação n.º 580/07.0TTBCL.P1.
Assim, quando se faz apelo critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que no caso concreto pode ser a solução mais justa; a equidade está limitada pelos imperativos da justiça real, constituindo ela a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. Cfr. Dario M. Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, 2.ª Edição Coimbra, 1980, pág. 103 e 104.
A indemnização por danos não patrimoniais tem de constituir um lenitivo para os danos suportados, uma efectiva possibilidade compensatória, pois se é certo que os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente, é possível, mesmo assim, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização dessa indemnização. Trata-se de proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para a realização de uma gama de interesses na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal. Cfr. MOTA PINTO, “Teoria Geral de Direito Civil”, 3.ª Edição, Coimbra, pág. 115.
No caso vertente, como acima se referiu, a ré deixou o autor sem auferir retribuição nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro, na medida em que lhe descontou nesses salários o montante do adiantamento que lhe havia feito a título de empréstimo para habitação. Constituindo a retribuição elemento essencial do contrato de trabalho, sobrevivendo apenas com ele a esmagadora maioria das pessoas trabalhadoras, não se tendo apurado que o autor fosse detentor de outro tipo de rendimentos que lhe permitissem suprir essa falta, não é difícil de imaginar como essa ausência de retribuição se reflectiu no autor e seu agregado familiar, que, como se provou, ficou numa situação de angústia e de carência familiar. E essa angústia e carência familiar inseriram-se num contexto em que a mulher/companheira do autor se encontrava grávida, com o que isso implica de cuidados, apoio médico e demais despesas face ao futuro nascimento. Acresce que o autor se encontraria em fase construção de casa própria (o empréstimo destinava-se a isso), o que se terá traduzido num aumento de despesas e preocupações. A ré, que acabou por conceder em 29.07.2003 a prorrogação do prazo para a conclusão do processo de empréstimo, decidiu, porém, “cativar” o ordenado do autor ao pagamento do adiantamento que lhe havia feito, sem que se tenha apurado que lhe tenha dado a oportunidade de o pagar faseada ou fraccionadamente, como veio a ser consignadora escritura de mútuo com hipoteca constante de fls. 133 a 140. Neste contexto, os danos não patrimoniais sofridos pelo autor assumem gravidade bastante, a ponto de merecerem a tutela do direito, pelo que, ponderando a factualidade apurada e o que acima se explanou, se considera justa a quantia que a esse propósito foi fixada na sentença recorrida.
Improcedem, por isso, as conclusões de recurso relativamente a esta temática.

I) 3. 4 Da licitude da sanção disciplinar aplicada ao autor
Pretende a ré que tendo aplicado a sanção disciplinar de 60 dias de suspensão com perda de vencimento não são aplicáveis ao caso as regras para o despedimento, mas que, caso assim se entenda, a mesma cumpriu o preceituado no art. 436 do Código do Trabalho. Pretende ainda que a diligência solicitada pelo autor não se revelava como imprescindível para a sua defesa.
Ao contrário do que se prevê no Código do Trabalho (onde se distinguem dois tipos de procedimento disciplinar, um deles mais simples, enunciado em termos genéricos, não sujeito à foram escrita e destinado à generalidade das infracções disciplinares e outro, mais complexo, sujeito obrigatoriamente à forma escrita, com fases previamente definidas e enunciação de direitos e deveres das partes, destinado à efectivação do despedimento com justa causa) no K………. do sector bancário (Cláusulas 120 e 121) prevê-se que qualquer dos tipos de processo disciplinar seja reduzido a escrito, prevendo-se, contudo, mais formalidades na hipótese de despedimento.
No caso vertente, a ré instaurou procedimento disciplinar ao autor com vista ao seu despedimento, vindo, a final, a aplicar-lhe a sanção disciplinar de 60 dias de suspensão com perda de vencimento. Afigura-se-nos que nesta situação, tendo o procedimento disciplinar sido iniciado e conduzido com vista ao despedimento do autor, ao mesmo se deverão aplicar as regras que vigoram quanto àquele tipo de procedimento, visto ter sido no seu âmbito e na sua pressuposição que tanto o empregador como o trabalhador actuaram.
Resulta da factualidade apurada que para prova da matéria que alegara na sua resposta à nota de culpa, o autor requereu a realização de uma peritagem pelos serviços de auditoria do banco às contas de empregado de todos os gerentes da área do Departamento Comercial Norte. Esse requerimento de prova não foi objecto de qualquer despacho no processo disciplinar, tendo o instrutor do processo disciplinar, aquando da inquirição das testemunhas indicadas, comunicado ao autor, verbalmente, que tal requerimento era indeferido por impertinente e dilatório, pois o Banco não tinha um gabinete de inspecção para realizar a peritagem requerida e que se tinha conhecimento de casos idênticos que os indicasse.
A Cláusula 120, n.º 5 do ACTV do sector bancário (em sintonia com o que se dispõe no art. 414, n.º 1 do CT)), estabelece que a instituição directamente ou através de instrutor que tenha nomeado procederá obrigatoriamente às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundadamente por escrito.
No caso em apreço, a ré justificou ao autor a não realização da diligência pedida invocando que era dilatória e que não tinha espaço para a realizar. Ou seja, o motivo para a não realização da diligência foi referido ao autor, só o não tendo sido por escrito.
Ora, quanto a nós, essa situação não se traduz em nulidade do processo disciplinar (Cláusula 125, n.º 3, alínea b) do ACTV referido), porquanto não está propriamente em causa o desrespeito pelo princípio do contraditório e defesa do trabalhador, previstos nos números 6 e 7 da Cláusula 120 (onde se consagra nomeadamente o direito de o trabalhador solicitar diligencias probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade, e o dever de o empregador as realizar) uma vez que se é certo a ré não utilizou a forma escrita, não deixou de comunicar oralmente ao autor a razão dessa não realização, apresentando justificação para esse efeito.
Acresce que, salvo o devido respeito, são espúrias e redundantes, as diligências solicitadas pelo trabalhador.
Na verdade, pretender que a ré fizesse uma peritagem às contas de empregado de todos os gerentes da área de Departamento Comercial do Norte, afigura-se-nos claramente desnecessário, pois, mesmo a admitindo que tais trabalhadores seguiram uma prática semelhante à do autor, isso não retira a culpa deste pelo comportamento que assumiu; e ainda que se viesse a apurar que tal comportamento era seguido por esses trabalhadores, tal não significava que a ré disso tivesse anterior conhecimento, ou que tendo-o, tais trabalhadores não viessem a ser alvo de sanção disciplinar - isto no que toca a aquilatar da prática disciplinar da empresa, elemento a ponderar em sede de apreciação da justa causa (art. 396, n.º 2 do Código do Trabalho).
Saliente-se, ainda, que, estando previsivelmente em causa muitos trabalhadores, essa diligência significaria uma demora acrescida na conclusão do processo disciplinar do autor, assumindo, pois, dimensão dilatória, visto que de relevo, e na essência, nada traria em prol da defesa deste.
Deste modo, a não comunicação por escrito ao autor traduziu-se apenas em mera irregularidade que não invalida o processo disciplinar visto que o seu direito de defesa foi devidamente assegurado. Defendendo posição semelhante, embora à luz do art. 10, n.º 5, do DL 64-A/89, de 27.02, de teor idêntico ao do art. 414, n.º1 do CT) veja-se PEDRO FURTADO MARTINS, “Cessação do Contrato de Trabalho”, Principia, 2.ª Edição, pág. 102 e 103.
Deste modo, concluindo nós pela não ilicitude do procedimento disciplinar, é manifesto não ter aplicação ao caso o preceituado no art. 436, n.º 2 do CT, que prevê a reabertura do procedimento disciplinar em caso de impugnação de despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar. Procedem, pois, quando a este aspecto as conclusões de recurso da ré.

II) Da impugnação da matéria de facto
Pretende o autor que deve ser alterada a matéria de facto no sentido de ser eliminado o ponto 16 dos factos provados e acrescentar-se ao ponto 17 o período de deslocação de 5.8.2003 a 11.1.2005, mantendo-se o ponto 18 esclarecido pela falta de transportes públicos. Invoca, para tal, o depoimento da testemunha J………. .
Ali se consignou que:
“No ano de 2003, o A. era gerente e exercia funções no balcão de Castelo de Paiva, tendo-o o R. mandado em data não concretamente apurada para a sede da Direcção Regional de Espinho e desta derivava nalguns dias, por ordem dos responsáveis do R., para a Direcção Regional de Aveiro.
E foi mantido nesta situação sem funções atribuídas até que foi colocado como gerente na agência de Arouca, em data não apurada.
Durante este período o A. viu-se forçado a deslocar-se de carro próprio de ………., onde vivia e tem família constituída, para Espinho ou Aveiro, sem pagamento pelo R. de despesas de viagem pela utilização de carro próprio e das despesas de alimentação.”
De acordo com o art. 712, n.º 1, “A decisão do tribunal de primeira instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por qualquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
(…) ”
Nos presentes autos, a prova foi gravada, sendo pois aplicável o art. 690-A.
Ora, vem sendo entendido, não somente que a prova deve ser analisada na sua globalidade, como a sua reponderação pelo Tribunal da Relação não implica se postergue o princípio fundamental da livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância (art. 655), segundo o qual o julgador decide a matéria de facto da causa segundo a sua livre convicção, formada no confronto dos vários meios de prova. E, porque há contacto directo com as pessoas ou coisas que servem de fontes de prova (mediação), produção de prova oral e sequência de actos perante o julgador (oralidade e concentração), cabe ao julgador retirar as conclusões depois da prova produzida em conformidade com as impressões recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis. Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 157. Tão pouco se deve perder de vista, nos termos assinalados pela nossa jurisprudência e pelo próprio Tribunal Constitucional, Acórdão de 2001.10.03, “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, Vol. 51, pág. 206, também citado pelo Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação no seu douto parecer, que na formação da convicção do julgador entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis, de tal modo que a função do tribunal de 2.ª instância deverá circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1.º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
Na realidade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas poderão ser apreendidos, interiorizados e valorados, por quem os presencia directamente, e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador.
O tribunal de segunda instância não vai, assim, à procura de uma nova convicção, o que lhe está subtraído por lhe faltarem aqueles elementos (indizíveis) que a gravação da prova não pode colher ou registar, mas sim em busca de apurar se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação com os demais elementos dos autos pode revelar.
É por ser assim que sem tem vindo a considerar que a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente e somente em casos excepcionais e pontuais. Essa alteração da matéria de facto pela Relação só ocorrerá se, dos meios prova indicados pelo recorrente, valorizados no amplexo global da prova produzida, se verificar que tais elementos probatórios, em concreto, se revelam inequívocos no sentido pretendido.
Ponderando o depoimento da testemunha J………., não pode concluir-se no sentido do pretendido pelo autor. Com efeito, essa testemunha, sogra do autor, baseou-se essencialmente no que sua filha lhe dizia, tendo afirmado em termos algo genéricos que o autor andava desanimado e abatido psicologicamente, e que o mesmo fora transferido para Espinho e após para Aveiro, utilizando carro próprio, não havendo autocarro de Arouca para Espinho – o que, diga-se, em nada contraria ou acrescenta à matéria de facto fixada.
Deste modo, ponderado a globalidade da prova produzida, não há motivos para se concluir, em termos inequívocos, que tenha havido erro clamoroso na apreciação da prova realizada pelo tribunal de 1.ª instância. Isto para se dizer que se mantém inalterada a decisão de facto da 1.ª instância, improcedendo as conclusões de recurso do autor.

4. Decisão
Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao recurso da ré, pelo que se revoga a sentença na parte em que considerou ilegal a sanção disciplinar de 60 dias de suspensão com perda de vencimento aplicada ao autor, no mais se mantendo a sentença recorrida.
Nega-se provimento ao recurso subordinado do autor.

Custas na apelação da ré por ambas as partes na proporção do decaimento
Custas no recuso do autor por este.

PORTO, 2009.09.28
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Luís Dias André da Silva

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[1] Serão deste diploma todas as referências normativas sem indicação de origem.