Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425/09.6TBPFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REPARAÇÃO
DANO
PERDA TOTAL
VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
REGULARIZAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS
AUSÊNCIA DE ACORDO
SEGURADORA
Nº do Documento: RP20100907425/09.6TBPFR.P1
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: DL 291/2007, DE 21 DE AGOSTO
Sumário: I - Com a publicação do DL 291/2007, de 21 de Agosto, assistiu-se a um reforço da tutela dos lesados, estendendo-se o regime aos danos corporais e alterando-se a fórmula de cálculo de indemnização por perda total do veículo — cfr. arts. 20°-I do DL 83/2006 e o art. 41°, n°s 1 e 3 do DL 291/2007.
II - O legislador teve ainda o ensejo de acautelar expressamente - cfr. parte final do n.° 3 do art. 41° - no quadro da indemnização por perda total, o princípio da reparação natural do dano concreto ou real, tal como consagrado no artigo 562° do CC.
III - Neste enquadramento, o valor venal do veículo — que o legislador de 2007 faz corresponder ao “valor de substituição” não terá um limite, mas será antes a base de cálculo da indemnização, sem que fique prejudicado o princípio da reposição natural.
IV - Esse diploma, tal como o que o antecedeu (DL 83/2006), teve como objectivo reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e os seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses económicos dos consumidores, através da introdução de procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros.
V - Assim, mediante a apresentação de uma proposta razoável de indemnização apresentada pela seguradora, fundada nos critérios estabelecidos nesse diploma (291/2007), pode o segurado ou o terceiro aceitá-la, resolvendo-se em definitivo o litígio.
VI - Porém, se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer às vias judiciais, a determinação da espécie e o quantum da indemnização passam a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano, ficando afastada a aplicação dos critérios previstos no Capítulo III do DL 291/2007, designadamente o art. 41º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 425/09.6TBPFR.P1
REL. N.º 595
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

B………., casado, residente na Rua ………, n.º .. na freguesia de ………., do concelho de Paços de Ferreira, intentou contra C………., S.A., com sede social na ………., ., Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 6.095,97 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, em consequência dos danos provocados num acidente de viação de que foi exclusivo culpado o condutor do veículo seguro na Ré.

Citada para contestar, a Ré seguradora declinou a sua responsabilidade, alegando que o embate não ocorreu nas circunstâncias descritas pelo Autor na petição inicial e imputando a responsabilidade pela verificação do mesmo à actuação do condutor do veículo pertencente ao Autor.
Sem prejuízo, alegou ainda que o veículo do Autor é do ano de 1986, com pelo menos 370.000Km e cujo valor venal à data da acidente era de 650,00 €. Daí que – acrescenta – deve aplicar-se o critério indemnizatório de perda total, previsto no art. 41º do DL 291/2007.

Foi proferido despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido à matéria da base instrutória pela forma e com a fundamentação que consta de fls. 112 a 119, sem que surgisse qualquer reclamação das partes.

Por fim, proferiu-se a sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de a quantia de 5.575,97 € (cinco mil, quinhentos e setenta e cinco euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, contados sobre o montante de capital em dívida desde a data citação da Ré para a acção até efectivo e integral pagamento.

A Ré, inconformada, recorreu.
O recurso de apelação foi admitido a fls. 166, determinando-se a sua subida imediata nos autos e fixando-se-lhe efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso, a apelante defende que se deve revogar a sentença e fixar em 760,00 € a indemnização a pagar ao recorrido.
Para o efeito, formula as seguintes conclusões:
A. Foi decidido que a reparação do JN custava 5.495,97 € e que o seu valor venal era de 760,00 €.
B. De acordo com o disposto no art. 41º, n.º 1, do DL 291/2007, a obrigação de indemnização de um veículo interveniente em acidente de viação que deva ser considerado perda total é cumprida em dinheiro e não através da sua reparação.
C. O disposto nos arts. 562º e 566º do CC em nada contende com a nova disciplina que nos foi imposta pelo referido DL 291/07. De facto, discutia-se nos tribunais e no que respeita à excessiva onerosidade da reparação do veículo, isto é, à sua reconstituição natural, qual o conteúdo concreto, caso a caso, da excessiva onerosidade para o devedor. É evidente que os critérios foram ao longo dos anos os mais variados, se bem que como, em regra, o devedor é uma Companhia de Seguros, se encontrem muitas decisões em que, apesar do valor da reconstituição natural se cifrar em valor dez vezes menor[1] que o valor (sendo certo que, por valor de um veículo se deve entender a quantia necessária para, no mercado, adquirir um veículo idêntico ao sinistrado) do veículo em questão, como se não fosse excessivamente oneroso para qualquer pessoa despender uma quantia dez vezes superior se por valor dez vezes inferior é possível obter o mesmo bem ou equivalente.
D. Essa discussão não tem, a partir da entrada em vigor do diploma referido, qualquer sentido, já que essa lei estabelece de forma objectiva quando o responsável pela lesão deve suportar o custo da reconstituição natural e quando, em vez desta, deve cumprir a sua obrigação de indemnização em dinheiro. Desse modo ficamos salvaguardados de apreciações forçosamente subjectivas acerca do que é excessiva onerosidade, e bem assim das mais díspares decisões judiciais a esse respeito.
E. Ora o diploma em questão estabelece no corpo do seu n.º 1 e na respectiva alínea c) que, se o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado ao valor do salvado, ultrapasse em 100% ou 120% do valor venal do veículo, consoante se trate de veículo com menos ou mais de 2 anos, o responsável pelo cumprimento da obrigação de indemnização, cumpri-la-á em dinheiro e não através da reparação do veículo. Basta ver pela matrícula do veículo em questão que o mesmo tem mais de dois anos, pelo que, tendo a ora recorrida estimado o valor dos salvados sem interesse, ou seja, nulo, e sendo o valor venal do mesmo de 760,00 € e a sua reparação 5.495,97 €, tal significa que a indemnização a pagar pela ora recorrida e a esse título devia ser de 760,00 € e não a fixada, ao arrepio da legislação aplicável, de 5.495,97 €.
F. Ao contrário do que, embora mui doutamente, se escreve na douta sentença recorrida, a reconstituição natural, embora sendo a regra, não se aplica no caso dos autos, nem em qualquer outro caso, ocorrido naturalmente após a entrada em vigor do DL 291/2007, em que o valor da reparação exceda o valor venal do veículo em 120%. É o que diz a Lei e, como tal, tem de ser respeitado pelo Tribunal.
G. No caso concreto, as ilustres considerações tecidas e que correspondem às habitualmente utilizadas por quem considera que pagar uma quantia, no caso de mais de seis vezes superior, não constitui encargo inadequado, e a quem tem uma noção de valor venal de um veículo automóvel que, salvo o devido respeito, se não adequa com a realidade do mercado automóvel e com a própria definição evidente de valor venal, estão já desfasadas da nova realidade normativa que aquele diploma veio introduzir na ordem jurídica portuguesa.
H. A ora recorrida não tinha que fazer a prova da excessiva onerosidade, pois essa prova apenas era necessária até à data de entrada em vigor do diploma referido. Após esta entrada em vigor, cabia-lhe apenas fazer a prova do valor venal do veículo, o que fez, e do valor da reparação dos danos sofridos no acidente, o que também fez. A ora recorrente esperava era que o Tribunal aplicasse a Lei, o que acabou por não suceder, pelas razões que vimos expondo.
I. A divergência entre a orientação jurisprudencial dominante e o consagrado pelo diploma citado apenas terá que conduzir necessariamente à obrigação de mudança da jurisprudência, sob pena de passarem a ser os próprios Tribunais que não cumprem as leis, neste caso bem claras e sem necessidade de interpretações e esclarecimentos, face à fácil compreensão e entendimento da real e objectiva vontade do legislador.
J. Atento o exposto, entende a ora recorrente que deve ser proferida decisão a julgar o presente recurso procedente e por via disso alterado o valor da indemnização relativa à reparação/inutilização do JN, fixando-a em 760,00 €.
L. A sentença recorrida não fez a melhor e mais correcta aplicação do direito, tendo violado o disposto nos arts. 41º, n.º 1, al. c), do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

O apelado, nas contra-alegações, sustenta a confirmação do julgado.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 707º, n.º 2, do CPC.
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Sendo o objecto do processo delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do CPC – a questão a decidir é a de saber se a indemnização a atribuir ao lesado deveria reger-se pelo disposto no art. 41º do DL 291/2007.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Está provado que:

1. No dia 19 de Novembro de 2007, pelas 14.05h, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula JN-..-.. pertencente ao Autor e conduzindo por D………., e o veículo automóvel de matrícula ..-..-LB pertencente a E………. e por ele conduzido.
2. Nos momentos que precederam o embate, o JN circulava no sentido Rua ………../Rua ………. e o LB circulava em sentido contrário.
3. O local referido em 1. configura um curva para a esquerda, atento o sentido de marcha do Autor, e pelo lado direito da referida curva, atento o mesmo sentido de marcha, entronca a Rua ………..
4. Em consequência do embate o JN sofreu estragos.
5. Tendo procedido à respectiva peritagem, os serviços técnicos da Ré estimaram a sua reparação em 5.223,97 €.
6. À data do embate a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação pela circulação do veículo de matrícula ..-..-LB havia sido transferida para a Ré através da apólice de seguro com o n.º ………, mediante o pagamento de um prémio por E………..
7. Nos momentos que precederem o embate, o JN circulava na Rua ………., pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha.
8. No momento em que o JN descreveu a curva referida em 3., para a esquerda, surgiu-lhe o LB.
9. Que, pretendia virar à esquerda, atento o seu sentido de marcha, para entrar
na Rua ………..
10. Para o efeito invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, por onde circulava o JN.
11. Sem que previamente se tivesse aproximado do eixo da via, dando a sua esquerda ao centro de intercepção da via.
12. E foi embater com o seu lado direito frente na frente do JN.
13. O local onde ocorreu o embate é ladeado por habitações.
14. A via tem cerca de 6.70 metros de largura.
15. O piso é em alcatrão e encontra-se em bom estado de conservação.
16. A reparação do JN foi orçada em 5.495,97 € (com IVA incluído à taxa legal).
17. Para a reparar o JN são necessários, apenas, 8 dias.
18. O Autor utiliza o JN nas suas deslocações para o trabalho e para passear aos fins-de-semana em recreio e lazer.
19. À data do embate o JN tinha, pelo menos, 370.000Km. 20. O valor venal do JN ascendia à quantia de 760,00 €.

O DIREITO

Como já se assinalou, o objecto do recurso está confinado ao valor da indemnização a atribuir ao Autor pelos danos causados no seu veículo.
Mais especificamente, o que se discute é se deve ser-lhe atribuído o valor que a viatura sinistrada tinha à data do acidente (760,00 €), de acordo com o disposto no art. 41º do DL 291/2007 – como defende a apelante – ou se o lesado deve ser indemnizado pelo valor da reparação dessa viatura (5.495,97 €) – como se decidiu na sentença.
A discussão trava-se, obviamente, no plano jurídico, sendo dispensáveis considerações do tipo da que consta da alínea C. das conclusões da recorrente.
Vejamos então.
A restauração natural é, sem dúvida, a forma mais perfeita de reparar um dano, seja através da reintegração pura ou da indemnização em forma específica.
Por isso, foi erigida como princípio geral da obrigação de indemnizar, como resulta do próprio texto do artigo 562º do CC:
“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Pode, todavia, acontecer que a referida reintegração ou reposição específica se apresente inviável: ou porque não existe possibilidade material de reconduzir as coisas à situação exacta ou aproximada em que estariam se a lesão se não tivesse verificado; ou porque desse modo se não reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurídica a não admite, designadamente por considerá-la demasiado onerosa para o devedor[2]. Nestes casos tem de optar-se por uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos.
É isto mesmo que nos diz o art. 566º, n.º 1, do CC:
“A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
Na hipótese que trabalhamos a recorrente sustenta que o valor da reparação da viatura sinistrada, atribuído na sentença, viola o disposto no art. 41º do DL 291/2007, preceito que, segundo afirma, estabelece de forma objectiva quando o responsável pela lesão deve suportar o custo da reconstituição natural e quando, em vez desta, deve cumprir a sua obrigação de indemnização em dinheiro, tornando assim inúteis apreciações subjectivas sobre o que deva entender-se por “excessivamente onerosa para o devedor” – cfr. conclusão D.
Será assim?
O DL 83/2006[3], de 3 de Maio, aditou ao DL 522/85, de 31 de Dezembro, um capítulo[4] sob a epígrafe “Da regularização dos sinistros”.
Segundo o preâmbulo desse diploma, esse novo capítulo surgiu da “necessidade de serem fixados prazos em relação aos vários procedimentos exigidos para a regularização do sinistro que estabeleçam um horizonte temporal determinado e que permitam a regularização em tempo útil, sem demoras injustificadas (…)”.
Assim, segundo o art. 20º-A:
“O presente capítulo fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel”.
Ao longo dos arts. 20º-B a 20º-O são descritos os passos conducentes à elaboração de uma proposta de indemnização razoável ao lesado ou a terceiro em relação aos prejuízos materiais decorrentes de acidente de viação.
A previsão da indemnização por perda total de veículo consta do art. 20º-I:
“1. Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado ao valor do salvado, ultrapassa 100% do valor venal do veículo imediatamente antes do sinistro.
2. O valor venal do veículo antes do sinistro é calculado com base no valor de venda no mercado no momento anterior ao acidente ou com base nas tabelas de desvalorização comummente utilizadas, se superior.
3. O valor da indemnização por perda total é determinado com base no valor venal do veículo, calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário”.
Com a publicação do DL 291/2007, de 21 de Agosto, foram revogados os citados diplomas, e assistiu-se, como é reconhecido[5], a um reforço da tutela dos lesados, estendendo-se o regime aos danos corporais e alterando-se a fórmula de cálculo de indemnização por perda total do veículo – cfr. arts. 20º-I do DL 83/2006 e o art. 41º, nºs 1 e 3 do DL 291/2007.
Desta feita, o legislador teve ainda o ensejo de acautelar expressamente - cfr. parte final do n.º 3 do art. 41º - no quadro da indemnização por perda total, o princípio da reparação natural do dano concreto ou real, tal como consagrado no artigo 562º do CC. Neste enquadramento, o valor venal do veículo – que o legislador de 2007 faz corresponder ao “valor de substituição”[6] – não terá um limite, mas será antes a base de cálculo da indemnização, sem que fique prejudicado o princípio da reposição natural[7].
Por outro lado, é muito importante notar que esse diploma, tal como o que o antecedeu (DL 83/2006), teve como objectivo reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e os seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses económicos dos consumidores, através da introdução de procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros.
A intenção foi, portanto, a de se obter uma resolução rápida e simplificada dos litígios entre seguradoras, segurados e terceiros numa fase extrajudicial, visando uma solução amigável e evitando o recurso aos tribunais.
Assim, mediante a apresentação de uma proposta razoável de indemnização apresentada pela seguradora, fundada nos critérios estabelecidos nesse diploma (291/2007), pode o segurado ou o terceiro aceitá-la, resolvendo-se em definitivo o litígio.
Porém, se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer às vias judiciais, a determinação da espécie e o quantum da indemnização passam a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano, ficando afastada a aplicação dos critérios previstos no Capítulo III do DL 291/2007, designadamente o art. 41º[8].
A sentença recorrida seguiu o caminho da restauração natural, atribuindo ao lesado a indemnização necessária à reparação do veículo sinistrado, de modo a colocá-lo no estado em que se encontrava antes do evento danoso.
Esta solução, na qual nos revemos, é a que melhor aplicação faz das normas que regulam a obrigação de indemnização, face aos factos provados.

A sentença recorrida discorreu ainda sobre a questão da excessiva onerosidade da reparação natural.
Segundo nós, e salvo o devido respeito, indevidamente, já que a Ré/apelante não invocou essa excepção no seu articulado de defesa.
A sua argumentação foi sempre no sentido de que o critério do art. 41º do DL 291/2007 devia prevalecer sobre o princípio geral da restauração natural consagrado nos arts. 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil – cfr. arts. 5º e 8º da contestação e conclusões D. e H. da apelação.
Dispensamo-nos, pois, de qualquer incursão nessa problemática.
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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença da 1ª instância.
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Custas pela apelante.
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PORTO, 7 de Setembro de 2010
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha

______________________
[1] Queria, certamente, dizer “maior”.
[2] Almeida Costa, “Reflexões sobre a Obrigação de Indemnizar”, RLJ Ano 134º, pág. 296.
[3] Este diploma legal transpôs parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, e fixou as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir a assunção da sua responsabilidade em caso de sinistro no âmbito do seguro automóvel.
[4] Capítulo II-A
[5] Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, “Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel: Síntese das Alterações de 2007 (DL 291/2007, 21.Ago.)”, Livraria Almedina, 2008, pág. 71.
[6] Cfr. art. 41º, n.º 2, do DL 291/2007. O valor de substituição corresponde ao valor de compra ou aquisição.
[7] V. ponto 4. da Recomendação n.º 2/B/2009 da Provedoria de Justiça ao Ministro de Estado e das Finanças, em www.provedor-jus.pt.
[8] Vejam-se, por exemplo, o acórdão da Relação de Coimbra, de 11.03.2008 (Virgílio Mateus), no processo n.º 3318/06.5TBVIS.C1, e o recente acórdão desta Relação do Porto, datado de 14.06.2010 (Henrique Antunes), no processo n.º 2247/08.2TBMTS.P1, ambos em www.dgsi.pt.