Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040756 | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | ESCUTA TELEFÓNICA | ||
Nº do Documento: | RP200711140713256 | ||
Data do Acordão: | 11/14/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 504 - FLS 59. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Não é inconstitucional a norma do art. 123º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de impor ao interessado o prazo de 3 dias para arguir irregularidade concretizada em falta de fundamentação do despacho que autoriza as escutas telefónicas. II - A falta de fixação de prazo de duração da autorização judicial das escutas telefónicas, na versão do Código de Processo Penal anterior à da Lei nº 48/2007, não concretiza qualquer ilegalidade. III - A lei não exige um “auto de audição” das gravações pelo juiz de instrução. IV - Não há qualquer ilegalidade no facto de as escutas se prolongarem por um período superior ao legalmente previsto para a conclusão do inquérito. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: * I- RELATÓRIONos autos de instrução nº …/03.6TAGDM-AM do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, foi proferida decisão instrutória, em 6/3/2007 (fls. 22.815 a 23.145 dos aludidos autos de instrução), sendo o arguido B………. pronunciado pela prática de: - Vinte e seis (26) crimes dolosos de corrupção activa, sob a forma de autoria, previsto e punido pelo art. 374°, n.º 1 do Código Penal, por referência ao art. 386°, n.º 1, alínea c) do mesmo diploma legal, aos arts. 21°, 22° e 24° da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (agora arts. 20°, 21°, 22º, 23º e 24º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho), aos arts. 7°, 8° e 11° do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, e Despacho n.º 56/95 da Presidência do Conselho de Ministros, de 1 de Setembro de 1995, in Diário da República II Série, de 14 de Setembro de 1995 (factos descritos nos pontos 1.1; 1.3; 1.2., 1.3.1, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.7, 1.3.8, 1.3.9, 1.310, 1.3.11, 1.3.12, 1.3.13, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.19, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.23, 1.3.24, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27, 1.3.28, 1.3.29); e de - Vinte e um (21) crimes dolosos de corrupção desportiva activa, sob a forma de autoria, previsto e punido pelo art. 4º, n.º 1 e 2, por referência aos arts. 2º, n.º 1 e 3º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro (factos descritos nos pontos 1.1., 1.3; 1.2, 1.3.2., 1.3.3., 1.3.4., 1.3.5., 1.3.6., 1.3.8., 1.3.9., 1.3.10., 1.3.14., 1.3.15., 1.3.16., 1.3.17., 1.3.18., 1.3.20., 1.3.21., 1.3.22., 1.3.25., 1 3.26., 1.3.27., 1.3.29). Nessa mesma decisão instrutória, tendo em atenção o requerimento de abertura de instrução apresentado, em 15/5/2006, pelo arguido B………. (fls. 19.990 a 20.020 dos mesmo autos de instrução), foi indeferida a arguida nulidade das escutas telefónicas e da recolha de imagens e som, bem como foram apreciadas e indeferidas as questões suscitadas, v.g. quanto à qualidade (e extensão do conceito) de funcionário do arguido C………., enquanto D………., para efeitos do crime de corrupção p. e p. no art. 374 nº 1 do CP e, quanto à invocada inconstitucionalidade da Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto e do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro. * Não se conformando com a decisão instrutória na parte em que “tomou conhecimento das nulidades e questões prévias” por si suscitadas “no decurso da instrução”, veio o arguido B………., em 26/3/2007, interpor recurso (fls. 23.812 a 23.845 dos mesmos autos de instrução), formulando as seguintes conclusões:“1.NULIDADE DAS ESCUTAS As escutas telefónicas efectuadas no decurso do inquérito são nulas, em síntese porque: 1.1.1. têm origem num despacho nulo, porque: - não concretiza nem descreve qualquer indício probatório; - não concretiza nem especifica qualquer facto relativo ao crime que diz mostrar-se indiciado; - não descreve nem especifica qualquer facto/razão que permita concluir que as escutas se revelam de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova ou que justifique não se poder alcançar o escopo pretendido através de outros meios de prova menos ofensivos da liberdade e privacidade do arguido; e - não fixa nenhum prazo para a duração das escutas. Estas omissões ofendem o disposto nos arts 97º, nº 4, e 187º, nº 1, parte final. CPP, e 205º, nº 1, CRP, e implicam, como efeito directo e imediato, a nulidade de todas as escutas que são consequência adequada e exclusiva das escutas iniciais. Sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP, este conjunto normativo não pode ser interpretado como dispensando o Juiz de Instrução de concretizar através de factos os elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às escutas telefónicas autorizada, os factos concretos que condensam os indícios da prática de tal crime, os factos e as razões, diferentes da mera natureza do crime ou da simples moldura penal abstracta aplicável, que justificam a opção por este meio de recolha de prova e, bem assim, de fixar um prazo para a respectiva duração. A falta de fundamentação do despacho que ordena as escutas integra uma verdadeira e própria nulidade, não uma simples irregularidade. Ainda que o não fosse, teria sido invocada no prazo legal previsto no artº 123º pelo Arguido C………., aproveitando essas invocação a todos os demais Arguidos. A interpretação que o douto despacho adoptou do conjunto normativo integrado pelos arts 97º, 4, nº 1 do artº 187º e 189º CPP, de acordo com a qual constitui simples irregularidade, como tal sanável, a falta de concretização através de factos os elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas, os factos concretos que condensam os indícios da prática de tal crime e, bem assim, os factos e as razões, diferentes da mera natureza do crime ou da simples moldura penal aplicável, que justificam a opção por este meio de recolha de prova, é inconstitucional, por ofensa do disposto, entre outros, nos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. 1.1.2. Ainda que aquele despacho não fosse nulo por falta de fundamentação, sempre seria certo que, do ponto de vista substancial, não existiam, à data em que foi proferido quaisquer indícios probatórios (fosse de que natureza fosse) da prática pelo Arguido do crime de que foi considerado suspeito - corrupção activa do artº 374º, nº 1 do Código Penal, pelo que sempre estaria violado o disposto no artº 187º, nº 1. 1.2. As escutas não respeitaram as exigências legais e constitucionais da imediação, acompanhamento e controlo pela autoridade judicial, como se manifesta: - na prorrogação pelo JIC da autorização de escutas sem que previamente tenha procedido à audição das gravações das escutas anteriores e mesmo sem que tenha tido acesso aos suportes magnéticos destas, ou sequer sem que tenha procedido à leitura dos respectivos autos de selecção, que não lhe tinham sido entregues nem estavam elaborados; - nos enormes e, a todos os títulos, inadmissíveis períodos de tempo que decorreram entre a apresentação ao Juiz do suporte magnético das gravações, acompanhado da selecção dos elementos que a Polícia Judiciária considera relevantes, e a respectiva audição; - nos enormes lapsos de tempo verificados entre a data em que é feita e documentada aquela selecção e a entrega ao Juiz dos autos de gravação e dos suportes magnéticos das gravações; Interpretado no sentido de permitir a prorrogação das escutas sem prévia audição das anteriores e a ocorrência de tais lapsos de tempo, o artº 188º, nº 1, CPP é inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. 1.3. A entidade que lavrava os autos de intercepção e gravação, nos quais seleccionava as sessões consideradas com interesse, retinha sistematicamente esses elementos na sua posse, só os apresentando ao JIC muitos dias depois de os recolher. A Interpretação do artº 188º, nº 1, que admita a ocorrência de grandes lapsos de tempo, da ordem de vários dias, entre a elaboração do auto de intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos considerados com interesse e a sua apresentação do Juiz é inconstitucional, por ofensa das disposições conjugadas dos arts 32º, nº 8, 43º, nºs 1 e 4, e 18º, nº 2, CRP. 1.4. As escutas mantiveram-se, mediante prorrogações da autorização judicial, mesmo quando se reconhece e certifica que nenhuma ou apenas uma ínfima parte das sessões anteriores tinha interesse para a investigação. Interpretado no sentido de permitir a prorrogação do prazo das escutas nestas circunstâncias, o artº 187º, nº 1, CPP, é inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. 1.5. As escutas não respeitaram o formalismo que regula a sua execução: - por um lado, de nenhum dos inúmeros autos de intercepção e gravação lavrados no processo constam “a identidade da pessoas que procedeu à intercepção |...| e o circunstancionalismo de tempo, modo e lugar da intercepção e da gravação”, com o que foi preterido, assim e desde logo, o disposto no artº 99º, 3, a); - por outro lado, não foi lavrado nenhum auto de audição das gravações pelo Juiz de Instrução, para documentar, da única forma aceitável, tendo em consideração a natureza dos direitos fundamentais em causa, a prática do acto e as circunstâncias, sobretudo de tempo, em que foi praticado, com o que foram preteridos, entre outros, os arts 94º, nº 6, 95º, nº 1, e 99º, nº1. A interpretação do conjunto normativo formado pelos arts 94º, nº 6, 95º, nº 1, e 99º, nºs 1 e 3, a), que considere tais preceitos inaplicáveis no domínio da recolha de prova por escutas telefónicas é inconstitucional, por ofensa dos arts 18º, nº 2, e 32º, nº8, CRP. 1.6. As escutas estão feridas pela destruição de grande parte dos suportes magnéticos da respectiva gravação, ordenada pelo JIC e levada a cabo sem a audição dos Arguidos. A segunda parte do nº 3 do artº 188º CPP é inconstitucional, por ofensa dos arts 18º, nº 2, 32º, nº 8, e 43º, nºs 1 e 4, CRP. 1.7. As escutas arrastaram-se por um período de tempo superior a treze meses, sem a prática ou recolha de quaisquer outros elementos relevantes de prova, sendo esse prazo incompatível com a natureza excepcional deste meio de recolha de prova, até porque excede em muito os prazos legais para a conclusão do inquérito. A interpretação do artº 187º que permita a autorização e manutenção das escutas telefónicas por um período de tempo superior ao da duração do prazo máximo do inquérito, sobretudo sem a prática ou recolha de quaisquer outros meios relevantes de prova, é inconstitucional, por violação do disposto nos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. 1.8. For prorrogada a autorização das escutas mesmo quando estava reconhecido e certificado que as sessões já gravadas não tinam qualquer interesse ou se revestiam de interesse residual. A interpretação deste preceito que legitima a prorrogação de escutas que se revelaram de interesse nulo ou residual é inconstitucional, porque ofende os arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. 2. INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE FUNCIONÁRIO DA AL. C) DO Nº 1 DO ARTº 386º DO CÓDIGO PENAL AO D………. 2.1. Como resulta do nº 6 do artº 267º da Lei Fundamental, as pessoas colectivas de utilidade pública não estão incluídas, por definição, no conceito de “entidades públicas” a que se reportam os arts 269º e 271º da CRP, ainda que “exerçam poderes públicos”. 2.2. De acordo com o que dispõe o nº 1 daquele artº 271º da CRP, só os “agentes” que actuam no âmbito de pessoas colectivas de direito público estão submetidos a uma responsabilização por crimes cometidos no exercício de funções públicas (com efeito externo, ou seja, perante terceiros). 2.3. Quem exerce funções (ou nelas participe) em entidades privadas não está submetido ao regime jurídico (incluindo, para efeitos penais) que regula as pessoas colectivas de direito público. 2.4. Assim, não se pode considerar funcionário, para efeitos da lei penal, quem exerça funções em pessoas colectivas de utilidade pública. 2.5. A E………. não pode, em caso algum, ser considerada pessoa colectiva de direito público (melhor dizendo, não pode sequer ser considerada “entidade pública”, na expressão constitucional - cit. artº 269º, 1 - de “Estado e demais entidades públicas”). 2.6. Nenhum “titular de órgão social” da E………. pode cometer um crime que suponha, como elemento típico, um “cargo”, elemento este que, para efeitos penais, terá de corresponder a um “cargo público”. 2.7. Os crimes que no Código Penal pressupõem os deveres do cargo (público) - de que são exemplo os diversos tipos do crime de corrupção - são inaplicáveis a agentes que desempenhem funções ou participem em actividades compreendidas nos fins de uma pessoa colectiva de direito privado (mesmo que de utilidade pública) - como é o caso da E………., pelo que nenhum dos titulares dos seus órgãos sociais pode cometer tais crimes. 2.8. O D……… não é titular de qualquer poder de natureza pública, participando numa área de actividade desta pessoa colectiva - o sector da arbitragem - que se integra manifestamente no âmbito estritamente desportivo e normativo privado, como, aliás, acentua o Ac RL de 27/10/04, ao decidir que “a violação das regras sobre nomeação de árbitros se enquadra no âmbito das questões estritamente desportivas”. 2.9. O D………. não exerce qualquer função pública e, por isso, nunca poderia, mesmo numa interpretação extensiva da lei penal, ser considerado funcionário. 2.10. Todos aqueles que tomam parte no sector da arbitragem não podem, mesmo numa interpretação extensiva do conceito de funcionário, cometer crimes no exercício de funções públicas em consequência de violação das regras (seja qual for a razão de ser dessa violação) referentes à designação de árbitros. 2.11. A interpretação do conjunto normativo formado pelos arts 372º, 373º, 374º e 386º, nº 1, al. b), do Código Penal que inclua nas respectivas previsões o D………. enferma de inconstitucionalidade material, por ofensa do disposto, entre outros, nos arts 18º nº 2, 29º, nº 1, 267º, nº 6, 269º, nº 1, e 271º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. 2.12. Assim sendo, nenhum dos actos imputados ao Arguido poderá jamais ser enquadrado na previsão normativa do artº 374º, nº 1, do Código Penal. 3. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE AUTORIZAÇÃO Nº 49/91, DE 3 DE AGOSTO, E DO DL 390/91, DE 10 DE OUTUBRO. A Lei da Autorização nº 49/91, de 3 de Agosto, é inconstitucional porque, não definindo com rigor a respectiva extensão e sentido, ofende o disposto no nº 2, por referência à al. c) do nº 1, do artº 165º CRP, sendo, por isso e por violação dos mesmo preceitos da Lei Fundamental, inconstitucional o DL 390/91, de 10 de Outubro. 4. Ao decidir de modo diverso, considerando válidas as escutas telefónicas executadas no decurso do inquérito, considerando aplicável aos factos sub judice o conceito extensivo de funcionário previsto na al. c) do nº 1 do artº 386º CP e aceitando a conformidade constitucional da Lei de Autorização nº 49/91 e do correlativo DL 390/91, o douto despacho em mérito ofendeu os preceitos legais que ficaram indicadas nos antecedentes números destas conclusões.” * Na 1ª instância, em 2/5/2007, o MºPº respondeu ao recurso interposto pelo mesmo arguido (fls. 1257 a 1374 da certidão que acompanha o presente recurso), pugnando pela confirmação da decisão sob recurso.* Nesta Relação, em 4/6/2007, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 5614 do presente recurso), perfilhando “o entendimento do M.P. vertido na resposta à motivação sobre as questões postas nas conclusões desta”.* Em 13/6/2007 foi ordenado o cumprimento do disposto no art. 417 nº 2 do CPP.O recorrente respondeu, em 2/7/2007 (nos termos que constam de fls. 5623 deste processo de recurso), declarando nada mais de útil ter a acrescentar às considerações feitas na motivação de recurso. * Foram, ainda, efectuadas diligências necessárias (determinadas pela relatora) com vista à instrução do recurso ora em apreço.* Uma vez que estamos em face de recurso interposto antes da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29/8[1] (que alterou o CPP), atento o disposto no artigo 5 do CPP não é aplicada a nova disciplina em matéria de recursos por “fragilizar” a posição processual do arguido/recorrente, além de quebrar a harmonia e unidade dos actos nesta fase do processo.Entretanto, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre, assim, apreciar e decidir. * II- FUNDAMENTAÇÃOO objecto e âmbito do recurso do arguido B………., demarcados pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incidem sobre as seguintes questões: 1ª – Verificar se ocorre ou não a nulidade das escutas telefónicas efectuadas no decurso do inquérito em relação ao arguido/recorrente (na sua perspectiva: por terem origem em despacho nulo, quer por falta de fundamentação, quer mesmo do ponto de vista substancial; por não respeitarem as exigências da imediação, acompanhamento e controlo pela autoridade judicial; por o OPC que lavrava os autos de intercepção e gravação reter sistematicamente esses elementos na sua posse e só os apresentar ao JIC muitos dias depois de os recolher; por as escutas se terem mantido, mediante prorrogações de autorização judicial, apesar de se reconhecer e certificar que nenhuma ou apenas uma ínfima parte das sessões anteriores tinham interesse para a investigação; por as escutas não respeitarem o formalismo que regula a sua execução; por as escutas estarem feridas pelas destruição de grande parte dos suportes magnéticos da respectiva gravação, ordenada pelo JIC e levada a cabo sem prévia audição dos arguidos; por as escutas se terem prolongado por um período superior a 13 meses, sem a prática ou recolha de quaisquer outros elementos relevantes de prova, sendo esse prazo incompatível com a natureza excepcional desse meio de recolha de prova, até por exceder os prazos legais para conclusão do inquérito; por terem sido permitidas prorrogações de escutas que se revelavam de interesse nulo ou residual); 2ª – Se é ou não aplicável o conceito de funcionário previsto no art. 386 nº 1-c) do CP ao D………. (e, portanto, concluindo-se que não é aplicável esse conceito de funcionário, a consequência seria a de que nenhum dos actos/factos imputados ao arguido/recorrente poderia ser enquadrado na previsão do art. 374 nº 1 do Código Penal, ou seja, o mesmo não podia ser pronunciado pelos mencionados 26 crimes de corrupção activa); 3ª – E, se é ou não inconstitucional a Lei de Autorização nº 49/91 de 3/8 e, bem assim, o DL nº 390/91 de 10/10 (caso em que, concluindo-se pela sua inconstitucionalidade, o arguido/recorrente não podia ser pronunciado pelos mencionados 21 crimes de corrupção desportiva activa, tendo em atenção os respectivos factos que ali – no despacho de pronúncia – lhe são imputados). Passemos então a apreciar as questões (todas elas com incidências de foro constitucional) colocadas no recurso aqui em apreço. 1ª Questão Verificar se ocorre ou não a arguida nulidade das escutas telefónicas, efectuadas no decurso do inquérito, em relação ao arguido/recorrente B……….. . Alega o recorrente que: “As escutas efectuadas são nulas, porque: - têm origem num despacho judicial nulo, pois: - não concretiza nem descreve qualquer indício probatório; - não concretiza nem especifica qualquer facto relativo ao crime que diz mostrar-se indiciado; - não descreve nem especifica qualquer facto/razão que permita concluir que as escutas se revelam de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova ou que justifique não se poder alcançar o escopo pretendido através de outros meios de prova menos ofensivos da liberdade e privacidade do arguido; e - não fixa nenhum prazo para duração das escutas”. E, sobre a falta de fundamentação do despacho decisório de fls. 98 e 99 que, do seu ponto de vista, integra o vício da nulidade das escutas telefónicas em questão, acrescenta no texto da sua motivação: “O despacho de fls 98, proferido no dia 25 de Março de 2003, autoriza que se proceda à “intercepção e gravação de conversações telefónicas efectuadas pelo suspeito B……….” apenas com o seguinte fundamento: “porque se mostra indiciada a prática pelo mesmo de um crime de corrupção activa p. e p. pelo artº 374º, nº 1, do Código Penal, a que corresponde uma pena de prisão de 6 meses a 5 anos”. A flagrante ausência neste despacho de qualquer facto concreto que consubstancie o crime de corrupção activa do artº 374º, nº 1, CP que se afirma estar indiciado e, bem assim, a completa omissão dos indícios concretos que sustenta a suspeita da respectiva prática, associados ao silêncio sepulcral sobre as razões que justificam a opção por este meio gravíssimo de invasão da privacidade e do direito à palavra falada, tornam o despacho absolutamente nulo. Em geral, porque ofende o disposto nos arts 97º, 4, CPP, e 205º, 1, CRP; em especial, porque viola o normativo contido na parte final do nº 1 do artº 187º. Este conjunto normativo não pode ser interpretado como dispensando o Juiz de Instrução de concretizar através de factos os elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas, os factos concretos que condensam os indícios da prática de tal crime e, bem assim, os factos e as razões, diferentes da mera natureza do crime ou da simples moldura penal aplicável, que justificam a opção por este meio de recolha de prova. Interpretado nesse sentido, como aconteceu no caso vertente, esse conjunto normativo é inconstitucional, por ofensa do disposto, entre outros, nos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. A.1.2. O douto despacho recorrido considera, além do mais, que essa falta de fundamentação, a existir, configura mera irregularidade que, por não ter sido invocada no prazo legal de três dias estabelecido pelo artº 123º, estaria sanada. Mas não tem razão, nem quanto à qualificação do vício, nem quanto à sua hipotética sanação. (…) A.1.2.2. Sem prejuízo do que fica exposto, sempre terá de dizer-se, quanto à hipotética sanação do vício, que, mesmo a prevalecer a sua qualificação minimalista como simples irregularidade - de todo imprópria nesta matéria -, ela teria sido invocada no prazo legal pelo Arguido C………. e que essa invocação aproveita, como parece apodíctico, a todos os Arguidos, maxime ao Recorrente. A.1.2.3. Ainda que assim não fosse, sempre seria certo que, do ponto de vista substancial, não existiam, à data do despacho quaisquer indícios probatórios (fosse de que natureza fosse) da prática pelo Arguido do crime de que foi considerado suspeito - corrupção activa do artº 374º, nº 1, do Código Penal. Quando muito, mas sem conceder, existiriam indícios (umas declarações prestados por um Arguido num outro processo e cuja certidão deu origem aos presentes autos) de que, dois anos antes, o Arguido poderia estar incurso na prática dum crime de corrupção activa desportiva. Neste contexto, é absurdo e indefensável, autorizar escutas telefónicas. E nem se diga, em contrário, que, mais tarde, no decorrer da investigação, vieram a ser apurados indícios da prática pelo Arguido de crimes de corrupção activa do Código Penal e de corrupção activa desportiva. (…)” Pois bem. Não obstante o Sr. Juiz de Instrução Criminal, que proferiu a decisão instrutória, praticamente ter esgotado todas as considerações teóricas que se podiam fazer sobre este tema das escutas telefónicas (face às questões suscitadas pelo recorrente e outros arguidos nos respectivos requerimentos de abertura de instrução), vamos de seguida alinhar só algumas considerações sobre essa matéria (apesar de, na sua maior parte, não passarem de uma repetição do que já foi dito), até para melhor se perceber o raciocínio que iremos desenvolver. Claro que, a entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29/8 (que alterou o CPP, v.g. em matéria de escutas telefónicas), não prejudica (nos termos do art. 5 nº 1 do CPP) “a validade dos actos realizados na vigência da lei anterior”: ou seja, a análise que iremos efectuar, sobre as questões suscitadas pelo recorrente em matéria de escutas telefónicas, terá em atenção as disposições legais pertinentes, que então seriam aplicáveis, portanto, na versão anterior a 15/9/2007. Sobre a admissibilidade das escutas telefónicas, dispunha o nº 1 do art. 187 do CPP (na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007): 1. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes: a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos; (…) se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Ou seja, a admissibilidade das escutas telefónicas dependia, por um lado, de o crime a investigar ser um dos elencados no nº 1 do art. 187 do CPP e, por outro, de haver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (obviamente que se impõe a pendência de um inquérito já instaurado, e, portanto, uma investigação criminal em curso ou pelo menos que “tenha havido uma queixa ou participação criminal”[2]). Como ensina Costa Andrade[3], as escutas telefónicas (sendo um dos «métodos ocultos de intervenção e de investigação» para fazer face «a uma fenomenologia criminal» cada vez mais sofisticada, que vai gozando «de uma imunidade privilegiada à devassa das instâncias formais de controlo»), enquanto meio de obtenção de prova, sobressaem por serem eficazes «do ponto de vista da perseguição penal» (visando garantir o ius puniendi do Estado), embora impliquem uma manifesta e drástica danosidade social» (destacando-se a «lesão irreparável do direito à palavra falada»), razão pela qual a lei impõe determinados pressupostos materiais e formais, exigindo do juiz uma “ponderação vinculada” dos interesses em jogo («por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo; e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal»). Daí que, este meio de obtenção de prova assume um carácter excepcional, devendo reger-se pelos critérios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade (art. 18 nº 2 da CRP). É que a verdade que se visa alcançar no processo penal, não sendo um valor absoluto, só pode ser procurada através de meios justos, não podendo ser investigada a qualquer preço, mormente quando esse preço é o sacrifício dos direitos das pessoas. E, «a protecção e garantia dos direitos fundamentais não tutelam apenas o seu titular mas a própria credibilidade, reputação e imagem do Estado de Direito.»[4] Por isso, “a proibição de prova é uma barreira colocada à determinação dos factos que constituem objecto do processo”, isto é, trata-se de um limite à descoberta da verdade[5]. As escutas telefónicas têm de ser ordenadas por despacho do Juiz (arts. 187 nº 1 e 269 nº 1-c) do CPP, na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007). Aponta Costa Andrade[6] quatro pressupostos materiais essenciais para a admissibilidade das escutas telefónicas (na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007), pressupostos esses que aqui indicaremos de forma resumida: 1º “As escutas telefónicas hão-de estar preordenadas à perseguição dos chamados crimes do catálogo” (“enumeração taxativa e fechada”[7] expressa no art. 187 nº 1 do CPP, onde se procura positivar o «juízo de proporcionalidade» também contido no art. 18 da CRP); 2º Exige-se “uma forma relativamente qualificada de suspeita da prática do crime” (ver a referência a «razões» do art. 187 nº 1 CPP), suspeita que terá “de atingir um determinado nível de concretização a partir de dados do acontecer exterior ou da vida psíquica”; 3º “Estão subordinadas ao princípio de subsidiariedade, no sentido de, em princípio não haver outro meio eficaz, menos gravoso, para alcançar o resultado probatório em vista, devendo ficar demonstrado que a escuta «reveste grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», ou seja, a escuta telefónica há-de revelar-se “como um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado” (portanto, há que demonstrar que a escuta telefónica a autorizar é essencial e idónea para a descoberta da factualidade em investigação, criando-se a convicção de que através dela serão alcançados resultados fecundos e substanciais); 4º As escutas telefónicas deverão ser limitadas “a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas”. Assim, a decisão judicial que se pronunciar sobre o pedido de intercepção telefónica, teria que verificar se estavam preenchidos os referidos pressupostos materiais. Precisamente para assegurar “a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica” a lei exige, na fase do inquérito, a intervenção de um juiz (entidade imparcial e independente, que não tem funções investigatórias, mas antes intervém para garantir direitos e liberdades das pessoas, portanto, tem uma função de conteúdo meramente garantística), o qual irá garantir que as restrições dos direito fundamentais se limitarão “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º nºs 2 e 3 da CRP)”[8]. Para garantir tal desiderato, a intervenção jurisdicional é “dupla”[9]: na primeira fase, o juiz verifica se estão preenchidos os requisitos do citado art. 187 do CPP e, em caso afirmativo, autoriza a intercepção telefónica; na segunda fase, o juiz acompanha (de forma próxima e continuada) a execução da operação (art. 188 do CPP, também na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007) e controla as provas adquiridas por esse meio de obtenção de prova[10]. De notar que as intercepções telefónicas não são meios de prova mas antes meios de obtenção de prova (isto é, meio de aquisição de prova). Ou seja, enquanto meio de obtenção de prova, visa recolher prova (meios de prova). Nessa medida compreende-se, também, que o juízo prévio de ponderação dos interesses em conflito se baseie na existência de suspeitas bastantes que justifiquem a utilidade e necessidade da intercepção telefónica, suspeitas essas que não equivalem à existência de “fortes indícios” (antes é, através da intercepção telefónica, que se vai tentar recolher indícios dos factos que, por outra via, não são ou dificilmente seriam alcançáveis). Com efeito, quando o art. 187 n.º 1 do CPP (na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007) condiciona a autorização das escutas telefónicas ao requisito “se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, há que ter em atenção o momento em que é pedida a intercepção telefónica, pois que, ocorrendo tal pedido na fase inicial do processo de investigação, não se pode fazer corresponder à existência de suspeitas “um grau de exigência equiparável aos fortes indícios”[11]. A admissibilidade das escutas telefónicas “implica que seja proferido um juízo valorativo sobre o que está em causa no processo, exigindo-se por isso ao juiz um conhecimento mínimo do seu objecto”[12]. Questão diferente, que se prende com o segundo momento da intervenção jurisdicional, é a das intercepções telefónicas decorrerem pela forma legal, v.g. com observância do disposto no art. 188 do CPP (na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007). Quanto à fundamentação da decisão judicial, como diz André Lamas Leite[13], “a sua maior ou menor densidade depende da fase das diligências investigatórias em que a escuta for ordenada, devendo o magistrado indicar, do modo mais completo possível, os dados que se visa recolher e a medida da sua relevância para a noticia criminis, ilustrando sempre de forma concreta o raciocínio que desenvolveu no sentido de considerar cumpridos os requisitos legais”. E isso mesmo decorre, ainda, do art. 97 nº 4 do CPP (na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007, hoje correspondente ao nº 5 do mesmo artigo) que dispõe: Os actos decisórios são sempre fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Mas, o vício da falta ou insuficiência de fundamentação do despacho decisório distinto da sentença (cf. art. 97 nº 1 do CPP) não está incluído no regime das nulidades em processo criminal, ao contrário do que pretende o recorrente. Com efeito, “vigorando em processo penal, nesta matéria, o princípio da tipicidade ou da legalidade, desde logo afirmado no artigo 118º nº 1 do CPP ("a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei"), não consta daquele regime que a falta ou deficiência de fundamentação constitua vício gerador de nulidade insanável (artigo 119º) ou de nulidade dependente de arguição (artigo 120º), ficando elas, deste modo, relegadas para o plano das irregularidades nos termos dos artigos 118º nº 2 e 123º do CPP”[14]. A falta absoluta ou insuficiência de fundamentação de um despacho decisório, constitui apenas mera irregularidade, sanável se não for impugnada atempadamente pelo respectivo interessado, na 1ª instância, nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP. É que, a Constituição não impõe que à falta ou insuficiência da fundamentação corresponda a nulidade do acto decisório, razão pela qual a norma do artigo 123º nº 1 do CPP “não viola o artigo 205º nº 1 da CRP, nem qualquer outra que assegure os direitos de defesa do arguido”. Caso a irregularidade processual em questão não seja arguida (reclamada) tempestivamente pelo respectivo interessado (isto é, pelo próprio interessado na invalidade do acto), considera-se sanada (cf. também art. 123 nº 1 do CPP)[15]. E, não há qualquer inconstitucionalidade, por violação do disposto nos arts. 32 nº 1 e nº 8 da CRP, na interpretação das normas conjugadas dos arts. 118, 120 nº 3-c) e 123 nº 1 do CPP, no sentido de impor ao interessado, na sua arguição, o prazo de 3 dias a contar da notificação da acusação para arguir irregularidade cometida na fase do inquérito, quando nem sequer a exiguidade desse prazo é invocada pelo respectivo interessado que quer invocar tal vício[16]. A inconstitucionalidade do referido prazo[17] só excepcionalmente pode ser atendida, desde que afecte, de forma intolerável, as garantias de defesa do arguido (art. 32 nº 1 da CRP), o que apenas pode suceder em peculiares circunstâncias, como é o caso de alguns processos de especial complexidade em que não é fácil a imediata identificação pela defesa de certas irregularidades (olhando, portanto, também, para a natureza da específica irregularidade que se pretende invocar), revelando-se aquele prazo de 3 dias (aludido no art. 123 nº 1 do CPP) objectivamente exíguo[18] - o que deverá ser dado a conhecer atempadamente pelo interessado no processo respectivo - incumbindo então ao tribunal decidir e determinar qual o prazo adequado para essa arguição (prazo esse que pode não ser o indicado no art. 120 nº 3-c) do CPP, tudo dependendo das circunstâncias do caso concreto, atenta a especial complexidade do processo e da irregularidade que se pretende invocar). De qualquer forma, essa questão (da exiguidade do prazo de 3 dias para arguir a irregularidade decorrente da falta ou insuficiente fundamentação dos despachos que admitiram as escutas telefónicas em relação ao recorrente – sendo certo que a natureza dessa irregularidade era de “fácil e imediata identificação”, apesar de inserida em processo que se tornou de especial complexidade, desde logo, pelo seu volume crescente) também não foi suscitada pelo recorrente. Não se pode, também, esquecer que, é a própria Constituição, que no seu art. 34 nº 4, autoriza a restrição legal, em matéria de processo criminal (daí os arts. 187 e 188 do CPP), mesmo quando está em causa “a inviolabilidade dos meios de comunicação privada”[19]. Ou seja, não se pode considerar violado o disposto no art. 32 nº 8 da CRP (nulidade das provas obtidas e não dos meios de obtenção de prova), quando as escutas telefónicas, seguem o regime previsto no CPP. Além disso, também, não se pode confundir o vício da falta ou insuficiente fundamentação de despacho decisório que admite as escutas telefónicas, com o vício da nulidade previsto no art. 189 do CPP (na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007) que estabelece: Todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187 e 188 são estabelecidos sob pena de nulidade. Também, o vício (irregularidade) da falta ou insuficiente fundamentação de despacho decisório que admite as escutas telefónicas é diferente e, por isso, não obedece ao regime do vício (da nulidade de prova, que acarreta a consequência de não poder ser a mesma utilizada no processo) decorrente de as escutas telefónicas serem feitas sem despacho judicial que as autorize (art. 126 nº 3 do CPP, na versão anterior à cit. Lei nº 48/2007 e art. 32 nº 8 da CRP). Importa, agora, transcrever aqui o teor da promoção do MºPº de 21/3/2003 (fls. 95 dos autos de inquérito) e, o teor da decisão judicial, de 25/3/2003, que sobre ela se pronunciou (fls. 97 a 99 dos autos de inquérito). A promoção (fls. 95) é do seguinte teor: “Nos presentes autos investiga-se a prática, por B………., de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo art. 374.º/1 do Cód. Penal Revisto, a que cabe uma pena de prisão de 6 meses a 5 anos. Como resulta dos autos (fls. 4 a 8 e 11 a 13), o suspeito é Presidente da Direcção do “F……….”, G………., do Campeonato Nacional de Futebol, e praticará junto dos árbitros que exercem funções naquele campeonato actos destinados a alterar o resultado das competições desportivas em que é interveniente o clube de cuja direcção é presidente. Para o efeito, o suspeito utiliza vários contactos com diversos indivíduos, sobretudo dirigentes desportivos e árbitros de futebol, o que faz, nomeadamente, com recurso ao telefone móvel com o n.º ………, da operadora H………., e ao telefone fixo da sua residência com o n.º ……… da I………. . Tendo em conta esta particular forma de actuação do arguido, a complexidade da investigação que lhe é inerente, e ponderando a moldura penal e a natureza do crime em causa é admissível e imprescindível para a descoberta da verdade material e prova dos factos em investigação o acesso às conversações telefónicas mantidas pelo suspeito. Por outro lado, e para o mesmo efeito, é necessário o registo de voz e imagem, por qualquer meio, de eventuais encontros que o suspeito venha a manter no sentido de levar a cabo a actividade criminosa. Assim, remeta os autos à Meritíssima Juiz de Instrução Criminal com a promoção de que: 1º) Nos termos do art. 187/1-a), 188 e 190 do Código de Processo Penal, ordene a intercepção e gravação das conversações efectuadas de e para o telemóvel com o nº ………, a identificação e intercepção do IMEI e cartões nele utilizados, a identificação das células activadas aquando de chamadas recebidas e efectuadas e a obtenção da respectiva facturação detalhada, com registo de trace-back; 2º) Nos termos das mesmas disposições legais, ordene a intercepção e gravação das conversações efectuadas de e para o telefone da rede fixa com o nº ………; 3º) Nos termos dos arts. 1/1-d) e 3), 6/1, 2 e 3 da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro, art. 1/1-a) da Lei nº 36/94 de 29 de Setembro e art. 188 do Código de Processo Penal, ordene o registo de voz e imagem, por qualquer meio, de eventuais encontros que o suspeito venha a manter no sentido de levar a cabo a actividade criminosa; tudo por um período não inferior a 30 (trinta) dias.” O teor despacho judicial (fls. 98 e 99) em crise é o seguinte: “No que toca à antecedente promoção na parte em que requer a intercepção e gravação de conversações telefónicas efectuadas pelo suspeito B………., porque se mostra indiciada a prática pelo mesmo de um crime de corrupção activa previsto e punido pelo art. 374/1 do Código Penal, a que corresponde uma pena de prisão de 6 meses a 5 anos, ao abrigo do disposto nos arts. 187/1 a) e 188 do Código de Processo Penal, autorizam-se as mesmas (1ª) e 2ª) da promoção). No que diz respeito aos restantes elementos pretendidos relativos às comunicações telefónicas em referência, constituindo “dados de tráfego”, estão a coberto do sigilo profissional das Telecomunicações, nos termos do disposto nos arts. 17º/2 da L. 91/97, de 1/8 e 5º da L. 69/98, de 28/10. De harmonia com o que foi doutamente expendido no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República nº 21/00, de 16 de Junho, com o qual concordamos, tais dados estarão sujeitos ao mesmo regime legal previsto para a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, previsto no art. 187 do Código de Processo Penal. Assim e porque em causa está a investigação de crime a que corresponde pena de prisão superior a 3 anos, ao abrigo do disposto sob o art. 187/1,a) do Código de Processo Penal, autorizo também a revelação dos elementos aludidos na antecedente promoção sob os números 1º) e 2º). * Autorizo ainda os registo de voz e imagem nos termos requeridos sob o número 3º), em conformidade com o disposto nos arts. 1º/1,d) e 3, 6º/1,2 e 3 da L. 5/2002, de 11/1, 1º/1,a) da L. 36/94, de 29/9 e art. 188º do Código de Processo Penal.* D.N..*” Interpretando o teor deste despacho decisório em crise (acima transcrito), verifica-se que o mesmo, na sua fundamentação, ainda que exígua, remete implicitamente para o teor da promoção do Ministério Público (referindo, depois, até expressamente, “porque se mostra indiciada a prática pelo mesmo de um crime de corrupção activa previsto e punido pelo art. 374/1 do Código Penal,”), acabando por concluir estarem preenchidos os pressupostos previstos “nos arts. 187/1 a) e 188 do Código de Processo Penal”, razão pela qual autorizou, além do mais, as promovidas (nos pontos 1 e 2) intercepções e gravações das conversações efectuadas de e para o telemóvel com o nº ……… e de e para o telefone da rede fixa com o nº ………, ambos utilizados pelo recorrente.Esta interpretação é lógica e clara uma vez que, o inquérito (cuja direcção cabe exclusivamente ao Ministério Público – art. 263 do CPP) apenas foi concluso à Srª. Juiz de Instrução Criminal para ela se pronunciar sobre aquela promoção (o juiz de instrução só exerce funções jurisdicionais em inquérito – art. 17 CPP na versão anterior à actual[20]). Obviamente que para se pronunciar (e poder proferir a decisão pessoal em questão), a Sr. Juiz de Instrução Criminal teve de ponderar o teor da promoção do Ministério Público, titular do inquérito (promoção essa que provocou a intervenção jurisdicional e delimitou o seu âmbito da intervenção – v.g. art. 269 nº 1-c) do CPP na versão anterior à actual), os elementos existentes nos autos, nomeadamente, os indicados expressamente naquela promoção de fls. 95. E, não estando em causa (nem o próprio recorrente coloca essa questão) que aquela decisão de autorização de intercepções e gravações das conversações efectuadas de e para aqueles telemóvel e telefone da rede fixa (utilizados pelo então suspeito B……….), se tratou de uma decisão pessoal do JIC, como “garante das liberdades”, embora se possa discordar dessa forma de fundamentação, a verdade é que, ainda assim, a mesma não ofende o “dever constitucional de fundamentação” (art. 205 nº 1 da CRP).[21] Aliás, sobre esta matéria, diz-se na decisão instrutória, a propósito da promoção do MºPº e da decisão judicial supra transcritas[22]: “Esta promoção do Ministério Público é feita na sequência de uma informação do órgão de polícia criminal e segue as sugestões por este efectuadas quanto à estratégia investigatória a desenvolver, sendo certo que o referido órgão de polícia criminal já vinha investigando os factos em apreço. Do conjunto da informação prestada pelo órgão de polícia criminal e da promoção lavrada pelo Digno Procurador Adjunto do Ministério Público resulta claro que em causa nos autos estava a prática de factos susceptíveis de configurarem um dos chamados “crimes do catálogo” (e isto quer se tratasse(m) de crime(s) de corrupção activa, previsto e punido pelo art. 374º, n.º 1 do Código Penal, quer se tratasse(m) de crime(s) de corrupção desportiva, previsto e punido pelos arts. 2º, 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro), atenta a moldura penal abstractamente prevista. Por seu lado, o despacho judicial que autorizou em primeiro lugar a realização das escutas telefónicas em questão, apesar de não o afirmar expressa e claramente, não só ponderou a relevância e o interesse da diligência em causa para a descoberta da verdade, como também procedeu a uma análise dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prolação. É o que resulta claramente da expressa referência à antecedente promoção. Ora, retomando aqui a ideia supra vertida de que o despacho judicial a autorizar as escutas tem que ser perspectivado e analisado no contexto processual em que é proferido, não podendo ser visto desgarrado e descontextualizado, como autêntico epifenómeno, mas sim como a resposta ao requerimento do Ministério Público, que por sua vez veicula o ponto de vista policial, e tendo presente o que acabo de deixar dito, dúvidas não se me suscitam quanto à improcedência do primeiro dos argumentos aduzidos pelos arguidos. Dito de outra maneira, da prova antecedentemente produzida resultava claramente que o arguido B………. utilizava o(s) telefone(s) para contactar dirigentes desportivos (C………., cfr. fls. 12 dos autos) e árbitros de futebol (J………., cfr. fls. 7). Resultava ainda (pelo menos de forma implícita e com suficiente credibilidade e probabilidade) que a sua actuação iria continuar no futuro para além da data em que os factos relatados nas declarações de J………. tinham ocorrido. É o que ressalta do facto de que logo quando o arguido B………. pediu para que o arguido J………. fosse nomeado para o jogo K………., que iria ter lugar no dia 8/04/2001, pediu também que para o jogo subsequente a esse fosse nomeado o árbitro L………. (cfr. fls. 12).[23] A facilidade com que B………. conseguiu via telefone, necessariamente com um dirigente da arbitragem, árbitros para os dois jogos seguintes do F………. (J………. e L……….), e tendo em conta que tal suspeito continuava a ser Presidente da Comissão Administrativa do F………. e que tal Clube de Futebol continuava a militar na ………., tal como em 2001, fazia legitimamente pressupor e concluir que havia, não meras suspeitas, não também fortes indícios, mas seguramente fortes razões[24] para crer que cerca de dois anos depois a actividade criminosa em causa continuasse, e que se poderia provar também uma particular forma de actuação a esse nível do arguido B………., que servisse ainda de facto circunstancial para confirmar os factos relativos a Abril de 2001. Daí que mesmo em 25 de Março de 2003, ou seja 1 ano e quase 12 meses após a ocorrência dos factos contidos nas declarações do arguido J………., houvesse razões para crer que havia grande interesse para a descoberta da verdade material e para a prova na intercepção e gravação de conversações telefónicas, tanto mais que essa era a forma pela qual o arguido B………. actuava, como claramente resultava das declarações de J………. . Acresce a tudo isto, aliás como resulta do que acabo de deixar escrito, que a actuação criminosa em investigação revelava-se reiterada, isto é, o suspeito (agora arguido) B………. continuava a ser Presidente da Comissão Administrativa do F………., este Clube de Futebol continuava a militar na ………., tal como em 2001, e quando aquele telefonou para que J………. fosse nomeado para o jogo K………., que iria ter lugar no dia 8/04/2001, desde logo pediu que para o jogo subsequente a esse fosse nomeado o árbitro L………. (cfr. declarações de J………. a fls. 12), pelo que havia desde logo a forte suspeita de continuação de futuros crimes de igual natureza. E o recurso às escutas telefónicas teve como objectivo, nem mais nem menos, comprovar, através da obtenção de meios de prova, aquelas fortes suspeitas (o que pelo menos na opinião do Ministério Público veio mesmo a acontecer; daí a dedução da acusação agora em comprovação judicial). Quero com isto dizer que o recurso às escutas telefónicas, para além de devidamente ponderado, visou obter a necessária prova para confirmar a actividade criminosa que tudo indicava manter-se em execução e permitir terminar com a mesma. E isso só seria possível escutando conversações presentes ou futuras, e nunca passadas (argumento jurídico que, aliás, tenho dificuldade em perceber). (…) No caso em apreço temos que na promoção de fls. 95 (acto processual imediatamente anterior ao despacho em causa) se remete para a prova de onde resultava a verificação dos requisitos exigidos pelo art. 178º, n.º 1 do CPP (fls. 4 a 8 e 11 a 13). O despacho agora em questão, por seu lado, teve em conta, ainda que tacitamente, o que foi dito na mencionada promoção em termos de fundamentação do pedido [“No que toca à antecedente promoção…” (…) “1.º) e (2.º) da promoção)”]. (…) Haverá, com certeza, neste despacho um pressupor de uma realidade processual pré-existente, uma remissão não expressa mas pressuposta. E o processo penal não proíbe este modo de procedimento, em homenagem ao princípio da economia processual, com várias manifestações (v.g. arts. 307º, n.º 1 “in fine” e art. 425º, n.º 5 do Código Processo Penal; cfr. ainda neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/99 D.R. II série, de 17 de Setembro de 2000). (…) Resta por fim acrescentar que a entender-se em sentido contrário, isto é, que o despacho em questão não estaria fundamentado de facto e de direito, sempre tal circunstancialismo não consubstanciaria uma qualquer nulidade do referido acto processual, mas apenas uma mera irregularidade (como já tive oportunidade de referir atrás). Na verdade, repito, no nosso sistema processual penal a falta de fundamentação de um despacho não gera a sua nulidade, mas antes a mera irregularidade (art. 118º do CPP) – cfr., por todos, o já citado Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/11/2004, processo n.º 7166/2004-3, in www.dgsi.pt. Esta irregularidade, como se sabe, teria que ser arguida nos termos e nos prazos estabelecidos no art. 123º do CPP, sob pena de se ter a mesma por sanada. Ora, conforme resulta claro dos autos nenhum dos interessados arguiu no prazo legalmente prescrito uma tal eventual irregularidade. Assim sendo, e a existir, tem a mesma que se considerar sanada (até inclusive pelo teor dos despachos que se seguiram ao despacho agora em questão e que confirmaram os requisitos exigidos pelo art. 187º, n.º 1 do CPP). (…)” Atenta a natureza do crime em análise (independentemente da qualificação jurídico-penal então efectuada, sempre crime que, em abstracto era punido com pena de prisão, superior, no seu máximo a 3 anos), a diligência de autorização de escutas telefónicas, nos termos em que foi promovida, tornava-se decisiva e imprescindível para a investigação, havendo razões objectivas e sérias para as autorizar (o interesse da eficácia da investigação do crime de corrupção activa previsto no art. 374 nº 1 do Código Penal que então se mostrava indiciado, era bem superior ao direito à privacidade e à palavra falada do então suspeito B………., face aos factos denunciados, que eram sustentados pelo teor diligências efectuadas, v.g. do depoimento da testemunha J………., não obstante este último ter sido prestado em 30/8/2001), por revelarem grande interesse para a descoberta da verdade e para a recolha de prova. E, claro, a promoção do MºPº de fls. 95 (acima transcrita) sustentava-se nas referidas diligências efectuadas pela própria PJ, documentadas nos autos de inquérito já iniciado. A decisão judicial em crise está alicerçada na promoção do Ministério Público e nos elementos constantes dos autos (não sendo ao tempo exigível que devesse repetir o que constava daquela promoção e dos elementos dos autos[25]), o que permitiu à Srª. Juiz de Instrução Criminal deferir ao promovido, por considerar verificados os requisitos que mencionou, previstos no art. 187 nº 1-a) do CPP. Efectivamente, o crime que o MºPº se propôs investigar com base nas pretendidas intercepções telefónicas, era o de corrupção activa previsto no art. 374 nº 1 do CP (um dos que cabiam no art. 187 nº1-a) do CPP) que então se indiciava, sendo o recurso à intercepção e gravação de conversas telefónicas, o meio imprescindível ao desenvolvimento da investigação, atento o tipo e natureza de crime em causa e carácter dos actos sujeitos a investigação (v.g. modus operandi). E, ainda que se viessem a indiciar, ao longo das investigações (sendo conhecimentos decorrentes da própria investigação, por estarem com ela relacionados), crimes de corrupção desportiva activa (cf. despacho decisório citado pelo recorrente, de fls. 505 a 513, constante da certidão deste processo a fls. 5735 a 5743), também da responsabilidade do recorrente (independentemente da questão suscitada da eventual inconstitucionalidade do DL nº 390/91 de 10/10), como, aliás, veio a ser pronunciado, os conhecimentos obtidos através das escutas telefónicas, uma vez que respeitavam a crimes (previstos no art. 4 nº 2 do citado DL nº 390/91, tal como acabou por ser pronunciado) incluídos no catálogo do art. 187 nº 1-a) do CPP (na versão anterior à actual), eram válidos e lícitos, sendo admissível a valoração das provas dessa forma obtidas. Além disso, como também se esclarece na resposta a recurso, apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância: “(…) estávamos perante uma actuação que desde logo se revelava reiterada (o suspeito B………. continuava a ser Presidente da Comissão Administrativa do F………., este Clube de Futebol continuava a militar na ………., tal como em 2001, e quando aquele telefonou para que J………. fosse nomeado para o jogo K………., que iria ter lugar no dia 8/04/2001, desde logo pediu que, para o jogo subsequente a esse, fosse nomeado o árbitro L………. - cfr. declarações de J………. a fls. 12) pelo que havia desde logo notícia de continuação de futuros crimes de igual natureza, pelas razões acima apontadas. Daí que o Ministério Público estivesse legitimado a investigar, não só o crime relativo a Abril de 2001, mas também os futuros crimes em curso, já que se tratavam de crimes públicos – cfr. arts. 48.º e 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. (…) Ou seja, admitir que as escutas telefónicas se destinavam apenas a obter prova directa de factos passados, nunca tal meio de obtenção de prova poderia ser utilizado, por impossibilidade natural, ou só seria utilizado relativamente a crimes permanentes e mesmo em relação a estes, apenas relativamente aos factos futuros que os integrassem. No entanto, tal meio de obtenção de prova pode ser utilizado, indirectamente para provar factos passados, ou seja, as conversas futuras podem servir como meio de prova circunstancial dos factos passados (nomeadamente provando uma particular forma de actuação dos suspeitos que se repete uniformemente no futuro)[26], e também servem como meio de obtenção de prova directa dos factos futuros. (…) Por outro lado, tendo em conta a particular forma de actuação do suspeito B………. (uso do telefone para conseguir nomeações de árbitros a pedido para depois actuar sobre eles para beneficiarem o F……….), apenas a intercepção telefónica era meio adequado a provar os factos criminosos.” Assim, podemos concluir que, no despacho judicial de fls. 98 e 99 foi ponderada a necessidade das intercepções telefónicas, ainda que, em parte, por remissão implícita para o teor da promoção do Ministério Público e elementos probatórios que a sustentavam. Estavam, pois, reunidos os requisitos e condições legalmente exigíveis para serem autorizadas judicialmente as escutas telefónicas em questão, que requeriam cuidados especiais, sob pena de se inviabilizar a investigação. Portanto, ainda que de forma muito resumida e pouco modelar, a decisão judicial em crise mostra-se minimamente fundamentada, não havendo qualquer violação do disposto nos invocados arts. 97 nº 4, 187 e 189 do CPP, 18 nº 2, 32 nº 8 e 205 nº 1 da CRP[27]. Ainda que assim não fosse (hipótese que também se coloca, por se poder, ainda assim, sustentar que não haviam sido revelados todos os motivos que levaram o juiz a proferir esse despacho decisório que, no entanto, não se pode confundir com o grau de exigência imposto quando está em causa a fundamentação de uma sentença), como acima já se referiu, estaríamos apenas perante uma irregularidade prevista no art. 123 nº 1 do CPP que, todavia, se mostrava sanada, por não ter sido arguida em tempo pelo recorrente (interessado na invalidade desse despacho judicial que autorizava escutas telefónicas a telefones[28] por si utilizados). Alega, também o recorrente (mas sem conceder) que, mesmo numa tese minimalista, que considerasse que estávamos em presença de uma irregularidade, o certo é que a mesma havia sido invocada no prazo legal, pelo arguido C………. e, como tal, também lhe aproveitava. Porém (independentemente da questão da irregularidade invocada por um arguido poder ou não aproveitar aos demais), podemos aqui acompanhar também o Ministério Público, na 1ª instância, quando na respectiva resposta ao recurso, refere: “Com efeito, o arguido C………. em lado nenhum invocou a nulidade ou sequer a irregularidade do despacho inicial. Tal arguido foi notificado da acusação em 13/03/2006 (cfr. fls. 18549), o seu advogado já o havia sido em por carta registada enviada em 23/02/2006 (cfr. fls. 18279) e enviou em correio registado em 16/03/2006 (cfr. fls. 18701), um requerimento que deu entrada em 17/03/2006 (cfr. fls. 18673 a 18700), em que invocou algumas nulidades relacionadas com as formalidades das operações, nos termos do art. 188.º do Código de Processo Penal, e a irregularidade dos autos de gravação, mas nunca a nulidade do despacho inicial. Em tal requerimento foram atempadamente invocadas as irregularidades que dele constam, mas não a irregularidade que o arguido B………. pretendia ter sido invocada. Nem sequer no seu recurso o arguido C………. faz referência ao despacho inicial de autorização da intercepção telefónica aos telefones do arguido B………. .” E, isso mesmo resulta da leitura do dito requerimento constante de fls. 1559 a 1586 da certidão que constitui este processo de recurso. Conclusão: não tendo sido arguida, em tempo, a referida irregularidade do despacho decisório de fls. 98 e 99 (a entender-se que enfermava de deficiente fundamentação), a mesma encontra-se sanada, como bem se concluiu na decisão instrutória. E, embora o recorrente, neste aspecto da falta de fundamentação do despacho judicial que autorizou escutas a telefones por si utilizados, apenas se reporte em concreto ao despacho judicial de fls. 98 e 99, podemos acrescentar que o mesmo raciocínio que acima fizemos, vale, com as devidas adaptações, quanto aos despachos judiciais que autorizaram as escutas telefónicas em relação aos telemóveis com os nºs ……… e nº ………, utilizados também pelo recorrente. Quanto à questão suscitada pelo recorrente, da falta de fixação de prazo para duração dessas escutas telefónicas autorizadas, é certo que, nomeadamente, na decisão de fls. 98 e 99, nada se diz a esse respeito e a lei (art. 187 do CPP então vigente), na altura, também não impunha a indicação desse prazo, embora fosse prática corrente (fazer constar esse prazo na decisão judicial respectiva), até como forma de melhor controlar as escutas telefónicas que fossem efectuadas pelos OPC, autorizadas judicialmente. Mas, também é certo, que estando a Srª. Juiz de Instrução Criminal (JIC) limitada pela promoção que provocara a sua intervenção, uma vez que não fez constar do seu despacho qualquer prazo, também não podia ir além do prazo que lhe fora pedido nessa promoção, que era o mínimo de 30 (trinta) dias. De qualquer modo, nos ofícios, datados de 26/3/2003,que a Srª. JIC endereçou ao Director da I………. e à H………. - e que também foram recebidos pela Coordenadora de Investigação Criminal da Directoria do Porto da Polícia Judiciária, cujas cópias endereçou ao Chefe da Área do Departamento de Telecomunicações da Polícia Judiciária, em Lisboa - (fls. 5718 e 5721 da certidão que constituiu este processo), por si assinados, para colmatar aquele “lapso” (a entender-se como “lapso” a falta de indicação de prazo da autorização da intercepção e gravação das comunicações efectuadas de e para os identificados telefones, da rede fixa e móvel, concedida no despacho decisório de fls. 98 e 99, não obstante a lei a não impor), fez constar que era autorizada “a intercepção e gravação das conversações …, pelo período de 30 dias”. Ou seja, pelo facto de não ter sido fixado no despacho de fls. 98 e 99, o prazo de duração da autorização judicial concedida (que então não era legalmente exigido, como acima se referiu), não ocorre qualquer nulidade ou inconstitucionalidade (v.g. violação dos invocados arts. 187 nº 1 do CPP, 18 nº 2 e 32 nº 8 da CRP), tanto mais que a mesma foi colmatada através dos referidos ofícios acima mencionados, assinados pela Srª. JIC, que mencionaram o dito prazo de 30 dias (era, portanto, esse o prazo que tinha de ser atendido). Mas, fixando ou não prazo de duração da autorização judicial concedida, o juiz que autorizou as escutas, pode sempre, em qualquer altura, contactar o OPC que está encarregado de as efectuar e exigir que lhe sejam remetidos os respectivos suportes técnicos ou deslocar-se às instalações do OPC e fazer em directo o respectivo controlo do conteúdo das conversações que vão sendo gravadas (através do computador terminal que está ligado em rede ao sistema central, com sede em Lisboa). A questão fulcral nesse aspecto, é que as escutas telefónicas sejam controladas (de forma efectiva, contínua e próximo-temporal) pelo juiz, enquanto forem autorizadas (isto é, enquanto as mesmas continuarem e se prolongarem com autorização judicial, por subsistirem os requisitos e pressupostos que justificavam a sua admissibilidade, naquele juízo de ponderação vinculada que a juiz de instrução foi efectuando em cada momento que autorizou a prorrogação das ditas escutas). Como é evidente, uma vez que não partilhamos o ponto de vista do recorrente (no sentido de existir nulidade do “despacho matricial de fls. 98”, que afectaria todos os demais despachos subsequentes, por força do disposto no art. 122 nº 1 do CPP), não podemos concluir, como o mesmo faz, que “nenhuma escuta foi autorizada a partir do primeiro despacho” e que, o vício do primeiro despacho contamina todos os restantes, por se basearem “nos resultados obtidos nas escutas anteriormente efectuadas”. É que, pelos motivos já acima expostos, entendemos que não é caso de aplicar o disposto no invocado art. 122 nº 1 do CPP. Agora, quanto à questão suscitada de não terem sido respeitadas “as exigências legais e constitucionais da imediação, acompanhamento e controlo pela autoridade judicial”, daquelas escutas telefónicas, efectuadas em relação ao recorrente, também podemos, desde já, adiantar, que não lhe assiste razão. A este propósito, alega o recorrente: “Ademais e como se disse, não foram observadas nem respeitadas algumas das formalidades essenciais a que tem de obedecer a execução das escutas. Por um lado, de nenhum dos inúmeros autos de intercepção e gravação lavrados no processo constam “a identidade da pessoa que procedeu à intercepção |...| e o circunstancionalismo de tempo, modo e lugar da intercepção e da gravação”. Foi preterido, assim e desde logo, o disposto no artº 99º, nº 3, a). Tendo em consideração que a intercepção e gravação de conversações telefónicas representa um acto que afecta, sem sombra de dúvida, liberdades fundamentais das pessoas, de acordo com o disposto no artº 94º, nº 6, “é obrigatória a menção do dia, mês e ano da prática do acto, bem como |...| da hora da sua ocorrência, com referência ao momento do respectivo início e conclusão” e “o lugar da prática do acto deve ser mencionado”. Nada disso se verifica no caso presente, pelo que foi cometida uma nulidade (artº 189º) que afecta todas as escutas. A.3.2. Por outro lado, não foi lavrado nenhum auto de audição das gravações pelo Mmo Juiz de Instrução, para documentar, da única forma aceitável, tendo em consideração a natureza dos direitos fundamentais em causa, a prática do acto e as circunstâncias, sobretudo de tempo, em que foi praticado. A obrigatoriedade desse auto decorre, entre outros, dos arts 94º, nº 6, 95º, nº 1, e 99º, nº 1. A interpretação do conjunto normativo formado pelos arts 94º, nº 6, 95º, nº 1, 99º, nºs 1 e 3, a), que considere tais preceitos inaplicáveis ao domínio da recolha de prova por escutas telefónicas é inconstitucional, por ofensa dos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP. A.4. Falta de acompanhamento das escutas Todos estes atropelos das normas que regulam a utilização deste meio de recolha de prova reflectem, afinal, a falta de acompanhamento e controlo das escutas pelo Juiz de Instrução Criminal, falta que se manifesta também: - na prorrogação pelo JIC da autorização de escutas sem que previamente tenha procedido à audição das gravações das escutas anteriores e mesmo sem que tenha tido acesso aos suportes magnéticos destas, ou sequer sem que tenha procedido à leitura dos respectivos autos de selecção, que não lhe tinham sido entregues nem estavam elaborados; - nos enormes e, a todos os títulos, inadmissíveis períodos de tempo que decorreram entre a apresentação ao Juiz do suporte magnético das gravações, acompanhado da selecção dos elementos que a Polícia Judiciária considera relevantes, e a respectiva audição. Diga-se, num breve parêntesis, que a justificação avançada no douto despacho recorrido, em abono daquele procedimento de renovar autorizações sem a audição prévia das escutas precedentes - as primitivas sessões constituíam razões para acreditar no interesse da manutenção das escutas - não tem a mínima consistência e, afinal, reforça a ideia - agora expressamente assumida - de que o acompanhamento das escutas pelo JIC não tem de ser actual e permanente, o que contraria, a todos os títulos os padrões legais a observar nesta matéria. - nos enormes lapsos de tempo verificados entre a data em que é feita e documentada aquela selecção e a entrega ao Juiz dos autos de gravação e dos suportes magnéticos das gravações. A entidade que lavrava os autos de intercepção e gravação, nos quais seleccionava logo as sessões consideradas com interesse, retinha sistematicamente esses elementos na sua posse, só os apresentando ao JIC muitos dias depois de os recolher. Ora, nesta hipótese não tem o mínimo cabimento invocar quaisquer dificuldades de tempo ou de meios materiais ou humanos para justificar o atraso[29]: ouvidas as gravações e seleccionadas as conversas com interesse, nada explica nem justifica que os respectivos elementos não sejam levados imediatamente ao Juiz. O advérbio de modo contido no artº 188º, nº 1, não permite aqui interpretações restritivas ou tergiversantes: neste caso, imediatamente é mesmo imediatamente. A este respeito e a propósito dos quadros elaborados a fls 22.922 e segs dos autos, importa salientar que os cálculos neles espelhados se encontram claramente viciados, na medida em que os prazos são aí contados a partir da entrega ao JIC das gravações das escutas e não a partir a realização destas ou, quando menos, da elaboração dos autos de selecção das conversas com interesse pela Polícia Judiciária. É óbvio que aquele advérbio mediatamente ficaria sem qualquer conteúdo útil se reportado ao momento da entrega das gravações e não ao momento da sua realização. Pela lógica do douto despacho em crise, a imposição legal da imediata entrega do auto ao JIC estaria satisfeita se este ouvisse imediatamente as gravações, ainda que tivessem decorrido meses ou anos entre a intercepção das conversas e a entrega do auto ao JIC. A interpretação deste preceito que admita a prorrogação das escutas sem prévia audição das anteriores e a ocorrência de grandes lapsos de tempo, da ordem de vários dias, por um lado entre as escutas efectuadas, sua selecção e entrega ao Juiz dos respectivos autos e suportes magnéticos, e, por outro lado, entre a elaboração do auto de intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos considerados com interesse e a sua apresentação ao Juiz e audição por este, é inconstitucional, por ofensa das disposições conjugadas dos arts 32º, nº 8, 43º, nºs 1 e 4, e 18º, nº 2, CRP.” Perante esta motivação do recorrente, importa, antes de mais, atentar no teor do art. 188 (formalidades das operações) do CPP, na versão anterior à actual: 1. Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova. 2. O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. 3. Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento. 4. Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 101.º, n.os 2 e 3.º 5. O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.º 3 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos. Ou seja, as formalidades das operações das escutas telefónicas, eram então as seguintes[30]: - “Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas e similares deve ser sempre lavrado auto” (art. 188 nº 1 CPP); - O auto, juntamente com os registos das gravações, deve ser «imediatamente» levado ao conhecimento do juiz (isto porque pressupõe o acompanhamento efectivo, contínuo e próximo-temporal da operação pelo juiz e, assim, permite o controlo efectivo e a garantia do mínimo de restrições dos direitos fundamentais em jogo); - Os OPC “podem, mesmo antes de remeter o auto ao JIC, tomar previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar actos cautelares, necessários e urgentes para assegurar os meios de prova” (art. 188 nº 2 CPP), - “O juiz, por despacho, ordena a transcrição e a junção ao processo dos elementos relevantes e a destruição dos irrelevantes, incluindo a desmagnetização das cassetes ou bandas magnéticas (art. 188 nº 3 CPP); o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por OPC, podendo nomear, se necessário, intérprete (art. 188 nº 4 CPP); - “A transcrição do conteúdo da gravação deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação telefónica ou similar interceptada” que a autoridade considera de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova do crime; - “Os participantes nas operações de intercepção, gravação, transcrição e eliminação dos elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de sigilo, quanto ao que tomarem conhecimento” (arts. 188 nº 3, 86 e 101 CPP); - “O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar o referido auto, a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e objectos de aquisição processual com os registos de som respectivo e, desses elementos constantes dos autos, podem obter cópias (art. 188 nº 5 CPP)”; - À transcrição aplica-se o disposto no art. 101 nº 2 e 3 do CPP, com as devidas adaptações: o que significa que, depois, a entidade que “presidiu ao acto” tem de certificar que o auto de transcrição está em conformidade com o conteúdo da gravação, antes de o assinar[31] (sendo prática corrente que, depois, esses autos de transcrição ficam apensos ao processo principal). No que respeita a autos, temos, assim, dois tipos: um é o previsto no referido art. 188 nº 1 do CPP (auto de intercepção e gravação) e o outro o indicado no nº 3 do mesmo preceito (o chamado auto de transcrição). A disposição legal em questão não exige a realização de “auto de início da intercepção de comunicações”[32], nem tão pouco, de “auto de audição do Juiz” que atestasse que este ouvira as gravações enviadas pelo OPC[33] e, portanto, formalmente confirmasse o acompanhamento das escutas que autorizara. No entanto, a PJ lavrou “autos de início da intercepção de comunicações”, os quais, no que respeita ao recorrente (datados respectivamente de 27/3/2003, 4/4/2003[34] e 14/4/2003) constam de fls. 108, 109 e 134 (correspondentes a fls. 313, 314 e 317 da certidão deste processo de recurso, relativos aos telefones nº …….., nº …….. - cujas escutas foram autorizadas por despacho judicial de fls. 98 e 99, datado de 25/3/2003 – e nº ……… - cuja escuta foi autorizada por despacho judicial de fls. 123, datado de 10/4/2003). O mesmo se passou relativamente ao “auto de início da intercepção de comunicações”, datado de 16/10/2003 (fls. 1401 da certidão deste processo), quanto ao 3º telemóvel do recorrente, com o nº ……… (cuja escuta foi autorizada judicialmente por despacho judicial datado de 15/10/2003 – fls. 5810 a 5818 da certidão deste processo). Tratava-se de uma prática seguida pela PJ, de todo o interesse, na medida em que dessa forma se tornava mais fácil ao juiz que autorizava a escuta telefónica, controlar a mesma e ver que a sua autorização não era usada de forma abusiva ou conforme interesses alheios à investigação (v.g. juízos de oportunidade por parte do OPC). Nesses autos (cada um deles relativo ao respectivo nº telefone aí identificado), consta quer a identificação do inspector da PJ que iniciou as respectivas intercepções das comunicações, bem como, a referência à data (de início) e local onde se procedia a tal intercepção de comunicações (obviamente o local onde iriam ser feitas as gravações das respectivas conversações telefónicas interceptadas, enquanto não fossem “canceladas”), a referência ao despacho judicial que as autorizava, bem como a indicação de que o “conteúdo das comunicações interceptadas” podia, a partir daquelas datas iniciais indicadas, “ser a todo o tempo verificado directamente pela Mª JIC, também através de cassetes áudio”. Conjugados esses autos (de início de intercepção), mais concretamente os dos telemóveis com os nº ……... e nº ………, com os autos de gravação que se seguiram em relação a cada um daqueles telefones “sob escuta”, é evidente que não sobram dúvidas quanto ao cumprimento das formalidades dos autos de intercepção e gravação, tendo em atenção, com as devidas adaptações, o disposto no art. 99 nº 3 do CPP. Mesmo nos autos de gravação respectivos[35], relativos a cada intercepção telefónica quanto ao recorrente (onde, além do mais que neles se menciona, é identificado o “alvo”, o nº de telefone correspondente, a pessoa que procedeu àquela gravação, o local, a data de elaboração do auto e, a menção de terem sido reproduzidas em CD todas as conversações telefónicas gravadas nas sessões que identificam por números) consta - consoante os casos - a referência de as conversações não terem interesse para a investigação (nuns casos) ou (noutros casos) a indicação daquelas sessões “consideradas como tendo eventual interesse para a investigação em curso”, referindo-se os dias respectivos a que respeitavam (ou seja, o OPC, consoante os casos, indicava as passagens das gravações consideradas relevantes ou então, quando não tinham interesse, também fazia essa menção – art. 188 nº 1 do CPP na versão então vigente)[36]. E, também, quando, por despacho judicial, foi ordenada a cessação daquelas escutas telefónicas ou terminou o período de prorrogação das ditas intercepções telefónicas (apesar da lei o não exigir expressamente), foram lavrados os respectivos autos de cessação (fls. 1481 da certidão deste processo, datado de 15/3/2004, fls. 1392 da certidão deste processo, datado de 28/5/2003 e, fls. 438 da certidão deste processo, datado de 5/5/2004, respeitantes respectivamente: o primeiro ao Alvo …... correspondente ao nº ……..; o segundo ao nº …….., sendo certo que a cessação dessa intercepção do telefone da rede fixa foi determinada por despacho judicial de 26/5/2003, como aí se menciona[37]; e, o terceiro, ao Alvo ….. correspondente ao nº ……… – sendo certo que a cessação desta intercepção telefónica foi determinada por despacho judicial de 5/5/2004[38]). O mesmo se passou com o telemóvel nº ……… (Alvo …..), cujo auto de cessação de intercepção de comunicações consta de fls. 1427 da certidão deste processo (na sequência do despacho judicial datado de 12/12/2003, que cessou essa intercepção – fls. 5830 a 5835 da certidão deste processo)[39]. Ou seja, quanto a esses aspectos formais dos autos de intercepção e gravações em questão, foram cumpridas as formalidades legais (sendo certo que o recorrente, quando afirma o contrário, também só o faz em termos abstractos, o que, só por si, é insuficiente para o efeito que pretende), razão pela qual não ocorre qualquer violação do disposto no art. 99 nº 3 do CPP e, muito menos (consequência que o recorrente pretende retirar de um abstracto incumprimento do disposto naquele art. 99 nº 3), a nulidade prevista no art. 189 do CPP. De resto, mesmo considerando o momento (datas) em que esses autos de intercepção e gravações foram apresentados ao juiz (por confronto com a data que deles consta) ou mesmo considerando o momento de realização de cada uma daquelas intercepções (vistas as datas dos despachos judiciais, quer de autorização daquelas escutas telefónicas, quer das respectivas prorrogações), não se pode concluir que tivessem de alguma forma afectado ou impossibilitado o contínuo (próximo e temporal) e efectivo acompanhamento judicial daquelas operações ou que, dessa forma, tivesse sido manipulada a autorização judicial concedida. Tão pouco deles resulta qualquer restrição intolerável dos direitos de privacidade e da palavra falada do recorrente. Esse cumprimento de formalidades legais estende-se, também, aos respectivos autos de transcrição das conversações[40], feitos de acordo com o que ia sendo decidido pela Srª. JIC, à medida que ia ouvindo as sessões gravadas nos CDs que eram entregues no tribunal, com os respectivos autos de gravação. Daí que se concorde com o Sr. JIC, que proferiu a decisão instrutória, quando afirma: “Não é pois por aqui que se pode afirmar ter perigado a exigência de acompanhamento judicial da operação, acompanhamento que em rigor assume decisiva relevância perante o auto referido no n.º 1 do art. 188º do CPP, revestindo-se o “auto de início de gravação” de uma função meramente instrumental, para controlo futuro do respeito dos prazos de duração máxima das intercepções.” Quanto à invocada falta de “auto de audição” das gravações pela Srª. JIC, também não tem razão, como acima já se referiu, uma vez que os mesmos não são exigidos legalmente (nem o disposto nos invocados arts. 94 nº 6, 95 nº 1 e 99 nº 1 e 3 do CPP, o impõe ou assim determina e, tão pouco, se pode considerar que, entendimento contrário, viola o disposto nos arts. 18 nº 2 e 32 nº 8 da CRP), razão pela qual não existem no processo. Para se ver se houve um “acompanhamento efectivo, contínuo e próximo-temporal” de escutas telefónicas autorizadas judicialmente, não é preciso lavrar “autos de audição” que atestem ter o juiz ouvido as conversações interceptadas gravadas[41]: basta atentar nos sucessivos despachos que a Srª. JIC foi proferindo, ao longo das investigações, de onde resulta, de modo inequívoco que, ia procedendo à audição dos CDs (relacionados com gravações de conversações não só do recorrente, como das demais conversações, resultantes das escutas telefónicas que autorizara a outros suspeitos e arguidos) que ia recebendo e, só depois de concretizar essa tarefa, é que seleccionava, por si (de modo autónomo e pessoal), aquelas sessões que depois ordenava (em despacho judicial) a respectiva transcrição. De resto, o conceito de “imediatamente” (inserido no art. 188 nº 1 do CPP na versão então vigente), assume, como diz Damião da Cunha[42], “uma dupla finalidade: «a) a de garantir que a inviolabilidade do sigilo das telecomunicações seja sempre de reserva de um juiz, cabendo-lhe auto-responsavelmente, não só decidir da legitimação do recurso às escutas telefónicas, como da “utilização” dos elementos recolhidos para efeitos de investigação criminal; b) e a de garantir que, face aos elementos recolhidos, este proceda a um autónomo juízo substancial quanto ao grande interessa para a descoberta da Verdade ou para a prova»”. Neste aspecto, recorde-se o que consta da decisão instrutória: “Apesar das dilações verificadas (…), parece-me ser permitido afirmar que nenhuma delas se evidencia de molde a concluir pela falta do constitucionalmente exigível acompanhamento judicial da operação. Antes pelo contrário. Da análise dos quadros que antecedem e do teor dos despachos judiciais em causa resulta claramente que houve um efectivo controlo das escutas pela Juíza de Instrução Criminal até para além do que a Lei prevê após a alteração operada pelo aludido Decreto-Lei n.º 320-C/2000. De referir ainda que os lapsos de tempo apontados pelos arguidos M………., B………., N………., entre outros, reportam-se não à apresentação do auto à Juíza de Instrução Criminal, mas apenas ao lapso de tempo que se interpõe entre a elaboração de alguns autos de gravação e a data do despacho da Meritíssima Juíza que determinou a transcrição das passagens relevantes para a prova relativas a esses autos, o que é bem diferente e não se relaciona com o advérbio “imediatamente” referido no art. 188.º do Código de Processo Penal.[43] Tais lapsos de tempo, ao contrário do que referem os arguidos, evidenciam de forma perfeitamente clara o cuidado que a Juíza de Instrução Criminal teve em ouvir todas as gravações e não apenas as passagens indicadas, sem que perdesse de vista, em algum momento, as prioridades da investigação, como resulta de vários despachos lavrados onde se procurava responder às prioridades indicadas pelos investigadores na aquisição da prova para o prosseguimento da investigação. É o que claramente resulta da análise dos autos e dos diversos despachos proferidos pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal. Por exemplo, por despacho de 20 de Fevereiro de 2004 (fls. 1172) a Meritíssima Juíza pronunciou-se no sentido de “oportunamente e uma vez escutados os correspondentes registos e verificadas as respectivas transcrições nos pronunciaremos acerca da promoção de fls. 1167 e seguintes”. Por despacho de 4 de Março de 2004 (fls. 1266) não se pronunciou sobre o ponto 1 da promoção de fls. 1168 e seguintes, escudando-se em que tal será oportunamente alvo de decisão uma vez escutados os correspondentes registos. Por despacho de fls. 1267, proferido em 8 de Março de 2004, a Meritíssima Juíza salientou o facto de permanecer ainda por apreciar o ponto 1 da promoção de fls. 1168 e seguintes, e agora também o ponto 1 da antecedente promoção (fls. 1263 e seguintes), alegando que oportunamente serão alvo de decisão uma vez escutados os respectivos registos. De igual modo, por despacho de 1 de Abril de 2004 (fls. 1648) a Meritíssima Juíza referiu “ser neste momento, inviável, atendendo ao enorme volume de serviço decorrente do elevado número de arguidos detidos presentes para primeiro interrogatório judicial e demais serviço de despacho em processo nas 3 comarcas a que a subscritora se encontra afecta, pronunciarmo-nos sobre a antecedente promoção, pois que para o efeito necessitamos de tempo disponível para a integral audição de todos os compact discs relativos às conversações telefónicas interceptadas. Assim, e por ora, limitar-nos-emos a proferir despacho sobre a promovida prorrogação dos prazos para algumas das intercepções telefónicas em curso”. Ainda por despacho de fls. 4269, proferido em 5 de Maio de 2004, a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal referiu o seguinte: “No que respeita ao promovido sob os pontos 2 e 3, relega-se para ulterior momento a sua apreciação uma vez que para o efeito temos de despender tempo incompatível com a urgência da prolação dos despachos que antecedem, com vista a escutar registos magnéticos e certificar transcrições que são naturalmente de grande volume”. Resulta de tudo isto que foi constante por parte da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal o acompanhamento, escuta e selecção das sessões telefónicas que deveriam ser transcritas. E este constante acompanhamento verifica-se desde o início das intercepções, uma vez que lhe foi dado imediato conhecimento do início da operação, directamente pela Polícia Judiciária, com o envio do respectivo auto de início de intercepção. Para além de tudo isto, a Meritíssima Juíza em várias situações não mandou transcrever a totalidade das conversas das sessões seleccionadas, mas apenas parte, delimitando-as ao minuto e segundo de cada sessão. Demonstra isto que não foi o critério de selecção do órgão de polícia criminal – Polícia Judiciária – que prevaleceu nas transcrições, mas o judicial. E se dúvidas houvessem quanto a esse aspecto em concreto vejam-se, a título de exemplo, os despachos de fls. 820 [ponto III – 1.g)], 841 a 846 [ponto II – 1.p), q), s) e dd)], 1110 a 1113 [ponto II – 1.d)], 1172 e 1173 [ponto I – 1.d), e), i) e j)] e 4815 a 4820 [ponto II – 1.o)]. Nestes despachos a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal vai para além ou fica aquém do sugerido pelo órgão de polícia criminal e promovido pelo Ministério Público, mandando transcrever sessões cuja transcrição não havia sido sugerida, não ordena a transcrição de outras, apesar de tal ter sido sugerido e promovido, por entender que não têm qualquer interesse para a investigação em curso ou por estarem repetidas. Finalmente, e se mesmo assim sobejassem algumas dúvidas sobre quem foi o autor da selecção das sessões a transcrever, na concretização do juízo de ponderação entre a pretensão punitiva do Estado e os direitos fundamentais dos cidadãos, atente-se entre outros, no despacho de fls. 505 a 511. Temos assim que todas as exigências legalmente previstas no art. 188º, n.º 1 do CPP se mostram cumpridas no processo e se evidenciam quer nos autos de intercepção e gravação formalizados, quer nos despachos exarados, quer nas informações prestadas por escrito pela Polícia Judiciária, quer finalmente no próprio teor dos ofícios da operadora telefónica a dar notícia do início e fim de cada intercepção.” E, como também recorda o Ministério Público, na 1ª instância, na resposta ao recurso: “Tendo em conta tal alteração legislativa, e a exigência de imediatividade que agora se coloca, teremos de fazer uma leitura global do processo, onde há ponderar a enorme dimensão do mesmo, o número de pessoas alvo de intercepções telefónicas, a enorme quantidade de sessões telefónicas apresentadas de cada vez (que ocupavam sempre a Juiz de Instrução vários dias na sua audição), a necessidade de constantemente ter de certificar transcrições anteriormente ordenadas, bem como o número de detenções e interrogatórios judiciais efectuados em 20 de Abril de 2004 que ocuparam a Juiz de Instrução quatro dias. (…) Tal demora não pode, como é bom de ver, ser imputada à Polícia Judiciária (a qual remeteu as intercepções que efectuavam sempre em lapsos de tempos adequados, ou seja, consoante os casos, no início entre 2 a 7 dias, depois entre 10 a 20 dias, em alguns casos mais ou menos 30 dias, tendo em conta o enorme volume de sessões e alvos então estavam a ser interceptados), nem traduz qualquer indício de falta de controlo judicial no exercício de competência que lhe está atribuída como lhe pretende imputar o arguido. Os lapsos de tempo apontados pelo arguido B………. reportam-se, não à apresentação do auto à Juiz de Instrução Criminal, mas apenas ao lapso de tempo que se interpõe entre a elaboração de alguns autos de gravação e a data do despacho da Juiz de Instrução Criminal que determinou a transcrição das passagens relevantes para a prova relativas a esses autos, o que é bem diferente e não se relaciona com o advérbio “imediatamente” referido no art. 188.º do Código de Processo Penal.[44] Ora, tais lapsos de tempo, ao contrário do que refere o arguido, evidenciam de forma perfeitamente clara o cuidado que a Juiz de Instrução Criminal teve em ouvir todas as gravações e não apenas as passagens indicadas, sem que perdesse de vista, em algum momento, as prioridades da investigação, como resulta, de vários despachos lavrados, onde se procurava responder às prioridades indicadas pelos investigadores na aquisição da prova para o prosseguimento da investigação. (…) O tempo que demorou entre a elaboração dos autos de gravação, com indicação das sessões relevantes, e a sua apresentação à Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, cumprindo a exigência contida no advérbio “imediatamente” foi nestes autos o tempo adequado - respeitando a concordância prática entre as necessidades da investigação e a compressão dos direitos dos visados - se tivermos em conta o elevado número de Alvos (telefones) interceptados, a enorme quantidade de conversações de cada Alvo, a necessidade de elaboração de relatórios parcelares relativos a cada apresentação de autos de gravação e dos respectivos CDs gravados por forma a facilitar à M.ma JIC a tarefa de selecção das passagens relevantes (que é afinal o que se pretende com 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e a necessidade de a M.ma JIC ter tempo razoável para entretanto certificar as inúmeras sessões que já haviam sido seleccionadas por despachos seus anteriores e transcritas.” De facto, basta ler com atenção os diversos despachos proferidos pela Srª. JIC (ver inclusive datas em que foram proferidos), na sequência das promoções do MºPº e, bem assim, o teor das transcrições que foram efectuadas, por ordem daquela Magistrada[45], considerando o número de pessoas alvo de intercepções telefónicas, para se poder concluir que, foi adequado e apenas o estritamente necessário, o tempo que mediou entre a realização (em tempo real) das intercepções e gravações das comunicações telefónicas respeitantes ao recorrente, a elaboração dos respectivos autos de intercepção e gravação e a sua entrega no tribunal (incluindo respectivos CDs), bem como entre aqueles autos e as decisões judiciais que ordenaram as transcrições que constam do processo. Aliás, é patente que a Srª. JIC não se limitou a ouvir as sessões das gravações das conversações telefónicas que o OPC apontava como sendo aquelas com eventual interesse e relevo para a prova, o que também mostra que a mesma não abdicou do seu papel de, efectivamente, acompanhar judicialmente, passo a passo, a execução daquela operação e de emitir o seu juízo pessoal e autónomo sobre a relevância dos elementos recolhidos, cuja transcrição ordenou (juízo esse que, sempre podia ser contraditado pelo recorrente – pessoa escutada – desde logo a partir do momento em que lhe fora facultado o exame das transcrições). Acresce que, o facto de a Srª. JIC não ter fixado um prazo, um período temporal máximo de tempo de gravação (fazendo constar do despacho que, v.g. desde que as gravações realizadas atinjam x horas ou quando não atinjam tal tempo de gravação, no período máximo de y dias deverão ser presentes, ou desde logo, quando no interesse imediato para a diligência de prova assim se justifique), para serem apresentados os respectivos elementos (autos de gravação e CDs) pela Polícia Judiciária, apenas pode ser entendido[46] (aliás, de acordo, também, com o salientado pelo MºPº, na resposta ao recurso) como “uma maior flexibilidade por parte dos investigadores na escolha do momento para apresentar os elementos para transcrição à supervisão judicial, dentro do período autorizado de intercepções, sem que, todavia, a autoridade judiciária ficasse inibida de a qualquer momento, tendo em vista a própria natureza da matéria sob investigação e as necessidades decorrentes da mesma, determinar aquela apresentação.” Não se pode, por isso, afirmar (nem sequer de modo conclusivo), como o faz o recorrente (que, ao longo do texto da motivações vai fazendo considerações genéricas, não especificando em concreto, salvo raras excepções, quais os particulares autos e decisões judiciais que enfermam dos vícios que aponta de modo abstracto, v.g., não indicando em que situações é que teria ocorrido a falta de acompanhamento e controlo das escutas que lhe foram feitas[47]), que o OPC “retinha sistematicamente esses elementos na sua posse”, em violação do disposto no art. 188 nº 1 do CPP então vigente (na tese do recorrente, não os levava imediatamente após a sua realização e gravação no CD ao juiz). Aliás, nem havia qualquer interesse da PJ em efectuar qualquer retenção dos autos de gravação e dos respectivos CDs uma vez que, desde que as escutas se iniciaram, a qualquer momento, o juiz que as autorizara, poderia verificar a sua gravação e, portanto, o conteúdo das comunicações interceptadas, em directo (deslocando-se às instalações onde está instalado o computador terminal) ou podia mesmo, em qualquer altura, solicitar cassetes áudio ou CDs. De qualquer forma, o facto de a Srª. JIC não ter fixado prazo para a apresentação dos autos de gravação das conversações telefónicas, não significa descontrolo judicial sobre as escutas telefónicas que haviam sido autorizadas (aliás, como decorre dos elementos constantes deste processo de recurso, os autos de intercepção e gravação foram sendo apresentados à Srª. JIC, no máximo e, apenas em casos pontuais, à volta de 30 dias, mas sempre dentro dos prazos de autorização das escutas telefónicas, atentas as prorrogações que foram sendo concedidas pelos respectivos despachos judiciais). Também, a Srª. JIC não fixou prazos para a elaboração dos autos de transcrição e, todavia, apesar das dimensões do processo (e nº de escutas telefónicas que estavam a decorrer), os mesmos foram sendo realizados em tempo razoável, sempre antes do termo do inquérito (não tendo a data em que as transcrições foram feitas interferido no direito de defesa do recorrente ou limitado o seu direito de as examinar e, tão pouco, restringido o “direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada”). Aliás, o próprio arguido que exercer o direito que lhe assiste, concedido pelo art. 188 nº 5 do CPP, na versão então vigente, tem “a possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entender que as mesmas assumem relevância própria quer por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens anteriormente seleccionadas”[48]. O que também significa que, não é vedado ao juiz de instrução, por sua iniciativa ou a requerimento, vir, mais tarde, a ordenar a transcrição de conversações telefónicas gravadas, que anteriormente havia considerado irrelevantes. Tudo isto mostra a irrelevância do tempo que levou a elaborar, quer os autos de gravação das intercepções telefónicas, quer os autos de transcrição que constam dos autos (estes últimos, na sequência das decisões da Srª. JIC, durante a fase do inquérito, antes de ser proferida a acusação pública). Não existe, assim, qualquer nulidade por inobservância do formalismo estabelecido no art. 188 nº 1 a 3 do CPP, na versão então vigente e, assim, também não ocorre qualquer inconstitucionalidade (dado que não houve violação dos invocados arts. 32 nº 8, 43 nº 1 e 4[49] e 18 nº 2 da CRP). Acompanhamos, assim, a decisão instrutória quando, pelos motivos que vai indicando concretamente (para os quais remetemos), acaba por concluir que, neste processo, a Srª. JIC assegurou “um acompanhamento contínuo, próximo temporal e material da fonte”[50], tendo presente o princípio da proporcionalidade, garantindo sempre que a restrição dos direitos fundamentais afectados com as escutas telefónicas (concretamente quanto ao recorrente, que é o que aqui nos ocupa), se limitassem ao estritamente necessário tendo em vista, também, a “salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente”[51]. Quanto à invocada nulidade por prorrogação de prazos de intercepções telefónicas, sem que tivessem sido ouvidas as anteriores gravações, esqueceu o recorrente que, a Srª. JIC, não obstante ter algumas sessões anteriores por ouvir, já tinha, entretanto, ouvido outras gravações, designadamente de conversações telefónicas de outros suspeitos e arguidos (que também estavam a ser escutados, com autorização judicial da mesma magistrada), o que lhe permitia aperceber-se das interligações (uma vez que falavam uns com os outros) que existiam entre as várias pessoas escutadas e, desse modo, concluir que “havia razões para crer” que as prorrogações das escutas que estavam em curso (ou seja, a sua continuação), relativamente ao recorrente, se revelavam “de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova”. O raciocínio do recorrente (de haver despachos a renovar e prorrogar a autorização de escutas sem audição prévia das anteriores) só fazia sentido se, no caso, ele fosse a única pessoa que estivesse a ser escutada (o que não foi claramente o caso dos autos). Aliás, basta ler os volumes relativos às diversas transcrições das conversações consideradas relevantes (conferindo as datas em que essas conversas tiveram lugar, mormente antes dos despachos que autorizaram as ditas prorrogações) para se perceber que essas prorrogações não foram arbitrárias ou caprichosas. E, repare-se que a Srª. JIC ia ouvindo os CDs com as gravações das conversações interceptadas, mesmo antes de seleccionar e indicar (nos despachos judiciais que ia proferindo) aquelas que eram relevantes para a prova (e que, depois, em tempo adequado e, até compatível com o volume de gravações das conversações telefónicas interceptadas que tinha para ouvir, mandava transcrever). Como é evidente, não foi no momento em que ordenou as transcrições (na data dos respectivos despachos) que a Srª. JIC procedeu à sua audição: essa audição vinha sendo analisada desde que recebia os CDs com as gravações das conversações telefónicas interceptadas (juntamente com os respectivos “autos de gravação”) até à altura em que concluía a selecção das passagens relevantes para a prova (passados dias, desde que recebera os CDs, como era de esperar, sob pena de não ser credível – e até se poder questionar - que, de facto, os tivesse ouvido). Aliás, isso mesmo foi exarado em alguns dos despachos da Srª. JIC, como acima já se salientou. E, não se esqueça que o juiz, quando indica os elementos recolhidos que considera relevantes (e que, portanto, devem ser transcritos) – art. 188 nº 3 do CPP na versão então vigente – faz a selecção, guiando-se pela imparcialidade, objectividade, independência, estando aberto as todas as posições e soluções (portanto, quer considerando o ponto de vista de acusação, quer o ponto de vista da defesa), tendo em atenção os princípios da liberdade, da igualdade, da proporcionalidade e do respeito pela personalidade individual (pois só assim cumpre o seu papel de garante dos direitos e liberdades dos cidadãos, enquanto entidade distinta, imparcial e independente da acusação), tendo presente que as finalidades do processo penal são a descoberta da verdade material, a realização da justiça, bem como alcançar a paz jurídica (o que tem de ser feito, v.g. com respeito pela dignidade humana e com o asseguramento de todas as garantias de defesa). Como lembra o Ministério Público, na resposta ao recurso: “a reiteração de condutas sempre foi confirmada nas sessões telefónicas escutadas que já tinha ouvido e de que tinha determinado a transcrição e, tendo em conta que os campeonatos de futebol, em que os escutados intervinham, se prolongavam por toda a época desportiva, bem como a particular forma de actuação dos visados, continuava a haver fortes razões para crer que tais condutas se prolongavam pelo menos até ao fim de tais campeonatos de futebol, o que só iria ocorrer em Maio de 2004. E de facto sempre isso se confirmou ao longo das intercepções, o que confirma o acerto do juízo efectuado nas prorrogações.” Afirmações essas que também constam da decisão instrutória, chamando-se ainda à atenção: “Por outro lado, dos autos (das sessões efectivamente escutadas, que é certo não foram todas) resultava já aquando dos despachos de prorrogação que os utilizadores dos telefones sob intercepção falavam uns com os outros, quer entre telefones interceptados, quer através de telefones fixos ou móveis não interceptados, para telefones interceptados, pelo que ao ouvir as sessões telefónicas referentes a uns facilmente se concluía que havia fortíssimas razões para crer que a prorrogação das intercepções de uns e outros telefones era necessária para os efeitos a que alude a parte final do n.º 1 do art. 187º do CPP.” Por isso, podemos acompanhar, relativamente ao recorrente, a decisão instrutória quando afirma, a propósito das prorrogações das escutas: “Não foram assim, e também por isto, violadas as disposições legais constantes dos arts 187º e 188º do CPP, tal como não se verifica qualquer violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da CRP, uma vez que a quantidade de crimes a investigar e a comprovada reiteração das condutas criminosas dos intervenientes legitimava, de forma não desproporcional, a compressão do seu direito à palavra, à reserva da intimidade da vida privada, da correspondência e das telecomunicações – cfr. art. 34º da CRP.” Sustenta, ainda, o recorrente, no texto da sua motivação, a propósito da destruição de suportes magnéticos das escutas, o seguinte: “Ainda no que diz respeito às escutas telefónicas, terá de notar-se que o Juiz ordenou a destruição de vários suportes magnéticos de conversações interceptadas e gravadas, que ele considerou sem interesse, por indicação da PJ. Essa ordem foi executada sem que ao Arguido tivesse sido dada a possibilidade de conferir a utilidade para a sua defesa dos elementos destruídos, ficando, assim, a constar dos autos apenas a selecção de conversas efectuadas pela Acusação e sancionada pelo Juiz. Essa destruição implica nulidade de prova, por força da inconstitucionalidade da segunda parte do nº 3 do artº 188º, que ofende os mencionados arts 32º, nº 8, 43º, nºs 1 e 4, e 18º, nº 2, CRP. Disso mesmo acabou, afinal, por dar-se conta o Mmo Juiz de Instrução ao suspender, numa fase muito avançada do inquérito e quando os danos eram já irreparáveis, idênticas ordens de destruição que proferira. E deve notar-se, a talho de foice, que a justificação invocada para suster a destruição - permitir uma releitura dos dados obtidos para a eventual transcrição de elementos que venham, com o decurso do tempo e o desenvolvimento da investigação, a revelar-se de interesse - não é aceitável. A não destruição das gravações só pode louvar-se na necessidade de assegurar ao Arguido uma defesa eficaz e justa; nunca na criação de meios que permitam à Acusação guardar as provas numa espécie de limbo, para ver no que param as coisas, o que contraria o princípio da indispensabilidade das escutas, que tem de ser indiscutível.” Mais uma vez o recorrente, aponta vícios de forma genérica, sem indicar, em concreto, em que medida é que essas poucas (e quais) destruições de suportes magnéticos que ocorreram, prejudicaram ou de algum modo afectaram de forma desproporcionada o seu direito de defesa. Nem sequer indica no recurso, por exemplo, se houve (concretizando-as) conversações transcritas (consideradas relevantes para a prova) que teriam ficado descontextualizadas em virtude daquela destruição dos elementos recolhidos considerados irrelevantes ou se houve (concretizando-as) conversações transcritas que podiam ter um sentido diverso daquele que lhes foi atribuído pela acusação. E, tão pouco sustenta, no recurso, que tivesse ficado impossibilitado de reconstituir (por outros meios de prova, v.g. através de prova testemunhal, facturação detalhada)[52] aquelas “conversas gravadas”, consideradas irrelevantes, que haviam sido destruídas sem o seu conhecimento prévio. Claro que todos conhecemos o teor, v.g. dos Acórdãos do TC nº 660/2006 (DR II Série de 10/1/2007), nº 450/2007 (DR II Série de 24/10/2007) e nº 451/2007 (acessível no site do Tribunal Constitucional), bem como os respectivos votos de vencido. As decisões do Tribunal Constitucional referidas (pertencendo as duas últimas à mesma secção) que obtiveram vencimento defendem que a destruição do conteúdo de comunicações interceptadas e gravadas, consideradas irrelevantes, ordenada por decisão do juiz de instrução, sem prévio conhecimento do arguido, “constitui, por si só, uma compressão inaceitável e desnecessária das garantias de defesa e que é particularmente notória na comparação da sua posição com a da acusação.” Assenta essa posição em vários pressupostos que importa assegurar em processo penal, desde o da “igualdade de armas entre a acusação e a defesa”, o “direito a um processo equitativo”, a “efectiva garantia de todos os direitos de defesa do arguido”, o “princípio do contraditório”, não deixando, contudo, de aceitar que, em determinados casos, “a destruição parcial dos registos magnéticos das escutas telefónicas pode, todavia, justificar-se para assegurar os valores e interesses constitucionalmente consagrados atinentes à reserva da intimidade da vida privada do próprio arguido ou de terceiros”[53]. Quanto à solução contrária (a adiantada nos votos de vencido, tendo presente que a posição de Fernanda Palma – que, tal como Benjamim Rodrigues, votou vencida, no Ac. do TC nº 660/2006 - foi reproduzida na decisão instrutória e na resposta ao recurso apresentada pelo MºPº), adiante-se que, Carlos Alberto Fernandes Cadilha (acompanhado também por Vítor Gomes, ambos vencidos, nesse aspecto, nos Acórdãos do TC nº 451/2007 e nº 452/2007), sustenta que o disposto no art. 188 nº 5 do CPP, na versão então vigente, deve ser interpretado de acordo com o seu nº 3, no sentido de a consulta não abranger “os elementos não transcritos” (“pela linear razão de que esses elementos, em ordem ao princípio da menor intervenção possível e da proporcionalidade, deverão ser destruídos, por determinação do juiz, como impõe o nº 3, por não terem qualquer interesse para o processo e não justificarem de per si qualquer reacção defensiva por parte de quem tenha sido objecto de escuta.”), que a destruição dos registos não representa “qualquer violação das garantias de defesa do arguido e especificamente do direito do contraditório a que se referem os nºs 1 e 5 do artigo 32 da Constituição da República”, acrescentando que, “o arguido não pode interferir na actividade de investigação, nem discutir, nessa fase, a relevância das diligências que tenham sido efectuadas ou a importância dos resultados probatórios alcançados”, sendo certo que “a não audição do arguido relativamente à relevância das provas recolhidas não agrava nem afecta especialmente a sua posição no processo”. Ora, não há dúvidas que, no caso destes autos, foi efectivamente ordenada a destruição de algumas conversações telefónicas gravadas, em relação a escutas telefónicas efectuadas ao recorrente, que a Srª. JIC, no seu juízo pessoal e autónomo, considerou irrelevantes e, nessa medida, foram as mesmas destruídas sem ter sido dada possibilidade ao arguido/recorrente de aceder ao seu conteúdo. Repare-se que, os mencionados Acórdãos do Tribunal Constitucional que consideraram inconstitucional aquela interpretação do art. 188 nº 3 do CPP (interpretação no sentido de ser permitida a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o OPC e o MºPº conheceram e que foram consideradas irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tivesse tomado conhecimento e sem que sobre a sua relevância se pudesse pronunciar), por violação do art. 32 nº 1 da CRP, tiveram em atenção o caso concreto (decisão recorrida e subjacente interpretação das normas ali aplicadas, no âmbito de processos de fiscalização concreta) que foi submetido a apreciação, não tendo força obrigatória geral. Mas, mesmo seguindo a tese mais garantística da inconstitucionalidade de tal procedimento (de a execução da ordem judicial de destruição de elementos considerados irrelevantes, sem conhecimento prévio do arguido, ser inconstitucional), ter-se-ia, ainda assim, de saber, neste caso concreto (uma vez que, em relação ao recorrente, só uma pequena parte daquelas conversações gravadas, consideradas irrelevantes, foi destruída), em que medida é que aquele material destruído eventualmente afectou, de forma desproporcionada, o direito de defesa do arguido/recorrente. Segundo consta da certidão deste processo[54] (fls. 5726 a 5731)[55], essas destruições respeitam apenas a algumas sessões gravadas, consideradas irrelevantes: umas eram relativas ao nº ……… (despachos judiciais de 10/4/2003[56] e de 23/4/2003[57]) e as outras relativas ao nº ……… (despachos judiciais de 23/4/2003[58] e de 11/6/2003[59]). E, como se verifica dos autos, do telefone da rede fixa nº ………, nada de relevante se apurou, razão pela qual foi ordenada a cessação dessa intercepção telefónica, por despacho judicial de 26/5/2003 (isto é, cerca de 2 meses depois de ter sido autorizada essa mesma escuta telefónica). Ou seja, quanto ao telefone da rede fixa, o material que foi destruído não tinha qualquer repercussão nas restantes escutas que foram efectuadas. O mesmo se diga em relação ao material destruído relativo ao telemóvel com o nº ……… . Repare-se que, sobre essa matéria, o recorrente nada diz em concreto (não obstante ter ao seu dispor os autos de desmagnetização, os de transcrição das conversações gravadas consideradas relevantes, bem como demais material gravado não destruído nem transcrito) e, tão pouco, como resulta destes autos (o que é confirmado na decisão instrutória e na resposta ao recurso), até à interposição do recurso, requereu a transcrição de outras passagens gravadas, mas não destruídas, nem apresentou qualquer argumento concreto, que evidenciasse que havia sido afectado no seu direito de defesa de forma desproporcionada, v.g. até questionando o próprio juízo de irrelevância formulado pelo juiz de instrução. Isto é, nada nos permite concluir que aquela destruição de material gravado (considerado irrelevante pela Srª. JIC), efectuada à revelia do recorrente, lhe tivesse afectado de forma desproporcionada o seu direito de defesa (v.g. não existindo quaisquer indícios que lhe tivessem causado os alegados, mas não concretizados, “danos irreparáveis”). Por isso, apenas podemos concluir que, a execução das ordens de destruição daquelas passagens gravadas, não transcritas e consideradas irrelevantes, ainda que efectuadas à revelia do arguido/recorrente, não afectam, de forma desproporcionada, os seus direitos de defesa. Daí que, tais decisões proferidas pela Srª. JIC, sem dar conhecimento ao recorrente do conteúdo do material (a ele respeitante) que mandou destruir, não afectem a restante prova recolhida através das mencionadas escutas telefónicas. De esclarecer que, face ao circunstancialismo concreto apontado, entendemos que a interpretação que aqui é feita do art. 188 nº 3 do CPP, na versão então vigente, não é inconstitucional (uma vez que não viola o disposto nos arts. 32 nº 1 e nº 8, 34 nº 1 a 4 e 18 nº 2 da CRP)[60]. Ainda que assim não fosse (mera hipótese de raciocínio que se coloca, mas sem prescindir da posição assumida), a única consequência de esta interpretação ser considerada inconstitucional era a de, aquelas concretas transcrições efectuadas relativas ao telemóvel nº ……… - concretamente as que foram aproveitadas dos dois CDs, cujas demais sessões foram destruídas (fls. 5726 e 5727) - não poderem ser valoradas em termos de prova (ou seja, não podiam ser utilizadas no processo aquelas transcrições que pelos mesmos despachos de 10/4/2003 e de 23/4/2003 haviam sido consideradas conversações gravadas relevantes). Outra questão que o recorrente coloca, é quanto ao período de duração das escutas telefónicas que considera excessivo. Para tanto, sustenta: “O primeiro despacho que autorizou escutas neste processo foi proferido no dia 25 de Março de 2003 - fls 98 -, iniciando-se a recolha de prova através desse meio no dia 27 de Março seguinte - fls 108 - e terminando no dia 5 de Maio de 2004 - fls 4.537. Ou seja, as escutas prolongaram-se por mais de treze meses. Duraram, portanto, muito mais do que o prazo máximo estabelecido no artº 276º para a duração do inquérito, sem que, entretanto, tenha sido produzido qualquer outro meio de prova relevante. A natureza excepcional deste meio de prova - tendo em consideração que “a restrição dum direito fundamental tem de limitar-se ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente” (princípio da proporcionalidade) - não é compatível com tão dilatado prazo para a duração das escutas. Sobretudo quando, como sucedeu neste caso, existe uma gigantesca desproporção entre o número de conversas interceptadas e o daqueles que foram consideradas com interesse, e quando, repetidas vezes, se reconhece que nem uma única sessão gravada se reveste de interesse para a investigação. Este quadro, já de si intolerável, ainda mais se agrava perante a constatação de que o órgão de polícia criminal a quem esteve cometida a investigação, o Ministério Público e o Juiz de Instrução Criminal não se entenderam sobre quais eram, afinal, os crimes concretos que tinham justificado as escutas - cfr., a este respeito, as promoções e despachos de fls 98, 436, 450, 451, 505 e 5q0. A interpretação do artº 187º que permita a autorização e manutenção das escutas telefónicas por um período de tempo superior ao da duração do prazo máximo do inquérito, demais a mais, sem a concorrência da produção de quaisquer outras provas relevantes, é inconstitucional, por violação do disposto nos arts 18º, nº 2, e 32º, nº 8, CRP.” Nesta matéria, repare-se que apenas estão em causa as escutas telefónicas relativas aos dois telemóveis com os nºs de telefone, acima identificados, da operadora H………., utilizados pelo recorrente. Por se concordar com a fundamentação da decisão instrutória, transcreve-se aqui a respectiva argumentação que se considera relevante: “Como é por demais sabido os prazos legalmente fixados para a duração do inquérito são meramente ordenadores, sob pena de impedirem a realização e o culminar de inúmeras investigações. É certo que no caso dos autos houve intercepções que se prolongaram para além do prazo máximo legalmente fixado para a duração do inquérito. Sucede porém que nem a lei impõe, pelo menos por agora, prazos máximos para a duração das intercepções telefónicas, nem tão pouco a complexidade dos autos permitia que se tivesse actuado de outra forma. Na verdade, para além do elevado número de suspeitos (e depois arguidos), também o número e a diversidade de crimes em investigação era de tal forma que não se compaginava com o respeito pelo aludido prazo legal. Veja-se que apesar de terem sido extraídas dos autos um elevado número de certidões (cerca de 80) para continuação da investigação ou despacho final a desenvolver ou a proferir noutras Comarcas, ainda assim são 27 os arguidos acusados nestes autos e inúmeros os crimes em apreço. A tudo isto acresce ainda o facto da actividade desenvolvida pelos arguidos se estender ao longo do tempo que duravam os campeonatos de futebol. Reduzir a possibilidade de utilizar o meio de obtenção da prova em apreço ao prazo máximo de duração do inquérito seria fazer com que a investigação ficasse coarctada do principal meio de obtenção da prova (uma vez que sempre seria física e humanamente impossível proceder à presente investigação naquele prazo legal) e imediatamente dotada ao insucesso.” E, adiante-se, mais o seguinte argumento, também relevante, utilizado na resposta ao recurso do MºPº na 1ª instância: “Acresce que a actividade dos arguidos em causa se estendia ao longo do tempo que duravam os campeonatos de futebol. Pelo que, coarctar a utilização de tal meio precioso de investigação, só porque se ultrapassara o prazo máximo de duração do inquérito (que não tem valor constitucional) seria impedir que a investigação fosse efectuada, e por isso, que o Ministério Público exercesse a acção penal, nos termos do princípio da legalidade e da consequente oficiosidade, tal como o impõe o art. 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.” Acresce que, a questão colocada pelo recorrente não faz sentido desde logo porque as escutas telefónicas ao arguido/recorrente aqui em questão sempre foram controladas, passo a passo, pela Srª. JIC que as autorizou. Aliás, se essa Magistrada tivesse considerado que não havia interesse na continuação daquelas escutas telefónicas (naquele juízo de ponderação vinculada - que foi efectuando em cada momento que autorizou a prorrogação das escutas - entre, por um lado, o interesse público da investigação criminal e, por outro, o direito à palavra falada e à privacidade do recorrente) que estavam a ser feitas ao recorrente, assim o teria dito, como o fez, relativamente ao telefone da rede fixa (que apenas esteve sob escuta desde a data em que foi autorizado - despacho proferido em 25/3/2003 - até à data em que foi ordenada a cessação dessa intercepção - despacho judicial de 26/5/2003) e como o fez relativamente ao telemóvel nº ……… (que apenas esteve sob escuta desde a data em que foi autorizado – despacho judicial de 15/10/2003 – até à data em que foi ordenada a cessação dessa intercepção – despacho judicial de 12/12/2003). De referir, ainda, que se o recorrente entende (ao contrário do decidido pela Srª. JIC que as considerou sem interesse para a prova) que, várias das conversações interceptadas gravadas, têm interesse para a prova, deverá requerer a sua transcrição, em prol da sua defesa eficaz e justa. Conclui-se, assim, que não há qualquer inconstitucionalidade (por violação dos arts. 18 nº 2 e 32 nº 8 da CRP), por se considerarem válidas (na medida em que não ofendem o disposto no art. 187 do CPP, na versão então vigente, que não estabelece qualquer prazo de duração das escutas, sendo os indicados no art. 276 do CPP, prazos de duração máxima do inquérito meramente ordenadores) as escutas telefónicas em questão (nºs de telefone dos telemóveis da operadora H……….), relativas ao recorrente, não obstante se terem prolongado durante os períodos de tempo já acima assinalados (e, portanto, além do prazo máximo para realização do inquérito) mas, todavia, sempre durante o inquérito (e antes da acusação pública). Sustenta, ainda, o recorrente que, também, foram prorrogadas escutas sem interesse. Para tanto, alega: “Saliente-se, por último, que o Mmo Juiz de Instrução autorizou a prorrogação de escutas apesar de ter constatado e reconhecido que as que foram executadas ao abrigo da autorização anterior se tinham revelado sem nenhum interesse, ao ponto de ter sido ordenada a destruição total das respectivas gravações. Em outras situações, foi autorizada a prorrogação não obstante se constatar e reconhecer que a quase totalidade das anteriores escutas se mostrou sem interesse. Este padrão não é compatível com a natureza excepcional deste meio de recolha de prova e ofende o disposto no artº 187º, nº 1, parte final. A interpretação deste preceito que legitime a prorrogação de escutas que se revelaram de interesse nulo ou residual é inconstitucional, porque ofende os arts 18º, nº 2, e 32º, nº 4, CRP.” Ora, como já vimos, relativamente ao telefone da rede fixa utilizado pelo recorrente, as escutas telefónicas apenas se prolongaram entre a data em que foram autorizadas (despacho proferido em 25/3/2003) e a data em que foi ordenada a cessação dessa intercepção (despacho judicial de 26/5/2003). A cessação justificou-se precisamente por, apesar da prorrogação que existiu, ainda assim, não ter tido qualquer resultado útil. Por isso, nada de mais adequado e ajustado, do que fazer cessar aquela escuta telefónica, assim acautelando os direitos fundamentais do arguido/recorrente que estavam em jogo com aquele meio de obtenção de prova. O mesmo se diga em relação ao telemóvel com o nº ……… (que, tendo sido autorizada a sua intercepção telefónica por despacho judicial de 15/10/2003 foi, depois, determinada a cessação da mesma intercepção por despacho judicial de 12/12/2003, pelos motivos aí indicados, ou seja, cerca de 2 meses depois). Situação diferente é a das escutas relativas aos mencionados telemóveis da operadora H………., que o recorrente utilizava, como decorre, desde logo, do teor das transcrições que constam dos volumes 12 a 14 deste processo de recurso. E, a este respeito, esclarece-se bem na decisão instrutória: “quanto ao facto da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal ter mantido a intercepção ao alvo ………. (………) até 26/05/2003, mesmo depois de ter mandado destruir os suportes magnéticos das intercepções efectuadas entre a data do início da intercepção (04/04/2003) e a data do despacho de prorrogação (fls. 148), e sem qualquer resultado útil. É certo que a intercepção do alvo em questão nada de útil trouxe aos autos. Porém, o arguido era titular de um outro telefone em relação ao qual foi determinada a intercepção na mesma data (……… – Alvo …..), tendo sido vários os resultados úteis daqui surgidos (cfr. fls. 112, 123, 137 e 148). Ou seja, apesar daquele número de telefone se ter revelado inútil para a investigação, o certo é que não havia razões para ordenar de imediato a cessação da sua intercepção, uma vez que o outro telefone propriedade do arguido em questão e também interceptado vinha fornecendo elementos úteis à investigação. No momento em que foi verificado que persistia a inexistência de conversas com utilidade, e ponderadas as necessidades da investigação com a menor compressão possível dos direitos do arguido, foi decidido fazer cessar a intercepção, o que ocorreu por despacho de 26 de Maio de 2003, tendo sido lavrado o auto de cessação a 28/05/2004, ou seja, um mês e 24 dias após o início da mesma.” De resto, como acima se referiu, as gravações de conversações telefónicas que foram destruídas, no que respeita ao recorrente, foram pontuais, não afectando de forma desproporcionada os seus direitos de defesa. Não se pode, por isso, acompanhar o recorrente, uma vez que (além de não indicar no recurso, aspectos concretos em que tivesse ocorrido a violação que aponta em termos abstractos), como acima se referiu, as escutas que lhe foram efectuadas foram sendo sempre acompanhadas e controladas judicialmente, de forma efectiva, contínua e próximo-temporal. A circunstância de apenas parte daquelas intercepções telefónicas gravadas terem sido consideradas relevantes e, por isso, transcritas, não inutiliza o entendimento do interesse na prorrogação das escutas judicialmente autorizadas. Improcedem, pois, os argumentos do recorrente, quanto à prorrogação de escutas telefónicas sem interesse (ou de interesse residual), razão pela qual não foi violado o disposto nos arts. 18 nº 2 e 32 nº 4 da CRP. Assim, pelos motivos indicados, não merece censura a decisão instrutória quanto à 1ª questão (invocada nulidade das escutas telefónicas) colocada em sede de recurso. 2ª e 3ª Questões O recorrente suscita, ainda, a questão de saber se é ou não aplicável o conceito de funcionário previsto no art. 386 nº 1-c) do CP ao D………. (e, portanto, concluindo-se que não é aplicável esse conceito de funcionário, a consequência seria a de que nenhum dos actos/factos que lhe são imputados poderia ser enquadrado na previsão do art. 374 nº 1 do Código Penal, ou seja, o mesmo não podia ser pronunciado pelos mencionados 26 crimes de corrupção activa) e se é ou não inconstitucional a Lei de autorização nº 49/91 de 3/8 e, bem assim, o DL nº 390/91 de 10/10 (caso em que, concluindo-se pela sua inconstitucionalidade, o arguido/recorrente não podia ser pronunciado pelos mencionados 21 crimes de corrupção desportiva activa). Tais questões, como é bom de ver, estão relacionadas com a matéria constante do despacho de pronúncia, objecto do julgamento. Aliás, quando é proferido despacho de pronúncia é determinada a remessa dos autos ao tribunal competente para o julgamento (art. 310 nº 1 do CPP). Ora, nos termos do art. 310 nº 1 do CPP na versão então vigente, é inadmissível o recurso do despacho que pronúncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. Assim, relacionando-se estas (2ª e 3ª) questões, suscitadas pelo recorrente, com o mérito (a questão de fundo) daquele despacho de pronúncia (e não com qualquer nulidade – cf. art. 310 nº 2 do CPP na mesma versão) é evidente que, o conhecimento, neste momento, dessa matéria, é inadmissível. Além disso, tais questões (2ª e 3ª) colocadas pelo recorrente não se integram sequer no conceito de “questões prévias ou incidentais”, referido no art. 308 nº 3 do CPP, na versão então vigente (mesmo atentando na interpretação extensiva do assento do STJ nº 6/2000[61]), uma vez que não são meras questões de forma (e tão pouco se referem a matéria alheia ao objecto da acusação pública que tivesse sido objecto de pronúncia), mas antes têm que ver com a questão de fundo, objecto do julgamento (delimitado pelos factos constantes da acusação pública, que foram objecto do despacho de pronúncia). Ou seja, o momento próprio para conhecer dessa matéria (a sua sindicabilidade) é em sede de recurso da decisão final que vier a ser proferida na fase do julgamento, caso ainda se justifique essa discussão. Conclui-se, assim, que nessa parte, por agora, não se pode conhecer dessas questões (2ª e 3ª) suscitadas no presente recurso, por inadmissibilidade legal. * III- DISPOSITIVOEm face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em: a)- negar provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B………., no que se refere à arguida nulidade das escutas telefónicas e, consequentemente, nessa parte, confirmar a douta decisão recorrida; b)- não conhecer das demais questões suscitadas no mesmo recurso por, nessa parte, ser o mesmo inadmissível. * Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs.* (Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)* Porto, 14 de Novembro de 2007 Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias Jaime Paulo Tavares Valério Luís Augusto Teixeira ____________________________________ [1] Quando citamos a referida Lei nº 48/2007 temos, ainda, em atenção a Declaração de Rectificação nº 105/2007, de 9/11, DR I Série de 9/11/2007, que rectifica “as inexactidões” da Declaração de Rectificação nº. 100-A/2007 de 26/10, DR I Série, nº 207 de 26/10/2007. [2] André Lamas Leite, “As escutas telefónicas – Algumas reflexões em redor do seu regime e das consequências processuais derivadas da respectiva violação”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Ano I, 2004, p. 23. [3] Manuel da Costa Andrade, «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», in RPCC ano I, fasc. 3, Julho-Setembro 1991, pp. 370, 378, 381 e 382. [4] Susana Aires de Sousa, «Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, org. por Manuel da Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela Miranda Rodrigues, Maria João Antunes, Coimbra Editora, 2003, p. 1212. [5] Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, pp. 83 e 84. [6] Manuel da Costa Andrade, «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», pp. 386 a 390. Acrescenta o mesmo Autor que a fórmula legal (“suspeita da prática de crime”) “tem sido interpretada no sentido de não reclamar, v.g., o limiar dos fortes indícios da prática do crime (de que o artigo 202º, faz depender a prisão preventiva)”, mas também que “não se basta em qualquer caso «com meras suposições ou boatos não confirmados»”. No mesmo sentido, na obra Sobre as proibições de prova em processo penal, pp. 289 a 292 e, ainda, em “Escutas telefónicas, in I Congresso de Processo Penal, coord. Manuel Monteiro Guedes Valente, Almedina, 2005, pp. 218 a 221. [7] Essa designação dos “crimes do catálogo” e referência à “enumeração taxativa e fechada” não é desadequada ou desvirtuada pela circunstância de, na alínea a) do art. 187 do CPP, se mencionarem crimes “puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo a três anos”. [8] Assim, entre outros, Acórdãos do TC nº 426/2005, DR II Série de 5/12/2005 e nº 232/2006, DR II Série de 23/5/2006. [9] Assim, José António Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra Editora, 2005, pp. 145 e 146. [10] Neste sentido, entre outros, Ac. do TC nº 4/2006, DR II Série de 14/2/2006. [11] Assim, Ac. do TRC de 25/10/2006, proferido no proc. nº 433/05.6JACBR-A.C1 (relator Inácio Monteiro), consultado no site do ITIJ. [12] José Mouraz Lopes, “Escutas telefónicas: seis teses e uma conclusão”, in RMP nº 104 (Out/Dez 2005), p. 146. [13] André Lamas Leite, ob. cit., p. 24. [14] Assim, entre outros, Ac. do TC nº 147/2000 (consultado no site do Tribunal Constitucional), também se pronunciando sobre “o despacho judicial que remete para as razões expressas noutras peças processuais”, concluindo que, nesse caso, o que sucede é “que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa do arguido.” A razão da falta ou insuficiência da fundamentação ser apenas sancionada com o vício da irregularidade radica na circunstância do “artigo 205º nº 1 da CRP deixar ao legislador ordinário a conformação da matéria relativa à forma da fundamentação, dispondo aquele de uma margem de determinação apenas condicionada pelo respeito do núcleo essencial do dever de fundamentação.” No mesmo sentido, Ac. do TC nº 281/2005, DR II Série de 6/7/2005. [15] Cf., entre outros, Ac. do TRL de 16/11/2000, CJ 2000, V, pp. 144 e 145, e Ac. do TRL de 24/11/2004, proferido no proc. nº 7166/2004-3 (relator Carlos Almeida), consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais. [16] Assim, Ac. do TC nº 42/2007, DR II Série de 11/5/2007, embora com um voto de vencido. [17] Cf., voto de vencido do cit. Ac. do TC nº 42/2007, de Mário José de Araújo Torres, ressalvando as situações previstas no art. 107 nº 2 do CPP, de invocação de “justo impedimento no escrupuloso cumprimento desse prazo (impedimento que pode consistir justamente na impossibilidade física de conhecimento, nesse prazo, das vicissitudes relevantes de processos volumosos e ou complexos)”. [18] Ibidem. [19] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, artigos 1º a 107º, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 4ª edição revista, 2007, p. 543. [20] Na versão actual do art. 17 do CPP foram aumentados os poderes do juiz de instrução na fase de inquérito. [21] Ver, entre outros já citados, o Ac. do TC nº 189/99, referido quer na decisão instrutória, quer na resposta ao recurso apresentado pelo Ministério Público, na 1ª instância. [22] Esclarece-se que, as notas de rodapé citadas naquela decisão instrutória, assumem neste acórdão diferente numeração (mas, para se distinguirem, ficarão com um tipo de letra diferente). O mesmo procedimento será adoptado em relação a outras transcrições de peças deste processo que se integrem neste acórdão. [23] Note-se que os telefones interceptados após os do B………. foram os de L………. e C………., em 08/05/2003. [24] Ver a propósito André Lamas Leite, As Escutas Telefónicas – Algumas reflexões em redor do seu regime e das consequências processuais derivadas da respectiva violação, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004, pág. 24 e 25. [25] Assim, Ac. do TRP de 11/1/2006, proferido no proc. nº 0515276 (relator Guerra Banha) e jurisprudência aí citada (consultado no mesmo site do ITIJ). [26] E tal particular forma de actuação do arguido B………. perante o O………., veio a ser confirmada pelas conversas escutadas, tendo sido confirmado também que actuava, nos pedidos de nomeações, perante o Presidente respectivo, ou seja, o arguido C………., confirmado as declarações de J………., ou seja, as escutas serviram de prova indirecta para os factos de Abril de 2001. [27] A insuficiente fundamentação do despacho que autorizou as escutas telefónicas não integra a nulidade prevista no art. 189 do CPP na versão então vigente (hoje correspondente, no essencial, ao art. 190 do mesmo código). Aliás, mesmo na versão revista do CPP (que assume, neste aspecto, um maior garantismo, de forma a mais eficazmente proteger e assegurar os direitos fundamentais das pessoas), o legislador não sancionou a deficiente fundamentação desse despacho, que autoriza intercepções telefónicas, com a sanção da nulidade (cf. actual art. 187 nº 1 do CPP) ao contrário do que sucede, por exp., com o despacho que aplica medida de coacção (cf. actual art. 194 nº 4 do CPP). [28] Ao referir “telefones” no texto desta decisão, queremos abranger quer telefone da rede fixa, quer telemóveis. [29] Mesmo a admitir a hipótese absurda de fazer impender sobre o arguido o ónus dessas dificuldades. [30] Ver Cristina Ribeiro, «escutas telefónicas: pontos de discussão e perspectivas de reforma», in RMP nº 96 (out./dez. 2003), p. 67ss., que seguimos de perto. [31] Como se diz no Ac. do STJ de 7/12/2006, proferido no processo nº 3839/06 (relator Carmona da Mota) - consultado no referido site do ITIJ - “Os arts. 101.º, 187.º e 188.º do CPP não exigem que o «auto de transcrição», porque não presidido pelo juiz, também seja por ele assinado, bastando que o seja pelo funcionário encarregue da transcrição, que, assinando-o, implicitamente certificará a respectiva conformidade com o «original»”. Também, como já foi decidido no Ac. do TC nº 450/2007, DR II Série de 24/10/2007, “É claro que a Constituição não exige que a «reserva do juiz», consagrada em vários passos do artigo 188 do CPP, tenha um âmbito e uma extensão tal que vá ao ponto de incluir a competência (exclusiva e excludente) do JIC para a prática dos actos que se traduzem na assinatura dos autos de transcrição das escutas e na certificação da conformidade do conteúdo das conversações transcritas e das conversações gravadas. O fundamento da resposta negativa radica essencialmente num juízo de proporcionalidade”. Mais à frente, conclui: “não é inconstitucional a norma contida na parte final do nº 4 do artigo 188 e na parte final do nº 2 do artigo 101 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de não impor ao juiz de instrução criminal o dever de assinar o auto de transcrição de conversas telefónicas interceptadas e gravadas e o dever de certificar a conformidade do conteúdo da transcrição com o conteúdo do material gravado”. [32] Assim, também, Ac. do TC nº 4/2006, DR II Série de 14/2/2006. [33] Neste sentido, também, Ac. do STJ de 7/3/2007, proferido no processo nº 4797/06 (relator Santos Monteiro) – consultado no mesmo site do ITIJ – onde claramente se defende que “a lei não obriga a que fique certificada, em auto, a leitura dos suportes técnicos pelo JIC.” [34] Aqui se invocando “deficiências técnicas relacionadas com o equipamento utilizado pela empresa I……….”, razão pela qual só nessa data – passados 10 dias da data em que foi proferido o despacho judicial a autorizar aquelas escutas – se dava início à referida intercepção. [35] Cf. os respectivos autos de gravação das intercepções telefónicas efectuadas em relação ao recorrente, v.g. nos 2º, 7º e 24º volumes deste processo de recurso. [36] Quanto aos autos de gravação das conversações telefónicas quer do dito telefone da rede fixa, quer do telemóvel nº ……… (Alvo …..), também foram cumpridas as formalidades legais, embora neles se concluísse não terem interesse as gravações efectuadas (estando, ainda, esclarecido na decisão instrutória – pelos motivos acertados que foram indicados, com os quais se concorda – a questão que fora colocada pelo recorrente, no requerimento de abertura de instrução, quanto ao Alvo ..... que, certamente por ter ficado esclarecida, já não foi objecto do presente recurso). De qualquer modo, ainda que se considere (no âmbito dos termos genéricos do recurso aqui em apreço) que foram também “ressuscitadas” essas questões quanto ao telefone da rede fixa e ao dito telemóvel da operadora P………., sempre se dirá que não merece reparo a decisão instrutória nessa parte, pelos motivos nela indicados (também realçados na resposta ao recurso apresentado na 1ª instância), com os quais se concorda, considerando, de resto, os argumentos que vamos expondo neste acórdão. [37] Despacho esse que consta de fls. 5783 e 5784 da certidão que constitui este processo de recurso. [38] Cf. fls. 5702 a 5713 da certidão que constitui este processo de recurso. [39] Situação que foi também esclarecida na decisão instrutória (tal como é salientado na resposta ao recurso apresentada pelo MºPº na 1ª instância, pelos motivos que aí se indicam e com os quais se concorda) – o que terá convencido o recorrente uma vez que já não colocou essa questão concreta em sede de recurso. De qualquer modo, ainda que se considere (no âmbito dos termos genéricos do recurso aqui em apreço) que foi também “ressuscitada” essa questão quanto ao dito telemóvel da operadora P………., sempre se dirá que não merece reparo a decisão instrutória nessa parte, pelos motivos nela indicados (também realçados na resposta ao recurso apresentado na 1ª instância), com os quais se concorda, considerando, de resto, os argumentos que vamos expondo neste acórdão. [40] Cf., v.g. quanto às transcrições relativas às conversações efectuadas com os nºs de telefone, acima identificados, utilizados pelo recorrente, os volumes 12 a 14 deste processo de recurso. [41] Aliás, nem mesmo na versão actual dos arts. 187 e 188 do CPP, onde expressamente se consagram mais formalidades para garantir esse tal controlo efectivo, contínuo e próximo-temporal do juiz que autoriza as escutas telefónicas, se exige a elaboração de “autos de audição” que atestem ter o juiz ouvido as gravações das conversações telefónicas interceptadas. [42] Damião da Cunha, «A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas, Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 407/97, 347/01, 411/02 e 528/03», Jurisprudência Constitucional, nº 8, Outubro-Dezembro 2005, pp. 46 a 55 (apud Armando Veiga e Benjamim Silva Rodrigues, Escutas Telefónicas, Rumo à Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais Digitais, 1ª ed., Coimbra, 2006, p. 248). [43] Como foi referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/05 de 25/08/2005, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050426.html “…não é constitucionalmente imposto que o único modo pelo qual o juiz pode exercitar a sua função de acompanhamento da operação de intercepção de telecomunicações seja o audição, pelo próprio, da integralidade das gravações efectuadas ou sequer das passagens indicadas como relevantes pelo órgão de polícia criminal, bastando que, com base nas menções ao conteúdo das gravações, com possibilidade real de acesso directo às gravações, o juiz emita juízo no sobre essa relevância, juízo que sempre será susceptível de contradição pelas pessoas escutadas quando lhes for facultado o exame do auto de transcrição.” Ou seja, o que importa é que os autos de intercepção e gravação sejam apresentados ao juiz, juntamente com os CDs, em prazo razoável, por forma a que ele tenha a possibilidade real de acesso directo às gravações. Segundo o acórdão, o Juiz não tem sequer que ouvir as gravações, mas tem de ter a possibilidade directa de o fazer, o que acontece a partir do momento em que tudo isso lhe é apresentado, e não apenas quando manda transcrever as sessões relevantes para a prova. E nos autos isso foi religiosamente cumprido, como se verá mais abaixo. [44] Como foi referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/05 de 25/08/2005, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050426.html “…não é constitucionalmente imposto que o único modo pelo qual o juiz pode exercitar a sua função de acompanhamento da operação de intercepção de telecomunicações seja o audição, pelo próprio, da integralidade das gravações efectuadas ou sequer das passagens indicadas como relevantes pelo órgão de polícia criminal, bastando que, com base nas menções ao conteúdo das gravações, com possibilidade real de acesso directo às gravações, o juiz emita juízo no sobre essa relevância, juízo que sempre será susceptível de contradição pelas pessoas escutadas quando lhes for facultado o exame do auto de transcrição.” Ou seja, o que importa é que os autos de intercepção e gravação sejam apresentados ao juiz, juntamente com os CDs, em prazo razoável, por forma a que ele tenha a possibilidade real de acesso directo às gravações. Segundo o acórdão, o Juiz não tem sequer que ouvir as gravações, mas tem de ter a possibilidade directa de o fazer, o que acontece a partir do momento em que tudo isso lhe é apresentado, e não apenas quando manda transcrever as sessões relevantes para a prova. E nos autos isso foi religiosamente cumprido, como se verá mais abaixo. [45] Despachos, promoções (parte deles juntos na sequência do nosso despacho proferido a fls. 5627 e 5628) e transcrições que constam deste processo de recurso e que se mostram esquematizados nos quadros inseridos na decisão instrutória e na resposta ao recurso, efectuados na 1ª instância. [46] Assim, Ac. do TRL de 10/12/2003, proferido no processo nº 7140/2004-3 (relator Carlos Almeida), consultado no site do ITIJ. [47] Ver Ac. do TRP de 21/12/2005, proferido no processo nº 0516301 (relator Manuel Braz), consultado no site do ITIJ. [48] Assim, Ac. do TC nº 426/2005, DR II Série de 5/12/2005. [49] Aliás, deve haver lapso na invocação do art. 43 nº 1 a 4 da CRP mas, se o que se pretendeu citar foi o art. 34 da CRP, a resposta é a mesma que consta do texto supra. [50] Assim, Ac. do TC nº 407/97, DR II Série de 18/7/1997. [51] Ibidem. [52] Ver, Ac. do TRP de 7/12/2004, proferido no processo nº 4816/04 (relator António Gama). [53] Assim, citado Ac. do TC nº 451/2007, onde se avança que “a questão de saber se será constitucionalmente admissível que o Juiz de Instrução ordene a destruição de parte do material gravado, sem que dessa parte tenha conhecimento o arguido – poderá em certos casos (…) ser equacionado como um problema de colisão de direitos: o direito do arguido a um processo equitativo, com todas as garantias de defesa, e que inclui, como já vimos, a faculdade de acesso à integralidade das gravações efectuadas, pode conflituar, no modo concreto do seu exercício, com direito ou direitos de outrem, afectando os bens jurídicos por estes últimos protegidos. (…)”. [54] De acordo com o despacho proferido em 19/9/2007 (fls. 5627 e 5628), pela relatora, onde se solicitou (entre outros), certidão com cópia dos autos de destruição dos suportes magnéticos relativos às escutas telefónicas feitas ao arguido B………. . [55] O auto de fls. 5731 respeito ao alvo ………., código ….. (ao telefone fixo sob escuta do recorrente). [56] Ver o despacho a fls. 316 (2º volume deste processo de recurso), com a conclusão de 9/4/2003, sendo esta a data indicada no auto de fls. 5726 (24º volume deste processo de recurso). Cf. ainda a promoção de fls. 5635 e 5636 (24º volume deste processo de recurso). [57] Ver o despacho a fls. 320 do 2º volume deste processo de recurso e promoção de fls. 5637 a 5635 (24º vol. citado). [58] O mesmo despacho de fls. 320 do 2º volume deste processo de recurso, sendo certo que, a cessação dessa intercepção do telefone fixo, foi determinada por despacho judicial de 26/5/2003. [59] Ver despacho de fls. 338 do 2º volume deste processo de recurso. [60] De notar que, mesmo na actual versão do art. 188 nº 6 do CPP, se prevê também a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, nas situações aí mencionadas, precisamente como forma de salvaguardar, protegendo e garantindo, direitos fundamentais v.g. de terceiros e dos próprios sujeitos processuais. [61] Assento n.º 6/2000, de 19-01-2000, DR I Série de 7/3/2000. |