Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1052/05.2GALSD.P1
Nº Convencional: JTRP00043768
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Nº do Documento: RP201003251052/05.2GALSD.P1
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 629 - FLS. 128.
Área Temática: .
Sumário: I- Apenas são de considerar como jogos de fortuna ou azar, integradores do crime de exploração ilícita de jogo, os enunciados no catálogo do artigo 4º da Lei do Jogo.
II- A intenção do legislador passa pelo entendimento de se considerar que os jogos que dependem essencialmente do acaso e da sorte do jogador, são aqueles em que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do respectivo jogo
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1052/05.2GALSD
1ª secção
Relatora: Eduarda Lobo
Adjunta: Des. Lígia Figueiredo
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no …º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada com o nº 1052/05.2GALSD foram submetidos a julgamento, entre outros, os arguidos B…………… e C………., tendo a final sido proferido sentença que condenou:
- o arguido B……….., pela prática, em co-autoria material de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar p. e p. no artº 108º nº 1 do Dec-Lei nº 422/89 de 21.12, por referência aos artºs. 1º, 3º e 4º do mesmo diploma, na redacção que lhes foi dada pelo Dec-Lei nº 10/95 de 19.01, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e em quatro meses de prisão, ou seja, na pena única de 300 dias de multa àquela taxa diária, o que perfaz o total de € 1.800,00;
- o arguido C…………, pela prática, em co-autoria material de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar p. e p. no artº 108º nº 1 do Dec-Lei nº 422/89 de 21.12, por referência aos artºs. 1º, 3º e 4º do mesmo diploma, na redacção que lhes foi dada pelo Dec-Lei nº 10/95 de 19.01, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e em três meses de prisão, ou seja, na pena única de 240 dias de multa àquela taxa diária, o que perfaz o total de € 1.440,00.
Inconformados com a sentença condenatória, dela vieram aqueles arguidos interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:
1. Os factos dados como provados em audiência de julgamento não integram o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, mas antes e tão só uma conduta contra-ordenacional enquadrada no artigo 161º nºs 1 e 3 do Dec-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 10/95 de 19.01, porque referida a uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar previsto no artº 159º do mesmo diploma;
2. O cerne da distinção entre crime e contra-ordenação, em matéria de jogo, com a alteração ao diploma operada pelo D-L 10/95 de 19.01, passou a colocar-se não já na relevância da sorte ou azar para obtenção do resultado, mas antes na natureza dos prémios atribuídos;
3. Quando tais prémios consistem em dinheiro, estar-se-á perante ilícito criminal, ao passo que a atribuição de prémios de outra natureza caracteriza o ilícito de mera ordenação social;
4. O critério distintivo que a Senhora Juiz refere na sentença esvazia de conteúdo a norma do artº 159º do diploma em causa e nunca saberemos quando estamos perante modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar pois tudo se enquadrará no crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar;
5. O tribunal ao integrar a conduta dos arguidos num crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar violou em consequência o disposto nos artºs. 108º, 159º, 161º e 163º entre si conjugados, do D-L 422/89 de 21.12 com a redacção que lhe foi dada pelo D-L nº 10/95 de 10.01;
6. Também não se conformam os arguidos com a douta sentença na parte em que deu como provada a consciência da ilicitude dos arguido condenados;
7. Não se vê da prova produzida onde sustenta o Tribunal de primeira instância esta conclusão;
8. O Tribunal de primeira instância afasta a consciência da ilicitude de todos os jogadores porque, além do mais, se tratava de um jogo onde o prémio, era uma coisa com valor económico (umas garrafas);
9. Afasta sem explicar a razão ou motivo esse mesmo critério para os arguidos condenados é uma clara violação do princípio da igualdade prevista no artº 13º da Constituição da República que necessariamente proíbe o arbítrio;
10. Não se concebe as conclusões da Senhora Juiz de 1ª instância, a este propósito e não pode valer o princípio de que se é proibido por lei é crime, quando já vimos que o mais certo será ser ilícito de mera ordenação social;
11. Parece aos arguidos que foi utilizada uma conclusão genérica da consciência da ilicitude com total ausência de comprovação concreta dessa mesma consciência, pois ninguém falou sobre factos donde pudesse advir tal conclusão;
12. Ainda que não mereçam provimento os reparos feitos à sentença, situação que os recorrentes só podem admitir por dever de raciocínio, é também certo para estes que a medida concreta da pena é exageradíssima;
13. A determinação da medida concreta da pena dentro dos limites definidos por lei deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele;
14. Quanto ao elemento subjectivo do crime (dolo directo) com todo o devido respeito que merece a Senhora Juíza recorrida, é incompreensível para o signatário onde aquela fundamenta a sua convicção para afirmar e dar como provado que os arguidos agiram com dolo, o qual se manifestou na forma mais grave;
15. Já se demonstrou que a conduta dos arguidos estará pelo menos na linha de fronteira entre crime e contra-ordenação;
16. Outrossim é de difícil entendimento considerar a ilicitude ínsita na conduta dos arguidos elevada;
17. Como quer que seja, resultou provado que ambos os arguidos não têm antecedentes criminais e estão inseridos socialmente;
18. São pessoas que estão presentemente desempregadas, tem família a seu cargo, prestações de empréstimos para pagar;
19. A enquadrar-se o jogo desenvolvido pelos arguidos como de fortuna ou azar, e consequentemente previsto e punido pelo artº 108º do D-L 422/89 de 2.12, com a redacção que lhe foi dada pelo D-L 10/95 de 10.01 temos uma moldura penal que vai até dois anos de rpisão e multa até 200 dias;
20. O Tribunal relativamente à pena de multa entendeu adequado aplicar ao arguido B………. a pena de 180 dias de multa e ao arguido C………. 150 dias de multa em ambos os casos à taxa diária de € 6,00;
21. É contra a pena de multa e o montante diário da mesma que reagem os arguidos considerando que o Tribunal foi insensivelmente duro, já que não atentou na situação concreta dos arguidos, nomeadamente nas suas condições económicas de desemprego actual, no facto de serem primários, de estarem socialmente inseridos e de sobre a data da prática dos factos ter decorrido bastante tempo sem que haja notícia da prática de qualquer crime;
22. A pena de multa, na situação concreta dos autos, nunca deverá ir além do mínimo, bem como igual mínimo para o seu montante diário;
23. Entendem que a sentença recorrida violou por erro de interpretação os artºs. 108º, 159º, 161º e 163º entre si conjugados, do D-L 422/89 de 21.12 com a redacção que lhe foi dada pelo D-L nº 10/95 de 10.01 ao não enquadrar a conduta dos arguidos como prática de modalidade afim do jogo de firtuna ou azar e consequentemente como conduta contra-ordenacional, bem como os artºs. 16º e 17º do Cód. Penal, ao não excluir sem fundamento a consciência da ilicitude como correctamente o fez para os arguidos jogadores, e por último os artºs. 47º nº 1 e 2 e 71º do Cód. Penal, ao não atentar na concreta determinação da pena em todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele e supra referidas.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos (transcrição):
«1. O arguido B…………. era o único proprietário do estabelecimento comercial, denominado “D…………”, também conhecido por “D1………..” desde data não apurada, sito no lugar de S. ………, ………, Lousada, explorando o mesmo e como tal era o seu único gerente e também único responsável nas relações que estabelecia com terceiros.
2. No dia 16 de Dezembro de 2005, cerca das 23 horas e 30 minutos, no âmbito de operação fiscalização levada a cabo pela GNR, presidida pelo Comandante do Destacamento da GNR de Felgueiras, E………… e pelo 2º Sargento F……….. e na qual se encontravam ainda presentes os militares Soldados G………., H……….., e I………….. do NIC da GNR de Felgueiras, entraram neste café com o objectivo de fiscalizarem o mesmo.
3. Assim que entraram neste café verificaram os Agentes da GNR que ali se encontravam os arguidos J………….., K…………., L………….., M………., N………., O………… e P……….., sentados em várias mesas e que cada um deles, tinha um ou mais cartões numerados nas mãos e que em frente destas mesas estava o arguido C………… de pé, com um saco numa das mãos e retirava deste saco bolas numeradas e em voz alta dizia o número constante da bola.
4. O arguido B………., explorador deste café era quem desempenhava as funções de atendimento dos clientes e quem vendeu e vendia, juntamente com o arguido C…………, cada um dos cartões de bingo aos jogadores pelo preço de 0,50 € cada.
5. Assim e no âmbito desta operação de fiscalização foram apreendidos:
a) Doze mesas em metal e trinta e nove cadeiras, das quais foi instituído fiel depositário o arguido B………..;
b) Duzentos e vinte e dois cartões de birigo, por utilizar, da série 2610, numerados de 073 a 300;
c) Quatro cartões de bingo, por utilizar, da série 2610, numerados de 061 a 065;
d) Dezoito esferográficas que se encontravam espalhadas pelas mesas;
e) Quarenta cartões, utilizados, que estavam espalhados pelas mesas;
f) Um saco em tecido, contendo noventa bolas de plástico numeradas de um a noventa;
g) Um tabuleiro de damas, com um papel colado revestido a plástico, numerado de um a noventa;
h) Três panfletos que se encontravam afixados na parede e máquina a publicitar o jogo de bingo;
6. Nesta data e no momento da apreensão deste material, próprio para o ‘Jogo do Bingo”, o mesmo tinha as seguintes características:
IDENTIFICAÇÃO: um saco de pano contendo no seu interior noventa peças numeradas de um a noventa; um placar para colocação das peças (números) extraídas, contendo para o efeito noventa espaços numerados de um a noventa; vários cartões novos e usados com quinze números cada, os quais se encontram distribuídos por nove colunas e três linhas, tendo sempre cada linha números e ainda três papéis que se destinavam a divulgar a existência do jogo do bingo.
FUNCIONAMENTO DO JOGO: 1. Aquisição dos cartões por parte dos jogadores, podendo cada jogador jogar com um cartões ou vários cartões; 2. O prémio encontrava-se previamente definido e é iniciada a extracção das peças/números; 3. Os números extraídos são marcados pelos jogadores nos respectivos cartões, neste caso com recurso aos marcadores que constam do auto de apreensão; 4. A Jogada termina quando os 15 números de um dos cartões vendidos tenham sido extraídos e o jogador detentor do referido cartão anuncie em voz alta “BINGO”; 5. O jogador que efectuar “BINGO” tem direito ao prémio e os restantes não têm direito a nada. 6. O objectivo do jogo é o de conseguir números (combinações de números) premiados. 7. Neste caso, tal como o jogo de Bingo praticado nos casinos e em salas autorizadas, é o de conseguir marcar os quinze números do cartão em primeiro lugar, tudo com base exclusivamente na sorte, de nada valendo, para a obtenção do resultado final a perícia e destreza do jogador.
7. Todo este material é propriedade do arguido B…………., que o adquiriu por preço não apurado e o instalou no seu café e o arguido C……….. agia como cantador dos números.
8. O resultado do jogo desenvolvido depende essencialmente da sorte, sendo a sua exploração restrita aos casinos instalados nas zonas de jogo autorizadas pelas autoridades competentes, sendo que o café do arguido B………. não é um casino e não se situa em zona de jogo legalmente instituída.
9. Os arguidos B……….. e C……….. conheciam perfeitamente as características do jogo desenvolvido por aquele material e apesar disso, o B………… instalou-o e usou-o, com o auxílio do arguido C……… no seu café, bem sabendo que esta actuação não lhes era permitida.
10. Os arguidos B……….. e C……….. agiram livre, voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, bem sabendo que a respectiva conduta era proibida por lei e que não lhes era permitida a exploração daquele jogo fora dos casinos existentes nas zonas criadas por lei para esse efeito ou salas autorizadas para este tipo de jogo.
E resultou, ainda, provado que:
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso em apreço, as questões que o arguido pretende ver reapreciadas consistem em saber se:
- está correcto o enquadramento jurídico efectuado na decisão recorrida;
- se se verifica o elemento subjectivo do crime pelo qual o recorrente foi condenado;
- a pena concretamente aplicada se mostra adequada, designadamente face à situação económica do arguido;
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Quanto ao enquadramento jurídico:
O arguido/recorrente foi acusado e, como tal foi condenado, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar p. e p. no artº 108º nº 1 do Dec-Lei nº 422/89 de 21.12, por referência aos artºs. 1º, 3º e 4º do mesmo diploma, na redacção que lhes foi dada pelo Dec-Lei nº 10/95 de 19.01.
Alega o recorrente que os factos provados não integram o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, mas antes e tão só uma conduta contra-ordenacional enquadrada no artº 161º nºs 1 e 3 do Dec-Lei nº 422/89 de 2.12.
Dispõe o artigo 1º do diploma em apreço que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte. ”O art. 3º, nº 1, preceitua que “a exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6º a 8º“.
Tais casos excepcionados nos artigos 6º a 8º do referido diploma reportam-se à “exploração de jogos em percursos turísticos e aeroportos” e em “estabelecimentos hoteleiros ou complementares, em localidades em que a actividade turística seja predominante” sempre dependendo a respectiva exploração da concessão por parte do Governo, ouvida a Inspecção - Geral de Jogos e a Direcção Geral de Turismo. O artigo 8º refere-se ao “jogo do Bingo” a explorar nos termos de legislação especial.
Quanto ao artigo 4º, nº 1, alínea e), referindo-se aos tipos de jogos de fortuna ou azar prevê que “nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: jogos não bancados: bacará (…) e bingo.”
Por fim, o artigo 108º, nº 1 do mesmo diploma pune quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados. Isto significa que a disciplina legal respeitante aos jogos pretendeu conciliar a vantagem de se conseguir receitas com utilidade social, explorando o jogo de fortuna ou azar em moldes estritamente regulamentados, com a necessidade de impedir os efeitos socialmente perniciosos de uma liberalização de tais jogos.
A definição legal de jogos de fortuna ou azar encontra-se assim no art. 1.º da vulgarmente denominada “Lei do Jogo”, considerando-se como tal “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Mediante este ilícito pretende-se acautelar a integridade das explorações dos jogos de fortuna ou azar, circunscrevendo-as a zonas devidamente autorizadas.
Trata-se de um tipo totalmente aberto, cujo núcleo central corresponde a uma autêntica cláusula geral, que tem vindo a suscitar sérias dificuldades interpretativas, quando se pretende distinguir este ilícito criminal dos ilícitos contra-ordenacionais que correspondem a modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo quando estas não se encontrem autorizadas, da previsão do art. 159.º e 160.º. Para o efeito, convém ter presente que neste art. 159.º, consideram-se como modalidades afins “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
Como se refere no Ac. desta Relação do Porto de 21.05.2008[3], a jurisprudência não tem sido uniforme ao estabelecer os critérios diferenciadores destes ilícitos criminal e contra-ordenacional, os quais passariam:
a) pelo carácter totalmente aleatório do resultado, considerando-se como exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, partindo-se essencialmente da definição legal do art. 1.º, todo aquele que dependa essencialmente do acaso e da sorte do jogador, de modo que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o correspondente resultado – Ac. R. E. de 1999/Out./12 [CJ IV/296], Ac. R. P. de 1995/Mai./24 [CJ III/259], 2000/Mar./13 [CJ I/249, II/244] e mais recentemente os de 2007/Fev./21, 2007/Set./26 e 2008/Fev./27;
b) pela natureza pecuniária dos prémios atribuídos, de modo que, atento o preceituado no art. 4.º, n.º 1, al. g) e 161.º, n.º 3, parte final, da Lei do Jogo, quando tais prémios consistissem em dinheiro ou em fichas convertíveis em moeda corrente, estar-se-ia perante um ilícito criminal, ao passo que se apenas houvesse a atribuição de prémios de outra natureza, já haveria um ilícito de mera ordenação social – Ac. da R. E. de 2007/Fev./13 [CJ I/258], R. L. de 2007/Fev./07, R. C. de 2008/Abr./09;
c) pelo tipo das operações oferecidas ao público, considerando-se como modalidades afins, atento o disposto no art. 159.º, n.º 1 e a enumeração exemplificativa do seu n.º 2, aquelas que correspondem a uma interpelação ou promoção directa junto do público, enquanto que no crime de jogo de fortuna ou azar este é colocado em estabelecimentos pré-determinados – Ac. R. Porto de 1997/Fev./05 [CJ I/249], 2000/Abr./26 [CJ II/240].
d) pela pré-determinação do subsequente prémio, considerando-se como modalidades afins aquelas operações em que o prémio está pré-fixado e se dirija a um número indeterminado de pessoas, pois caso contrário tratar-se-á de uma exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar – Ac. R. E de 1990/Nov./06 [CJ V/276], Ac. R. L. de 1990/Nov./06 [CJ V/276] Ac. R. C de 2007/Mai./16;
e) pela temática do jogo ou pela natureza dos prémios, considerando-se crime a exploração de máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar, independentemente do pagamento de qualquer prémio ou então aquelas que não desenvolvendo jogos com esses temas atribuem prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro, situando-se fora desta descrição as modalidades de jogo afins, ainda que o seu resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte – Ac. R. L. de 2007/Out./10; Ac. STJ de 2007/Nov./28 [CJ III/256].
f) pela temática do jogo, considerando-se apenas como jogos de fortuna ou azar aqueles cuja exploração está reservada aos casinos, pelo que apenas haveria crime de exploração desses jogos quando os mesmos fossem efectuados fora das zonas concessionadas – Ac. R. L. de 2005/Out./26 [CJ IV/147].
Naturalmente que a estes posicionamentos não é estranha toda a evolução histórica do crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, que no Código Penal de 1886, se encontrava tipificado nos arts. 265.º, e 266.º, sem que contudo se definisse o que se considerava como tal.
No primeiro punia-se “O que for achado, jogando jogo de fortuna ou azar, …”, enquanto no segundo seriam “Aqueles que em qualquer lugar derem tavolagem de jogo de fortuna ou azar, e os que forem encarregados da direcção do jogo, posto que o não exerçam habitualmente, e bem assim qualquer administrador, proposto ou agente, …”.
Todo o regime penal relativo aos jogos de fortuna ou azar foi revogado pelo Dec. n.º 14.643 de 1927/Dez./03, mais concretamente pelo seu art. 63.º, passando o regime de exploração de jogos de fortuna ou azar a ser regulado pelo Dec.-Lei n.º 48.912, de 1969/Mar./18.
Para o efeito, considerava-se no art. 1.º, deste último diploma, que “Denominam-se de fortuna ou azar os jogos cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte”, sendo a sua prática apenas “permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo e nas épocas estabelecidas para o seu funcionamento” [n.º 2].
Por sua vez, modalidades afins seriam, segundo o subsequente art. 43.º, “As operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte …”, acrescentando-se no seu § 1 que “São especialmente abrangidos por este artigo as rifas, tômbolas, sorteios, assim como quaisquer máquinas automáticas cujo funcionamento não dependa da utilização, nem origine a atribuição de fichas e para cujos resultados não influa a perícia e, ainda, os concursos de publicidade, ou outros em que se verifique a atribuição de prémios.”
Assim, enquanto os jogos de fortuna ou azar se centram na exclusividade da sorte, as modalidades afins assentam essencialmente na sorte das “operações oferecidas ao público”.
O Dec.-Lei n.º 22/85, veio no entanto alterar este regime, modificando a redacção daquele § 1.º, do art. 43.º, restringindo o carácter exemplificativo das modalidades afins às “…rifas, tômbolas, sorteios e concursos de publicidade ou outros em que se verifique a atribuição de prémios”.
Tal alteração foi, a dado momento, abonada no seu preâmbulo do seguinte modo: “2. São muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. 3. A solução legal até agora adoptada, consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão e na sua sujeição ao regime instituído para as máquinas de tipo flipper, tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática de jogo ilícito. 4. Justifica-se, assim, a revisão do enquadramento legal daquelas máquinas, qualificando-se as mesmas como verdadeiros jogos de fortuna ou azar e, consequentemente, restringindo-se o seu uso aos casinos das zonas de jogo autorizadas. 5. Permanecem fora deste regime, embora sujeitas a uma regulamentação própria, as máquinas de mera diversão, cujos resultados, por dependerem exclusiva ou fundamentalmente da perícia, como sucede com as do tipo flipper, não favorecem as apostas ilícitas.”
Mediante esta alteração e sem se proceder a qualquer modificação dos critérios operativos enunciados nos art. 1.º e 43.º, do Dec.-Lei n.º 48.912, teve-se o propósito explícito de passar-se a enquadrar como jogos de fortuna ou azar as máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Nesta conformidade, o critério da exclusividade ou da essencialidade da sorte, deixou de ser distintivo entre os jogos de fortuna ou azar das suas modalidades afins, de modo que o posicionamento jurisprudencial enunciado em a) não pode ter qualquer sustentabilidade.
Por outro lado, podemos também daqui concluir que o legislador passou a dar prevalência, na descrição do tipo legal de crime, às exemplificações dos jogos de fortuna ou azar ou das suas modalidades afins, em detrimento das cláusulas gerais enunciativas daquele ilícito criminal.
Com o Dec.-Lei n.º 422/89, de 02/Dez., passou a instituir-se um novo quadro normativo que relativamente à definição do que seria o jogo de fortuna ou azar passou a ser essencialmente o mesmo.
E isto porque no seu art. 1.º, a que já fizemos referência, o jogo de fortuna ou azar continuava a consistir naquele cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, mantendo-se em vigor o capítulo VI do Decreto-Lei n.º 48912, de 18 de Março de 1969, com a redacção do § 1.º do artigo 43.º dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 22/85, de 17/Jan. – para além do corpo do artigo 59.º e seus §§ 1.º e 2.º.
Este regime jurídico foi alterado com o Dec.-Lei n.º 10/95, de 19/Jan., em cujo preâmbulo se pode ler: “Neste contexto, tendo não só em conta essas mutações mas também a resposta que, em países de tradição cultural próxima da portuguesa, lhes vem sendo dada a nível legislativo, importa encontrar novas soluções que, não pondo em causa os interesses de ordem pública cuja tutela sempre foi assumida neste domínio, criem um enquadramento susceptível de melhorar as condições de exploração da actividade e de assegurar uma efectiva repressão das infracções, através do reforço da responsabilidade das concessionárias, dos seus administradores, trabalhadores e frequentadores. Por outro lado, opta-se por regular no âmbito do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a matéria relativa às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, revogando-se assim por completo o Decreto-Lei n.º 48912, de 18 de Março de 1969, diploma onde tal matéria se encontra presentemente disciplinada, por razões que se prendem não tanto com a necessidade de alterar o regime vigente, cujas soluções se mantêm no essencial, mas antes com a conveniência de disciplinar unitariamente uma realidade próxima da que já é regulada pelo referido Decreto-Lei n.º 422/89”.
Convém, porém, precisar quais são as condutas que integram o crime de exploração ilícita de jogo, sob pena da sua indeterminabilidade poder violar o princípio da legalidade, violando-se assim o art. 29.º, n.º 1 da C. Rep. e o art. 1.º do Código Penal.
Tal questão já foi abordada no Ac. n.º 93/2001, do Tribunal Constitucional[4], onde se concluiu que “o eixo sintagmático por qualquer forma, contido no n.º 1 do art. 108.º, mesmo quando se entenda este artigo integrado pela definição de jogos de fortuna ou azar feita pelo artigo 1.º – não obstante a expressão adverbial fundamentalmente – respeita os parâmetros constitucionais do princípio da tipicidade, não se surpreendendo, …, qualquer imprevisibilidade, verificando-se uma subsunção à previsão normativa que retira sentido seja a uma interpretação extensiva seja, muito menos, a uma interpretação analógica”.
No entanto logo acrescenta, que “Com efeito, a exemplificação do art. 4.º integra a definição do tipo, apenas na medida em que os jogos referidos nas suas alíneas são, todos eles, subsumíveis ao conceito de jogos de fortuna ou azar, sem pôr em questão a determinação do tipo”.
Aqui chegados e perante a cláusula geral do art. 108.º, n.º 1, deverá a mesma ser integrada pelos exemplos-padrão dos jogos de fortuna ou azar do art. 4.º, surgindo os mesmos como sub-tipos orientadores daquele tipo legal de crime.
Só assim e perante o grau de ambiguidade daquele art. 108.º, n.º 1, é que se poderá observar o princípio da legalidade, aqui na vertente de “nullum crimen sine lege certa” segundo o qual todo o crime deve ser claro e preciso quanto às condutas aí anunciadas, adoptando-se uma interpretação constitucionalmente correctiva.
Nesta conformidade, apenas podemos considerar como jogos de fortuna ou azar, integradores do crime de exploração ilícita de jogo, os enunciados no catálogo do art. 4.º da Lei do Jogo e no qual se inclui sob a al. e), o jogo do Bingo.
A intenção do legislador, passa pelo entendimento de se considerar que os jogos que dependem essencialmente do acaso e da sorte do jogador, são aqueles em que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do respectivo jogo.
Poder-se-á, assim, definir um jogo de fortuna ou azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela acção humana escapa à capacidade de controle e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos factores certos e conjugados. Isto é, a uma causa objectivamente estruturada com factores e elementos pré-determinados e empiristicamente testados não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado.
A conceptualização bipolar utilizada pelo legislador, “fortuna ou azar”, colhe o seu fio identificador e a argamassa uniformizadora dos conceitos na definição de acaso. Afinal tanto para a fortuna como para o azar experienciados na álea do jogo intervém o factor acaso ou uma probabilidade indeterminada e não controlada da parte de quem introduz o elemento desencadeador.
Convém ainda realçar que, exceptuados os casos de pura diversão – a incluir no conceito de convívio pessoal, familiar ou social (ou seja, fora da esfera “pública”) – o que está em causa nos “jogos de fortuna ou azar” é a aposta, o ganho, o prémio. A perspectiva de, apostando pouco, ganhar muito. Por isso se chamam “jogos de fortuna ou azar”. Fortuna para o ganho (existência de prémio). Azar para a perda (ausência de prémio).
Não é, pois, compaginável um “jogo de fortuna ou azar” sem que se perspective a possibilidade de ganho. Este só tem significado se reportado à natureza do prémio. Sem o prémio não há apelo à aposta e ao jogo.
Ora, a circunstância de se ter feito constar da motivação de facto da decisão recorrida que o prémio não seria pago em dinheiro e que alguns dos arguidos que assumiram ter jogado afirmarem que jogavam sem ser a dinheiro (o prémio do jogo seriam uma garrafas de bebidas que estariam expostas numa mesa), não é suficiente para se concluir que, pura e simplesmente, inexistia “prémio”.
Resulta da experiência comum que, quem compra um cartão de “bingo” pelo preço de € 0,50, tem a expectativa de, caso consiga completar o cartão em primeiro lugar, vir a auferir um prémio de valor superior (uma garrafa de bebida ou outro prémio qualquer).
Contudo, sempre se dirá que o ganho ou perda económica não fazem parte do elemento do tipo. Como se refere no Ac. Rel. Lx. De 04.11.1998[5], "Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna e azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica; basta que façam depender os resultados obtidos pelo jogador exclusivamente, de sorte, sem que o mesmo tenha possibilidade de os influenciar." Mas esta não pode deixar de ser considerada.
Da parte de quem explora o jogo ilícito em causa, a perspectiva de ganho está na diferença entre o número de cartões vendidos e o efectivo valor do prémio atribuído, necessariamente inferior àquele. Como muito bem se refere na decisão recorrida, citando o Ac. desta Relação de 20.03.1991[6] “explorar é tirar partido de alguma coisa, fazer com que funcione com fim lucrativo, tirar proveito de alguma instalação”.
Conclui-se assim que, no caso em apreço, o jogo explorado pelos arguidos, com o modo de funcionamento descrito na matéria de facto provada, corresponde ao jogo do Bingo, incluído no tipo de jogos de fortuna ou azar a que alude o artº 4º do Dec-Lei nº 422/89 e cuja exploração está reservada exclusivamente aos casinos ou outros locais devidamente autorizados – artºs 3º, 6º a 8º.
Aliás, o recente Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência de 04.02.2010[7] refere que «A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.º, são os que estão especificados no art. 4.º, n.º 1. Como se afirma no acórdão-fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados». Aliás, o referido art. 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar (…)», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades (alíneas a) a d); os não bancados, também concretamente especificados (alínea e) e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas (as alíneas f) e g). Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. Refere, aliás, o n.º 3 do art.4.º que compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogo de fortuna ou azar, a requerimento dos concessionários e após parecer da Direcção-Geral de Jogos.
E o art. 5.º, por seu turno, dispõe que «as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias.»
Assim, porque o tema do jogo em causa nos presente autos é, de facto, próprio dos de fortuna ou azar, a imputação criminal não pode deixar de operar. A respectiva exploração fora dos locais supra referidos, designadamente no Café pertencente ao arguido B………. que não possuía a necessária autorização legal, integra a prática de crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar p. e p. no artº 108º do Dec-Lei nº 422/89 de 2.12.
Improcede, nessa parte, o recurso interposto.
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Quanto à verificação do elemento subjectivo:
Alega o recorrente que não se compreende que o tribunal recorrido tenha afastado a consciência da ilicitude relativamente aos jogadores e, sem razão ou motivo, não aplica tal critério ao recorrente. Por outro lado, alega ser incompreensível a convicção do tribunal para dar como provado que o arguido agiu com dolo.
A este respeito importa, antes de mais, referir que nem sempre a prova em que o tribunal se baseia é prova directa. Não pode, contudo, deixar de ser valorada à luz da experiência comum e de forma concertada com todos os elementos de prova, designadamente no que concerne a aspectos que digam respeito ao foro íntimo das pessoas, tal como sucede com as intenções e também com a consciência da ilicitude. E, tratando-se de processos interiores, se não forem admitidos pelos próprios, só uma avaliação alicerçada em presunções judiciais, não proibidas por lei, com base nos demais factos apurados e nas circunstâncias e contexto global em que se verificam e em dados da personalidade do agente, avaliação essa permitida se feita com respeito pelas regras da experiência comum, permite retirar tais conclusões.
Outrossim, não está vedado ao julgador estabelecer presunções desde que assentes em factos, sendo a este propósito que faz todo o sentido apelar às regras da experiência comum pois são elas o necessário elemento aglutinador da avaliação feita a partir dos meios de prova para fazer assentar em factos provados e adquiridos outros não imediatamente apreensíveis mas que se impõem ao juízo de um cidadão de medianas capacidades e conhecimentos de vida.
Nada obstava, pois, a que se tivesse dado como assente o exarado nos pontos i) e j) da matéria de facto constante da sentença recorrida, face à motivação constante da mesma, designadamente dos parágrafos 3º e 4º de fls. 440.
Deste modo, falece, nesta parte, qualquer tipo de razão ao recorrente no que concerne à eventual inexistência do elemento subjectivo do tipo, que, assim, se dá por definitivamente assente tal como foi descrito e considerado provado pelo Tribunal recorrido.
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Quanto à medida concreta da pena:
O crime pelo qual o arguido/recorrente foi condenado é, nos termos do art. 108º, punido com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
A determinação concreta da pena acha-se, antes de mais, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção especial, ligadas à reinserção social e a fins de prevenção geral, pugnando pela defesa da sociedade com consequente contenção de criminalidade. A estes motores de determinação da medida da pena acrescem todos os outros que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente de modo a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto, por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos semelhantes.
Importa, porém, considerar, como alerta o Prof. Figueiredo Dias[8], que através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção”.
Não questiona o recorrente a opção feita na decisão recorrida pela substituição da pena de prisão por multa. Pretende é que, quer a pena de prisão (embora substituída) quer a multa complementar se fixem pelo mínimo.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal. Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal. Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos.
A pena, só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário[9].
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta os vectores apontados, entendemos como adequada à situação concreta (e nada exagerada) as penas aplicadas ao recorrente na decisão recorrida.
Já o mesmo se não poderá afirmar relativamente ao montante diário da multa fixado pelo Tribunal recorrido.
Com efeito, tendo em consideração a data da prática dos factos – 10.12.2005 – e o disposto no nº2 do art. 47º do Cód. Penal (antes da alteração introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04.09), resulta que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80 que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. Pelo que importa considerar os ensinamentos do STJ de 02.10.97[10], onde se decidiu que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar”. Por fim, cumpre ponderar o disposto no acórdão da Relação de Coimbra de 13.07.95[11], onde se afirmou que “o montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade”; e mais recentemente, a mesma Relação, em 17.04.2002[12], já decidiu que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e também, por essa via, assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve», sem «deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar”.
Ora, no que respeita à situação económica do recorrente, consta da decisão recorrida que o mesmo não tem rendimentos, encontra-se desempregado desde Dezembro (presume-se que por referência ao ano de 2008), vive de favor em casa dos sogros com uma companheira, tem um filho de alguns meses e paga € 190,00 para aquisição de uma carrinha.
Face à situação económica descrita, considera-se elevada a taxa diária fixada na decisão recorrida, entendendo-se como mais adequado o montante diário de € 4,00.
Prevê o art. 6º, nº 1 do DL. nº 48/95 de 15/03, que alterou o Código Penal, que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa, será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.”
Assim, as multas aplicadas ao abrigo do DL. nº 422/89, deverão ser somadas às multas resultantes da substituição da pena de prisão.
Considerando as penas fixadas na decisão recorrida, embora com a taxa diária acima referida, a pena de três meses de prisão substituída por igual período de multa terá de ser somada aos 150 dias de multa, a que corresponde a multa global de 240 dias à taxa diária de € 4,00, o que perfaz a multa de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).
De realçar ainda que a lei prevê a possibilidade do pagamento da pena de multa em prestações ou a respectiva substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, a requerimento do condenado.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido C………….. e, em consequência, alteram a taxa diária da multa para o montante de € 4,00 (quatro euros), no mais mantendo inalterada a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Porto, 25 de Março de 2010
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Relatado pelo Sr. Desemb. Joaquim Gomes e disponível em www.dgsi.pt
[4] Publicado no DR. II Série, de 05.06.2001.
[5] V. Col. JUr. 1998, Tomo V, págs. 138 e 139.
[6] Disponível no site www.dgsi.pt.
[7] Publicado no DR. I Série, de 08-03-2010, pág. 685-688
[8] In Consequências Jurídicas do Crime, pág. 215
[9] Cfr., neste sentido, Ac. R. Coimbra de 07.11.1996, in Col. Jurisp. tomo V, pág. 47.
[10] In Col. Jur. Tomo III, pág. 183.
[11] In Col. Jur. Tomo IV, pág. 48.
[12] In Col. Jur. Tomo II, pág. 58.