Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0634459
Nº Convencional: JTRP00039733
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: ESCRITA COMERCIAL
Nº do Documento: RP200611160634459
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 693 - FLS 50.
Área Temática: .
Sumário: I - O artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes.
II - Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares.
III - Os livros de escrituração comercial podem fazer prova a favor do seu autor segundo um regime de presunções e contra-presunções estabelecido no citado artº 44º do CCom.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B………., LDA instaurou acção declarativa com forma de processo ordinário contra C………., LDª.
Pediu que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 138.849,48, acrescida de juros de mora à taxa anual de 12%, calculados sobre o capital em dívida de € 128.226,51, contados desde a citação e até integral pagamento.
Como fundamento, alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial, forneceu à ré animais vivos constantes de facturas que identificou pelo valor global de € 433.187,98 euros e que aceitou diversas letras de câmbio a pedido da ré, cujas despesas e juros, a cargo desta, originaram notas de débito que lhe enviou e que ascendem ao montante global de € 12.752,04, sendo que por conta de tais montantes, a ré apenas lhe efectuou pagamentos de quantias – o último dos quais em 25.06.03 – que ascendem ao montante global de € 318.098,42.
A ré contestou, impugnando os factos alegados pela autora. E deduziu reconvenção, pedindo que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 4.050,24 euros, a título de montante que, no âmbito de acerto de contas efectuado entre ambas, considerou ter-lhe pago a mais. Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má fé.
Na réplica, a autora impugnou a matéria da reconvenção e pediu a condenação da ré como litigante de má fé.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que:
A) Julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 127.840,97, acrescida de juros à taxa legal de juros comerciais de 12% desde a citação até 30.09.04, de 9,01% desde 01.10.04 a 31.12.04, de 9,09% desde 01.01.05 a 30.06.05, de 9,05% de 01.07.05 a 31.12.05, de 9,25% a partir de 01.01.06, sem prejuízo de outra taxa que eventualmente sobrevenha, até integral pagamento, absolvendo-a do restante pedido;
B) Julgou improcedente a reconvenção e, em consequência, absolveu a autora do pedido reconvencional.
Inconformada, a ré recorreu, formulando as seguintes

Conclusões
1ª – A questão submetida a juízo não foi, em sede de decisão, analisada nas várias vertentes da questão do pagamento ou não das facturas, alicerçando-se em documentos que foram impugnados, que a autora não declarou querer usar nem sobre os quais recaiu qualquer prova, e em depoimentos de testemunhas que não foram credíveis, o que levou a um incorrecto julgamento da matéria de facto e a uma incorrecta decisão, tanto mais que apenas se atendeu aos contratos de compra e venda havidos entre as partes, concluindo pelo saldo a favor da autora, sem se atender nem à globalidade da prova produzida nem à existente nos autos, designadamente não teve em atenção as notas de débito da ré à autora.
2ª - As respostas de não provado aos quesitos 36º a 38º, sobre os quais depuseram D………. e E………., que disse terem sido feitas por si as notas de lançamento (débito) enviadas à autora, após o que foram lançadas e abatidas na conta corrente entre ambas as empresas, mediante instruções do Dr. E………., nunca tendo dado conta da sua devolução, tendo em momento posterior ao da mudança de gerência e da cessão de quotas sido pagas as facturas em falta e, o segundo, que disse ser o responsável pelas contas da ré desde 2001 enquanto TOC, e a quem foi pela gerência ordenado que emitisse as notas de lançamento por valor resultante do acordo entre autora e ré (autora que era detentora de 50% do capital da ré e indicava um dos 2 gerentes desta – J e Q dos FA), tendo depois da sua emissão as notas sido lançadas na contabilidade, tendo ainda sido este depoente a, através do saldo do conta corrente à data da cessão de quotas onde estavam consideradas as notas, emitir o cheque para pagamento do respectivo saldo, sendo que tais notas jamais foram devolvidas ou reclamadas pela autora até à carta de fls. 120, autora que igualmente não reclamou o saldo da conta corrente por ocasião da cessão de quotas em que recebeu o cheque que a testemunha passara para pagamento de toda a dívida (com excepção de N dos FA), devem ser alteradas para provados, face a estes depoimentos.
3ª - Além da carta de fls. 120, a autora não obstante ter recebido as notas de lançamento em Janeiro/2002, nada mais fez, sendo certo que a carta surgiu já cerca de 4 meses após ter sido levada a cabo a cessão e o negócio prometido celebrar.
4ª - Do facto da B………, Lda, desde a fundação da F………. até à data da escritura de cessão ter detido 50% do capital desta e um dos 2 gerentes ter sempre sido por si indicado – factos J e Q dos FA -, tendo ainda detido em exclusivo entre 20.02.02 e 26.05.03 a gerência da ré, sendo que estes gerentes eram os mesmos da autora e ainda que os mesmos eram e são donos de 93% do capital desta (factos assentes R e S), tendo sido eles que aprovaram sozinhos os exercícios de 2001 e 2002 da F………. em cujos relatórios e conta correntes estavam consideradas as notas de débito, não tendo eles enquanto gerentes dado quaisquer ordens relativamente a tais notas, não obstante ainda serem eles que controlavam os saldos das contas correntes, fazendo os pagamentos a eles próprios enquanto gerentes de ambas as empresas (autora e ré) – cfr. ainda depoimento da testemunha E………. -, o que significa que não podiam desconhecer a existência, o valor das notas, o saldo da conta corrente e a compensação operada entre ambas as empresas, resulta que os quesitos 36º a 38º, 6º e 7º na parte relativa à aceitação das notas e acerto de contas se encontram incorrectamente julgados, devendo ser dados por provados, sob pena da autora, com a reclamação que aqui deduz, agir em abuso do direito, ao que acresce que da omissão de pronúncia na sentença recorrida sobre as circunstâncias relativas à gerência e invocadas pela ré, sempre resultaria a nulidade da decisão recorrida (artº 668º, nº 1 al. d) CPC).
5ª - A autora não logrou provar os factos que lhe competiam, já que a prova que produziu, designadamente com as suas testemunhas (G………., H………., I………., J……….), e que depuseram sobre os factos 7, 9 a 16, 31 a 34, 42, 43; 9 a 16, 19 a 30; 9 a 30; e 9 a 16 e 34, respectivamente, ou não tinham conhecimento dos negócios havidos entre autora e ré ou depuseram de forma incompleta e desconhecedora do que de facto se passava, o que significa que os concretos quesitos a que responderam se encontram mal julgados.
6ª - A testemunha G………. alegou que a F………. era a única cliente da B………., Lda, o que não foi tido em conta pelo tribunal, uma vez que não é por este motivo crível que houvesse erro ou desconhecimento por parte dos gerentes de ambas (autora e ré) quanto aos movimentos das contas correntes e respectivos saldos, cujo controlo era por isso simples e não lhes permitia desconhecê-lo, o que confirma o conhecimento destes e a sua intenção de manterem tudo consoante se encontrava por corresponder à vontade das partes, mais tendo aquela testemunha demonstrado que desconhecia os negócios entre as empresas já que ao referir os 10% no desconto dos pintos, o próprio tribunal recorrido demonstrou não ter acreditado na afirmação, não sendo por isso esta testemunha credível quanto aos factos a que depôs (7, 9 a 16, 31 a 34, 42 e 43 BI), tanto mais que relativamente a 34º afirmou ter-lhe sido entregue por ocasião da escritura um conta corrente entre as empresas autora e ré onde viu estarem as notas de débito, o que não explica nem que a reclamação de fls. 120 só tenha surgido quase meio ano depois, nem que a B………., Lda tenha outorgado a escritura de cessão de quotas e recebido o cheque do saldo sem qualquer reclamação contra tal saldo, antes confirmando que ele se encontrava correcto, ao contrário do que se decidiu.
7ª - O TOC da B………., Lda, J………., depôs no sentido de que só teve conhecimento das notas de débito em 2003 quando indagaram que as contas entre ambas as empresas (autora e ré) não estavam bem, o que ocorreu forçosamente após a escritura e é contraditório com a testemunha G………. que diz que a entrega ocorreu por ocasião da escritura de cessão e não depois, sendo ainda certo que fica por explicar como pode a testemunha J………. ter tido conhecimento das notas se de acordo com a versão da autora elas foram devolvidas.
8ª - As contas da F………. são auditadas por um ROC (V dos FA), que envia e enviou uma circularização de saldos a todos os fornecedores e clientes, o que fez durante o período em causa sem que a B………., Lda reclamasse o saldo, ausência de reclamação que não se explica face à facilidade em verificar a sua regularidade dado a F………. ser a única cliente da autora e que significa a correcção do saldo das contas com as notas incluídas.
9ª - O constante dos quesitos 1º a 3º não tem qualquer interesse para a decisão, dado que o importante para apurar a existência ou não da dívida é o acordo entre as empresas aqui partes quanto às notas de débito e o comportamento dos gerentes da B………., Lda enquanto únicos gerentes da F………., o que significa que há que subtrair o valor das notas de débito ao saldo da conta corrente, como a R. o fez.
10ª - Resulta da fundamentação que se tiveram em conta na decisão os docs. de fls. 223-240, traduzidos a fls. 347-418, cópias dos extractos de 541/251 e o balanço da autora de fls. 252/275, os quais foram impugnados pela ré quanto ao conteúdo, quanto à letra e assinaturas deles constantes, inexactidão da tradução face aos “originais” (que só foram juntos em fotocópias), verificando-se que expressões iguais foram traduzidas de formas diferentes, impugnações face às quais a autora nada disse nem sobre os quais em audiência se produziu qualquer prova (cfr. depoimento das testemunhas G………., H………., I………., J………., D………., E……….), docs. esses cuja prova de veracidade competia à autora (artºs 545º, nº 2 CPC e 374º CC), e que, perante a violação destas regras legais, não podem ser usados ou valorados pelo tribunal como o foram, conjugados no dizer da sentença com as testemunhas, o que sempre tornaria nula a sentença (artº 668º, nº 1, al. d) CPC).
11ª - Face à natureza da prova produzida, à razão de ciência das testemunhas e ao uso ilícito dos docs. apresentados pela recorrida, conclui-se que em concreto todos os pontos da matéria de facto constantes dos quesitos para cuja prova serviram e que o tribunal “a quo” nem refere em concreto quais são, foram incorrectamente julgados, como resulta das impugnações dos docs. e do depoimento das testemunhas (cfr. depoimento das testemunhas G………., H………., I………., J………., D………., E……….).
12ª - A ré, além das notas de lançamento que têm de ser tidas em consideração no saldo, pagou à autora as facturas 49 e 50, num total de € 132.276,75, o que se comprova pela contabilização feita na ocasião da escritura de cessão, consoante o contratado, pelos cheques e carta de doc. 17 PI (não impugnada pela autora) e pelo depoimento de E………., provando-se pois que inexiste débito da F………. à B………., Lda e antes sendo aquela credora desta pelo valor de € 4.050,24, o que leva a concluir pela improcedência da acção e procedência da reconvenção.

A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

A autora tem como actividade a comercialização de animais vivos e a ré dedica-se à produção, abate, desmancha e comercialização de aves do campo. (A) e B).
No exercício da sua actividade comercial, a autora forneceu à ré, a pedido e por conta desta, os animais vivos constantes das seguintes facturas:
- nº 49, no valor de € 19.572,00;
- nº 50, no valor de € 20.485,73;
- nº 51, no valor de € 16.101,09;
- nº 52, no valor de € 21.304,98;
- nº 53, no valor de € 17.661,25;
- nº 54, no valor de € 20.978,83;
- nº 55, no valor de € 17.866,96;
- nº 56, no valor de € 20.483,64;
- nº 58, no valor de € 18.014,43;
- nº 59, no valor de € 19.597,70;
- nº 60, no valor de € 18.233,54;
- nº 61, no valor de € 21.539,12;
- nº 62, no valor de € 18.124,62;
- nº 63, no valor de € 22.959,78;
- nº 64, no valor de € 19.780,41;
- nº 65, no valor de € 22.359,00;
- nº 66, no valor de € 18.010,24;
- nº 67, no valor de € 22.313,34;
- nº 68, no valor de € 12.404,27;
- nº 69, no valor de € 13.819,96;
- nº 70, no valor de € 11.336,37;
- nº 71, no valor de € 15.694,35;
- nº 72, no valor de € 10.022,12;
- nº 73, no valor de e € 14.523,65. (C) e D)
A ré recebeu tais facturas conjuntamente com os referidos animais e delas não reclamou. (C)
A autora, a pedido da ré, foi aceitando diversas letras de câmbio sacadas por esta e sempre com despesas e juros a seu cargo, sendo que estas despesas e juros originaram as seguintes notas de débito:
- nº 15/02, no valor de € 761,83;
- nº 17/02, no valor de € 387,36;
- nº 18/02, no valor de € 232,78;
- nº 19/02, no valor de € 424,41;
- nº 21/02, no valor de € 48,83;
- nº 20/02, no valor de € 44,13;
- nº 22/02, no valor de € 284,82;
- nº 24/02, no valor de € 415,10;
- nº 25/02, no valor de € 271,10;
- nº 26/02, no valor de € 347,76;
- nº 27/02, no valor de € 272,92;
- nº 28/02, no valor de € 310,94;
- nº 29/02, no valor de € 236,24;
- nº 30/02, no valor de € 216,85;
- nº 31/02, no valor de € 2.074,50;
- nº 32/02, no valor de € 213,15;
- nº 33/02, no valor de € 205,75;
- nº 34/02, no valor de € 231,49;
- nº 35/02, no valor de € 275,93;
- nº 36/02, no valor de € 238,42;
- nº 37/02, no valor de € 200,79;
- nº 38/02, no valor de € 224,57;
- nº 39/02, no valor de € 207,73;
- nº 45/02, no valor de € 198,67;
- nº 50/02, no valor de € 402,96;
- nº 52/02, no valor de € 212,57;
- nº 55/02, no valor de € 141,55;
- nº 56/02, no valor de € 323,30;
- nº 60/02, no valor de € 385,23;
- nº 65/02, no valor de € 402,91;
- nº 62/02, no valor de € 203,38;
- nº 11, no valor de € 273,40;
- nº 30, no valor de € 2.080,19. (E) e F)
Todas as anteriormente referidas notas de débito foram enviadas pela autora à ré e não foram por si devolvidas, à excepção da última, no montante de € 2.080,19, que a ré devolveu à autora e que a autora reenviou novamente à ré, que por sua vez a voltou a devolver. (G)
A ré efectuou os seguintes pagamentos à autora:
- € 90,00, em 12.08.02;
- € 44,13, em 13.08.02;
- € 176,56 em 30.12.02;
- € 1.781,65, em 28.02.03;
- € 316.006,08 em 25.06.03. (H)
A autora foi fornecedora de vários produtos à ré, designadamente pintos, desde a constituição desta em 09.11.94. (I)
A autora, desde tal ocasião até 18.02.04 (altura em que foi celebrada uma escritura de cessão de quotas) foi titular de uma quota no valor nominal de 50% no capital social da ré. (J)
Na sequência do contrato promessa de cessão de quota da ré outorgado pela autora e os promitentes compradores em Junho de 2003, os fornecimentos da autora à ré foram interrompidos a partir de 15.06.03. (L)
Ainda na execução desse contrato promessa, os então gerentes da ré, que eram também os então e são os ainda actuais gerentes da autora, renunciaram à gerência, tendo os adquirentes da quota em causa assumido o compromisso de pagar à autora todas as quantias devidas pela ré àquela no prazo de 45 dias e de entregar as contas da ré devidamente aprovadas em assembleia geral dos últimos três exercícios. (M), N) e O)
Na sequência do aditamento ao contrato promessa de cessão de quota constante do documento de fls. 105 e 106, em 24.06.03, a autora outorgou a favor de S………., advogado, uma procuração irrevogável, conferindo-lhe poderes para:
- a representar na escritura de cessão das quotas que à data possuía na R. e para as vender pelo preço e condições que entender;
- proceder – se assim o julgasse conveniente – a prévia divisão de quotas;
- renunciar à gerência por parte daqueles que a detinham;
- a representar nas assembleias gerais e tomar quaisquer deliberações, incluindo as que importem alteração do pacto social. (P)
Um dos dois gerentes da ré, desde a constituição desta até à outorga do contrato promessa de Junho de 2003, foi sempre indicado pela autora. (Q)
A autora deteve em exclusivo a gerência da ré no período que mediou entre 28.02.02 e 26.05.03, pois que os únicos gerentes desta eram os mesmos da autora. (R)
Gerentes da autora que eram e são donos de 93% do capital desta, já que L………. é titular de 86% do capital e a sua esposa, M………., de 7%; aquele L………. foi director de aprovisionamento da ré entre, pelo menos, Jan./2000 e Dez./2001. (S) e 4º)
Em 2001 foram entregues pela autora à ré vários pintos. (T)
A ré emitiu as notas de lançamento (ou de débito) cujas cópias se acham a fls. 113 a 119, no valor total de 20.520.643$00 (€ 102.356,54), datadas de 31.12.01, que enviou por correio à autora e esta recebeu em Janeiro de 2002. (U), 5º e 31º)
A autora nunca considerou as referidas notas de lançamento na sua contabilidade, designadamente na conta-corrente relativa aos anos de 2001 a 2003 ou nas contas de exercício de 2001 e 2002. (34º)
Em 07.10.03, a autora endereçou à ré a carta constante a fls. 120, que se dá por reproduzida, onde se diz, entre outras coisas, que “Tal diferença, como V. Excas. bem sabem, resulta de diversas notas de débito emitidas por V. Exas. com data de 31 de Dezembro de 2001, que nos foram enviadas no final do mês de Janeiro de 2002, e que não foram aceites por nós e por isso imediatamente devolvidas”. (7º)
Entre a data da reclamação contida na missiva que se acha junta a fls. 120 e 121 e a data das notas de lançamento (ou de débito) referidas sob o número 15 decorreram os exercícios de 2001 – onde as referidas notas de débito foram contabilizadas (período de tempo em que os gerentes da R. eram N.......... e O………) – e de 2002, tendo sido os referidos donos de 93% do capital da autora que elaboraram e aprovaram sozinhos as contas de exercício e relatórios de gestão da ré em 2002, relativas ao ano de 2001, bem como os relatórios de contas e gestão relativas ao ano de 2002, ambas certificadas por ROC e todos eles assinados pelo próprio punho dos gerentes da ré, na altura de igual modo gerentes da autora. (V)
Nos fornecimentos de “aves do dia” efectuados pela autora à ré vinha geralmente incluída uma percentagem de 2% da quantidade que era enviada gratuitamente. (9º)
Tal percentagem, que sempre foi acordada e era usual fazer-se, destinava-se a cobrir eventuais mortalidades das aves fornecidas durante o transporte das mesmas. (10º)
Os fornecedores da autora incluíam igualmente uma percentagem de 2% da quantidade de aves entregues a esta, que era enviada gratuitamente. (13º)
Todos os animais fornecidos pela autora à ré vinham vacinados contra a doença de “Marek”. (19º)
A “doença de Marek” é provocada por vírus, designadamente pelo “Herpesvirus 2, Gallid”, podendo afectar qualquer sistema imunitário independentemente da ave progenitora estar imune ao mesmo; a vacinação contra tal doença é normalmente ministrada através do ovo ou no primeiro dia de vida da ave, sendo que a vacina começa a produzir os seus efeitos entre o 4º e o 6º dia. (20º, 21º e 22º)
O “vírus de Marek” provoca, entre outras coisas, a paralisia das aves. (24º)
Tal vírus afecta o sistema imunológico da ave, sendo a sua característica mais visível o emagrecimento da ave, a perca de massa muscular e o surgimento de uma pigmentação branca/acinzentada na crista da ave; em virtude do aparecimento dessa doença as aves não podem ser comercializadas. (26º e 27º)
Normalmente as aves para comercialização são abatidas em média aos 90 dias de idade. (30º)
*
III.
São questões a decidir (delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC):
- Se a sentença é nula por omissão de pronúncia.
– Se devem ser alteradas as respostas aos quesitos 6º, 7º, 9º a 34º, 36º a 38º e 40º a 43º.

1 – Nulidade da sentença
Sustenta a ré que a sentença é nula por omissão de pronúncia por não ter conhecido das condições de exercício da gerência da ré, designadamente do facto de a autora deter 50% do capital da ré e de um dos gerentes desta ser sempre indicado pela autora.

As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 668º do CPC.
Nos termos daquele normativo, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
“Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) … São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada”[1].
A nulidade de omissão de pronúncia prevista na 1ª parte da al. d) do citado artº 668º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no nº 2 do artº 660º do mesmo Diploma, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”.
A doutrina e a jurisprudência distinguem “questões” de “razões” ou “argumentos” e concluem que só a falta de apreciação das primeiras integra a referida nulidade; já não a integra a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões[2].
Quando o juiz se abstém de proferir decisão a respeito de um determinado ponto, o vício da sentença incide apenas na actividade da sua elaboração e, por isso, é um vício formal, tal como o são todos os demais vícios previstos no artº 668º, nº 1.

A causa de pedir da presente acção e da reconvenção consiste nos sucessivos contratos de compra e venda comercial celebrados entre a autora e a ré no âmbito das relações comerciais existentes entre ambas, que levaram ao estabelecimento de um sistema contabilístico de conta-corrente, cujo saldo importa analisar para saber quem deve o quê e a quem.
Estão em causa, do lado da autora, o preço dos fornecimentos e as despesas e juros de letras; do lado da ré, a indemnização por prejuízos decorrentes de venda defeituosa.
Ora, todas aquelas questões foram analisadas e ponderadas na sentença, pelo que não se verifica a invocada nulidade de omissão de pronúncia.

O que nos parece é que a ré censura o facto de na decisão da matéria de facto não terem sido ponderadas as circunstâncias relativas à gerência da ré.
Sendo assim, o que está a invocar é um erro na apreciação da prova, que será sindicado através da reapreciação da prova, uma vez a mesma foi gravada e a ré impugnou a decisão da matéria de facto nos termos do artº 690º-A do CPC.

2 – Alteração das respostas aos quesitos 6º, 7º, 9º a 34º, 36º a 38º e 40º a 43º
Dispõe o artº 712º, nº 1, al. a) do CPC que a decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão sobre a matéria de facto.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a garantia do duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto que o DL 39/95 de 15.02 introduziu no CPC, através do artº 690º-A, não subverte o princípio da livre apreciação das provas inserto no artº 655º, nº 1 do mesmo Diploma. O juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
E na formação da convicção do juiz entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova. Na formação daquela convicção não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis.
O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está vedada exactamente por falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
O que a este tribunal de segunda jurisdição compete é, pois, apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
Por isso, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[3].
Vejamos então se, nos pontos concretos indicados pela ré, se encontram aqueles pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros do julgador que são o fundamento da impugnação da matéria de facto.

Nos presentes autos, a autora invoca um crédito contra a ré proveniente de fornecimento de animais vivos, designadamente de pintos.
Por seu turno, na parte que aqui nos interessa, a ré invoca um contra-crédito no montante de € 102.356,54.
Na versão da ré, esta sofreu prejuízos em consequência da mortalidade de pintos que lhe haviam sido fornecidos pela autora, pelo que, para ressarcimento de tais prejuízos, emitiu e enviou à autora as notas de débito referidas em U), no valor global de € 102.356,54, tendo este valor resultado de um acordo entre a autora e o gerente da ré. Tais notas foram aceites pela autora e a quantia delas constante foi considerada paga por acordo entre a autora e a ré, aquando da celebração do contrato “promessa de cessão de quotas” referido em L), por meio do qual a autora prometeu ceder a terceiro a quota que detinha na ré.
Na versão da autora, a ré nunca sofreu prejuízos decorrentes de mortalidade de aves porque no valor das facturas emitidas pela autora à ré já se encontrava deduzido o valor das aves mortas (que também era deduzido à autora pelo próprio fornecedor), pelo que a autora nunca aceitou as notas de débito referidas em U) e as devolveu à ré, não tendo as mesmas sido consideradas aquando do encontro de contas realizado na sequência do contrato promessa de cessão de quotas.
O tribunal recorrido não deu como provada a versão da ré e, em consequência, julgou improcedente o pedido reconvencional.

Os quesitos 1º, 2º, 3º contêm a versão da autora acerca dos prejuízos sofridos. Os quesitos 9º a 30º contêm a impugnação motivada da matéria vertida nos quesitos 1º, 2º e 3º.
Não se compreende, por isso, por que razão a ré diz que a matéria dos quesitos 1º a 3º não interessa à decisão da causa, e, simultaneamente, impugna as repostas aos quesitos 9º a 30º (cfr. a conclusão 5ª).
Os quesitos 1º a 3º contêm precisamente a matéria referente à origem do crédito invocado pela ré, que reside nos prejuízos sofridos pela mortalidade dos pintos e não - como a ré propugna - no acordo entre a autora e a ré. Este acordo reporta-se apenas à forma de pagamento daquele crédito (na versão da ré).
Os quesitos 6º, 7º, 31º, 32º, 33º e 34º respeitam à emissão, envio e aceitação das notas de débito referidas em U) e os quesitos 36º, 37º e 38º respeitam à forma de pagamento das quantias lançadas naquelas notas.
Finalmente, os quesitos 42º e 43º contêm a impugnação motivada da autora de matéria alegada pela ré e vertida nos quesitos 40º e 41º e que respeita à questão de saber se cessou e em que altura cessou o acordo de pagamento pela ré das despesas e juros das letras referidos em E). Segundo a autora, nunca cessou; segundo a ré, cessou aquando da celebração do contrato de cessão de quotas referido em J).
Aos quesitos 40º, 41º, 42º e 43º, o tribunal recorrido respondeu que apenas se provou o que consta da al. E), ou seja, que a autora, a pedido da ré, foi aceitando diversas letras de câmbio sacadas por esta e sempre com despesas e juros a seu cargo, sendo que estas despesas e juros originaram as notas de débito ali descriminadas.
Também aqui não se compreende por que é que a ré impugnou as respostas aos quesitos 42º e 43º e não impugnou as respostas aos quesitos 40º e 41º, já que a reapreciação das respostas àqueles implica necessariamente a reapreciação das respostas a estes. O que adiante será feito.

A decisão da matéria de facto, na parte impugnada, assentou na análise crítica dos depoimentos das testemunhas G………., H………., I………. e J………., arroladas pela autora, e D………. e E………., arroladas pela ré, e dos seguintes documentos: cartas de fls. 120/1 e 122/3, avisos de lançamento e notas de liquidação de fls. 126/9, 131 e 134, relatório de gestão da ré de fls. 135/164, cópias das facturas de fls. 223-240 (traduzidas a fls. 347-417, cópias do extracto de contas de fls. 241-251, balanço de fls. 252-275 da autora e certificação legal de contas do ROC da ré relativo ao exercício de 2002, de fls. 429/431.
A ré põe em causa os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora e sustenta que não foram relevados os depoimentos das testemunhas por si arroladas.
Afirma ainda que não poderiam ser tidos em conta os documentos de fls. 223-240, as cópias dos extractos de fls. 541-251 e o balanço da autora de fls. 252-275, por terem sido impugnados pela ré quanto ao conteúdo, quanto à letra e assinaturas deles constantes.

Começando pelos documentos:
No artº 273º do CC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem - estabelecem-se os requisitos dos documentos particulares: estes devem ser assinados pelo seu autor ou por outrem a seu rogo (nº 1), admitindo-se, em certos casos, a substituição da assinatura por simples reprodução mecânica (nº 2).
Só os documentos particulares que satisfaçam os requisitos previstos naquele normativo podem ter força probatória formal nos termos previstos nos artºs 374º a 376º.
A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular, consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe terem sido atribuídos, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras (artº 374º, nº 1).
Os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos do normativo anterior, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artº 376º, nº 1). Já os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão (nº 2 do mesmo normativo).
O requisito legal dos documentos particulares que releva para o efeito de lhe atribuir força probatória formal nos termos dos normativos acima citados é apenas o que consta do artº 373º, ou seja, a assinatura do seu autor.
Como refere Vaz Serra[4], a assinatura é requisito essencial do verdadeiro e próprio documento particular. A assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento.
Os documentos que não tenham os requisitos legais - o que, tratando-se de documentos particulares, repetimos, são os que não contenham a assinatura do seu autor - não podem fazer prova plena nem quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nem quanto aos factos contidos nas mesmas, nos termos do citado artº 376º.
Aqueles documentos são assim livremente apreciados pelo tribunal, de acordo com o princípio geral ínsito no artº 366º, cuja doutrina vale para todo o tipo de documentos[5].
A lei atribui, no entanto, eficácia probatória plena a alguns documentos particulares que não é costume assinar.
É o caso dos registos e outros escritos em que alguém habitualmente toma nota de pagamentos que lhe são efectuados (artº 380º), das notas escritas pelo credor em documentos em seu poder ou em poder do devedor (artº 381º) e dos livros de escrituração comercial (artº 44º do CCom).
Entende-se que a doutrina do artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares, admitindo alguns autores que a aplicação, nestes casos, dos princípios contidos no artº 380º, que se refere ao valor probatório dos registos e outros escritos onde habitualmente se toma nota de pagamentos[6].
Os livros de escrituração comercial podem fazer prova a favor do seu autor segundo um regime de presunções e contra-presunções estabelecido no citado artº 44º do CCom.

Os documentos em causa nos autos são cópias de facturas, de extractos de conta-corrente e do balanço da ré.
As facturas não são livros de escrituração comercial e, portanto, não se lhes aplica o regime probatório do artº 44º do CCom, apesar de ambas as partes serem comerciantes.
Aos extractos de conta-corrente e o balanço da ré, embora se possam ter como assentos lavrados em livros de escrituração comercial (cfr. artº 31º do CCom) também não é possível aplicar o regime probatório do artº 44º do CCom porque se desconhece se estão ou não regularmente arrumados, o que é essencial para definir a aplicação daquele regime, como decorre do citado artº 44º.
Os documentos em causa são assim escritos não assinados, aos quais também não se aplica o regime dos artº 380º e 381º, uma vez que não se encontram nela registados quaisquer pagamentos nem quaisquer notas que favoreçam a exoneração da ré.
São, por isso, documentos particulares simples que não têm os requisitos legais para que lhe seja atribuída força probatória plena nos termos do artº 376º.
Tratando-se de documentos escritos sem os requisitos legais, é irrelevante a impugnação da sua letra pela ré, sendo a sua força probatória livremente apreciada pelo tribunal (artº 366º).
Não estava, pois, o Mº Juiz a quo impedido de atender a tais documentos como meios de prova, apreciando-os segundo a sua livre convicção em conjugação com a prova testemunhal produzida nos autos.
De qualquer forma, a atendibilidade na decisão da matéria de facto de meios probatórios que não pudessem ser atendidos não configura uma nulidade da sentença, maxime, a prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, como pretende a ré. Damos aqui como reproduzido o que acima dissemos acerca das nulidades da sentença.
A terem sido considerados meios probatórios que não o poderiam ser, estaríamos perante um erro na apreciação da prova, que poderia ser corrigido por este Tribunal através da reapreciação da prova.

Resulta da matéria de facto descrita (na parte que não foi impugnada) que entre a autora e a ré foram celebrados vários contratos de compra e venda comercial, definidos pelo artº 463º do CCom e regidos pelas disposições dos artºs 875º e seguintes do CC.
Em reconvenção, pretende a ré ser indemnizada pela autora de prejuízos decorrentes de doença que apresentavam os pintos que lhe foram fornecidos pela autora.
Segundo as regras gerais do ónus da prova (artº 342º, nºs 1 e 2 do mesmo Diploma), cabia à ré provar que os pintos fornecidos pela autora padeciam de doença que se encontrava oculta no momento do fornecimento e cabia à autora provar que desconhecia, sem culpa, a existência daquela doença.
Provando-se que os pintos estavam doentes quando foram vendidos e não logrando a autora ilidir a presunção de culpa que sobre ela impendia, estaria obrigada a indemnizar a ré pelos prejuízos que aquela sofreu em consequência da doença dos pintos. Seria assim quer se aplicasse o regime geral da responsabilidade contratual (artºs 798º, 799º e 801º, nº 1 do CC), quer o regime especial previsto no artº 913º, que remete para o regime da compra e venda de bens onerados previsto nos artºs 905º a 912º (cfr. artºs 908º e 909º) e as particularidades previstas nos artºs 914º e seguintes, todos do CC.
Os factos vertidos nos quesitos 1º, 2º e 3º e 9º a 30º são, pois, essenciais para a decisão da causa.
Os demais factos quesitados acerca da emissão, lançamento, envio, aceitação e pagamento das notas de débito em que a ré plasmou o montante dos invocados prejuízos são também factos essenciais, embora complementares ou concretizadores dos acima referidos.
Daqueles factos assume particular relevância o vertido nos quesitos 36º e 37º: o pagamento pela autora dos montantes das aludidas notas de débito através do encontro de contas feito entre a autora e a ré aquando da promessa de cessão de quotas desta última, o qual, a provar-se, equivaleria a uma confissão da autora de que havia fornecido à ré pintos doentes.

Nenhuma das testemunhas inquiridas disse que os pintos fornecidos pela autora à ré padeciam da doença de Marek ou de qualquer outra.
As testemunhas arroladas pela ré, D………. (empregado de escritório da ré desde 94, afecto ao serviço de contabilidade) e E………. (que presta serviços na ré como técnico oficial de contas desde 2001 e fez o encerramento das contas nos finais de 2001) apenas tinham conhecimento da emissão pela ré e do envio à autora das notas de débito referidas em U), nas quais a ré discriminou o “valor indemnizatório referente a problemas de Marek” em pintos de alguns avicultores.
Por seu turno, as testemunhas H………. e I………. (tendo a primeira integrado a empresa P………., SA, e sendo a segunda responsável pela produção em Portugal da empresa Q………, ambas fornecedoras de pintos à autora) foram peremptórias em afirmar que todos os pintos fornecidos pelas suas empresas à autora estavam vacinados contra a doença de Marek, tendo a segunda afirmado que nunca detectou qualquer problema de Marek nos frangos comercializados pela F………. ..
H……….: “A doença de Marek é causada por um vírus. Todos os pintos vinham vacinados contra a doença de Marek. Vacina-se os pintos a um dia. A imunidade surge 3 a 4 dias depois. Neste tipo de relação comercial, se não tivesse havido vacinação, teria havido sérios problemas de Marek. Havia muitos fornecedores que desejavam ser fornecedores da B………., Lda. Se houvesse problemas de Marek com os pintos que nós fornecíamos não teríamos conservado muito tempo as relações com a B………., Lda. A vacinação era feita pela P………., SA. Havia controle interno da vacinação. A vacina é dada no pescoço do pinto e é facilmente detectável”.
I……….: “A F………. era visitada duas vezes por semana por técnicos da Q………. . Quando havia algum problema patológico, de mortalidade ou alguma coisa estranha, ligavam para mim e resolvíamos o problema. Os problemas de F………. foram pontuais e foram problemas patológicos normais de qualquer produção. Não me lembro de qualquer mortalidade excessiva. Eu só visitava os aviários da F………. quando havia algum problema. Vacina-se contra a doença de Marek directamente no ovo, 3 dias antes de nascer. Não me recordo de na F………. haver problemas de Marek. Todos os frangos fornecidos pela Q………. estavam vacinados contra a Marek”.
Restam-nos as notas de débito referidas em U), emitidas pela ré, contendo declarações feitas pela própria ré, que lhe são favoráveis. São, portanto, documentos particulares sem requisitos legais, como tal, de livre apreciação pelo tribunal (cfr. o que acima se disse a este respeito). Daquelas notas de débito, só por si, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, não se pode concluir que os pintos fornecidos pela autora à ré padecessem de qualquer doença, designadamente, da doença de Marek.
Na ausência de uma prova testemunhal e documental directa sobre a doença dos pintos, poderia haver uma confissão da autora sobre aqueles factos se se tivesse provado que, no encontro de contas que foi feito aquando da promessa de cessão de quotas da ré, tivesse sido incluído o montante das notas de débito relativas aos invocados prejuízos da ré.
As testemunhas D………. e E………. afirmaram aquele facto, mas a primeira não conseguiu justificar a sua razão de ciência e a segunda disse que não esteve presente nas negociações finais do acordo de encontro de contas, mas que apenas prestou esclarecimentos e informações de carácter contabilístico.
Por outro lado, analisados os documentos juntos aos autos, designadamente, os que vêm referidos na motivação da decisão da matéria de facto, verifica-se que aquele facto não se encontra espelhado em nenhum deles.
Só por si, a coincidência de sócios e de gerentes não é suficiente para que se conclua, como a ré pretende, que as contas ficaram saldadas no encontro de contas final entre a autora e a ré.
Face à prova produzida nos autos (ou, mais exactamente, à ausência dela), não podiam estar mais correctas as respostas negativas aos quesitos 1º, 2º e 3º, 36º a 38º e as respostas restritivas aos quesitos 9º a 30º.
Bem como se mostra correcta a resposta negativa ao quesito 6º (se o valor das notas de débito resultou de um acordo entre a autora e o gerente da ré), já que nenhuma prova foi feita nesse sentido.
Não tendo a ré feito a prova que lhe competia da existência de doença nos pintos vendidos pela autora, é o que basta para a improcedência da reconvenção nesta parte.
Deixam assim de ter interesse as vicissitudes das notas de débito referidas em U) relatadas nos quesitos 7º e 31º a 34º: se a autora as aceitou, se delas não reclamou, se foram enviadas pelo correio, se foram devolvidas e se nunca foram consideradas na contabilidade da autora, designadamente na conta-corrente relativa aos anos de 2001 a 2003 ou nas contas de exercício dos anos de 2001 e 2002.
O que o tribunal recorrido deu como provado foi que as notas foram enviadas pela ré à autora, por correio, que as recebeu em Janeiro de 2002, e que a autora nunca as considerou na sua contabilidade, designadamente na conta-corrente relativa aos anos de 2001 a 2003 ou nas contas de exercício de 2001 e 2002. E ainda que, em 07.10.03, a autora endereçou à ré a carta constante a fls. 120, onde diz que não aceita as notas de débito e que as mesmas foram imediatamente devolvidas.
Também aqui a apreciação da prova se mostra correcta, face aos depoimentos das testemunhas G………. (economista, colaborador da autora à data dos factos) e das testemunhas D………. e E………., que confirmaram o envio das notas pelo correio, e ao teor dos extractos de conta corrente de fls. 241-251 e do balanço de 252-275, que espelham o facto de as notas de débito nunca terem sido lançadas na contabilidade da autora (o que também foi confirmado pela testemunha J………., técnico oficial de contas da autora desde 1999).
Quanto à devolução e reclamação das notas de débito, os depoimentos das testemunhas acima referidas forma contraditórios, referindo a primeira que as notas foram imediatamente devolvidas e referindo as segundas que não tiveram conhecimento de qualquer devolução ou reclamação. Por isso, bem se andou ao dar apenas como provado, na resposta ao quesito 7º, o teor da carta que a autora enviou à ré em 07.10.03.

Finalmente, sobre a cessação do acordo de pagamento das despesas e juros das letras (quesitos 40º, 41º, 42º, 43º) nenhuma prova foi feita nem no sentido da versão da autora, nem no sentido da versão da ré.
Instada sobre esta matéria, a testemunha E………. disse apenas que há registos de encargos bancários de letras na contabilidade da ré e que “…tudo o que estava registado foi pago”.
Provou-se apenas o que já constava da al. E), ou seja, a existência do referido acordo, pelo que as respostas dadas àqueles quesitos não podiam estar mais correctas.
O que tem como consequência que a ré esteja obrigada a pagar à autora os montantes referidos em E).

Não se evidencia assim a existência de erro grave na apreciação da prova em relação a nenhum dos concretos pontos questionados pela ré, pelo que se consideram assentes os factos dados como provados pelo tribunal recorrido e acima descritos.
Face à improcedência da impugnação da matéria de facto, e como no recurso não se questiona a solução jurídica do pleito, resta julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência:
- Confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Porto, 16 de Novembro de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha


____________________________
[1] Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 18ª ed., pág. 884.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1981, pág. 143.
[3] Acs. desta Relação de 19.09.00 e da RC de 03.10.00, in CJ-00-IV-186 e 27, respectivamente, e doutrina neles citada. No mesmo sentido, os Acs. do STJ de 17.3.05, 20.09.05 e 29.11.05, www.dgsi.pt, procs. 95P129, 05A2007 e 05A3416, respectivamente.
[4] BMJ 111º-155 e 161.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 323.
[6] Sobre este matéria, ver Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 2ª ed., pág. 129.