Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0841679
Nº Convencional: JTRP00041357
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Nº do Documento: RP200805210841679
Data do Acordão: 05/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Indicações Eventuais: LIVRO 315 - FLS 382.
Área Temática: .
Sumário: I - É de 10 dias o prazo para interpor recurso da sentença que decide o recurso de impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa, nos termos do art. 74º, nº 1, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, que é lei especial em relação ao art. 411º, nº 1, do Código de Processo Penal.
II - É também de 10 dias o prazo de resposta a esse recurso, por aplicação subsidiária do art. 105º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. n.º 1679-08

Decisão sumária [art.º 417º n.º6 al. a) do Código de Processo]

No Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, foi julgada improcedente a impugnação deduzida pelo acoimado contra a decisão Da DGV,
Inconformado veio recorrer.
Na resposta, apresentada dentro do prazo de dez dias, o Ministério Público suscitou a questão prévia da extemporaneidade do recurso.
Admitido o recurso, já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso foi tempestivamente interposto; quanto ao fundo entendeu que não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código de Processo Penal e o acoimado apresentou resposta.
***

A marcha processual relevante:
O recorrente, assim como o seu mandatário, foram notificados pessoalmente da decisão, aquando da sua leitura a que assistiram no dia 28 de Setembro de 2007, acta de fls. 63, tendo a sentença ficado logo disponível como resulta da «declaração de depósito» de fls. 64.
Em 8.10.2007 o acoimado «anunciou» o seguinte fls. 68:
«… não se conformando com a sentença proferida nos autos, vem informar V/Exa que é sua intenção dela interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto, nos termos dos artºs 73º e sss do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10». Invocando o Acórdão n.º 27/2006 do Tribunal Constitucional afirmou poder interpor recurso no prazo de 20 dias.
Em 18/10/2007 enviou para os autos a sua alegação de recurso.

O Direito:
Questão prévia:
a) Saber se o recurso da decisão judicial interposto pelo acoimado foi apresentado em prazo ou não.

O regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, Regime Geral das Contra-Ordenações, (doravante RGCO), é o regime regra a atender no processamento das contra-ordenações, art.º 41º do RGCO. Dispõe este art.º 41º, em sede de direito subsidiário processual: sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
A notificação da sentença recorrida, quer ao arguido quer ao seu Ex.mo advogado, ocorreu, simultaneamente, no dia 28 de Setembro de 2007. Daí que o termo do prazo legal de recurso – de 10 dias previsto no artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, ocorria no dia 8 de Outubro de 2007, dia em que o Ex.mo mandatário veio enunciar o seu entendimento de que o prazo de recurso era de vinte, anunciando que em momento oportuno o apresentaria. O anúncio de tal entendimento não releva. E sobre essa anunciada declaração de intenção, não recaiu, nem tinha de recair, qualquer despacho, tanto mais que após a Reforma de 2007 do Código de Processo Penal, o processo só é concluso para «o juiz proferir despacho» depois de apresentada a resposta «dos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso ou expirado o prazo para o efeito», art.º 414º n.º1 do Código de Processo Penal. Em conclusão o acoimado agiu por sua conta e risco, não lhe tendo sido criada na instância recorrida qualquer expectativa de que o seu entendimento erra correcto quando em 8 de Outubro veio «anunciar» que se ia prevalecer do prazo de 20 dias para recorrer.
Como é palpável em 18/10/2007, data em que enviou para os autos a sua alegação de recurso, vigésimo dia após a leitura e depósito da decisão, já há muito que o prazo de recurso se tinha escoado, razão pela qual se precludiu o direito de recorrer. Não se compreende assim, tanto mais perante o alerta do Ministério Público já constante dos autos, que o despacho que recebeu o recurso afirme sem mais «estar em tempo», fls. 98.
Acolheu-se o recorrente no que erradamente julgou ser a «asa protectora» do Acórdão n.º 27/2007 do Tribunal Constitucional, esquecendo duas dimensões fundamentais, os Acórdãos do Tribunal Constitucional, mesmo aqueles que decidem e declaram a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, não são lei geral e abstracta, apenas decidem um caso concreto, uma determinada interpretação da lei.
Estabelece o artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, o prazo de dez dias, a partir da data da sentença ou do despacho, para a interposição de recurso. Como muito esclarecidamente se disse nos Acórdãos do TRC de 15 de Março de 2006 e 21 de Novembro de 2007[1], a norma do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, pertence a um regime jurídico especial, sendo ela também especial em relação aos recursos criminais em geral, constante do normativo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que prevê o prazo de vinte dias para a interposição de recurso em matéria criminal ou com ela conexa (v. g. de natureza civilística/obrigacional). O RGCO consagra, em sede de recursos, que é o âmbito que aqui analisamos, uma disciplina diferente da constante do Código de Processo Penal, o que é natural perante a diversidade de valores e fins do processo de contra-ordenação. Destaca-se assim do direito geral contido no Código de Processo Penal, assumindo uma fisionomia específica. Não sendo as leis especiais excepções, elas constituem um direito normal, um sistema autónomo que tem em si as suas regras e as suas excepções[2].
Da consideração global do regime de recursos do RGCO, artºs 73º e segts, resulta que não é necessário, logo também não admissível, o recurso aos preceitos do direito processual penal, que por sua vez remete para o processo civil, para regular e resolver a concreta questão de direito de mera ordenação social em causa: saber qual o prazo para o recurso da decisão da impugnação judicial. E não é necessária essa solução em segunda mão [RGCO - Código Processo Penal], com o que isso acarreta em sede de adaptação à estrutura, funcionamento, valores e fins do processo de contra-ordenação, porque o legislador de mera ordenação social resolveu de modo completo e expresso o problema. O legislador ao consagrar no art.º 74º do RGCO, que «o recurso deve ser interposto no prazo de dez dias…», quis consagrar, e consagrou, um regime auto-suficiente, que se distingue do processual penal e processual civil.
Não se desconhece que o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 27/2006 decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 411º do Código de Processo Penal, quando [mas só quando] dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição.
Importa, porém, deixar vincado que essa questão – prazo da resposta – não é a questão posta no recurso, pois foi apresentada dentro do prazo de dez dias. Mesmo assim não deixaremos de abordar, na medida do necessário, essa problemática.
Como acima dissemos o recorrente não ponderou, no caso presente, duas dimensões fundamentais: os Acórdãos do Tribunal Constitucional, mesmo aqueles que declaram inconstitucionalidade com força obrigatória, não são lei geral e abstracta; os Acórdãos apenas decidem um caso concreto, uma determinada interpretação da lei. A vida não é preto ou branco, a banal afirmação de que cada caso é um caso ganha dimensão perante a realidade poliédrica que são os feitos sujeitos a julgamento. Esqueceu o recorrente uma regra de ouro: cada caso tem a sua decisão, e não devemos transpor, muito menos acriticamente, uma solução de um caso para outro sem antes nos certificarmos que são «rigorosamente» iguais.
A leitura que o recorrente fez e a consequência que extraiu da declaração de inconstitucionalidade veiculada pelo Acórdão 27/2006 – ver consagrado como prazo para interposição de recurso o consagrado no art.º 411º n.º1 do Código de Processo Penal, vinte dias, com total desprezo pela norma imperativa do art.º 74º n.º1 do RGCO, que prevê dez dias – é precipitada, desrazoável e, salvo o devido respeito, abusiva. Como diz o Supremo Tribunal de Justiça[3] a decisão judicial é susceptível de ser interpretada com recurso às boas regras de hermenêutica, pois não obstante a sua característica de acto de autoridade, designadamente a sua parte decisória, é um acto jurídico declarativo e formal, dirigido às partes e, portanto, susceptível de interpretação, de harmonia com as regras, devidamente adaptadas, consignadas nos artºs 236.º e segs., do Código Civil. Segundo os artigos 8.º e 9.º do Código Civil, o julgador/intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, artigo 9.º, n.º 3, sendo-lhe vedado idear/considerar/extrapolar pensamento legislativo que na letra da norma não tenha um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, artigo 9.º, n.º 2, e, outrossim, deixar de a aplicar sob o pretexto de ser injusta ou imoral, artigo 8.º, n.º 2. Nada na decisão do Tribunal Constitucional permite o entendimento desrazoável que o recorrente nele vislumbra. Assim não descortinamos fundamento válido para interpretar de modo diverso do expressamente constante do art.º 74.º, n.º 1, do RGCO, isto é que o prazo de recurso da decisão judicial produzida no âmbito de procedimento contra-ordenacional é de dez dias.
A argumentação esgrimida pelos defensores da inconstitucionalidade da referida norma, não assenta no estabelecimento do prazo em si, mas no desfavor do recorrente em relação ao recorrido, quando este tem mais prazo para responder do que o recorrente para interpor o recurso. Essa argumentação perde o sentido para quem entende, como nós, a tramitação do recurso do RGCO em conformidade com o regime do processo penal, como efectivamente subsidiária, tendo em conta as especialidades resultantes do regime jurídico contra-ordenacional.
Sendo indiscutível o direito de resposta ao recurso, por parte, em regra, do Ministério Público, o prazo para o efeito não é, nem razoavelmente podia ser, o previsto no artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mas antes o geral, de dez dias, regulado no art.º 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do estatuído quer no art.º 74.º, n.º 4, quer no artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, que obrigam a «adequada adaptação» às especificidades do processo contra-ordenacional dos preceitos reguladores do processo criminal. E esse é o prazo que resulta dessa adequada adaptação considerando também os princípios aqui em jogo e desde logo o que consagra o processo equitativo.
Ora a inconstitucionalidade declarada com força obrigatória geral pelo Acórdão n.º 27/2006, de 10 de Janeiro, do Tribunal Constitucional, teve em vista o estranho entendimento que aceitava prazo diferente para o recorrente, em relação ao respondente, que beneficiaria de prazo mais amplo [actualmente o dobro do prazo, enquanto o recorrente teria o prazo de dez dias a resposta poderia ser apresentada no prazo de vinte!]. Sendo o prazo para o recorrente motivar o recurso mais curto do que o prazo da correspondente resposta, temos, também para nós, como certo que ocorre inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade[4], na vertente do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição. A melhor interpretação é a que entende, quer pelo caminho acima delineado, quer pela directa convocação do princípio da igualdade e do processo equitativo, que o prazo de resposta ao recurso, deve acontecer no prazo de dez dias, e não o inverso, artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil. Com este entendimento, fica a salvo o princípio constitucional de igualdade e do processo equitativo, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, e não se entra no terreno proibido pelo Acórdão n.º 27/2006, de 10 de Janeiro, do Tribunal Constitucional.
Este entendimento mereceu já o juízo de conformação constitucional nos Acórdãos n.º 573/2006 e n.º 20/2008, do Tribunal Constitucional.
Conclui-se, assim, que o prazo para recorrer da decisão judicial que decidiu impugnação judicial de decisão administrativa, assim como o prazo para a resposta ao recurso jurisdicional, são ambos de dez dias, conforme resulta do art.º 74º n.º1 do RGCO e art.º 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do estatuído quer no art.º 74.º, n.º 4, do RGCO.
Este entendimento não colide com o decidido no Acórdão n.º 27/2006, pois não se aplica a norma constante do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a interpretação normativa que foi julgada inconstitucional. Enquanto que no Acórdão n.º 27/2006, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma, conjugada com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta; no caso aplicamos a norma [n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro] no sentido de que estabelece um prazo de 10 dias, aplicável quer ao recorrente quer ao recorrido[5].
Donde, e sem necessidade de mais aprofundadas considerações, sendo de dez dias o prazo para interposição do recurso, e tendo sido esse prazo clara e conscientemente ultrapassado pelo recorrente, conclui-se pela suscitada extemporaneidade do recurso o que desencadeia, a respectiva rejeição, em conformidade com o disposto nos normativos, 420.º, n.º 1 al. b), com referência ao preceituado no artigo 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

Decisão:
Rejeita-se o recurso.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
Visto o disposto no art.º 420º n.º3 do Código de Processo Penal, vai o recorrente condenado em 5 UC.

Porto 21 de Maio de 2008
António Gama Ferreira Ramos

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[1] O primeiro, referido no Acórdão do Tribunal Constitucional 573/06, o segundo, disponível no sitio da internet do referido tribunal.
[2] Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, vol. 2.º, reimpressão, 1990, págs. 455-457.
[3] Acórdão de 10 de Janeiro de 2008, Proc. 3227-07, disponível no sítio da internet.
[4] Julgamos adequado silenciar «as armas» e falar apenas em princípio da igualdade e processo equitativo, perante o equívoco que representa falar e reclamar igualdade de armas no actual processo penal Português: a igualdade de armas redundaria num insuportável desfavor para o arguido.
[5] Neste sentido os Acórdãos n.º 573/2006 e n.º 20/2008, do Tribunal Constitucional.