Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0844144
Nº Convencional: JTRP00041812
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Nº do Documento: RP200810290844144
Data do Acordão: 10/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 337 - FLS 248.
Área Temática: .
Sumário: Os traços distintivos essenciais dos jogos em máquinas serem de fortuna e azar ou modalidades afins passam ou por haver pagamento directo de prémios em fichas ou moedas ou por serem desenvolvidos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I

1. O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B………. e C………. imputando-lhes a prática, respectivamente, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, n.º 2, do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10 /95, de 19 de Janeiro, e de um crime de exposição não autorizada de material de jogo de fortuna e azar, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 115.º, do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10 /95, de 19 de Janeiro.
2. Distribuído o processo para julgamento, ao ..º juízo do Tribunal Judicial de Espinho, com o n.º …./04.1PAESP, foi recebida a acusação deduzida contra os arguidos e designado dia para julgamento.
3. O arguido C……. veio aos autos apresentar a sua contestação, na qual questiona que os factos que lhe são imputados integrem o tipo de ilícito por que foi acusado.
4. Aberta a audiência de discussão e julgamento, no dia 24/10/2006, começou o Exm.º Juiz por apreciar a questão prévia de os factos descritos na acusação não constituírem crime, decidindo que os factos descritos na acusação não constituem qualquer ilícito criminal por a máquina apreendida aos arguidos não desenvolver um jogo de fortuna ou azar.
Em conformidade, determinou o arquivamento dos autos.
5. Desse despacho interpôs o Ministério Público o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:
«1.ª - Os arguidos B………. e C………. foram acusado, respectivamente, da prática de um crime de exploração ilícita de jogo (previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, n.º 2, do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10 /95, de 19 de Janeiro) e de um crime de exposição não autorizada de material de jogo de fortuna e azar (previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 115.º, do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10 /95, de 19 de Janeiro).
«2.ª - No que respeita à descrição das características da máquina apreendida e ao seu modo de funcionamento diz-se na acusação:
«O referido expositor, tinha sido ali colocado, com autorização do arguido C…….., há cerca de três meses, pelo arguido B………., o qual procedia igualmente à reparação e assistência da mesma.
«A parte frontal interior do expositor contém um dispositivo para moedas de € 1,00 (um euro) equipado com um manípulo rotativo que é desbloqueado por uma só volta após a introdução da moeda.
«Por baixo deste, existe uma abertura destinada à saída de cápsulas ovais e na retaguarda encontra-se o cofre.
«As cápsulas de plástico contêm, cada uma delas, no seu interior uma senha que se encontra dobrada tendo inscrita a palavra “Brinde” e uma letra.
«O cartaz/mostruário é composto por diversos objectos, identificados com uma letra que corresponde aos prémios do expositor.
«O jogador introduz uma moeda de € 1,00 (um euro) na ranhura do expositor; em seguida, roda o manípulo até ao ponto de bloqueamento e recebe uma cápsula oval em plástico, dentro do qual se encontra uma senha (tipo rifa), contendo cada uma delas: na parte superior, um desenho, uma figura e uma letra.
«Abertas as senhas há dois resultados possíveis:
«1. a numeração da senha não coincide com qualquer um dos números sob os objectos expostos no expositor, o jogador não tem direito a qualquer prémio.
«2. a numeração da senha coincide com um dos números sob os objectos; neste caso, o jogador tem direito ao prémio correspondente.”
«3.ª - No inicio da audiência de discussão e julgamento, em sede de apreciação de questão prévia, o tribunal recorrido proferiu a decisão de fls. 168 a 173 concluindo então que os factos imputados aos arguidos não constituíam crime mas integravam o conceito de modalidade afim de jogos de fortuna e azar, decidindo-se pelo arquivamento dos autos.
«4.ª - Nos termos do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
«5.ª - Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar serão as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente da sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico (artigo 159.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
«6.ª - Como no caso especifico dos jogos de fortuna e azar, também no caso das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar a contingência do resultado pode derivar apenas da sorte, pelo que não é este o elemento decisivo que permite distinguir juridicamente uns dos outros.
«7.ª - Da observação dos comandos legais em causa verifica-se que o único elemento diferenciador entre jogo de fortuna e azar e as modalidades afins radica nas "operações oferecidas ao público" que existem nas modalidades afins mas não existem no jogo de fortuna e azar; isto é, nas modalidades afins pressupõe-se sempre a procura e a oferta ao público pelos respectivos promotores e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para a respectiva prática.
«8.ª - A expressão “oferecer ao público” deve interpretar-se no sentido da exigência, para efeito de integração do jogo em causa no conceito de modalidade afim dos jogos de fortuna e azar, da prática dum conjunto de actos dirigidos a um número indeterminado de destinatários por banda do respectivo promotor.
«9.ª - O jogo desenvolvido no caso dos autos não integra a definição de modalidade afim dado que não se trata de "operações oferecidas ao público" visto que, colocada em estabelecimento aberto ao público, aí se dirigiam os interessados, ao contrário do que acontece quando os promotores vão junto do público oferecer o jogo.
«10.ª - A introdução duma moeda de € 1,00 numa máquina como a descrita na acusação e a consequente rotação do manípulo respectivo não depende da perícia do jogador sendo o resultado obtido por essa via aleatório e assente exclusivamente na sorte.
«11.ª - A integração dos factos narrados na acusação nos ilícitos típicos imputados aos arguidos não depende da natureza do prémio atribuído, sendo manifestamente indiferente que, como resulta da acusação, os prémios atribuídos se traduzissem em coisas com utilidade económica, não sendo este, portanto, o critério legalmente estatuído que permite operar a distinção entre jogos de fortuna e azar e modalidades afins de jogos de fortuna e azar.
«12.º - Aliás, ver na natureza dos prémios atribuídos o critério distintivo entre os ilícitos penais e os contraordenacionais (previstos, respectivamente, nos artigos 108.º a 111.º e 115.º; e 160.º a 163.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro) resulta numa interpretação contra legem, uma vez que a lei, em lugar algum, menciona o critério apontado. Por outro lado, de entre as modalidades de jogos de fortuna ou azar especificamente previstas no artigo 4.° do citado Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, há algumas em que os prémios podem consistir, pelo menos de imediato, em fichas e o resultado ser apresentado como pontuações. Por último, constitui contra-ordenação, nos termos do n.º 3 do artigo 161.º e do n.º 1 do artigo 163.º, a substituição por dinheiro ou fichas dos prémios atribuídos pelas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar.
«13.ª - O verdadeiro propósito do legislador foi o de restringir e confinar a prática de jogos de fortuna e azar a zonas ou locais específicos previamente concessionados pelo Estado, assim evitando a disseminação incontrolada de locais de jogo, o que traria consequências pessoais e sociais altamente prejudiciais tendo em conta a natureza viciante dos jogos de fortuna e azar.
«14.ª - Como tal, é evidente que o tribunal a quo fez errada interpretação dos normativos constantes dos artigos 108.º, n.º 1 e 115.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, tendo considerado que os factos vertidos e imputados aos arguidos na acusação não constituíam qualquer tipo de crime, quando na verdade todos os elementos típicos – objectivos e subjectivo – dos crimes de exploração ilícita de jogo e de exposição não autorizada de material de jogo de fortuna ou azar constavam daquela peça processual, pelo que se deveria ter procedido à realização da competente audiência de discussão e julgamento.
«15.º - Foram assim violados os artigos 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 108.º, n.º 1 e 115.º, ambos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10 /95, de 19 de Janeiro.»
Termina pedindo que, «constando da acusação deduzida a descrição de todos os elementos do tipo, quer objectivos, quer subjectivos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, ordenando-se a marcação de novo dia para realização de audiência de discussão e julgamento dos arguidos B………. e C………. pela prática dos crimes que lhes são imputados no libelo acusatório».
6. Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este tribunal.
7. Nesta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], o Exm.º Procurador-geral-adjunto emitiu proficiente parecer, no qual destaca as posições jurisprudenciais que se desenham, na matéria, opinando que aquela que tem vindo a evidenciar-se é a que nega a caracterização do jogo de fortuna ou azar aos jogos cuja expectativa de ganho não prejudique os valores ético-sociais ou atinja a nocividade social que se aproxima dos jogos elencados no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, para, neste entendimento, manifestar o parecer de que o recurso interposto não merece provimento.
8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
9. No exame preliminar, foi decidido julgar o recurso em conferência. Com projecto de acórdão, foram colhidos os vistos, e realizou-se a conferência.
Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.
II

1. Os factos em que assenta a imputação aos arguidos dos supra identificados tipos de ilícito são, segundo a acusação, e no que aos tipos objectivos interessa, os seguintes:
– no estabelecimento comercial pertencente ao arguido C………. e por si explorado encontrava-se um expositor com estrutura plástica de cor amarelo e azul, com paredes laterais em fibra acrílica de plástico transparente, de forma rectangular, com diversas bolas no seu interior de cor vermelha, um cartaz mostruário com vários prémios, uma caixa de cartão com número indeterminado de brindes;
– tal expositor, tinha sido ali colocado, com autorização do arguido C………., há cerca de três meses, pelo arguido B………., o qual procedia igualmente à reparação e assistência do mesmo;
– a parte frontal interior do expositor contém um dispositivo para moedas de € 1,00 (um euro) equipado com um manípulo rotativo que é desbloqueado por uma só volta após a introdução da moeda;
– por baixo deste, existe uma abertura destinada à saída de cápsulas ovais e na retaguarda encontra-se o cofre;
– as cápsulas de plástico contêm, cada uma delas, no seu interior uma senha que se encontra dobrada tendo inscrita a palavra “Brinde” e uma letra;
– o cartaz/mostruário é composto por diversos objectos, identificados com uma letra que corresponde aos prémios do expositor;
– o jogador introduz uma moeda de € 1,00 (um euro) na ranhura do expositor; em seguida, roda o manípulo até ao ponto de bloqueamento e recebe uma cápsula oval em plástico, dentro do qual se encontra uma senha (tipo rifa), contendo cada uma delas: na parte superior, um desenho, uma figura e uma letra.
– abertas as senhas há dois resultados possíveis:
1. a numeração da senha não coincide com qualquer um dos números sob os objectos expostos no expositor, o jogador não tem direito a qualquer prémio,
2. a numeração da senha coincide com um dos números sob os objectos; neste caso, o jogador tem direito ao prémio correspondente.
2. A questão objecto de recurso está em saber se os factos descritos na acusação se compreendem, ou não, no conceito de jogo de fortuna ou azar.
Segundo o despacho recorrido, «tendo em conta as características do material apreendido, verifica-se que a máquina em questão se integra precisamente nas tômbolas, não desenvolvendo um tema próprio de jogos de fortuna e azar, tanto assim que não se fomenta “a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações que se traduzem nos seus resultados, dependendo exclusiva ou fundamentalmente da sorte”, tal como se afirma no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 22/85, para justificar a tutela penal dos jogos que, não pagando directamente fichas ou dinheiro, deva ainda assim a sua exploração constituir infracção criminal».
No recurso, sustenta-se que «o único elemento diferenciador entre jogo de fortuna e azar e as modalidades afins radica nas “operações oferecidas ao público” que existem nas modalidades afins mas não existem no jogo de fortuna e azar, isto é, nas modalidades afins pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público pelos respectivos promotores e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para a respectiva prática». Daí que, «o jogo desenvolvido no caso dos autos não integre a definição de modalidade afim dado que não se trata de “operações oferecidas ao público” visto que, colocada em estabelecimento aberto ao público, aí se dirigem os interessados, ao contrário do que acontece quando os promotores vão junto do público oferecer o jogo».
3. Vejamos[2].
3.1. A disciplina dos jogos de fortuna ou azar consta, actualmente, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, o diploma regula ainda a matéria relativa às modalidades afins dos jogos de fortuna e azar «por razões que se prendem não tanto com a necessidade de alterar o regime vigente, cujas soluções se mantêm no essencial, mas antes com a conveniência de disciplinar unitariamente uma realidade próxima» da que já era regulada na versão original, como se afirma no preâmbulo.
Nas categorizações que a lei assume, e para as quais estabelece diferentes modalidades de regulamentação, destacam-se os jogos de fortuna e azar, as modalidades afins de jogos de fortuna e azar e os jogos de diversão.
A categoria de jogos de fortuna e azar está definida na lei através de uma fórmula geral conjuntamente com os elementos que identificam e descrevem as diversas espécies, os quais permitem dar conteúdo normativo à fórmula legal, por um lado, e, por outro, delimitá-los das restantes modalidades de jogos previstas na lei.
Os jogos de fortuna ou azar são, na definição contida no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 422/89, aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte e estão tipificados no artigo 4.º, n.º 1, do diploma.
No que respeita aos jogos em máquinas – os que, no caso, relevam – o artigo 4.º, n.º 1, alíneas f) e g), considera como tipos (modalidades) de jogos de fortuna e azar os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou dinheiro» e os «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte».
Fora desta descrição ficam os jogos em máquinas cujo resultado depende exclusiva ou fundamentalmente da perícia do jogador (jogos de perícia) e os jogos cujos resultados embora também dependam exclusiva ou predominantemente da sorte não constituam, na disciplina da lei, jogos de fortuna ou azar mas modalidades afins.
«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar» são, nos termos do artigo 159.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémio coisas com valor económico».
Como exemplos dos tipos de modalidades afins, refere a lei, a título exemplificativo («nomeadamente»), «rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos» (artigo 159.º, n.º 2).
«As modalidades afins do jogo de fortuna e azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna e azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos» (artigo 161.º, n.º 3, do mesmo diploma).
3.2. O jogo proporcionado pela máquina que se encontrava em exploração, tal como os factos descritos na acusação descrevem, apresenta as seguintes características essenciais:
– os resultados dependiam da sorte e não da perícia do jogador;
– não desenvolvia temas característicos dos jogos de fortuna ou azar;
– não pagava directamente prémios ou fichas em dinheiro.
São, justamente, estas características que não permitem qualificar o jogo como de fortuna ou azar e revertem, antes, para as modalidades afins do jogo de fortuna e azar, previstas no artigo 159.º do Decreto-Lei n.º 422/89.
Os traços distintivos essenciais dos jogos em máquinas serem de fortuna e azar ou modalidades afins passam ou por haver pagamento directo de prémios em fichas ou moedas ou por serem desenvolvidos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar.
O resultado depender exclusivamente da sorte não é característica distintiva.
Nem mesmo a circunstância de o prémio ser em dinheiro ou em coisas com valor económico afasta a natureza de modalidade afim desde que o pagamento em dinheiro não apresente a específica configuração (pagamento directo em fichas ou moedas) em que está definido o pagamento de prémios nos jogos de fortuna ou azar.
3.3. O argumento que se quer extrair de «não se tratar de um operação oferecida ao público» é duplamente improcedente.
Por um lado, a definição, para efeitos da lei, da categoria de jogos de fortuna ou azar não deriva do local em que é praticado ser acessível ao público em geral, ser de acesso limitado ou mesmos clandestino, mas das características do próprio jogo.
Se faltarem as características essenciais que permitam qualificar um jogo como de fortuna ou azar, ainda que ele seja explorado num casino, não passa, por isso, a ser um jogo de fortuna ou azar.
Tratar-se de uma “operação oferecida ao público” – expressão constante do artigo 159.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 422/89 –, é ainda um requisito positivo para a definição das modalidades afins do jogo de fortuna e azar. Para que um jogo se enquadre na categoria de modalidade afim é necessário que, negativamente, se estabeleça que não se enquadra na categoria de jogo de fortuna e azar e, positivamente, a acessibilidade do povo em geral a esse jogo.
3.4. O jogo que se encontrava em exploração é definitivamente uma modalidade afim dos jogos de fortuna e azar.
As características do jogo não permitem qualificá-lo como de fortuna ou azar. Encontrando-se a máquina instalada num estabelecimento aberto ao público e, portanto, sendo o jogo por ela proporcionado acessível a qualquer pessoa, não pode negar-se a verificação do requisito «operação oferecida ao público».
Os factos constantes da acusação não integram, pois, os crimes imputados aos arguidos.
Restará a necessidade de decidir pela autoridade competente sobre a relevância dos factos objecto de acusação no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional.
III

Nestes termos, na improcedência do recurso, confirma-se o despacho recorrido.
Não há lugar a tributação.

Porto, 29 de Outubro de 2008
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro

____________________
[1] Doravante designado pelas iniciais CPP.
[2] Na exposição subsequente passaremos a seguir, de perto, por vezes textualmente, a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/11/2007, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III/2007, pp. 256 e ss.