Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0813222
Nº Convencional: JTRP00041628
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: ASSISTENTE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Nº do Documento: RP200809170813222
Data do Acordão: 09/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REENVIADO O PROCESSO.
Indicações Eventuais: LIVRO 545 - FLS 74.
Área Temática: .
Sumário: O assistente pode recorrer, desacompanhado do Ministério Público, da parte da sentença que dispensou o arguido de pena pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, mesmo que não tenha deduzido acusação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO (Tribunal da Relação)
Recurso n.º 3222/08
Processo n.º …/05. 5GAVLC
Em conferência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
1- No ..º juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, no processo acima referido, forma julgados em processo comum com tribunal singular os arguidos abaixo referidos, e a final foi proferida a seguinte decisão :
condenar o arguido B……….:
- pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Cód. Penal, dispensando-se o arguido de pena nos termos previstos no art. 143º, nº 3 do Cód. Penal;
- pela prática de três crimes de injúria p. e p. pelos arts. 30º e 181º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 100 dias de multa para cada um deles, à taxa diária de 5€;
- em cúmulo, condenar o arguido B………. na pena única de multa de 220 dias, à taxa diária de 5 €, perfazendo a multa o montante de 1.100€.
- julgado parcialmente provado e procedente o pedido de indemnização civil formulado por C………. a fls. 139 e segs., condenando-se B………. a pagar-lhe a quantia de 400€ para ressarcimento dos correspondentes danos não patrimoniais, absolvendo-se no demais o demandado.
- julgar improcedente por não provado o pedido de indemnização civil de fls. 174 e segs., dele se absolvendo B………. .
condenar o arguido C……….:
- pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Cód. Penal, dispensando-se o arguido de pena nos termos previstos no art. 143º, nº 3 do Cód. Penal;
- pela prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 6€, perfazendo a multa o montante de 480€;
- improcedentes, por não provados, os pedidos de indemnização formulados a fls. 143 e 176 por B………., deles se absolvendo C………. .

2- Inconformado, recorreu o arguido B………., tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
O arguido C………. foi condenado pela prática de um crime de injúrias, mas o pedido de indemnização cível deduzido pelo recorrente não obteve provimento, sendo que o tribunal "a quo" fundamentou a sua decisão no alegado facto de não ter sido provado quem começou por proferir as expressões injuriosas, por analogia com o procedimento adoptado em relação ao crime de ofensas corporais, praticado na mesma ocorrência;
porém, o Tribunal "a quo", com fundamentos iguais, decidiu de forma distinta: condenou o arguido C………. e o ora recorrente pelo crime de ofensas corporais, mas com dispensa da pena; condenou-os, igualmente, pela prática do crime de injúrias, mas sem dispensa de pena.
condenando o arguido C………. pelo crime de injúrias, sem dispensa de pena, teria o tribunal que condená-lo, também, no pedido de indemnização cível formulado pelo recorrente. Não o fez, porém, sendo certo que, como decorre da simples leitura da douta sentença, que aos crimes de injúrias em que o recorrente foi condenado, foi atribuído o mesmo grau de gravidade.
quanto ao crime de ofensas corporais, praticado em 09.03.2005, e à dispensa da pena por, alegadamente, não ter sido possível determinar quem iniciou a "briga", o tribunal ficou-se por uma interpretação redutora do que preceitua o artigo 127.º do CPPenal, focalizada "na livre convicção da entidade competente". “In casu", porém, verifica-se a existência de elementos coadjuvantes de grande pertinência e relevo, nos termos dos quais o arguido C……… deverá ser condenado, sem dispensa de pena, conduzindo à correspondente condenação no pedido de indemnização cível deduzido pelo recorrente.
mesmo que assim não entenda, o demandado C………. sempre terá de ser condenado no pedido de indemnização cível deduzido pelo recorrente, tendo em conta o que preceitua o artigo 377.° do CPPenal, já que o nexo de causalidade entre as agressões perpetradas pelo arguido C………. e as lesões sofridas pelo recorrente se apresenta incontornável e, aliás, plasmada na própria sentença.
revogando a douta sentença em recurso : a) dispensando o recorrente da pena, no crime de injúrias praticado em 09.03.2005; b) ou, se esse não for o entendimento, condenando o demandado C……… no pedido de indemnização cível deduzido pelo recorrente; c) condenando o arguido C………. pela prática de um crime de ofensas à integridade física, sem dispensa de pena, bem como no pedido de indemnização cível deduzido pelo recorrente; d) caso seja mantida a dispensa de pena, condenando o denunciado C………. no pedido de indemnização cível deduzido pelo recorrente, nos termos e quantitativos peticionados, sendo que, em relação aos custos da operação plástica a que o recorrente pretende ser submetido, já há o respectivo orçamento, conforme documento junto aos autos,

3- Respondeu o recorrente e arguido C………., dizendo em resumo:
o pedido de indemnização cível do recorrente, de fls 142 ss, no montante de € 500, é inferior à alçada do tribunal recorrido, pelo que não pode ser objecto de recurso nos termos do art. 400.º-2 do CodProcPenal;
não pode ser dispensada a pena correspondente ao crime de injurias por não estar preenchido o condicionalismo do art. 186.º-2 e 3 do CodPenal;
não tem o recorrente interesse em agir relativamente ao crime de ofensas corporais cometido pelo recorrido, quando pretende que este não seja dispensado da pena, pois que enquanto assistente não acompanhou a acusação publica nessa parte nem deduziu acusação correspondente;
não pode o recorrente pedir a condenação do recorrido no pagamento de indemnização correspondente ao crime de ofensas corporais porque o recorrido foi condenado por tal crime, mas com dispensa de pena

3. Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que levantou as seguintes questões:
a sentença é nula (art. 379.º-1-a) do CodProcPenal) porque não refere quais os factos não provados, a que obriga o art. 374.º-2 do CodProcPenal; e em relação aos factos dados como provados não indica os danos e consequências mencionados nos pedidos cíveis;
há contradição insanável entre os factos e a decisão de absolvição do arguido C………. do pedido cível pelo crime de ofensa corporal simples, pois que dos pontos 4 e 6 da decisão resulta que foi o arguido-recorrido C………. quem voluntariamente agrediu o recorrente, sem qualquer causa de exclusão da ilicitude, que foi ele que causou os danos alegados, e assim e contraditoriamente acaba por absolver o mesmo do pedido cível

4- Foi colhido o visto legal e teve lugar a conferência.
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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Na 1.ª instância foi dado como provado que:
1- No dia 16.11.2004, cerca das 16 Horas, o assistente C………. encontrava-se a cimentar o pátio da residência da sua vizinha D………., sita em ………., ………., Vale de Cambra, o qual confronta com a via pública, quando apareceu o arguido B………., ao volante de um veículo automóvel não identificado.
2- Ao aperceber-se da presença do assistente C………., o arguido B………. imobilizou o referido veículo, gritando para o primeiro, por ordem e em número de vezes não apurado, as seguintes expressões: “ladrão”, “filho da puta”, “hei-de matar-te”.
3- No dia 03.01.2005, cerca das 17 Horas, quando o assistente C………. se preparava para sair, encontrando-se junto ao portão da sua residência sita em ………., ………., Vale de Cambra, o arguido B………. dirigiu-se a ele e disse-lhe, por ordem e em número de vezes não apurado: “ladrão”, “filho da puta”, “hei-de matar-te”
4- No dia 09.03.2005, cerca das 15 Horas, na Rua ………., junto ao ………., em Vale de Cambra, em circunstâncias não concretamente apuradas, os arguidos C………. e B………. agarraram-se um ao outro, envolvendo-se num briga no decurso da qual deram muros e pontapés um no outro.
5- Ainda no decurso do referido em 4, os arguidos disseram, dirigindo-se um ao outro: “filho da puta”, “ladrão” e “cabrão”.
6- Em consequência do referido em 4, o assistente C………. sofreu dores e o assistente B………. sofreu uma ferida corto contusa na região malar direita, uma escoriação no pescoço e uma escoriação no dedo anelar esquerdo, necessitando de ser assistido no ………. de Vale de Cambra, onde levou 4 pontos de sutura.
7- Os arguidos agiram sempre de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito, designadamente, de atingir o outro na sua integridade física, sabendo que a sua conduta era criminalmente punida.
8- Ambos os ofendidos sentiram dores e vexame.
9- O arguido B………. encontra-se desempregado há mais de um ano, vivendo sozinho, das poupanças efectuadas, em casa própria.
10- O arguido C………. aufere o rendimento mensal aproximado de 460€ e a sua mulher é doméstica, vivendo em casa própria.
11- O arguido C………. não tem antecedentes criminais.
12- O arguido B………. tem antecedentes criminais.

A sentença recorrida considerou não haver factos não provados
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O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, caberia agora conhecer das questões ali suscitadas. Porém, o Exmo PGA levanta questões que importa apreciar e decidir.
Nos pedidos cíveis deduzidos nos autos o recorrido C………. alegou danos morais derivados da conduta do recorrente; e este invocou danos patrimonais e morais originados na conduta do recorrido, danos esses especificados naqueles pedidos cíveis de fls 139 a 143 e 172 a 176.
No entanto, dos factos elencados na sentença recorrida não consta qualquer referência aos danos e consequências dos crimes com referência aos factos invocados pelos demandantes cíveis, quer no tocante a danos morais, quer no que toca aos danos patrimoniais invocados pelo ora recorrente (vg com despesas realizadas e a realizar).
Diz o art. 379.º do CodProcPenal: «1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), (...) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...)». E dispõe o art. 374.º-2 do CodProcPenal: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal»
As nulidades dos arts 119.º e 120.º do CodProcPenal respeitam unicamente a nulidades gerais dos actos processuais, mas as nulidades do julgamento e da decisão obedecem a outros princípios. A existência de regras gerais de direito específicas de tais hipóteses leva a que se não possam ter como unicamente aplicáveis os comandos dos citados artigos 119.º e 120.º, em virtude de diversas das indicadas situações serem geradoras de vícios de todo o processo decisório, dos quais uns poderão ser sanáveis, mas não outros, independentemente de caberem ou não na previsão do primeiro desses artigos. Quanto a tais actos fundamentais do processo (julgamento e decisão), haverá portanto que apurar se os vícios apontados são ou não de tal modo graves que possa ficar abalado, com a sua existência, o princípio fundamental do processo penal do apuramento oficioso da verdade material, sem subordinação a esquemas de repartição de ónus da prova.
E as contradições insanáveis entre a fundamentação, o erro notório na apreciação da prova, a insuficiência da matéria de facto para ser proferida a decisão (correspondente, no fundo, e com muita frequência, ao vício do excesso de pronúncia, embora se não reconduza apenas a ele), a omissão de pronúncia, o julgamento a non judice, a falta de fundamentação (falta de indicação dos meios de prova, falta de análise critica da prova, a não indicação dos factos provados e não provados), traduzir-se-iam na existência de nulidades que, pela sua gravidade, não podem deixar de ter uma apreciação oficiosa por parte do tribunal de recurso, sob pena de, se assim se não entender, se estar a adoptar um regime de pura justiça formal, incompatível com os princípios gerais do direito penal e com os comandos dos artigos 27.º e 29.º da Constituição (cfr neste sentido: STJ, de 22/03/2001, Proc. n° 353/01; STJ, de 25/11/1999, BMN, 491.º-200; STJ, de 08/0l/1998-CJ (1998), T1, 153; STJ, de 10/05/2006, Proc. n° 06P1184; STJ, de 21/09/2006, Proc. n° 06P3 132; STJ, de 12/10/2006, Proc. n° 06P2803; STJ, de 17/10/2007 - SJ200710170033993; TRP, de 29/09/2004 - JTRP00037166; TRP, de 15/02/2006, Rec. n° 5381/04-4; TRP, de 13/09/2006, Proc. n° 0611521; TRP, de 07/03/2007, Rec. n° 5883/06).
Ora, como vimos, a sentença omite os factos não provados, e nos factos provados apenas refere as situações económicas dos ali arguidos, mas sem qualquer referência a factos que foram alegados pelo recorrente e pelo recorrido, essenciais para a fixação das indemnizações civeis, e assim é nula tal sentença nesta parte

Quanto à segunda questão levantada pelo ilustre PGA, concretiza-se ela em que a sentença recorrida absolveu o recorrido-arguido C………. do pedido cível pela prática, por este, de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do recorrente, estando, como está, provado que o dito C………. agiu voluntariamente e da sua actuação resultaram danos físicos no ofendido ora recorrente (factos 4. e 6.).
Pela prática do crime de ofensas corporais ocorrido no dia 9-3-2005, em que o recorrente e o arguido se agrediram reciprocamente, o tribunal entendeu dispensar ambos da pena, e então, apreciando os pedidos cíveis discorreu: «(...) à semelhança do que escrevemos quanto aos motivos que nos levaram a dispensar de pena os arguidos no tocante ao crime de ofensa à integridade física simples, aqui também se entende que, não se logrando apurar quem agiu primeiro, tendo ambos sofrido lesões, e sendo impossível estabelecer-se um nexo causal seguro entre a actuação de cada um dos arguidos e as lesões que sofreram e causaram, nada há para compensar a este título ». E antes, na apreciação da responsabilidade criminal, escreveu-se na sentença: «(...) da factualidade supra elencada na fundamentação de facto da presente decisão, não se logrou apurar qual dos arguidos iniciou a contenda (...) o assistente B………. sofreu uma ferida corto contusa na região malar direita, uma escoriação no pescoço e uma escoriação no dedo anelar esquerdo, necessitando de ser assistido no ………. de Vale de Cambra, onde levou 4 pontos de sutura; e que os arguidos agiram sempre de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito, designadamente, de atingir o outro na sua integridade física, sabendo que a sua conduta era criminalmente punida (...) tendo ambos sofrido lesões, ainda que o arguido B………. apresente lesões maiores ou mais aparatosas, não é claro o nexo de causalidade a estabelecer entre as lesões de cada um dos arguidos e a actuação deles. Deste modo, em face da referida factualidade afigura-se dever lançar-se mão do mecanismo legal previsto no art. 143º, nº 3 do Cód. Penal, dispensando-se os arguidos da aplicação de pena relativamente ao recíproco crime de ofensa à integridade física simples»
Para verificar a existência dos vícios do art. 410.º-2 do CodProcPenal, que são do conhecimento oficioso («É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art 410.º, n.º 2 do CodProcPenal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito»: Ac do STJ, fixador de jurisprudência, de 95-10-19, DR de 28-12-95) e para tomar posição sobre a correcta qualificação jurídico-penal dos factos, o tribunal de recurso tem de averiguar se os mesmos resultam do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência
A contradição insanável entre os factos e a decisão (art. 410.º-2-b do CodProcPenal) pressupõe uma relação entre duas ideias, dois juízos ou dois conceitos que afirmam ou negam o mesmo objecto, ou um elemento do objecto de conhecimento.
Ora, se dos factos provados resultam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no art 483.º-1 do CódCivil --- (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano ---, ou seja, numa delimitação negativa, não havendo causas que excluam a ilicitude ou a culpa, não havendo qualquer interrupção do nexo causal, não se entende realmente, que, com os mesmos fundamentos que determinaram a isenção da pena, deixe de se arbitrar um indemnização ao recorrente B………. . Porque uma coisa é a ausência de sanção penal, que se justifica, no plano da culpa designadamente, por falta de conhecimento de quem começou a agressão. Coisa bem diversa é que, ancorada numa consideração referente à censurabilidade penal, a sentença se abstenha de fixar uma responsabilidade que nos seus fundamentos se distingue da primeira e que pode existir independentemente daquela.
Porque assim, quanto aos dois pontos anteriormente focados determinar-se-à o reenvio do processo para elaboração de sentença que aprecie as aquelas questões

Sem embargo, é possível conhecer já de outras questões levantadas no recurso, respeitantes à fixação de indemnização pelo crime de injuria e à não dispensa da pena no que toca ao crime de ofensa à integridade física.
No que concerne ao crime de injuria, o recorrente formulou um pedido indemnizatório de € 500.
O artigo 400.º, n.º 2, do CodProcPenal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, dispõe que «sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».
Assim, a admissibilidade do recurso está dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito: (1) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (2) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre
O artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, fixou em 3.000.000$00 a alçada dos tribunais da relação e em 750.000$ a dos tribunais de comarca (O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, que procedeu à conversão de valores expressos em escudos para euros em legislação da área da justiça, alterou a redacção do artigo 24.º, fixando a alçada dos tribunais da Relação em € 14 963,94 e a dos tribunais de 1.ª instância em € 3.740,98).
No caso em apreço, o valor do pedido de indemnização é, desde logo, inferior à alçada, à data, do tribunal recorrido.
O que acarreta que o recurso da sentença relativa à indemnização civil não seja admissível, nos termos do artigo 400.º, n.º 2, do CodProcPenal, levando à sua rejeição, de acordo com o artigo 420.º, n.º 1, segunda parte, do mesmo diploma.

Sustenta o recorrido, acompanhado nesta parte pelo ilustre PGA, que o recorrente não pode impugnar a decisão de dispensar aquele recorrido da pena pela prática do crime de ofensa à integridade física uma vez que, embora sendo assistente, não deduziu acusação por tal crime nem acompanhou a acusação pública nessa parte. Invoca o recorrido a doutrina do assento do STJ de 30-10-1997 (n.º 8/99), que diz, «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do MP, relativamente à espécie e medida da pena, salvo se demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
Só que face ao actual CodProcPenal pode dizer-se que a posição de subordinação do assistente ao MP se verifica apenas durante o inquérito e quanto ao aspecto de não poder acusar sozinho, pois que na instrução, no julgamento e na fase de recursos o assistente não está subordinado ao MP, em qualquer caso, o assistente assume no processo uma determinada posição em relação à tutela do bem jurídico protegido.. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos, e quando o assistente recorre de uma decisão, por não concordar com a pena encontrada, além de que a possibilidade ampla do recurso para o assistente é uma garantia para a realização da justiça a que melhor satisfaz o princípio da legalidade, possibilitando o controlo judicial sobre a decisão do MP em não recorrer. Por isso entendemos que o assistente, em relação aos crimes em que é ofendido, tem o direito de recorrer da decisão final, mesmo que o MP não recorra. Desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o, seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, ganhando assim legitimidade, então também não pode colocar-se em dúvida o seu «interesse em agir», o seu «interesse processual», a sua necessidade do processo ou do recurso, pois que a sua pretensão só pode ser resolvida através do processo penal, no caso através do recurso.
O Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, tomo III, págs. 315/316) exprime-se neste mesmo sentido: «Decisão proferida contra o assistente é a de visão proferida contra a posição que ele tenha sustentado no processo, mas é necessário entender-se esta posição em termos muito amplos [...]» No Código actual o assistente não pede a condenação numa determinada pena e se o fizer daí não resulta qualquer vinculação do tribunal e, por isso, o assistente poderá sempre recorrer de qualquer decisão, mesmo condenatória, por considerar que a pena aplicada foi inferior à que considera ajustada.» (No mesmo sentido: Ac. do STJ de 97-04-09, CJ/STJ, V, 2, 172 e BMJ, 466.º-366).
Questão diversa é a relativa ao mérito da decisão nesta parte. Já enunciamos supra a fundamentação com que a sentença recorrida, perante a agressão reciproca, decidiu isentar ambos os arguidos (o recorrente e o ora recorrido) da pena correspondente ao crime praticado. E na verdade, face ao disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 143.º do CodPenal, essa dispensa de pena é a solução mais consentânea, já que não se pôde apurar a culpa concreta de cada um dos arguidos, e a menor gravidade do caso, bem como a ausência de antecedentes criminais do arguido C………., não impõe especial exigência em termos de prevenção especial e/ ou geral
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Nos termos dos arts 374.º-2 e 379.º-1-a), do CodProcPenal, declara-se a nulidade da sentença recorrida quando não especifica os factos provados e/ou não provados, emergentes dos pedidos cíveis deduzidos pelo recorrente B……….

II- Nos termos dos arts 426.º-1 e 426.º-A do CodProcPenal, determina-se o reenvio do processo para o tribunal recorrido a fim de que este , de acordo com os factos provados ou não provados referidos no ponto anterior, aprecie os pedidos civeis deduzidos pelo recorrente B………. e relativos aos crimes de injurias e de ofensa à integridade física

III- No mais, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida

IV- O recorrente pagará 2 Ucs de taxa de justiça
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Tribunal da Relação do Porto, 17-09-2008
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira