Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0741423
Nº Convencional: JTRP00040421
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
CONTRADITÓRIO
PROIBIÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RP200706180741423
Data do Acordão: 06/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 271 - FLS 161.
Área Temática: .
Sumário: Um documento não lido nem examinado na audiência de julgamento não pode valer como prova, se a sua junção ao processo não foi notificada aos sujeitos processuais interessados e se estes depois dessa junção não tiveram acesso aos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial de Tabuaço, foram os arguidos B………. e C………., ambos devidamente identificados nos autos a fls. 1203, condenados pela prática de um crime de desobediência na forma continuada, p.p. nos termos dos arts. 348.º, n.º1, al. b), e 30.º, ambos do Código Penal, na pena de multa, cada um, de 65 dias, à razão diária de €80,00.
Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
1 – O Tribunal condenou cada um dos arguidos pela prática, na forma continuada, de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348.º, n.º1, al. b), e 30.º, do C. P., na pena de multa de 65 dias, à taxa diária de €80,00, num total de €5.200,00.
2 – Tal crime ter-se-ia consubstanciado nas datas de 11 de Julho de 2001, no período compreendido entre 11 de Setembro de 2001 e 19 de Setembro de 2001 e no dia 14 de Novembro de 2001, por, contrariamente ao que havia sido ordenado pela decisão administrativa, terem mantido em funcionamento a oficina de britagem.
3 – A responsabilidade dos arguidos, segundo a sentença recorrida, decorre das circunstâncias de ter considerado que os mesmos exerciam a gerência de facto e que foi com o seu conhecimento e consentimento que ocorreu tal laboração.
4 – Porém, a prova produzida em audiência apenas confirma a circunstância de serem gerentes de direito da D………., Lda.
5 – Na verdade, a sentença recorrida extraiu desse facto, conclusão de que, sabiam da laboração da central de britagem.
6 – Os arguidos negaram tal conhecimento, afirmando ser o irmão E………. quem exercia a gerência de facto na pedreira e central de britagem.
7 – E as testemunhas apenas foram questionadas sobre os hábitos de funcionamento da empresa D………., Lda que não se circunscrevem aos trabalhos e não quanto à pedreira e central de britagem, especificamente e nos períodos indicados.
8 – Em momento algum, qualquer testemunha afirmou terem os arguidos ordenado o que quer que fosse relacionado com os trabalhos das pedreiras, bem como disseram que os arguidos sabiam que se encontrava a laborar a central de britagem.
9 – Isto porque dedicando-se a empresa a trabalhos de obras públicas teve no local a laborar a central de tapete betuminoso.
10 – E isto sim e tão só era do conhecimento dos arguidos.
11 – Encontra-se, assim, a sentença recorrida ferida das nulidades da insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro notório na apreciação da prova.
12 – Veja-se no sentido que se pugna, os depoimentos dos arguidos, constantes da cassete n.º1, lado A, desde o n.º0000 ao n.º0292; e n.º0000 ao n.º1521 do lado A – 1.ª cassete – 2.ª sessão, das testemunhas F………., cassete n.º1 lado B desde o n.º0388 ao n.º1332; G………., n.º1333 ao n.º1745 do lado B, primeira cassete, H………., cassete n.º2, lado A do n.º0615 ao n.º1305; I………., desde o n.º1306 ao n.º1735 do lado A e desde o n.º0000 ao n.º0554 do lado B, 2.ª cassete; J………., desde o n.º0555 ao n.º1742 do lado B, 2.ª cassete e desde o n.º0000 ao n.º0553 do lado A, 3.ª cassete; K………., desde o n.º1616 ao 1745 do lado A, 3.ª cassete e desde o n.º0000 ao n.º1745 do lado B – 3.ª cassete e desde o n.º0000 ao n.º 0411 do lado A – 4.ª cassete; L………., desde o n.º 0412 ao n.º 1646 do lado A – 4.ª cassete; M………., desde o n.º1417 ao n.º 1740 do lado B, 1.ª cassete e desde o n.º0000 ao n.º0749 do lado A – 2.ª cassete – 2.ª sessão e N……….; desde o n.º0750 a n.º1235 do lado A – 2.ª cassete – 2.ª sessão.
13 – Ainda que assim não fosse tendo sido interposto recurso hierárquico da decisão administrativa para o Sr. Ministro da Economia que foi admitido e considerado tempestivo, encontravam-se suspensos os efeitos do despacho recorrido pelo que, nas datas em causa, não estava em vigor.
14 – Isto porque, não obstante, a D………., Lda, tendo optado pela via contenciosa veio a constatar-se que no decurso desta, a notificação da decisão administrativa havia sido feita deficientemente, não alertando a empresa, como é obrigatório, para a possibilidade de recorrer hierarquicamente.
15 – Facto este que, não obstante ter vindo ao conhecimento do processo na fase do inquérito foi sempre ignorado pelo Tribunal.
16 – Por tal motivo e ao abrigo do disposto no art.º 65 do CPA (deve ter querido dizer “art.º 68.º”, disposição legal que estabelece o conteúdo da notificação) a D……….., Lda intentou o recurso hierárquico do despacho da Sr.ª Directora para o Sr. Ministro da Economia e depois o recurso contencioso para o Tribunal Administrativo de Viseu, cujos termos correm com o n.º…/04.9BEVIS.
17 – Conforme resulta a fls. 239/240 dos autos, na informação prestada pela Direcção Regional do Norte ao Sr. Ministro da Economia aquando do recurso hierárquico, considerou, aliás decorrente da lei, que aquele “deu entrada em 14 de Fevereiro de 2003, pelo que é tempestivo”.
18 – Nunca foi intenção dos arguidos de desobedecer à decisão administrativa.
19 – Assim se explicando a circunstância de terem de imediato cessado a laboração da central de britagem.
20 – Impunha-se assim que tivessem de ser absolvidos.
21 – No entanto e apenas por mera cautela, nunca os arguidos deveriam ter sido condenados de forma tão gravosa e repressiva.
22 – O quantitativo diário fixado é desadequado às condições económicas e capacidade financeira dos arguidos que, muito embora sejam titulares de alguns bens passam sérias dificuldades, essencialmente decorrentes da recessão do mercado de obras e também do muito dilatado prazo de pagamento por parte, designadamente, dos clientes – autarquias locais – o que é do conhecimento geral.
23 – Como suporte probatório das condições económicas dos arguidos, o que foi o suporte do cálculo do montante diário, foram utilizadas provas não produzidas em julgamento nem submetidas a contraditório.
24 – Isto porque foi solicitada à Repartição de Finanças certidão dos imóveis titulados pelos arguidos e não foi dado conhecimento em sede de audiência de julgamento aos mesmos e não foi dado conhecimento aos arguidos.
25 – E assim violou-se o princípio da proibição de provas, previsto no art. 355.º, n.º1, do CPP, sendo assim, a sentença é nula também nesta perspectiva.
26 – Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por uma outra que absolva os arguidos, ou então anular-se a audiência de julgamento nos termos pugnados e caso assim não se entenda, subsidiariamente ser aplicada aos arguidos uma pena de multa diária nunca superior a €10,00.
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Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso, sendo no mesmo sentido o parecer do Exm.º Procurador Geral Adjunto neste tribunal.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à audiência de julgamento de harmonia com o formalismo legal, como consta da respectiva acta.
Cumpre decidir.
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Na audiência de julgamento da 1.ª instância procedeu-se à documentação da prova ali oralmente produzida, pelo que, nos termos dos arts. 364.º, n.º1, e 428.º, n.º2, ambos do C. P. Penal, este tribunal conhece de facto e de direito.
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Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são as seguintes as questões suscitadas pelos arguidos a merecerem apreciação, que se indicam pela ordem por que, logicamente, devem ser apreciadas; a) fundamentação dos factos relativos à situação económica dos arguidos em prova não produzida na audiência de julgamento, em violação do disposto no n.º1 do art. 355.º do C. P. Penal, que qualificam como nulidade da sentença; b) erro de julgamento da matéria de facto provada; c) errada qualificação jurídica da matéria de facto provada; e d) medida da pena.
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a) É a seguinte a matéria de facto considerada provada constante da sentença recorrida:
I - Os arguidos são sócios gerentes da sociedade comercial por quotas que gira sob a denominação «D………., Lda», registada na Conservatória do Registo Comercial de Tabuaço sob a matrícula n.º ../……, com sede na Vila de Tabuaço, que tem por objecto social o exercício da indústria de construção civil, obras públicas, britagem e exploração de pedreiras – [Certidão da Conservatória do Registo Comercial junta a fls. 248 a 256 e certidão actualizada de 23.06.06, cujo teor se dão aqui por integralmente reproduzidos] (sic).
II - Por despacho, datado de 13 de Abril de 2000, proferido pela Directora Regional da Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia, foi revogada a licença de estabelecimento da pedreira …., ………, n.º ., sita em ………., concelho de Tabuaço, e determinada a cessação de imediato da sua actividade e ainda a cessação, de imediato, da laboração da oficina de britagem …-., sita no mesmo lugar, exploradas pela sociedade por quotas «D……….., Lda», com a cominação de que o não acatamento destas determinações constituía a prática de um crime de desobediência, nos termos do artigo 348, n.º 1, alínea b) do Código Penal – [vd. certidão de fls. 182 e seguintes cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].
III - No dia 19 de Abril de 2000, através de carta registada com a/r, na qualidade de representantes legais da sociedade por quotas “D………., Lda”, os arguidos foram notificados daquela decisão.
IV - Os arguidos foram, assim, através daquela notificação, advertidos de que incorriam na prática de um crime de desobediência simples caso não acatassem as ordens de cessação, de imediato, da actividade da pedreira e de laboração da oficina de britagem.
V - Não obstante o supra descrito, no dia 11 de Julho de 2001, no período compreendido entre 11 de Setembro de 2001 a 19 de Setembro de 2001 e no dia 14 de Novembro de 2001, soldados da GNR de Tabuaço deslocaram-se à oficina de britagem, sita no ………., Tabuaço, área desta comarca, encontrando-se aquela a laborar, com conhecimento e autorização dos arguidos.
VI - Os arguidos sabiam que a ordem que lhes foi transmitida era legítima e emanava da autoridade administrativa competente.
VII - Agiram, assim, os arguidos livre, voluntária e conscientemente, com intenção de desrespeitar a ordem recebida de cessação da laboração da oficina de britagem, sem causa justificativa, bem sabendo que o não podiam fazer.
VIII - Fazendo-o de forma livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou…
IX - A sociedade comercial “D………., Lda” (sic) tem um capital social de cerca de € 3.000.000, tendo como sócios gerentes os arguidos e como sócios E………. e O………., todos irmãos;
X - A sociedade comercial por quotas «D………., Lda.», com sede na Rua ………., em Tabuaço, requereu a suspensão da eficácia do aludido acto administrativo da Exma. Directora Regional da Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia junto do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, o qual decidiu indeferir esta requerida providência (cfr. fls.1024 a 1030);
XI - Da decisão de indeferimento proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Porto interpôs, a citada sociedade «D………., Lda.», recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo, que proferiu acórdão no sentido de negar provimento a tal recurso, confirmando a decisão recorrida (cfr. fls. 1032 a 1035 verso);
XII - Face à decisão descrita em XII (deve ter querido dizer-se em “XI”), a «D………., Lda.» interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão do Tribunal Central Administrativo que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo que por sua vez negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho de 13 de Abril de 2000, proferido pela Directora Regional do Norte do Ministério da Economia, o qual revogou a licença de estabelecimento da pedreira ....-………. n.º ., sita no ………. e determinou a cessação imediata da sua actividade, assim como da oficina de britagem …-., sita no mesmo lugar, que decidiu não conhecer do objecto de tal recurso [cfr. fls. 1037 a 1040];
XIII - Por fim desta decisão do Tribunal Constitucional a sociedade «D……….., Lda.» deduziu reclamação para a conferência deste Tribunal Constitucional, tendo tal reclamação sido indeferida (cfr. fls. 1042 a 1047);
XIV - A sociedade «D……….., Lda.» foi notificada de todas estas decisões, por cartas registadas, sendo que esta última foi enviada no dia 12.01.2001 (cfr. fls. 1048);
XV - No dia 17.02.2003, a sociedade interpôs recurso hierárquico do despacho proferido pela Directora Regional do Norte do Ministério da Economia, o qual revogou a licença de estabelecimento da pedreira ….-………. n.º ., sita no ………. e determinou a cessação imediata da sua actividade, assim como da oficina de britagem …-., sita no mesmo lugar [cfr. fls.928 a 945], o qual foi indeferido [cfr. fls. 955 a 957 e 985 a 1015];
XVI - Sob o n.º …/04.9BEVIS corre termos no Tribunal Administrativo de Viseu, a Acção Administrativa Especial, interposta por «D………., Lda.» em que esta pede a revogação do despacho acima referido, alegando que o mesmo enferma de vícios [cfr. fls. 753 e ss.].
XVII - Esta sociedade requereu ainda no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto recurso contencioso de anulação do acto, o qual foi rejeitado, por decisão proferida no dia 21.01.2003, por julgar procedente a excepção de irrecorribilidade do acto impugnado (cfr. fls.435);
XVIII - A «D……….., Ld.ª» interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) do Porto de 21/01/03, que lhe rejeitou o recurso contencioso interposto do despacho da Directora Regional do Norte do Ministério da Economia, tendo negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida, em 14/10/03 [cfr. fls.973 a 982].
XIX - Nenhuma das acções supra descritas suspendeu os efeitos da decisão da Directora Regional do Norte no período referenciado em V).
a) Quanto ao arguido C……….
XX - O arguido tem uma quota social de cerca de € 750.000.00 na sociedade “D……….., Lda”
XXI - Tem de habilitações literárias o 7.º ano de escolaridade;
XXII - Enquanto sócio gerente da empresa tem o vencimento mensal declarado de € 1.250,00;
XXIII - Não tem filhos menores,
XXIV - Tem como prédios urbanos: um na freguesia de ………., Seixal, inscrito na matriz com o n.º 10689 e quatro na freguesia de Tabuaço sob os artigos 384, 406, 470 e 673; como prédios rústicos tem: sete na freguesia de ………. sob os artigos matriciais 301, 302, 304, 305, 337, 884 e 961, um na freguesia da ………. sob o artigo n.º 538 e seis na freguesia de ………. sob os artigos matriciais n.º 578, 591, 593, 894, 988 e 11184.
XXV - Tem duas viaturas próprias, uma de marca Nissan, do ano de 1991 e outra marca Land Rover do ano de 1974;
XXVI - Não tem antecedentes criminais:
b) Quanto ao arguido B………
XXVII - O arguido tem uma quota social de cerca de € 750.000.00, na sociedade “D………., Lda” (sic);
XXVIII - Tem de habilitações literárias o 7.º ano de escolaridade;
XXIX - Enquanto sócio gerente da empresa aufere o vencimento líquido de cerca € 1.250,00;
XXX - Não tem filhos menores;
XXXI - Tem como prédios urbanos: um na freguesia e concelho de ………. inscrito na matriz sob o n.º 1714, fracção Q, um na freguesia de ………. –Seixal, inscrito na matriz sob o artigo 10689, um no concelho de Tabuaço, freguesia de ………., inscrito na matriz sob o artigo 313 e três na freguesia de ………. inscritos na matriz sob os artigos 470, 644 e 673; como prédios rústicos tem: um no concelho de Tabuaço, freguesia de ………., inscrito na matriz sob o n.º 912, três na freguesia de ………. inscritos na matriz sob os n.º 337, 884 e 961 e quatro na freguesia de ………… inscritos na matriz sob os n.º 549, 775, 894 e 1204.
XXXII - O agregado familiar tem um veículo Mercedes, ………., do ano de 1998.
XXXIII - Não tem antecedentes criminais.
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Quanto à matéria de facto não provada, consta da sentença recorrida que:
Factos não provados com interesse para a causa:
A) Da acusação/pronúncia nenhuns.
B) Do sustentado pelos arguidos em audiência de julgamento:
Que a oficina de britagem não estava em funcionamento à data dos factos supra descritos.
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A decisão de facto foi fundamentada nos termos que se passam a transcrever:
O Tribunal fundou a sua convicção para dar como provados ou não provados os factos supra elencados nos seguintes meios de prova:
A) Declarações dos arguidos
Os arguidos, a quando das respectivas declarações, confirmaram a factualidade descrita em I), II), III), IV), VI), ou seja, confirmaram ter conhecimento do despacho da Srª Directora Regional da Direcção Regional do Ministério da Economia, no sentido de que havia sido revogada a licença de estabelecimento da pedreira 4657 e determina a cessação imediata da sua actividade e ainda a cessação, de imediato, da laboração da oficina de britagem …-., explorada pela «D………., Lda».
Da mesma forma, ambos confirmaram o conhecimento do teor do despacho da sr.ª Directora, através da notificação efectuada em 19 de Abril de 2000, por carta registada.
Enfim, a posição que os arguidos trouxeram para tribunal foi que o que se encontrava a laborar no período em causa, não era a oficina de britagem, mas sim uma central de tapete, que nada tinha que ver com a actividade cuja cessação da laboração havia sido determinada.
Por outro lado, num segundo grau das suas defesas, sustentaram estes que ao arguido C………. competia-lhe as funções administrativas e ao arguido B………. as funções de encarregado de obras, concluindo que quem teria a gerência de facto seria o apenas sócio E………. .
Ora, para além de em termos legais não existir dúvidas que quem representa a sociedade são os respectivos sócios gerentes, no caso os arguidos, em termos factuais o tribunal também não tem dúvidas em que estes exerciam a gerência de facto.
B) Prova Documental
Da prova documental que não foi infirmada pelas declarações dos arguidos, nem sequer pelos depoimentos das testemunhas o tribunal sustentou a factualidade descrita em I), II), III, IV; VI; IX a XIX, XX, XXIV; XXVII, XXXI, mormente nos docs. de fls. 10 a 14; 33 a 50; 144 a 149; 150 a 154; 155 a 158 a 164; 170; 181 a 245, 249 a 255; 260, 352, 353; 400 a 402; 423 a 424, 465, 500 a 504, 548, 549 e 753 a 996 e 1022 a 1048.
C) Da prova testemunhal conjugada com os respectivos documentos:
Ora do depoimento das testemunhas F………., cabo da G.N.R, G………., cabo, reformado, H………. e I………., conjugado com os documentos de fls. 170 e 260, o tribunal extraiu a factualidade que no dia 11 de Julho de 2001, no período compreendido entre 11 de Setembro de 2001 a 19 de Setembro de 2001 e 14 de Novembro de 2001, a oficina de britagem, ao contrário do que disseram os arguidos, encontrava-se a laborar.
Na verdade, embora os respectivos guardas não se recordassem das datas em concreto que se tinham deslocado ao local e verificado em funcionamento a respectiva oficina de britagem, tal factualidade foi ultrapassada com clareza pela confirmação pelos respectivos comandantes que outorgaram os autos de notícia em causa, e que declararam que os guardas foram ao local, nos períodos em causa, e verificaram em laboração a «D……….., Ldª”.
Veja-se a este respeito que o cabo da G.N.R. F………., foi dizendo que quando se deslocou ao local viu a britadeira a trabalhar e estavam no local pelo menos dois funcionários.
Referiu que os funcionários colocavam pedra na máquina, e após serem abordados, alegaram que apenas estavam a colocar as últimas pedras para limpar.
Ora, o que a referida testemunha disse veio ao encontro com o que os outros guardas da G.N.R disseram, pois na verdade todos eles, nos diferentes períodos em que se deslocaram ao local, verificaram que a oficina de britagem funcionava.
Aliás, veja-se que o cabo I………. disse que viu um funcionário a trabalhar com uma retroescavadora e a colocar na máquina pedra e, após, viu a sair brita mais pequena.
Por outro lado, as testemunhas J………., K………. e L………., embora alegando estarem a limpar as máquinas ou a utilizar os restos das pedras, acabaram por confirmar que os guardas da G.N.R. foram ao local e verificaram tais factos.
Mas mais, disseram que nunca receberam ordens de nenhum dos sócios gerentes para suspenderem a actividade.
Por outro lado, o próprio K………. disse que efectivamente a pedreira estava parada, ou seja, a dita actividade primária como lhe chamou. No entanto, no que concerne à oficina de britagem, confirmou que a mesma estava em actividade na medida em que pegavam no material que ali existia em Stock, metiam num silo, esta caía num moinho, reduzindo a respectiva pedra, posteriormente passava pelo tapete e ia para os camiões. Chegando mesmo a dizer que a própria secção de tapete já não estava naquela pedreira, mas sim em outra.
Não obstante este particular da testemunha, o tribunal concluiu que efectivamente a secção do tapete também se encontrava no local.
Mas mais, se dúvidas houvessem quanto ao definir se a secção que laborava era ou não a secção de britagem, o tribunal concluiu que efectivamente o era. Ou seja, para além da prova produzida ter-se concluído que a secção que funcionava transformava a pedra retirada da pedreira em brita mais pequena, por acto de redução ao passar pelo crivo e moinho, também a opinião do sr. engenheiro P………., pessoa completamente isenta e credível, foi clara ao referir que tal fase era a de britagem, secção para a qual é necessária licença.
Portanto, face à prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal não teve dúvidas em julgar como provado que o que estava a funcionar era a oficina de britagem e não a secção de tapete ou secção de betuminoso como os arguidos quiseram fazer crer em audiência de julgamento.
No que concerne aos períodos em causa, o tribunal extraiu a factualidade dos guardas da G.N.R que foram ao local, confirmadas pelos autos de notícia elaborados de fls. 170 e 260 e sustentados pelos respectivos comandantes Q………. e S………. .
As restantes testemunhas trazidas a tribunal pelos arguidos, não infirmaram a factualidade supra referenciada, apenas relevando que efectivamente a empresa “D……….., Ldª” há já algum tempo que se encontrava em reuniões com a Direcção Regional do Ministério da Economia, o IAPMEI e a Câmara Municipal de Tabuaço com vista a tratar da transferência da pedreira para outro local, como acabou por suceder, embora não estando ainda completamente licenciada.
Neste sentido, o presidente da Câmara Municipal e respectivo engenheiro do Município, sempre foram dizendo que a actividade da empresa, à data já se encontrava reduzida.
Das testemunhas M……….., T………., U………. e V………., o tribunal concluiu também que os arguidos são pessoas com grande capacidade económica e que a empresa que representam é a maior empregadora do concelho de Tabuaço.
No que concerne à gerência de facto da sociedade “D………., Ld.ª”, como supra se deixou dito, para além dos arguidos serem os dois únicos sócios-gerentes da mesma, a verdade é que questionados os próprios funcionários estes também identificavam os arguidos como os patrões e que davam ordens no local. Note-se até, neste particular, que um funcionário da “D………., Ld.ª” à data dos factos disse que viu os dois arguidos como pessoas que mandavam no local, concretizando que quem mandava mais era o arguido B………., depois o C………. e posteriormente o E………., Ou seja, para além dos arguidos serem os sócios gerentes da sociedade, os funcionários também os viam com superioridade em relação aos outros dois apenas sócios E………. e O………. .
Assim sendo, face à prova testemunhal supra referenciada conjugada com a prova documental, o tribunal deu como assente a matéria dos pontos V), VI; VII; VIII;
A ausência de antecedentes criminais dos arguidos foi sustentada no CRC junto aos autos.
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Como resulta da fundamentação de facto da sentença recorrida, para prova dos factos constantes dos n.ºs XXIV e XXXI da matéria de facto provada, relacionados com a situação económica e financeira dos arguidos, que teve influência na determinação da taxa diária da multa fixada, foram tais factos fundamentados na prova documental, entre a qual se encontra um documento emanado da Repartição de Finanças de Tabuaço do qual constam os bens imóveis ali inscritos em nome de cada um dos arguidos. Tal documento foi enviado ao processo pela Repartição de Finanças na sequência de um despacho do senhor juiz do tribunal recorrido proferido oficiosamente na sessão da audiência de julgamento do dia 31 de Maio de 2006, na qual estava presente o defensor dos arguidos. Depois da junção do documento ao processo realizaram-se mais duas sessões da audiência de julgamento: uma no dia 13 de Junho de 2006, para produção de prova, e outra no dia 23 do mesmo mês e ano, para a leitura da sentença. A junção do documento ao processo não foi notificada aos arguidos ou ao seu defensor nem lhe foi feita qualquer referência nas sessões da audiência de julgamento posteriores. Por outro lado, nem os arguidos nem o seu defensor, pelo menos oficialmente, tiveram qualquer acesso ao processo após a junção do documento.
Estabelece o n.º1 do art. 355.º do C. P. Penal, sob a epígrafe “Proibição de valoração de provas”, que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
Por sua vez o n.º2 estabelece que se ressalvam do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida nos termos dos artigos seguintes.
Como refere Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 623, consagram-se neste artigo, expressamente, afloramentos dos princípios do contraditório e da imediação da prova, indicando o seu número 2 que valem em julgamento, independentemente da sua leitura em audiência, as provas contidas em actos processuais cuja leitura é permitida nos termos dos artigos seguintes. Chama especial atenção para o facto de, nos termos daquela disposição legal, os documentos juntos ao processo não terem, em regra, de ser lidos em audiência, sendo dominante a jurisprudência nesse sentido (no sentido de que os documentos devem ser examinados e lidos na audiência de julgamento, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, págs. 258 e 259). Em todo o caso, sempre às decisões de que a prova documental não tem de ser lida na audiência de julgamento está subjacente o pressuposto de que as partes tiveram conhecimento do seu conteúdo e, consequentemente, que puderam exercer o contraditório.
Não se trata aqui de um meio de prova proibido, já que o documento em causa não constitui um meio de prova proibido, mas da proibição da sua valoração como meio de prova.
Face ao supra referido, o simples facto de o documento não ter sido lido na audiência de julgamento nem de lhe não ter sido feita qualquer referência não constituiria violação do disposto no n.º1 do art. 355.º do C. P. Penal se não se verificasse a circunstância de a sua junção aos autos não ter sido notificada aos arguidos ou ao seu defensor e de estes não terem tido acesso ao processo após a junção. Ora, tendo em conta esta circunstância, é manifesto que quanto a tal documento os arguidos não puderam exercer o contraditório, não se podendo considerar como tendo exercido tal direito o facto de o documento ter sido pedido numa sessão da audiência de julgamento, em que estavam devidamente representados pelo seu defensor. O factor a ter aqui em conta é o da sua junção.
Deste modo, o documento em causa não pode ser valorado como meio de prova, sendo esta a única consequência, e não a nulidade da sentença, como defendem os arguidos.
As nulidades da sentença estão previstas no artigo 379.º do C. P. Penal, com referência ao artigo 374.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), neles não se enquadrando a situação ora em análise, que também não está cominada como nulidade em qualquer outra disposição legal.
Verifica-se, assim, uma mera irregularidade, que este tribunal pode sanar, bastando para tanto ordenar a eliminação aqueles factos da matéria de facto provada e, consequentemente, não os ter em conta para a determinação do quantitativo diário das multas.
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b) Alegaram os arguidos que a sentença recorrida enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, parecendo assim querer invocar os vícios a que aludem as alíneas a) e c) do n.º2 do art. 410.º do C. P. Penal.
Segundo Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2.ª edição, págs. 737 a 740, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada consiste, em síntese, na omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, ou seja, quando se verifica que faltam elementos que, podendo e devendo ter sido indagados, não necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. E o erro notório na apreciação da prova é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, ou seja quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido.
Ora, embora os arguidos tenham invocado os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, o certo é que do conjunto da motivação e nomeadamente das conclusões resulta que o que na realidade pretenderam ao invocar tais vícios foi pôr em causa a forma como o tribunal recorrido apreciou a prova produzida na audiência de julgamento, ou seja invocar erro de julgamento da matéria de facto provada, coisa bem diferente dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova. Na verdade, a sua discordância e toda a sua argumentação quanto a esta questão assenta na circunstância de o tribunal ter dado como provado que, à data da prática dos factos, exerciam de facto a gerência da sociedade, que tiveram conhecimento, autorizaram e permitiram o funcionamento da central de britagem e bem assim todos os factos integradores do elemento subjectivo do crime em causa, indicando, por referência aos suportes técnicos, as provas que, na sua perspectiva, impõem decisão contrária, como está patente de forma notória na conclusão n.º12.
A fundamentação de facto é a que a acima se transcreveu.
Os arguidos não puseram em causa que na audiência de julgamento se produziu a prova resumidamente referida na motivação de facto, nomeadamente o sentido das suas próprias declarações e dos depoimentos das testemunhas, circunstância que nos permite conhecer do recurso em matéria de facto sem ter de se proceder à transcrição da prova.
Ao contrário do por eles alegado, o tribunal recorrido não deu como provado que exerciam de facto a gerência da sociedade com base apenas na circunstância de serem os sócios-gerentes, de direito, mas com base naquela circunstância conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos de trabalhadores da empresa, um dos quais hierarquizou a forma como cada um dos sócios-gerentes e um outro sócio exerciam o poder no local.
Uma coisa é certa. Mesmo que as tarefas exercidas pelos arguidos na sociedade fossem as por eles referidas, segundo as regras da experiência comum a que o art. 127.º do C. P. Penal manda atender na apreciação da prova, ninguém iria acreditar que não soubessem que a pedreira e a central de britagem estiveram a funcionar no período referido na matéria de facto provada, mesmo que esta não fosse a actividade principal da empresa. Para além do mais porque havia trabalhadores da empresa a prestar serviço naquele sector e as questões administrativas, quer as relacionadas com aquela actividade em si, como, por exemplo, a facturação, quer as relacionadas com os trabalhadores que nela prestavam serviço – processamento de vencimentos, deduções para o fisco e a segurança social, seguros de acidentes de trabalho etc. – teriam necessariamente de passar pelas mãos dos arguidos. A menos que vivessem alheados do que se passava na empresa, o que não parece ser o caso, uma vez que a sua situação dentro daquela não era propriamente semelhante à das pessoas que só formalmente são sócias-gerentes de sociedades, muitas vezes para contornar obstáculos impostos pela lei. Eram sócios-gerentes de direito e de facto.
E tanto o eram que, tendo sido notificados da decisão administrativa, a impugnaram, o que só podiam ter feito na qualidade de sócios-gerentes da sociedade, circunstância que configura manifestamente o exercício de facto da gerência.
Acresce que, pelo menos a partir da data da notificação do acto administrativo, efectuada por carta registada com a/r, notificação que não puseram em causa, necessariamente que ficaram a saber que a empresa estava a explorar uma pedreira e a proceder a britagem da pedra, sendo certo que os factos integradores do crime em causa foram praticados em datas posteriores à daquela notificação.
No que tange ao exercício efectivo da actividade de exploração da pedreira e britagem nas datas consideradas na matéria de facto provada, os arguidos também não puseram em causa que a prova produzida na audiência de julgamento é aquela que se encontra sintetizada na fundamentação de facto, nomeadamente os depoimentos dos agentes da GNR, conjugados com os respectivos autos no que diz respeito às datas em que presenciaram os factos, os depoimentos de alguns trabalhadores da empresa e mesmo os depoimentos do Presidente da Câmara Municipal de Tabuaço e do engenheiro municipal, segundo os quais a laboração já se encontrava reduzida, facto que não quer dizer exactamente a mesma coisa que já havia terminado.
Tudo isto para dizer que não houve erro de julgamento da matéria de facto provada, tendo a prova produzida na audiência de julgamento sido criteriosamente apreciada.
Deste modo, considera-se definitivamente assente a matéria de facto provada constante da sentença recorrida.
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c) É a seguinte a qualificação jurídica da matéria de facto provada feita na sentença recorrida:
Dispõe o artigo 348.º do Código Penal, no seu n.º 1, que “Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
n.º 2. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.
Desde já se vai adiantando que o actual art. 348° foi introduzido pelo Decreto - Lei n.º 48/95, de 15 de Março. Antes, o crime de desobediência estava previsto no art. 388° que, no seu n.º 1, estatuía que quem faltar à obediência devida a ordem ou mandato legítimo que tenha sido regularmente comunicado e emanado de autoridade ou funcionário competente será punido...
Por sua vez, no seu n.º 2, constava: A mesma pena será aplicada se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência simples.
A evolução legislativa neste particular do crime de desobediência teve como limites, por um lado, a protecção excessiva de toda e qualquer ordem e, por outro, a preocupação de não desarmar a Administração Pública permitindo a sua anarquia com fácil acesso a abusos à desobediência de ordens legais. Basta ler a discussão do que se passou na 358.ª sessão da CRCP para nos apercebermos disso mesmo. O que se transcreve aqui em parte: "...Para o Senhor Conselheiro Sousa e Brito torna-se no entanto necessário restringir o âmbito de aplicação do artigo, pois é excessivo proteger desta forma toda a ordem. Justifica-se plenamente uma restrição àquelas ordens protegidas directamente por disposição legal que preveja essa pena. Por outro lado: entende que o mandato, por exemplo, deveria ter lugar com a cominação da pena. O senhor Dr. Costa Andrade, concordando no plano dos princípios com o Senhor Conselheiro Sousa e Brito, frisou o facto de se operar uma alteração muito profunda, a ponto de desarmar a Administração Pública. O mesmo tipo de considerações teceu o Senhor Professor Figueiredo Dias (a solução da exigência de norma legal seria a melhor), mas há que ter consciência da Administração Pública que temos. A Comissão acordou na seguinte solução, de molde a afastar o arbítrio neste domínio e numa tentativa de clarificar o alcance da norma para o aplicador».
Se o anterior artigo 388° podia conduzir àquela protecção excessiva, o actual art. 348° procurou limitá-la mas sem que se caísse na referida anarquia.
Assim, exige-se que a ordem legítima, em alternativa, seja cominada em disposição legal como desobediência simples ou que a autoridade ou funcionário faça a "correspondente cominação".
Não sendo necessário, como vem sendo entendido, que a cominação tenha de ser a de que "comete o crime de desobediência", sendo suficiente a advertência que incorre em "procedimento criminal".
Ou seja, para que se verifique o crime de desobediência, impõe-se, a verificação de determinados requisitos, a saber:
a) a ordem ou mandado;
b) a sua legalidade substancial e formal;
c) a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão;
d) a regularidade da sua transmissão ao destinatário e o conhecimento, por este, dessa ordem e a sua vontade de a não acatar.
A cominação legal de que pratica determinado crime, mais não é do que acentuar a ideia de que, em qualquer crime, o verdadeiro "tabestand", encarna a negação dos valores jurídico -criminais, que violam, portanto, os bens ou interesses jurídico - criminais de que são portadores, o interposto da valoração jurídico - criminal (como refere o Prof. Eduardo Correia).
Neste particular, impõe-se, antes de mais, saber se o acto da Exma. Directora Regional tem plena eficácia e validade ou se, face às questões suscitadas pela “D………., Ld.ª”, o acto ter-se-á de considerar suspenso à sua data e, como tal, a actuação dos arguidos não consubstanciou qualquer desobediência à ordem da Directora Regional do Norte do Ministério da Economia.
Ora, como se sabe, a Exmª Directora Regional em 13/04/00, revogou, como foi referido, a licença de um estabelecimento de pedreira da recorrente e determinou a cessação de imediato de toda a sua actividade bem como de uma sua oficina de britagem, em virtude do seu funcionamento determinar situações de prejuízo para a saúde, meio ambiente e segurança e higiene no trabalho (ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º1, alíneas b) e c) do Decreto-Lei n.º 89/90, de 16/3, e artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 109/91, de 17/8, respectivamente).
De acordo com o estabelecido nestes diplomas, o licenciamento das pedreiras, bem como a sua revogação e a fiscalização do seu funcionamento compete às DRME (por força da referência sucessão de posições (sic) das ex-Direcções Regionais da Indústria e Energia), o mesmo acontecendo com a instalação, alteração e laboração dos estabelecimentos industriais em geral, nos quais se incluem as oficinas de britagem, bem como a fiscalização e a tomada de medidas cautelares relativas ao seu funcionamento, são da competência do Ministério que superintender na actividade em causa [cfr. artigos 2.º, 9.º, 18.º, 29.º e 46.º do Decreto-Lei n.º 89/90 e 8.º, 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 109/91] que, no presente caso, é o Ministério da Economia.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 89/90, nada se estipula quanto ao recurso hierárquico ou contencioso, enquanto o Decreto-Lei n.º 109/91 estabelece, no seu artigo 22.º, o recurso hierárquico necessário das decisões proferidas ao seu abrigo, atribuindo-lhe efeito suspensivo, embora concedendo à entidade perante o qual é apresentado o recurso a possibilidade de lhe atribuir efeito meramente devolutivo.
Posto que, atendendo a que no caso da britagem, as competências atribuídas à Directora Regional do Ministério da Economia são competências próprias separadas e não exclusivas, o acto por esta praticado teria que inicialmente ser alvo de recurso hierárquico e depois, caso fosse indeferido, de recurso contencioso, por só após aquela decisão se estar perante um acto definitivamente vertical.
Por outro lado, como supra se deixou exposto, para além do não provimento de recursos interpostos pela «D……….., Ldª”, quanto à suspensão da eficácia do acto administrativo, da sua nulidade e respectiva constitucionalidade, esta, ainda, interpôs, em 17 de Fevereiro de 2003, recurso hierárquico do despacho da sua Directora.
Recurso esse que, como se sabe, foi indeferido, nos termos constantes de fls. 955 a 958.
Do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, a «D………., Ld.ª» interpôs recurso para o Tribunal Administrativo que corre termos sob o sob o n.º …/04.9BEVIS, onde pede a revogação do despacho acima referido, alegando que o mesmo enferma de vícios.
Como se sabe, “acto administrativo” é o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por uma entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre a situação individual e concreta, noção que no essencial decorre do artigo 120.º do CPA.[1]
Por sua vez, o acto considera-se praticado “(…) logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do acto, para esse fim, qualquer motivo determinante de anulabilidade” – n.º 2 do artigo 127.º do CPA. Significa isto que o acto se considera praticado logo que se encontrem reunidos, nos termos definidos na lei, os seus elementos essenciais, ou seja, aqueles elementos cuja falta (ou viciação particularmente grave) determina, nos termos do artigo 133.º do CPA, a nulidade do acto administrativo. Nestes termos, as patologias do acto administrativo susceptíveis de conduzir à mera anulabilidade ou irregularidade não o impedem de produzir os seus efeitos típicos.
A regra é pois da imediatividade dos efeitos jurídicos.
Por sua vez, o acto administrativo pode ser suspenso por um de três modos distintos:
a) por efeito da lei;
b) por acto administrativo;
c) por decisão de um tribunal administrativo.
A suspensão não extingue os efeitos, apenas paralisa por certo período; o acto suspenso não é eliminado da ordem jurídica, mantém-se nela, continua existente e porventura válido, somente torna-se ineficaz, fica provisoriamente “congelado”. Daí resulta que podemos definir a “suspensão” do acto administrativo como a paralisação temporária dos efeitos jurídicos de um acto.
Ora, a verdade é que no período compreendido entre pelo menos o dia 11/07/2001 e 14/11/2001, que para o caso interessa, não houve qualquer decisão que suspendesse a eficácia do despacho da Directora Regional no qual ordenou a cessação imediata da actividade, bem como a cessação da laboração da oficina de britagem …-., sita na mesma localidade e que o não acatamento daquelas determinações constituiria crime de desobediência nos termos da aliena b) do n.º1 do artigo 348.º do Código Penal.
Foi interposto recurso hierárquico necessário, para o Ministério da Economia, em 17 de Fevereiro de 2003, encontrando-se, desde então, novamente suspensa a eficácia da decisão constante do Despacho de 13/04/2000.
Da decisão do membro do Governo que negue provimento à pretensão, cabe ainda recurso, não suspensivo, a menos que seja requerida suspensão de eficácia junto do Tribunal Administrativo.
A verdade é que, perante o tribunal administrativo de Viseu, não foi requerido que o recurso tivesse efeito suspensivo sobre o despacho, mas mesmo que assim fosse, a suspensão, no âmbito do respectivo recurso, apenas produziria efeitos daí em diante, ou seja, a partir de Fevereiro de 2004.
Pelo que, sem mais considerandos, não existe qualquer lei, acto administrativo ou decisão administrativa que, no período em causa, tenha suspendido a eficácia do despacho da Srª Directora Regional.
Ultrapassadas que estão as questões referentes à eficácia imediata do acto, importa dizer que, nos presentes autos, dúvidas não existem que a cominação foi feita aos arguidos, tanto é que basta ver que foi dado como provado no ponto III) “No dia 19 de Abril de 2000, através de carta registada com a/r, na qualidade de representantes legais da sociedade por quotas “D………., Lda, os arguidos foram notificados daquela decisão”, ou seja, os arguidos tomaram conhecimento que “por despacho, datado de 13 de Abril de 2000, proferido pela Directora Regional da Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia, foi revogada a licença de estabelecimento da pedreira …., ………., n.º ., sita em ………., concelho de Tabuaço, e determinada a cessação de imediato da sua actividade e ainda a cessação, de imediato, da laboração da oficina de britagem …-., sita no mesmo lugar, exploradas pela sociedade por quotas «D……….., Lda», com a cominação de que o não acatamento destas determinações constituía a prática de um crime de desobediência, nos termos do artigo 348, n.º 1, alínea b) do Código Penal, [vd. ponto II dos factos provados].
Por outro lado, a sociedade «D………., Ldª» foi notificada de todas as decisões dos recursos, por cartas registadas, sendo a última decisão do tribunal Constitucional, enviada em 12.01.2001.
Pelo que, para além de os arguidos terem sido notificados e advertidos que incorriam na prática de um crime de desobediência simples caso não acatassem as ordens de cessação, de imediato, da actividade da pedreira e de laboração da oficina de britagem, também sabiam que não houve qualquer lei, decisão administrativa ou judicial que tenha, no período de 11/07/2001 a 14/11/2001, suspenso os efeitos do respectivo recurso.
Posto que, em face do exposto, não se tem dúvidas de que os arguidos foram devidamente advertidos das respectivas consequências legais e, mesmo assim, prosseguiram com a laboração da oficina de britagem.
Ora, como decorre do artigo 348.º do Código Penal, o crime de desobediência tanto pode ser cometido por acção como por omissão. Por acção, dado que nenhum resultado faz parte da factualidade típica, pune-se a actividade que contrarie uma ordem ou mandado legítimos e tão-só isso, pelo que estaremos, assim, perante um crime formal. Na omissão, sanciona-se o simples deixar de fazer aquilo que foi legitimamente ordenado ou mandado, independentemente das consequências ou do resultado: omissão pura.
Pelo que, a consumação do delito, em termos gerais e simples, do crime de desobediência dá-se com a prática do acto proibido ou com a omissão do acto determinado [cfr. Cristiana Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, pag. 352].
Da factualidade provada, dúvidas não há que os arguidos, em co-autoria, enquanto sócios gerentes da firma “D………., Ldª”, sabendo que tinha sido ordenada a cessação imediata da laboração da oficina de britagem, prosseguiram com os respectivos trabalhos, mormente mantendo em funcionamento a oficina de britagem, pelos períodos supra referenciados. Ou seja, a actuação dos arguidos de não obediência, nos períodos supra descritos, consubstanciou a realização plúrima do mesmo tipo de crime, nos termos previstos pelo artigo 30.º do Código Penal.
Por sua vez, o elemento emocional da consciência da ilicitude basta-se e encontra-se suficientemente caracterizado com a actuação dos arguidos que agindo livre e conscientemente sabiam que tal conduta não lhes era permitida e que, desse modo, estavam a cometer um crime previsto e punido por lei.
Assim sendo, para além da prática de facto ilícito pelos arguidos, não se verificou qualquer circunstancialismo que de alguma forma pudesse afastar a culpa nos termos previstos pelo artigo 35.º do Código Penal.
Na verdade, decorre do artigo supra referenciado que “age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.
Se o perigo ameaçar interesses jurídicos diferentes dos referidos no número anterior, e se verificarem os restantes pressupostos ali mencionados, pode a pena ser especialmente atenuada ou, excepcionalmente, o agente ser dispensado de pena”.
Ora, da factualidade provada não resultou que a actuação dos arguidos tenha sido movida de forma a afastar um perigo actual e não removível de outro modo, nem que ameaçasse a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, por qualquer motivo.
Pelo que se conclui, sem margem para dúvida, que actuação do arguidos, para além de ilícita, foi culposa, na medida em que agiram de forma livre, consciente e com dolo directo, porque sabendo da existência do respectivo despacho, alias motivado por enorme contestação popular em relação à actividade exercida pela “D……….., Ldª”, não se coibiram em violar a sua proibição, continuando com os trabalhos, sem motivo justificativo, ordenando trabalhos, ou pelo menos não os impedindo, que de forma alguma não eram inadiáveis.
Faltaram, pois, os arguidos à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal.
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No que diz respeito à qualificação jurídico-penal da matéria de facto provada, a única questão suscitada pelos arguidos consiste em entenderem que, aquando da notificação da decisão da autoridade administrativa que ordenou o encerramento da pedreira e a cessação da actividade de britagem, deviam ter sido alertados para a possibilidade de se poderem opor àquela decisão pela via hierárquica, o que não aconteceu, facto que consideram como uma irregularidade que constitui causa de exclusão da ilicitude.
Nos termos da al. c) do n.º1 do art. 68.º do CPA, da notificação do acto administrativo deve constar o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso.
Da notificação dos arguidos não constava a identificação do órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito. No entanto, tal informação só é obrigatória no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso. Ora, o acto era susceptível de recurso contencioso, tendo os arguidos utilizado tal meio para a ele se oporem, recorrendo para o Tribunal Administrativo do Porto, pelo que da notificação não tinha de constar aquela informação.
É certo que o art. 22.º do D/L n.º109/91 impõe o recurso hierárquico necessário das decisões proferidas ao seu abrigo, mas também é certo que, no caso do seu indeferimento, permite a sua impugnação através do recurso contencioso. Assim sendo, quanto a nós a notificação não tinha de conter a indicação a que alude a al. c) do n.º1 do art. 68.º do CPA.
Mas ainda que tal indicação devesse constar da notificação, o que ocorreria era uma mera irregularidade que, nos termos do n.º1 do art. 127.º do CPA, não afectaria o efeito imediato da decisão, como foi decidido na sentença recorrida.
Na verdade, estabelece aquela disposição legal que o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio acto lhe atribuam eficácia retroactiva ou diferida.
E o n.º2 estabelece que, para os efeitos do disposto no número anterior, o acto considera-se praticado logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do acto, para esse fim, qualquer motivo determinante de anulabilidade.
No caso, os arguidos nem sequer invocaram qualquer irregularidade ou nulidade do acto administrativo, mas tão só a irregularidade da sua notificação.
Os actos administrativos só têm eficácia diferida nos casos previstos no art. 129.º do CPA, não se enquadrando o caso sub judice em qualquer das situações nele previstas. O crime consumou-se nas datas referidas na matéria de facto provada em que a pedreira e a secção de britagem estiveram a funcionar.
Acresce que à referida decisão administrativa deviam os arguidos, se assim o entendessem, opor-se por via hierárquica, por força do disposto no art. 22.º do D/L n.º109/91, de 17 de Agosto. Na verdade, estabelece esta disposição legal que “O recurso hierárquico necessário das decisões proferidas ao abrigo do presente decreto-lei, com excepção das relativas ao processo de contra-ordenação, tem efeito suspensivo, podendo, no entanto, a entidade para quem se recorre atribuir-lhe efeito meramente devolutivo, quando considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público”. Assim, caso tivessem optado pelo recurso hierárquico, este teria efeito suspensivo do acto, a menos que a entidade para quem recorressem lhe fixasse efeito meramente devolutivo. Mas em vez de optarem pelo recurso hierárquico, os arguidos optaram pelo recurso contencioso, nos termos que constam da matéria de facto provada.
É verdade que depois recorreram hierarquicamente, mas isto já em 2003, ou seja muito depois da data da prática dos factos, pelo que um eventual efeito suspensivo deste recurso não tinha a virtualidade de, retroactivamente, constituir causa de exclusão da ilicitude. O crime consumou-se nas datas em que foi verificada a laboração da pedreira e da oficina, em nada relevando o recurso hierárquico interposto em 2003 nem o recurso interposto para o Tribunal Administrativo de Viseu, ambos em datas muito posteriores às da consumação do crime.
Assim, ao contrário do também alegado pelos arguidos, e como foi decidido na fundamentação de direito da sentença recorrida, não se verificou qualquer causa de suspensão do acto administrativo (facto que consta do ponto XIX da matéria de facto provada e que, apesar de não constituir mais do que uma simples conclusão, tem suporte na restante matéria de facto provada, nomeadamente no que diz respeito à data em que os arguidos foram notificados da decisão do indeferimento da reclamação no TC e em que tal decisão transitou em julgado), sendo certo que a impugnação do mesmo pela via hierárquica ocorreu muito tempo depois da prática dos factos – 17/02/03 - pelo que não tinha a virtualidade de, retroactivamente, produzir efeitos em termos de causa de exclusão da ilicitude, no que tange ao crime de desobediência. Este consumou-se nas datas em que os factos foram praticados.
Pela mesma razão, a acção a correr termos no Tribunal Administrativo de Viseu também não tem essa virtualidade.
A matéria de facto provada preenche, portanto, todos os elementos objectivos e subjectivo do crime de desobediência por que os arguidos foram condenados, devidamente escalpelizados na sentença recorrida e que, por isso, nos dispensamos de aqui repetir.
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d) A escolha e medida da pena foram fundamentadas nos termos seguintes:
Da escolha e medida concreta da pena
Enquadrada jurídico-penalmente a conduta dos arguidos importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
Ao crime de desobediência corresponde, em abstracto, pena de prisão de um mês até um ano ou pena de multa de 10 a 120 dias (cfr. artigos 348.º, n.º1, b), 41.º e 47.º, n.º 1 do Código Penal).
Concluída está a primeira[2] das operações a efectuar para o desiderato a que nos propomos, pois determinada está a moldura abstracta a aplicar ao caso concreto.
De seguida importa indagar da espécie de pena que aos arguidos há-de ser aplicada, tendo em vista a previsão alternativa de prisão e multa.
Chamemos à colação o disposto no artigo 40.º, n.º1, do Código Penal:“a aplicação de penas...visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade”. Acrescenta o n.º2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Por sua vez, prescreve o referido artigo 70.º “se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficientes as finalidades da punição”.
Assim se afirma um dos princípios basilares do Direito Penal vigente: a pena assenta num suporte axiológico-normativo de uma culpa concreta, que constitui o pressuposto fundamento da validade da pena e simultaneamente a medida do limite máximo da mesma pena. A prevenção geral de integração fornece uma “moldura de prevenção” cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que a culpa consente – e cujo limite mínimo é dado pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. À prevenção especial resta a tarefa de encontrar dentro da referida “moldura de prevenção”, a que melhor sirva as exigências de ressocialização (ou em casos particulares de advertência ou de segurança) do agente. Numa palavra, intervém a culpa para limitar os anseios preventivos, finalistas e utilitaristas, que bem poderiam criar o perigo de que falava o verso de Schiller “Desconfiai, nobre senhor, não julgueis justa qualquer medida só porque ela é útil ao Estado”[3].
Aqui chegados, importa atender ao caso concreto.
Salienta o Prof. Figueiredo Dias[4], que a pena de multa deve ser concretamente aplicada «... em termos que permitam a plena realização, em cada caso concreto, das finalidades das penas, em particular da de prevenção geral positiva, limitada pela culpa do agente...», impondo-se «... que a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.»
Ora, quanto a nós, atendendo às questões suscitadas em relação à prevenção geral e de reintegração, mas sem olvidar que os arguidos são primários, e não se vislumbrando razões para distinguir o comportamento dos mesmos, na medida em que ambos têm os mesmos deveres de representação da sociedade ao nível factual e legal, somos da opinião que a pena de multa julga-se adequada e proporcional ao caso concreto.
Importa agora realizar a terceira e final operação: a determinação da medida concreta da pena a aplicar.
Para tanto, rege o normativo do artigo 71.º do Código Penal que estabelece no seu n.º1 um critério global, nos termos do qual a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O mencionado artigo 71.º do Código Penal no seu n.º2 estabelece que na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele e fixa factores a ter em conta na determinação da medida da pena.
Esses factores são relativos à execução do facto (alíneas a), b) e c); relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f) e relativos à conduta anterior e posterior ao facto (alínea e).
No caso concreto:
a) o grau de ilicitude do facto, dos dois arguidos é médio elevado, na medida em que embora houvesse a prática do crime, o tribunal concluiu que efectivamente a laboração da britagem era já menor do que aquela representativa da actividade normal da “D……….,Ldª;
b) a intensidade da culpa, também média elevada, na medida em que insistiram e quiseram manter em laboração a oficina de britagem, mesmo sabendo da contestação popular;.
c) do ponto de vista preventivo avultam as necessidades de prevenção geral, para futuras situações, mormente dando um sinal claro para a população local e envolvente;
d) no plano da prevenção especial, é relevante, na medida em que a firma que os arguidos representam tem outra pedreira em laboração, impondo-se, por isso, dar um sinal claro de não condescendência com este tipo de comportamentos;
e) a inexistência de antecedentes criminais terá que pesar favoravelmente aos arguidos;
f) os arguidos, em conjugação com a empresa que representam, são vistos como os maiores empregadores do concelho de Tabuaço.
Pelo exposto, atendendo aos motivos supra expostos, e uma vez que já decorreram cerca de 5 anos desde a prática dos factos, julga-se adequado e proporcional fixar a pena de multa de cada arguido em 65 (sessenta e cinco) dias.
Por sua vez, como refere o n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal, uma vez fixada a pena de multa em dias, é necessário proceder-se à determinação do quantitativo diário de multa, operação na qual não se poderá perder de vista que o único limite inultrapassável é constituído, em regra, pela preservação da dignidade da pessoa humana, pelo asseguramento ao condenado do mínimo existencial adequado às suas condições sócio-económicas. Pois que, o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar [Ac. do STJ, de 97/02/02, Acs STJ, 3, 183].
Não se deverá, contudo, perder de vista que a pena de multa não é uma pena menor, sendo que deverá ser sentida pelos arguidos como uma verdadeira pena e não apenas uma simples “admoestação económica”, semelhante à coima, devendo antes, representar para o condenado um sofrimento análogo ao da prisão, correspondente, embora dentro de condições mais humanas.
No caso concreto, para além dos arguidos terem deposto sobre as suas condições sócio - económicas, o tribunal também fez uso dos dados contestantes da certidão comercial da “D………., Ldª.” e da Direcção-Geral dos Impostos.
Ora, desde já se vai adiantado que face aos elementos apurados, e à semelhança dos rendimentos de ambos os arguidos, que o valor diário da pena de multa a fixar deverá também ser idêntico, por não se justificar qualquer diferenciação económica.
Assim sendo, dos dados supra descritos, o tribunal conclui que, embora os arguidos tenham declarado cada um, respectivamente, um vencimento mensal líquido de cerca €1.250, a verdade é que face às quotas sociais de que são titulares e respectivos prédios urbanos e rústicos registados em seu nome, que são pessoas com grande poder económico.
Note-se, neste particular, que para além da “D……….., Ldª ser considerada a maior empregadora do concelho de Tabuaço, os seus sócios e sócios gerentes são todos irmãos. Ou seja, atendendo a que é “usual” nas sociedade comerciais em Portugal os sócios gerentes, por questões de impostos, declararem vencimentos abaixo do real, mas sem olvidar a participação social dos respectivos arguidos na sociedade e património detectado, o tribunal não tem dúvidas em concluir por um elevado poder económico dos arguidos. Mas mais, basta atender que um ex- funcionário da “D………., Ldª”, por sinal o engenheiro N………., declarou que ele próprio auferia um vencimento mensal liquido de cerca de € 1200, o que inevitavelmente se conclui que os seus “patrões”, aqui arguidos, têm que ter um vencimento muito superior.
Assim sendo, pelas razões supra expostas, mormente pelas quotas sociais de que cada dos arguidos é titular, entende-se fixar o quantitativo diário da multa em € 80 (oitenta euros).
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No que tange à pena em que foram condenados, os arguidos apenas questionaram o quantitativo diário da multa, que consideram muito elevado.
Antes de entrarmos na análise desta questão impõe-se aqui uma referência à decisão sobre a questão da valoração do documento emanado das Finanças contendo a descrição dos imóveis urbanos e rústicos inscritos em nome dos arguidos, decisão que não permite que sejam levados em conta na determinação do quantitativo diário das multas os factos constantes dos n.ºs XXIV e XXXI da matéria de facto provada.
Para a determinação do quantitativo diário da multa importa atender ao preceituado no n.º2 do art. 47.º do Código Penal, segundo o qual cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €1,00 e €498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Quanto aos encargos pessoais dos arguidos, nada de relevante a matéria de facto provada nos diz, pois apenas refere que os arguidos não têm filhos menores. Assim sendo, os encargos pessoais serão os normais que cada um terá consigo próprio.
Os veículos de que são proprietários são já bastante antigos, pelo que, segundo a normalidade das coisas, o seu valor comercial não deverá ser muito elevado.
Como se refere na sentença recorrida, na parte respeitante a esta questão, os arguidos, apesar do vencimento mensal que declararam auferir, que não é muito elevado, são pessoas de grande poder económico, conclusão que se retira do valor das quotas que cada um deles tem na sociedade, sociedade esta que é nem mais nem menos que a maior empresa do concelho de Tabuaço e cujas alegadas dificuldades económicas por que passará não constam da matéria de facto provada. Sociedade em cujos lucros, como é normal, os arguidos participarão na proporção das respectivas quotas.
Apesar do demonstrado poder económico dos arguidos, pensamos que o quantitativo diário da multa se mostra algo exagerado, mostrando-se mais consentâneo com a realidade económica e financeira a quantia diária de €50,00, quantia esta que, ainda assim, comporta algum sacrifício para os arguidos e serve as finalidades da punição.
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Deste modo, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência: a) eliminam-se da matéria de facto provada os factos constantes dos n.ºs XXIV e XXXI; b) fixa-se em €50,00 (cinquenta euros) o quantitativo diário da multa em que cada um dos arguidos foi condenado; c) no mais, mantém-se a sentença recorrida.
Condena-se cada um dos arguidos na taxa de justiça que se fixa em 10 (dez) UC.
Na 1.ª instância será ordenada a remessa de boletins ao registo criminal.
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Defensora Oficiosa: honorários legais.
Porto, 2007/06/18
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes
Arlindo Manuel Teixeira Pinto

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[1] Diz-se aí que, “para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” – (vd. especificamente sobre este conceito, entre nós, Freitas do Amaral, O regime do acto administrativo, in Código de Procedimento Administrativo, 1992, pp. 101 e ss; Marcelo Rebelo de Sousa, regime de acto administrativo, in Direito e Justiça, VI, pp. 39 e ss.
[2] Para uma descrição das três fases a observar na escolha e determinação da medida concreta da pena, Figueiredo Dias“Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime”, Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Ano 1993, pág. 198 e ss
[3] citado por Eduardo Correia in “As Grandes Linhas da Reforma Penal”, Conferência proferida em 10 de Novembro de 1982 na sede do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e publicada em “Para uma Nova Justiça Penal”, Almedina, 1983, pag.12.
[4] op. cit. pag 119 e seguintes.