Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4350/09.2TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: TRANSMISSÃO DE ACÇÕES DE COOPERATIVA
AVERBAMENTO
SUPRIMENTO DO CONSENTIMENTO
Nº do Documento: RP201101104350/09.2TJVNF.P1
Data do Acordão: 01/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 23° do Código Cooperativo a transmissão dos títulos de capital (que não sejam títulos de capital escriturais) depende sempre de prévia decisão dos órgãos da cooperativa, quer estejamos perante uma possível transmissão inter vivos, quer mortis causa.
II - Essa autorização só pode ser concedida, quer ao adquirente numa transmissão inter vivos, quer aos herdeiros ou legatários no caso de sucessão mortis causa, sob a condição de qualquer deles já ser membro da cooperativa ou de, no caso de o não ser, pedir a respectiva admissão e vier a ser admitida, por os candidatos a cooperador reunirem as condições que para isso forem exigidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Coop-registo-4350-09.2TJVNF.P1-804-10TRP
Trib Jud Vila Nova Famalicão-2ºJCv
Proc. 4350-09.2 TJVNF.P1
Proc.804-10 -TRP
Recorrente: B……….
Recorrido: C……….
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Pereira Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: José Alfredo Vasconcelos Soares Oliveira
António Mendes Coelho
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção – 3ª Cível)

I. Relatório
Na presente acção que segue a forma de processo sumário em que figuram como:
- AUTOR: B………., casado, residente na Rua ………., nº … – ………. – Vila Nova de Famalicão; e
- RÉ: C………. com sede na Rua ………., nº …., ………., Vila Nova de Famalicão
pede o Autor que se declare suprido o consentimento da Ré C………. para o averbamento de quinze títulos adquiridos por doação, condenando-se a Ré a proceder a tal averbamento.
Alega para o efeito e em síntese que é dono de um título de acção na C………., aqui Ré, que adquiriu por doação. Em 05.06.2009 adquiriu por escritura pública de doação outras 15 (quinze) acções da mesma entidade.
Mais refere que possuindo a primeira acção registada em seu nome, solicitou junto da Ré o averbamento dos demais títulos, o que foi recusado, motivo pelo qual foi instaurada a presente acção de suprimento do consentimento.
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Citada a Ré contestou defendendo-se por impugnação e por excepção, alegando, em síntese, que o Autor apesar de possuir um título da C………. Ré não figura como cooperante da Ré.
A transmissão inter-vivos de qualquer título de capital da ré depende expressamente de autorização da sua direcção, pois trata-se de matéria da sua competência de acordo com os estatutos. A transmissão sem observância desta formalidade padece de nulidade, por contrária à lei, nos termos do art. 294º CC ou ineficaz em relação à ré.
Conclui que a recusa de averbamento da qualidade de cooperador mostra-se justificada, pois só desta forma a Ré consegue garantir o fim e objectivo da cooperativa, evitando a mercantilização de acções. Considera, ainda, que o regime previsto no Código de Valores Mobiliários, não se aplica ás acções em causa, por constituírem valores mobiliários titulados.
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Na resposta à contestação o Autor mantém a posição inicial.
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Proferiu-se sentença que julgou improcedente a acção.
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O Autor B………. veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o Autor-recorrente formulou as seguintes conclusões:
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A Ré C………. veio apresentar contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
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Conclui que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente e por via disso deve ser confirmada a sentença.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 685º- A CPC.
A questão a decidir consiste em saber se a Ré deve averbar os 15 (quinze) título adquiridos pelo Autor, por escritura de doação outorgada em 05 de Junho de 2009.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- 1 – Em 15 de Julho de 1931 a Ré, pelo seu Conselho de Administração, emitiu o TÍTULO DE UMA ACÇÃO com o nº … em nome do P.e D………., título cuja transferência a favor do P.e E………., de ………., foi pela Ré averbada em 12.9.1963 e a favor do aqui A. B………… em 29.4.2009 – fs. 5 e 6.
2 – No dia 5 de Junho de 2009, em escritura lavrada pelo Notário F………., G………. declarou doar ao ora A. B………. quinze acções do capital da aqui Ré, com os n.ºs …., …. a …., … a …, …, …, …, …. e …..
3 – A Ré não reconhece esta transmissão e recusa averbar os títulos em nome do A.
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3. O direito
A apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).
Impõe-se, por isso, passar à apreciação das questões suscitadas nas conclusões da apelação.
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- Do averbamento da aquisição a favor do Autor –
O recorrente considera que pelo facto de ser titular de uma acção na C………. – Ré e ter adquirido por doação 15 novas acções, assiste-lhe o direito de requerer o averbamento da aquisição nos respectivos títulos. Refere, ainda, que em conformidade com o Código dos Valores Mobiliários, nos termos do art. 63º, a Ré está obrigada a proceder ao registo da aquisição.
A Ré defende por sua vez que não estão reunidos os pressupostos para operar a transmissão do direito, porque a Ré não autorizou a transmissão das acções, para além de que o Autor não reveste a qualidade de cooperador, pressuposto necessário para se operar a transmissão. Refere, por fim, que não se aplica o regime do Código dos Valores Mobiliários, por não se tratar de títulos escriturais.
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Analisando.
Na questão colocada cumpre atender desde logo à especificidade do regime cooperativo, com consagração no art. 61º da Constituição da República Portuguesa, onde se determina:

“1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.
2. A todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos.
3. As cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades no quadro da lei e podem agrupar-se em uniões, federações e confederações e em outras formas de organização legalmente previstas.
4. A lei estabelece as especificidades organizativas das cooperativas com participação pública.
5. É reconhecido o direito de autogestão, nos termos da lei."

Os princípios cooperativos dão conteúdo à autonomia jurídica das cooperativas, os quais estão consagrados no art. 3º da Lei 51/96 de 07/09 (Código Cooperativo).
Um dos aspectos mais significativos da noção de cooperativa é o facto das cooperativas não se destinarem a fazer frutificar um capital, mas a terem uma utilidade específica da natureza prática que difere de ramo para ramo. Os cooperadores congregam-se para prestarem a si próprios um serviço, ou para criarem oportunidades de trabalho que eles próprios colectivamente, dirijam ou controlem. Aos cooperadores interessa a fecundidade da cooperativa, bem como a sua perenidade, não interessa o lucro do capital que tenham investido.
O art. 2º do Código Cooperativo define cooperativa como: “pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.”
Rui Namorado salienta a respeito do conceito, que as cooperativas são consideradas “pessoas colectivas autónomas (…) A cooperação e a entre ajuda praticadas pelos seus membros são o cerne do seu funcionamento (…) Estruturalmente elas visam satisfazer as necessidades dos seus membros, sublinhando-se que elas são, não só económicas, mas também sociais e culturais. A expressa consagração de não lucratividade das cooperativas harmoniza-se bem com os parâmetros da noção, que acabamos de referir. A autonomia da lógica cooperativa tem neste preceito uma clara consagração jurídica.” (“Cooperatividade e Direito Cooperativo- Estudos e Pareceres” pag. 158)
Salienta, ainda, o mesmo autor, que: “Nas cooperativas, o capital social, pelo contrário, é um simples instrumento ao serviço da cooperativa, apenas necessário para viabilizar a sua entrada em funcionamento, mas sem qualquer papel na determinação dos direitos dos cooperadores, nem da sua medida.” (ob. cit., pag. 161)
Estas noções apresentam particular relevo para entender a natureza da subscrição dos títulos de capital imposta a cada cooperador, como condição necessária para adquirir essa qualidade.
Com efeito, determina o art. 19º do Código Cooperativo:

“1. As entradas mínimas de capital a subscrever por cada cooperador são determinadas pela legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo ou pelos estatutos.”

A subscrição dos títulos de capital imposta a cada cooperador “são um contributo equitativo dos cooperadores para que a cooperativa possa iniciar a sua actividade, mas não exprimem a posição do cooperador na cooperativa.” (ob. cit., pag. 163)
A transmissão de títulos de capital inter vivos e mortis causa vem prevista no art. 23º do Código Cooperativo, onde se consigna:

“1. Os títulos de capital só são transmissíveis mediante autorização da direcção ou, se os estatutos da cooperativa o impuserem, da assembleia geral, sob condição de o adquirente ou o sucessor já ser cooperador ou, reunindo as condições exigidas, solicitar a sua admissão.
2. A transmissão intervivos opera-se por endosso do título a transmitir, assinado pelo transmitente, pelo adquirente e por quem obrigar a cooperativa, sendo averbada no livro de registo.
3. A transmissão mortis causa opera-se por apresentação do documento comprovativo da qualidade de herdeiro ou de legatário e é averbada, em nome do titular, no livro de registos e nos títulos, que deverão ser assinados por quem obriga a cooperativa e pelo herdeiro ou legatário.
4. Não podendo operar-se a transmissão mortis causa, os sucessores têm direito a receber o montante dos títulos do autor da sucessão, segundo o valor nominal, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou dos prejuízos e das reservas não obrigatórias.
5. A transmissão dos títulos de capital escriturais segue, com as adaptações necessárias, o regime de transmissão dos valores mobiliários escriturais previsto no Código dos Valores Mobiliários.”

Na análise do preceito refere Rui Namorado: “A transmissão dos títulos de capital depende, portanto, sempre de prévia decisão dos órgãos da cooperativa, quer estejamos perante uma possível transmissão inter vivos, quer mortis causa. Mas essa autorização só pode ser concedida, quer ao adquirente numa transmissão inter vivos, quer aos herdeiros ou legatários no caso de sucessão mortis causa, sob a condição de qualquer deles já ser membro da cooperativa; ou de, no caso de o não ser, pedir a respectiva admissão. Todavia essa solicitação só pode ser feita se, em qualquer dos casos, os candidatos a cooperador reunirem as condições que para isso forem exigidas.” (ob. cit., pag. 164)
As formalidades de transmissão dos títulos de capital são constitutivas para se operar a transmissão.
O acto de transmissão para ter eficácia translativa necessita de obedecer às formalidades exigidas pela lei.
No caso concreto resulta dos factos apurados que o Autor não tem a qualidade de cooperador.
O art. 31º do Código Cooperativo determina os requisitos para ser cooperador:

“1. Podem ser membros de uma cooperativa de primeiro grau todas as pessoas que, preenchendo os requisitos e condições previstos no presente Código, na legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo e nos estatutos da cooperativa, requeiram à direcção que as admita.”

Nos Estatutos da Ré o art. 7º e 8º estabelecem como condições para ser membro da cooperativa:

Art. 7º
“Podem ser membros da Cooperativa todas as pessoas singulares e colectivas que, cumulativamente, reunam as seguintes condições:
a) declararem voluntariamente perante a Direcção assumir essa qualidade;
b) possam desempenhar qualquer função nos órgãos sociais da Cooperativa;
c) subscrevam e realizem os títulos de capital e paguem a jóia de acordo com o art. 4º destes estatutos.
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Art. 8º
1) A admissão como membro da Cooperativa efectua-se mediante a apresentação à Direcção de uma proposta para o efeito, assinada pelo candidato ou seu representante e por dois membros efectivos proponentes no pleno gozo dos seus direitos.
2) No caso de recusa por parte da Direcção cabe recurso do interessado proponente para a Assembleia Geral, nos termos do nº3, do art. 31º do Código Cooperativo.”

Da conjugação dos preceitos resulta que o facto do Autor possuir um título de capital não lhe atribui a qualidade de cooperador, ao que acresce que o Autor não alegou que formulou junto da direcção da Ré o pedido de admissão nessa qualidade e muito menos que a Ré recusou o pagamento da jóia prevista nos Estatutos (conclusão 6).
Resulta do art. 20º do Código Cooperativo que a atribuição de títulos de capital só tem sentido como condição de aquisição da qualidade de cooperador, não podendo consumar-se nunca sem ligação a essa qualidade.
Também não está em causa nestes autos aferir das circunstâncias em que foi adquirido o referido título e os motivos que conduziram ao averbamento da aquisição. Na presente acção apenas cumpre apurar se estão reunidas as condições para se proceder ao averbamento dos quinze títulos que o Autor adquiriu, por escritura de doação.
Conclui-se, assim, que de acordo com o art. 23º do Código Cooperativo, não figurando o Autor como cooperador, tal circunstância constitui um obstáculo à transmissão dos quinze títulos de capital.
Por outro lado, a transmissão dos títulos de capital depende sempre de prévia decisão dos órgãos da cooperativa.
Nos Estatutos da Ré consigna-se no art. 5º:

“A transmissão de títulos de capital “inter-vivos” far-se-á mediante o consentimento da Direcção, e mortis causa, de acordo com o prescrito no art. 23º do Código Cooperativo.”

A transmissão opera-se mediante consentimento da Direcção da Ré.
O Autor não alegou que junto da Direcção foi solicitado o prévio consentimento para a transmissão dos títulos. O Autor limitou-se a formular junto da Ré o pedido de averbamento, dando como assente a transmissão, por doação.
A particular natureza das cooperativas, que tem como escopo a satisfação dos interesses dos cooperadores, conforme se salientou, determina a prevalência do interesse da cooperativa perante qualquer interesse do cooperador, o que explica a necessidade de se pronunciar sobre a transmissão dos títulos de capital.
A doação apesar de constituir um negócio translativo, só por si não reúne os requisitos necessários para operar a transmissão dos títulos de capital no domínio do direito cooperativo.
Trata-se de distinguir os factos transmissivos dos negócios subjacentes. O Código Cooperativo escolheu como factos transmissivos realidades distintas dos negócios dispositivos, cujo conteúdo seja o da transmissão.
Daí que a mera doação desacompanhada da autorização de transmissão emitida pela Direcção da Ré, não opera a transmissão dos títulos de capital.
A recusa do averbamento da pretensa aquisição, não tem qualquer relevância jurídica específica para a Ré, porque na organização interna o doador mantém a qualidade de cooperador.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, nas conclusões, sob o ponto 6, constata-se que não estão reunidos os condicionalismos previstos no Código Cooperativo e nos Estatutos para operar a transmissão.
Resta por fim, apreciar da aplicação do regime de transmissão previsto no Código dos Valores Mobiliários.
O art. 23º/5 do Código Cooperativo com a redacção do DL 200/2004 de 19/08 estatui:

5. A transmissão dos títulos de capital escriturais segue, com as adaptações necessárias, o regime de transmissão dos valores mobiliários escriturais previsto no Código dos Valores Mobiliários."

Com efeito, o art. 20º/3, introduzido pelo DL 200/2004 de 19/08, passou a permitir que os títulos representativos do capital social das cooperativas fossem representados sob a forma escritural.
A justificação para tal procedimento resulta do preâmbulo da lei onde se refere:
“A redenominação em euros do valor nominal mínimo dos títulos de capital das cooperativas, operada pelo Decreto-Lei n.o 131/99, de 21 de Abril, veio determinar, para a grande maioria das cooperativas existentes em Portugal, a necessidade de substituição dos títulos de capital até então emitidos em escudos.
Com efeito, foi prática corrente da generalidade das cooperativas a adopção do valor nominal mínimo fixado na lei para tais títulos, ou seja, 500$.
Ao fixar este valor mínimo em E 5, o Decreto-Lei n.º 131/99, de 21 de Abril, obrigou assim a, mais do que uma mera redenominação, uma concentração do número de títulos representativos do capital social das cooperativas, em todos os casos em que o seu valor nominal era de 500$.
O processo de substituição física destes títulos, para além de oneroso, não deixaria igualmente de representar um encargo burocrático pesado e lento na sua execução.
Justifica-se, pois, que, tal como já se permite às sociedades anónimas, e na concretização de um princípio geral de não discriminação do sector cooperativo, seja expressamente concedida às cooperativas a faculdade de emitirem títulos de capital e de investimento sob a forma escritural, apesar de os primeiros não revestirem a natureza de valores mobiliários, uma vez que não são susceptíveis de transmissão em mercado.”

A respeito dos títulos de capital sob a forma escritural passou a aplicar-se com as devidas adaptações, o regime previsto no Código dos Valores Imobiliários.
Contudo, a forma escritural constitui uma das formas de representação dos valores mobiliários, os quais conforme resulta do art. 46º do Código dos Valores Imobiliários, são escriturais ou titulados.
Os valores mobiliários escriturais são representados por registo em conta (art. 46º/1 Código Valores Mobiliários).
Os valores mobiliários titulados são representados por documento em papel e são designados por títulos (art. 46º/1 Código Valores Mobiliários).
O Autor não alegou que os títulos adquiridos, por doação, são representados por registo em conta ou seja, que adquiriu títulos de capital, sob a forma escritural.
Resulta dos factos provados que adquiriu “acções”, expressão que não é usada em sentido técnico-jurídico, o que leva a supor tratarem-se de meros títulos, documentos em papel, tal como ocorreu a respeito do primeiro título, cuja cópia consta dos autos.
O art. 63º do Código dos Valores Mobiliários reporta-se à modalidade de registo de “Valores mobiliários escriturais”, mais propriamente ao registo num único intermediário financeiro.
O regime de transmissão dos valores mobiliários escriturais encontra-se previsto nos art. 80º a 94º do Código dos Valores Mobiliários, que não tem aplicação ao caso presente, porque não estamos na presença de valores mobiliários escriturais.
A sentença recorrida analisou a pretensão do Autor à luz do regime legal que rege o Direito Cooperativo, fazendo menção aos Estatutos da Ré, na medida em que a lei assim o impõe, conforme resulta do art. 23º do Código Cooperativo, não sendo de apontar qualquer censura à apreciação da questão colocada.
Julgam-se improcedentes as conclusões de recurso e nessa conformidade, conclui-se que não assiste ao Autor o direito de requerer o suprimento do consentimento da Ré, porque não estão reunidas as formalidades de transmissão inter vivos dos 15 (quinze) títulos a favor do Autor.
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Nos termos do art. 446º CPC as custas são suportadas pelo recorrente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
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Custas a cargo do recorrente (autor).
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Porto, 10.01.2011
(processei e revi – art. 138º/5 CPC)
Ana Paula Pereira de Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
António Manuel Mendes Coelho
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SUMÁRIO (art. 713°/7 CPC):
I. Nos termos do art. 23° do Código Cooperativo a transmissão dos títulos de capital (que não sejam títulos de capital escriturais) depende sempre de prévia decisão dos órgãos da cooperativa, quer estejamos perante urna possível transmissão inter vivos, quer mortis causa. Mas essa autorização só pode ser concedida, quer ao adquirente numa transmissão inter vivos, quer aos herdeiros ou legatários no caso de sucessão mortis causa, sob a condição de qualquer deles já ser membro da cooperativa; ou de, no caso de o não ser, pedir a respectiva admissão. Todavia essa solicitação só pode ser feita se, em qualquer dos casos, os candidatos a cooperador reunirem as condições que para isso forem exigidas.
II. A doação apesar de constituir um negócio translativo, só por si não reúne os requisitos necessários para operar a transmissão dos títulos de capital no domínio do direito cooperativo.
III. Trata-se de distinguir os factos transmissivos dos negócios subjacentes. O Código Cooperativo escolheu como factos transmissivos realidades distintas dos negócios dispositivos, cujo conteúdo seja o da transmissão.

Ana Paula Pereira de Amorim