Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0110164
Nº Convencional: JTRP00032435
Relator: CORREIA DE PAIVA
Descritores: ACTIVIDADE COMERCIAL
VENDA A RETALHO
CONTRA-ORDENAÇÃO
PREÇO DAS MERCADORIAS
OMISSÃO
OMISSÃO DE FORMALIDADES
Nº do Documento: RP200106200110164
Data do Acordão: 06/20/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J PESO RÉGUA 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 43/00
Data Dec. Recorrida: 10/30/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL.
Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR ORDEM SOC.
DIR CRIM - DIR PENAL ECON.
Legislação Nacional: DL 138/90 DE 1990/04/26 ART5 ART8 ART11 NA REDACÇÃO DO DL 162/99 DE 1999/05/13.
Sumário: Não integra a contra-ordenação de "afixação de preços" previsto e punido pelos artigos 5, 8 e 11 do Decreto-Lei n.138/90, de 26 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.162/99, de 13 de Maio, a conduta do arguido que nas montras do seu estabelecimento tinha exposto para venda ao público diversas peças de roupa, sem que possuíssem afixados de forma visível para o público, do seu exterior, os respectivos preços, pois as etiquetas onde estes estavam escritos encontravam-se, por descuido, viradas.
Não se pode estabelecer uma equiparação entre "falta" de afixação e o "virado" da etiqueta dos preços, porque neste caso o preço está fixado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Em Audiência, os Juízes do Tribunal da Relação acordam em:

Os ARGUIDOS, F..... & C.a L.da e JOSÉ....., foram CONDENADOS, como autores de 1 contra-ordenação, consumada, na forma negligente, de “afixação de preços”, p.p. pelos arts. 5.º, 8º e 11.º, do DL 138/90, de 26-4, na redacção do DL 162/99, de 13-5, nas coimas, respectivamente, de 250.000$00 e 25.000$00.
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Em RECURSO da sentença condenatória, a ARGUIDA, F..... & C.a L.da, alega as seguintes conclusões:
A Arguida não agiu com intenção de ocultar os preços dos produtos expostos na montra, tendo, com a sua atitude, demonstrado um comportamento apenas negligente;
A Arguida é uma empresa em início de actividade, representando esta sanção um abalo financeiro;
Não existe reincidência por parte da Arguida;
De modo que o Tribunal poderia limitar-se a condenar a Arguida numa admoestação, nos termos do disposto no art. 51.º-n.º1, do DL 433/82, de 27-10.
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Em RESPOSTA, o MP alega o seguinte:
Tendo em conta a motivação, à qual adiro integralmente, por me parecer correcta a reduzida gravidade da sua culpa, o facto de não lhe serem conhecidas outras condenações, não resultar dos autos que do seu comportamento tenha retirado qualquer beneficio económico digno de nota, bem como por o procedimento não ter resultado de queixa apresentada por consumidores que se tenham sentido lesados nos seus direitos, sou de parecer que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão, no que respeita à sanção aplicada, substituindo-se a mesma por uma simples admoestação, conforme o previsto no Art.-51° do Dec. Lei n.o 433/82, de 27/10.
CONCLUSÃO: No que respeita à sanção, deve revogar-se a decisão, substituindo-a por admoestação, conforme o art.51.°, do DL 433/82, de 27/10.
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Parecer do Sr. PROCURADOR GERAL ADJUNTO
De acordo com a factualidade provada (ver fls. 50-v), deve ter-se em conta: a)- a arguida é uma sociedade comercial, por quotas, ou seja é uma pessoa colectiva; b)- a conduta típica é subsumível à previsão dos arts. 5º, nº.1 e 8º, nº.1 do DL 138/90; c)- trata-se de actuação negligente; d)- os arguidos são primários, com rendimentos modestos.
De acordo com o art. 7.º, do DL 433/82, «as coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas....», sendo que estas «serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções».
A negligência só é punível «nos casos especialmente previstos na lei» (art.º 8º).
«Quando houver lugar á atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade» (art.º 18º, n.º3).
Relativamente à presente contra-ordenação, o art. 11º, nº.1 do DL 138/90, na redacção do DL 162/99) prevê as seguintes coimas: de 50.000$ a 750.000$, se o infractor for uma pessoa singular; se 500.000$ a 6.000.000$, se o infractor for uma pessoa colectiva. A negligência é punível (nº.2 da mesma norma).
No caso vertente, o facto é imputável a uma pessoa colectiva, a título de negligência, pelo que, de acordo com as regras descritas e como resulta tanto da decisão da autoridade administrativa como da sentença, a coima aplicada à arguida corresponde ao mínimo da coima aplicável às pessoas colectivas (250.000$00).
Menos do que isso é permitido apenas no caso do art.º 51º, do RJCO: a admoestação aplica-se «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique...»
Na falta de critério legal, cabe ao julgador avaliar da gravidade da infracção. Ora se a lei, para os casos de negligência, já prevê a atenuação especial, reduzindo para metade o mínimo da coima, a admoestação só pode (deve) ser aplicada se, face ao circunstancialismo concreto e ao grau de culpa do agente, se puder concluir que determinada conduta, ainda que ilícita, não passa de bagatela, de infracção menor, quase sem interesse para a ordem sócio-jurídicas.
Não é, a meu ver, esse o caso dos autos. A arguida expunha para venda, nas monstras do seu estabelecimento de pronto a vestir, «oito casacos, nove camisolas e três pares de calças, sem que possuíssem afixados de forma visível para o público, do seu exterior, os respectivos preços, por as etiquetas onde os mesmos estavam escritos se encontrarem viradas».
Embora tal tenha ficado a dever-se a descuido de quem fez a montra, não deixa, no entanto, de ser censurável essa falta de cuidado, não só porque não se tratou de uma peça isolada, mas também porque as pessoas singulares que actuaram em representação da arguida sabiam da exigência legal e, ainda, porque naquele dia decorria a feira semanal, sendo maior o afluxo de clientes e de público em geral.
É, por outro lado, uma conduta que ocorre com alguma frequência e à qual o legislador pretendeu pôr cobro com o regime legal vigente. Por isso , razões de prevenção geral e especial desaconselham in casu o uso da faculdade prevista no citado art.º 51º do RJCO, sancionando-a apenas com uma admoestação.
A coima imposta à Arguida deve, a meu ver, ser mantida.
A lei para este tipo de situações apenas prevê uma coima, cujo montante varia consoante o agente é um ente singular ou colectivo. No caso, trata-se de uma pessoa colectiva. É esta que deve responsabilizar-se pelo pagamento da coima. Não devia condenar-se igualmente o sócio-gerente, que intervém apenas em representação daquela e não como pessoa singular distinta. Nesta parte, afigura-se-me dever alterar-se o decidido, absolvendo o arguido José.......
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Correram os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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I- Factos PROVADOS
Em 16 de Novembro de 1999, a ARGUIDA, F..... & C.a L.da, nas montras do estabelecimento de “pronto a vestir”, “Boutique.....", sito na Rua....., na cidade e comarca do......, tinha expostos para venda ao público 8 casacos, 9 camisolas e 3 pares de calças, sem que possuíssem afixados de forma visível para o público, do seu exterior, os respectivos preços;
Por as etiquetas, onde os preços estavam escritos, encontrarem-se viradas;
Estava representada pelo sócio-gerente - o ARGUIDO, JOSÉ.....;
Tal deveu-se ao facto de, nesse mesmo dia ou no dia anterior, terem estado a fazer a montra, mudando a roupa aos manequins;
E por descuido não terem virado todas as etiquetas com os preços dos artigos de vestuário colocados em exposição;
Sabia a Arguida que estava vinculada por lei a exibir nos seus produtos destinados à venda ao público os respectivos preços de venda ao consumidor;
Bem como que a indicação desses preços deve ser feita por unidade de medida e em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor, e deve ser feita na proximidade do respectivo bem ou no local em que a prestação do serviço é proposta ao público, de modo a não suscitar qualquer dúvida ao consumidor;
São modestos os rendimentos dos Arguidos;
Não lhe são conhecidas quaisquer condenações.
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I- Factos NÃO PROVADOS
Em 16 de Novembro de 1999, os preços de venda das peças de roupa na "Boutique....." encontravam-se afixados e bem visíveis na montra do estabelecimento;
A montra onde se encontravam expostos alguns produtos do seu comércio foi arranjada na manhã em que se procedeu à fiscalização;
O dia 16 de Novembro de 1999 foi uma quarta-feira, dia de feira semanal na Cidade de...... e quando a azáfama é maior, decorrente do número de clientes;
O consumidor normal poderia ter-se apercebido perfeitamente dos preços dos produtos expostos.
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III- FUNDAMENTAÇÃO (Segundo a Sentença)
A convicção do Tribunal baseou-se: no teor das declarações prestadas pelas testemunhas, Maria..... e Albertina....., funcionárias da "Boutique.....", ao tempo dos factos e responsáveis pela elaboração da montra, tendo a 2.ª referido expressamente que as etiquetas com os preços das peças de vestuário expostas, se bem que afixadas nas mesmas, efectivamente não estavam todas colocadas em condições de aqueles serem visionados do exterior da loja, por descuido seu e da sua colega na feitura da montra.
FUNDAMENTAÇÃO de DIREITO:
Face à factualidade apurada, dúvidas não existem de, ao não providenciarem pela afixação dos preços de venda ao público dos produtos expostos na montra do estabelecimento comercial "Boutique.....", de forma inequívoca e perfeitamente visível e legível pelo público do exterior do mesmo, os arguidos incorreram na prática da contra-ordenação p. e p. nos termos dos arts. 5°, 8° e 11°, do DL 138/90, de 26 de Abril, na redacção revista pelo DL 162/99, de 13 de Maio, actuando, porém, a titulo meramente negligente.
Ora, sendo certo que a Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica - Ministério da Economia tomou em consideração precisamente essa actuação, com esse âmbito, bem como a situação económica de ambos os arguidos e a circunstância de não serem reincidentes, para fixar, em montante coincidente com o seu mínimo legal, a coima a cargo de cada um deles, não merece qualquer censura a decisão daquela Autoridade Administrativa, face à necessária ponderação dos critérios enunciados no art. 18°, do DL 433/82, de 27 de Outubro. x
IV- ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
O DL 41204, de 24-7-57, constitui o grande diploma que, ao longo dos anos, regulou toda a actividade económica no sentido de protecção do consumidor. ar a “«afixação de preços» nas mercadorias destinadas à venda a retalho”.
Não deixa de ser sintomático que, logo aí, se tenha feito total aproximação à “especulação” a “afixação de preços”. Na verdade, o art. 28.º-n.º1-b) punia a «falta» de afixação de preços como contravenção, “quando não constituam crime de açambarcamento ou especulação”.
O DL 476/74, de 24-9, alterou a al. b) no seguinte: “A «falta» de indicação, por forma bem legível, do respectivo preço de venda nos produtos expostos...”.
O DL 533/75, de 26-9, no preâmbulo, especificava os seus fins: “visa 2 objectivos...: uma maior transparência do mercado e uma mais eficiente informação do consumidor”.
Segundo o seu art. 1.º-n.º1, “...deve «exibir-se» o respectivo preço de venda ao público, de forma bem visível, qualquer que seja o local de venda”.
Há ainda o cuidado de especificar, no art.2º-nº1, “por forma a alcançar-se sempre a melhor informação para o consumidor”. Isto para toda e qualquer mercadoria que esteja à venda a retalho, não se especificando propriamente qualquer circunstância do local exacto da afixação.
Por sua vez, o art. 2.º-n.º3 definia «etiqueta»: “Considera-se etiqueta todo o «suporte» «apenso» à própria mercadoria...”.
Não ficou então nada determinado, de forma específica, quanto às mercadorias expostas em montras ou vitrinas.
Foi este diploma substituído pelo DL 138/90, de 26-4. No seu preâmbulo recordou a «indicação» dos preços feita pelo diploma anterior, por “tão necessária à protecção dos consumidores”. E justifica as alterações pela “cada vez maior exigência de «transparência» informativa”, reformulando-se o anterior regime para se corresponder às exigências da CE.
Ora, segundo o seu art. 1.º-n.º1, “Todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor”.
Com a epígrafe “Formas de indicação do preço”, o art. 5.º-n.º1 determinava: “A indicação dos preços de venda ... deve ser feita de modo inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor”.
E o n.º2-b) definia a «etiqueta»: “Etiqueta, todo o «suporte» «apenso» ao próprio bem ...”.
O DL 162/99, de 13-5, veio conferir nova redacção, reformulando na totalidade, ao DL anterior.
Ao art. 5.º-n.º1 aditou só o realçado a itálico: “A indicação dos preços de venda ... deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor”.
O art. 8.º não sofreu alteração. Ora, o mesmo veio regular expressamente as “Montras e Vitrinas”, que mereceu o destaque como epígrafe. Dispõe o n.º1: “Os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior, devem se objecto de uma marcação complementar, quando as respectivas etiquetas não seja, perfeitamente visíveis, sem prejuízo do disposto no art. 5.º-n.º5”.
Por esta norma, infere-se que é o legislador quem pressupõe afinal que a afixação de preços por “etiqueta apensa” pode não resultar, para o que exige uma marcação «complementar». E os autos são absolutamente omissos quanto a não existir uma tal 2.ª marcação, extra, suplementar.
Convém frisar que a visibilidade, para o exterior, a que se refere o normativo é da mercadoria (“Os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior...”) – e não da etiqueta.
Mas ainda que se entenda que a exigida visibilidade respeita à “afixação do preço”, há uma distinção que reputamos da maior importância: o que constitui elemento de facto essencial para se verificar preenchido o tic é a «existência» de afixação de preço, é a existência duma etiqueta. Ora, os factos imputados não são desta natureza. As etiquetas ... havia, estavam lá, encontravam-se afixadas – juntas a fls. 30 e 31 (5 etiquetas).
E tanto é assim que todos admitem que a actuação da Arguida é de pouca gravidade. Do que se infere que afinal se labora numa confusão entre os elementos objectivo e subjectivo. Sim, porque, se se considera que ocorre a infracção, enquanto a etiqueta está “virada” ao contrário, mas enquadra-se na mera negligência, é porque se considera que o agente não teve intenção de não praticar a infracção, só que procedeu à afixação com menos cuidado.
No fundo, ao considerar-se que há infracção, é porque a intenção do agente é ocultar o preço ao cliente que não se aproxima e não contacta o vendedor, e não revela ao vendedor que está, eventualmente, interessado na aquisição daquela peça.
O que acima se destacou como objectivos desta regulamentação não se afigura perigar com a aposição duma etiqueta virada ao contrário, pois o cliente está sempre em tempo e em condições de se informar do preço, ao analisar a peça que pretenda. Jamais ele poderá ser iludido ou enganado, jamais ele poderá ficar com dúvidas, porquanto o preço está junto da peça a adquirir.
Mais. Que diferença pode haver entre uma peça que está na vitrina, no interior do estabelecimento, e aquela que se encontra à mão do cliente, dentro do estabelecimento, mas pendurada nos respectivos cabides? E, no entanto, é mais do que usual a etiqueta encontrar-se no interior da peça a adquirir.
Que justificação haverá para um tratamento diferenciado entre a peça depositada numa montra visível pelo público no interior do estabelecimento e as muitas peças penduradas num “corrida” de cabides no interior do mesmo estabelecimento?
No caso dos autos, segundo a sentença, está em causa a afixação de preços duma quantas peças de roupa. Ficou provado que 20 (vinte) tinham a etiqueta virada ao contrário. Mas havia outras que se consideraram regulares. De facto, a sentença fala em que “por descuido não terem virado todas as etiquetas” e, na fundamentação, fala-se em que "não estavam todas colocadas em condições". Então é porque havia peças com a etiqueta respectiva colocada por forma a poder ser lida do exterior. Aliás, a participação fala em “2”.
E pergunta-se: é de considerar verificado o ilícito se apenas 1 (uma) das peças tinha a etiqueta virada ao contrário? Quer-nos bem parecer que não. Daí que se afigura que a questão coloca-se ao nível do quantum.
Pelo que lá estaríamos a cair na confusão a que acima aludimos, precisamente, a nível do elemento subjectivo. Ou seja, não existiria o ilícito porque não havia intenção, a qualquer nível (dolo - negligência), uma vez que, face à aposição correcta da etiqueta nas restantes peças, é porque o agente não quis colocar as etiquetas ao contrário.
Como se infere de toda a estrutura substantiva-infraccional, contextualizando-se a afixação dos preços na protecção do consumidor verdadeiramente a nível da especulação, não se lobriga como aí enquadrar uma etiqueta “virada”.
Quanto mais não seja porque suscita os maiores problemas a nível não só de autoria, como também do elemento volitivo. Na verdade, como apurara quem deu ordem e quem executou? Apesar do produto encontrar-se numa vitrina, nada obsta, em tantos casos, que o próprio cliente tenha acesso ao produto e ele mesmo, de modo consciente ou não, deixe a etiqueta sem o rosto exposto.
Por tudo, pois, quanto se expende, não vemos como possa considerar-se que a disposição à venda com a etiqueta “virada” possa enquadrar especulação e constituir um ilícito não civil.
E, especialmente, quando afinal resulta mais do que duma simples “omissão” do vendedor. Pelo que se pergunta qual será o interesse e a intenção de o vendedor em afixar preços em montras em que algumas das etiquetas se encontram viradas. Nada, absolutamente nada, é referido quanto ao preço estar junto da mercadoria, mas com a etiqueta ao contrário ou atrás ou dentro dela ou parte dela. Daí que, de forma alguma, possa estabelecer-se uma equiparação entre “falta” de afixação e o “virado” da etiqueta dos preços, porquanto, quer se queira, quer não, o preço está verdadeiramente afixado.
Sem dúvida que, todos os dias, somos confrontados com a passagem junto duma montra sem que possamos conhecer os respectivos preços, precisamente, porque a etiqueta não está colocada de forma visível. O que deveras nos incomoda. Contudo, o problema deve colocar-se em relação ao comerciante, pois, se o preço fosse atractivo, naturalmente, o cliente entraria e sujeitar-se-ia ao convencimento por aquele.
Nos diplomas e nos normativos que analisamos, não vislumbramos que o cliente esteja dispensado de pegar no produto para conhecer o preço. Não se concretiza tamanho, nem cor que permitam a leitura a qualquer pessoa, tantos carecendo de óculos, mais ou menos graduados, encontrando-se os produtos a maior ou menor distância do vidro exterior.
Não é recomendável uma afixação de preços com a etiqueta virada? É evidente. É censurável? Igualmente. Mas daí a avançar para a categoria de ilícito é um passo de ... gigante.
Ainda que com a natureza de contra-ordenação ou de ilícito de mera ordenação social. De qualquer maneira, com uma punição que não deixa de ser severa, tendo em conta os montantes das respectivas coimas. De tal maneira, que, precisamente, por isso se descaiu para a mera negligência.
O enquadramento na "falta" de afixação, desde logo, não respeita os reais interesses em jogo. Em nosso entender, não há apoio legal. Ainda que recorrendo às regras de interpretação. É certo que o art.1º-n.º3, do CP, proíbe apenas a “analogia”. E fez desaparecer a interpretação “extensiva”, que o art.18.º, do CP 86 admitia através da “indução por paridade” e “maioria de razão”. De qualquer maneira, continua a recomendar-se “grande prudência”, por forma a não sair beliscado o princípio da legalidade nullum crimen nulla poena - art.1.º-n.º1, do CP.
Daí que o MINISTÉRIO da ECONOMIA - Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica – se tenha visto “obrigado” a reformular a lei: “... viola tal princípio (art. 8.º-n.º1, do DL 138/90) quem, embora colocando o preço, vira a etiqueta para que o preço não se veja do exterior ou o coloca, por exemplo, no interior ou debaixo dos bens, de molde a não tornar visível do respectivo consumidor”. É que o normativo que refere, concretamente, a etiqueta ser visível do exterior é a que exige uma marcação complementar, a qual, como se salientou, os autos omitem.
Talvez por razões idênticas, a sentença consignou nos factos provados - o 7.º - com o seguinte teor: “Sabia a arguida que ...a indicação desses preços deve ser feita ... por ..., e deve ser feita na proximidade do respectivo bem ou no local em que a prestação do serviço é proposta ao público, de modo a não suscitar qualquer dúvida ao consumidor”.
Quanto à «proximidade» e à «dúvida», foi buscá-las ao n.º4 do art. 5.º. Só que também aí não se impõe a etiqueta “não virada”. E tais pontos apenas confirmam que o interesse em jogo é o montante do preço. E, sobre este, não há dúvida alguma, pelo menos, com o pegar na peça. Todo e qualquer cliente que, eventualmente, pretenda adquirir, efectivamente, as peças em causa, não tinha qualquer dúvida sobre o respectivo preço.
E, repare-se, finalmente, que a moldura da punição, nos termos do DL 533/75, seria a do já citado art. 28.º, do DL 41204. Onde, na redacção original, se falava só em "falta". Por sua vez, o DL 138/90 também punia duma só forma, com o art. 11.º, o qual, expressamente, falava em “falta”.
Face ao que temos vindo a expor, os factos dados como provados não podem conduzir à condenação da Arguida pela infracção em causa.
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É o Sr. PGA de “Parecer” que a condenação não deve manter-se em relação ao Arguido. Só que este não recorre. Do que não temos dúvidas, quer pela identificação que encabeça a motivação, quer pelo teor, enquanto se fala sempre na “arguida” e também – aí reside a questão – pelo montante em causa, o qual nem consentiria o recurso, conforme o disposto no art. 73.º-n.º1-a), do DL 433/82, de 27-10. Aliás, sintomático é que a sentença, quanto aos factos, pronuncia-se sempre, quanto à autoria, apenas quanto à Arguida, referenciado o Arguido apenas e enquanto actuante como “representante” daquela.
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Em consequência e em conclusão,
Em Audiência, os Juízes do Tribunal da Relação acordam em
CONCEDER provimento ao recurso interposto pela ARGUIDA, F..... & C.a L.da, pelo que REVOGA-SE a sentença na parte em que a CONDENA, como autora, por 1 contra-ordenação, consumada, na forma negligente, de “afixação de preços”, p.p. pelos arts. 5.º, 8.º e 11.º, do DL 138/90, de 26-4, na redacção do DL 162/99, de 13-5, na coima de 250.000$00, da qual se ABSOLVE a ARGUIDA.
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Sem custas.
Honorários à Defensora, em audiência, da responsabilidade dos C.G.T.
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Porto, 20 de Junho de 2001
José Ferreira Correia de Paiva
José Henriques Marques Salgueiro
António Joaquim Costa Mortágua
Joaquim Costa de Morais