Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0813828
Nº Convencional: JTRP00041654
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: NULIDADE SANÁVEL
FALTA DE PROMOÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RP200809240813828
Data do Acordão: 09/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 546 - FLS 174.
Área Temática: .
Sumário: O arquivamento dos autos determinado pelo MºPº, estando em causa um crime particular e sem que previamente tenha sido ordenada a notificação dos assistentes para, querendo, deduzirem acusação particular, integra a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. b) do C. P. Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 3828/08

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Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto

Autos de instrução n.º …/05.1TAVFR, do .º Juízo Criminal de santa Maria da Feira

B………. e esposa C………., residentes na Rua ………. n° …, em ………., apresentaram queixa-crime contra:
a) “D………., SA”, sociedade anónima com sede na Rua
………., freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira;
b) Legais representantes da referida sociedade, nomeadamente os membros do conselho de Administração, de seus nomes E………., F………. e G……….;
c) Eventuais desconhecidos que a mando dos também acima participados, tenham procedido à destruição de marco referenciado adiante,
Por, alegadamente, terem praticado os seguintes factos:
1. Os aqui participantes são donos e legítimos possuidores de dois prédios rústicos sitos no ………., freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira.
2. Os referidos prédios têm as seguintes descrições:
a) Rústico, composto por Pinhal, eucaliptal, com a área de 17.500 m2, sito no ………., freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira, confronta do Norte com H………. (actualmente com a participada “D………., SA”), do nascente com Caminho da azenha, do poente com ribeiro e do sul com I………. . Inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 551° e descrito na competente Conservatória do registo Predial sob o n° 75.825 a fls. 160 v.º do Livro B-194, registado a favor de B………. pela inscrição G-29 n° 39.327 fls. 99 n° V.P. 131.73 €.
b) Rústico, composto por pinhal, eucaliptal e mato, com a área de 47.800 m2, sito no ………., freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira, confronta do nascente com caminho da azenha, do poente com ribeiro, do norte com herdeiros de J………. e do sul com H………. (actualmente com a participada “D………., SA”), Inscrito na matriz sob o artigo 554° e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° 47.628 a fls. 17 do Livro B-123 e registado a favor de B………. pela inscrição G-29 n° 39.327 fls. 99 v.º V.P.391.68 €.
3. Estão ambos registados em nome do aqui participante: Docs. 1, 2 e 3.
4. O artigo 551° confronta a norte com instalações fabris da aqui participada D………., SA, Docs. 1, 2 e 3.
5. O artigo 554° confronta a sul com instalações fabris da aqui participada D………., SA, Docs 1, 2 e 3.
6. O prédio da participada confronta a norte com os participantes (art. 551°), a sul com os participantes (art. 554°), a poente com ribeiro/participantes, e a nascente com estrada.
7. Há já algum tempo a aqui participada, ampliou as suas instalações fabris, ocupando dessa forma parte do art. 551° dos aqui participantes nomeadamente com as seguintes instalações, referenciadas em planta que se anexa:
a) parte sul do pavilhão identificado com o n° 1 na planta apresentada;
b) a totalidade da zona de lavagem de viaturas (camiões) anexa a esse pavilhão n° 1, identificada na planta apresentadas sob o n° 4, e,
c) a estação de tratamento (ETAR) identificada nas plantas sob o n°
8. Foram construídas em propriedade dos aqui participantes – Docs. 3 e 4.
9. Posteriormente a estes factos, o legal representante da sociedade “H………., SA”, Sr. E………. (irmão do participante marido), alertado e advertido para o facto pelo aqui participante marido quando deu conta do sucedido, reconheceu a propriedade dos participantes sobre as parcelas ocupadas, reconhecendo os factos praticados, e dispondo-se a repor a situação anterior, ou pelo menos compensá-lo pela invasão e ocupação.
10. O facto é que ainda não o fez até ao presente, e segundo declarações prestadas pelo seu filho K………., não está na disposição de o fazer.
11. De referir que quando ocuparam essa parcela de terreno (parte do art. 551°), o aqui participado E………. deu ordens expressas a quem mandou proceder ao corte das árvores aí existentes, para cortar e remover as suas arvores e as de seu irmão (o aqui participante marido), dizendo falsamente que estaria a proceder de acordo com o mesmo.
12. Nos primeiros dias do mês de Dezembro de 2004 o aqui participante marido deslocando-se ao local em questão para ver as suas propriedades e ali verificou:
a) Que foram derrubadas e removidas uma enorme parte das árvores existentes no seu artigo 554", ao longo de uma faixa adjacente às instalações fabris da participada, Docs. 5 e 6.
b) Que foram derrubadas e removidas a quase totalidade das árvores existentes no seu artigo 551º, Doc 7.
c) Que tinha sido arrancado um marco que delimitava as instalações fabris da participada, e o art. 554° propriedade dos aqui participantes.
d) Que no seu art. 554°, propriedade dos participantes após o derrube das árvores, o terreno livre de árvores foi coberto de brita, encontrando-se a servir de estacionamento e acesso à fábrica para as viaturas da participada, foram abertas portas para esse artigo e construída escadaria em cimento nesse artigo, e tinham ainda em construção no seu terreno uma obra recente e inacabada de canalizações que desconhece o aqui participante qual o seu destino, que se localiza a norte do pavilhão n° 1, não sabendo se se tratará de alguma fossa séptica, que ocupa terreno do aqui participante, Doc. 8.
e) Que no seu artigo 551°, tinha sido parcialmente cimentado, e servia também de estacionamento às viaturas da participada, tendo sido destruídos os elementos delimitadores naturais entre as duas propriedades.
13. Para melhor esclarecimento junta-se cópia de planta onde estão assinalados os arts. 551° e 554° rústicos pertença do aqui signatário, assim como a implantação do pavilhão identificado por “D………., SA” num pedido de licença ambiental com o n° 1, onde é possível verificar por confronto com as plantas existentes no processo a ocupação ilegítima de ambos os artigos, Docs. 3 e 4.
14. A participada e seus representantes tem pleno conhecimento que através de violência, com uso de máquinas, e aproveitando o facto dos participantes não se deslocarem habitualmente à sua propriedade:
a) cortaram as árvores existentes em cerca de mais de 20.000 metros quadrados de terreno (quase totalidade do art. 551° e enorme faixa do art. 554°, fazendo-as suas, apesar de saberem que não lhe pertenciam, o que equivale o um valor elevadíssimo que não podem de momento os aqui participantes calcular com precisão, danificando a sua propriedade, causando-lhes enorme prejuízo patrimonial;
b) Através de violência com máquinas, derrubando árvores, invadiram e ocuparam coisa imóvel alheia com intenção de exercer direito de propriedade, posse e uso, não tutelado por lei, sentença ou acto administrativo;
c) Por meio de violência, através de máquinas arrancaram o marco existente a sul da sua propriedade, com intenção de apropriação total de coisa imóvel alheia.
15. Nunca foi dada qualquer autorização pelos aqui participantes aos participados para a invasão, ocupação e construção em terreno alheio, nem para quaisquer dos factos aqui descritos.
16. No dia 23.03.2005, pelas 16 horas, deslocando-se novamente ao local verificou o aqui participante marido, que teriam sido cortadas as poucas árvores restantes do seu art. 551° e que estavam as ser queimados os restos de lenha em todo o terreno, prontificando-se com estes novos factos os aqui participados, para ocupar o resto do terreno após a sua limpeza (queimada) – Docs. 9 e 10.
17. Retirando-se o participado por momentos para ir buscar câmara fotográfica para obter fotografias do sucedido, quando regressou foi abordado pelo sobrinho K………., filho do administrador da empresa E………., e face à oposição do participante, o afrontou em tom jocoso, dizendo que quando o seu pai reconheceu que estavam a invadir a propriedade dos participantes não sabia o que estava a dizer, acrescentando que iriam continuar a prosseguir os seus intentos.
18. Os factos descritos foram praticados pelos participados de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
19. Indica-se ainda que os participados possuem um outro prédio rústico a sul do art.º 551º dos participantes, e com os factos praticados neste artigo uniram este seu prédio com aquele onde está implantado a fábrica.
Imputam-lhes, em consequência, a prática dos seguintes ilícitos-típicos:
• O previsto e punido pelos arts. 212° e 213° (Dano qualificado) do Código Penal;
• O previsto e punido pelo art. 215° (Usurpação de coisa imóvel) do Código Penal;
• Através da destruição do marco existente o crime previsto e punido pelo artigo 216° (Alteração de marcos) do Código Penal.

Findo o inquérito, o Ex.mo Magistrado do M.º P.º lavrou despacho de arquivamento:
“Os presentes autos tiveram início com a denúncia de fls. 3, da qual resulta, em síntese que os queixosos e os denunciados são proprietários de terrenos contíguos. Os queixosos aí referem que os denunciados ocuparam uma parcela de terreno daqueles, onde fizeram obras, tendo, para o efeito, procedido ao corte e remoção de árvores que ali se encontravam, bem como terão arrancado um marco ali existente.
Foi instaurado inquérito, no âmbito do qual resulta, os denunciados foram constituídos arguidos e interrogados, bem como foram inquiridas diversas testemunhas.
Ora, no âmbito do referido inquérito apurou-se que as referidas obras ocorreram há mais de 10 anos a esta parte, facto que é corroborado pelas testemunhas arroladas pelos queixosos.
Resta-nos pois concluir que não resulta indicada a prática de qualquer crime, por parte dos arguidos, nem tão pouco que o mesmos a verificar-se o tenha sido há seis meses.
Com efeito, os crimes que os queixosos imputam aos arguidos - dano e usurpação de coisa imóvel - pressupõe que seja lesado o direito de propriedade.
Ora, não compete ao Tribunal, no âmbito de um processo-crime, apurar a propriedade dos bens danificados. O preenchimento dos requisitos de punibilidade dos referidos crimes pressupõem que não esteja em causa a discussão da propriedade dos bens em causa.
No caso em apreço, discute-se, antes de mais, a propriedade da parcela de terreno onde foram realizadas as alegadas obras.
Com efeito, os queixosos referem que os denunciados ocuparam parte do seu terreno. Os denunciados, por sua vez, afirmam que nunca ocuparam a propriedade dos queixosos, nem realizaram quaisquer obras em propriedade alheia.
Por outro lado, e como atrás referido, resulta ainda dos autos que as ditas obras ocorreram há mais de dez anos, facto que exclui a tempestividade da queixa manifestada, nos termos do art.º 115° n.° 1, do Código Penal.
Em causa está, como referido, a discussão da propriedade de uma parcela de terreno, questão essa de índole civilística que poderá eventualmente dar lugar a responsabilidade civil a ser litigada em foro próprio”.

Os queixosos requereram a abertura da instrução e, em simultâneo, a sua constituição como assistentes do M.º P.º.
Para além de criticarem o despacho do M.º P.º, indicando as diligências que entendem deveriam ser levadas a cabo, formularam requerimento do seguinte teor:
a) Desde há cerca de 12/10 anos a esta parte os aqui arguidos, vem praticando vários actos de ocupação e destruição progressiva de dois prédios rústicos propriedade dos aqui denunciantes B………. e mulher, sitos no ………., freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira inscritos na matriz sob os artigos 551° e 554°, compostos por Pinhal e eucaliptal, com a área de 17.500 m2, e pinhal, eucaliptal e mato, com a área de 47.800 m2 respectivamente, ambos registados a favor dos participantes na Conservatória do registo predial respectiva.
b) O artigo 551° confronta a norte com instalações fabris da aqui participada “D………., SA”.
c) O artigo 554° confronta a sul com instalações fabris da aqui participada “D………., SA”.
d) O prédio da participada confronta a norte com os denunciantes (art. 551°), a sul com os denunciantes (art. 554°), a poente com ribeiro/denunciantes, e a nascente com estrada.
e) Há já algum tempo, que terá ocorrido há cerca de doze/dez anos os participados, ampliaram as instalações fabris da participada “D………., SA”, ocupando inicialmente parte do art. 551° propriedade dos aqui denunciantes. Nomeadamente com violência ordenaram o corte de árvores tendo sido cortadas e derrubadas as mesmas, requereram licenças de ampliação da fábrica como se o referido prédio lhes pertencesse, e com máquinas entraram no referido 551° procedendo à sua preparação para obras de ampliação que aí tiveram lugar, e construíram em betão e outros materiais novas edificações.
f) Pouco tempo após tal data, o aqui arguido E………. (irmão do aqui denunciante marido), alertado e advertido para o facto pelo aqui denunciante marido quando deu conta do sucedido, reconheceu a propriedade dos denunciantes sobre as parcelas ocupadas, reconhecendo os factos praticados, e dispondo-se a repor a situação anterior, ou pelo menos compensa-lo pela invasão e ocupação, não o tendo feito até ao presente nem está na disposição de o fazer. Quando ocuparam essa parcela de terreno (parte do art. 551°), o participado/arguido E………. deu ordens expressas a quem mandou proceder ao corte das árvores ai existentes - Eng.º L………. -, para cortar e remover as suas arvores e as de seu irmão (o aqui denunciante marido), dizendo falsamente que estaria a proceder de acordo com o mesmo.
g) Posteriormente e prosseguindo os intentos iniciais, ao longo de vários anos foram a mando dos aqui participados/arguidos derrubadas mais árvores e construídas novas edificações, que ampliaram as instalações fabris iniciais, nomeadamente dotando-a de novos espaços de estacionamento, novas aberturas para o exterior, novos acessos, estação de tratamento de águas, escadas, e instalações.
h) E posteriormente, tiveram em data que se situará próxima de do mês de Dezembro de 2004, os seguintes factos:
• Foram derrubadas e removidas uma enorme parte das árvores existentes no artigo 554°, ao longo de uma faixa adjacente às instalações fabris da participada “D………., SA”,
• Foram derrubadas e removidas a quase totalidade das árvores existentes no seu artigo 551°,
• Foi arrancado um marco bicudo em granito que delimitava as instalações fabris da participada, e o art. 554° propriedade dos aqui denunciantes,
• No art. 554°, após o derrube das árvores, o terreno livre de árvores foi coberto de brita, encontrando-se a servir de estacionamento e acesso à fábrica para as viaturas da participada, foram abertas portas para esse artigo e construída escadaria em cimento nesse artigo, e tinham ainda em construção no terreno uma obra recente e inacabada de canalizações/fossas sépticas, que se localiza a norte do pavilhão n° 1 identificado na planta junta com a participação, ocupando terreno dos denunciantes,
• No artigo 551°, tinha sido parcialmente cimentado e servia agora também de estacionamento às viaturas da participada, tendo sido destruídos os elementos delimitadores naturais entre as duas propriedades, nomeadamente regueira e comoro.
i) Tais actos foram praticados a mando dos aqui participados/arguidos, e tiveram lugar com extrema violência, cortando e derrubando árvores, destruindo delimitações naturais, alterando a morfologia do terreno, com uso de várias ferramentas e maquinas, arrasando e queimando os restos das arvores, e construindo várias instalações no seu lugar, passando a ocupar os artigos referidos e tornando os referidos terrenos pelo menos temporariamente impróprios para a actividade florestal que ai tinha lugar.
j) Tais actos prosseguiram pelo menos até Março de 2005, data em que ainda estavam a ser queimados os restos de lenha em todo o terreno.
k) Tais factos foram praticados pelos arguidos com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso e servidões não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo, pretendendo de tal forma aumentar as instalações fabris da arguida “D………., SA”, da qual os restantes os restantes participados/arguidos são administradores, em terreno que não lhes pertenciam, dotando-as de novas qualidades e dimensões que não possuíam até ai e que lhes permitiu obterem novas licenças de modo a poderem continuar a laborar. E destruindo as suas delimitações de modo a mais impunemente exercerem a sua posse manifestada em todos os actos referidos.
l) A destruição dos marcos existentes teve lugar com intenção de apropriação total de coisa imóvel alheia.
m) Aproveitaram os participados/arguidos o facto de saberem que os denunciantes não se deslocarem habitualmente à sua propriedade, tendo tal conhecimento em virtude de laços de parentesco existentes e desta forma cortaram as arvores existentes em cerca de mais de 16.650 metros quadrados de terreno, ou seja, a totalidade do art. 551° (que tem/tinha a área real de 13.870 m2) e uma enorme faixa do art. 554°, fazendo-as suas, apesar de saberem que não lhe pertenciam, danificando a propriedade dos denunciantes, causando-lhes enorme prejuízo patrimonial.
n) Nunca foi dada qualquer autorização pelos denunciantes aos participados/arguidos para a invasão, ocupação e construção em terreno alheio, nem para quaisquer dos outros factos aqui descritos.
o) De levantamento topográfico se verifica assinalado a verde o prédio dos denunciantes, com o art. 551°, que tinha a área real, antes dos factos participados de 13.870 m2 e que foi ocupado, usurpado na sua totalidade; assinalado a azul o prédio dos participados, onde tinham instalada a fabrica original; assinalado a laranja é visível a área do prédio dos denunciantes, que foi efectivamente usurpada pelos participados, que representa uma área de 2.780 m2. Esta parcela é apenas parte do art. 554°, propriedade dos denunciantes, pois este prédio tem maiores dimensões; o marco em pedra acima referido situava-se onde consta a linha divisória entre a área assinalada a laranja e a área assinalada a azul, junto à estrada que se situa a nordeste dos prédios.
p) Os denunciantes, que são donos dos referidos prédios ocupados apenas tiveram conhecimento de parte dos factos há cerca de 10 anos atrás e posteriormente só tiveram novamente conhecimento de novos factos em Dezembro de 2004 e em Março de 2005, mantendo-se a ocupação ainda na presente data.
q) O prejuízo sofrido relativo à ocupação e usurpação dos prédios, aferido em função da medição da área ocupada e do valor real da mesma, partindo do principio que naquele local o valor dos terrenos é de cerca de 30,00 €/m2, será o seguinte:
• Prédio art. 551° - Área ocupada de 13.780 m2 x 30,00 € = 416.000,00; e
• Prédio art. 554° - Área ocupada de 2.780 m2 x 30,00 € = 83.400,00 €.
r) O prejuízo relativo apenas à madeira das árvores cortadas pelos participados, que são propriedade dos participantes, ronda os 16.500,00/17.500,00 Euros (incluindo aqui o valor da madeira cortada inicialmente, que rondava os 7.500,00 €.)
s) Os prejuízos totais resultantes dos factos praticados pelos participados/arguidos nos terrenos dos denunciantes são os resultantes da soma das verbas acima referidas ao que acrescerão os resultantes da reposição da situação anterior à intervenção dos participados, ainda não quantificados mas que serão seguramente de vários milhares de Euros.
t) O dano provocado tem um valor consideravelmente elevado e assim deverá ser qualificado por esse facto.
u) As árvores derrubadas/queimadas/destruídas eram eucaliptos e australias.
v) Os factos descritos foram praticados pelos participados/arguidos de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, e que apesar disso não se abstiveram de os praticar, procurando obter á custa dos denunciantes um enriquecimento ilegítimo de todos os participados, quer sociedade, quer seus administradores.
w) Todos os arguidos, pessoas individuais, praticaram tais actos por si, e ainda na qualidade de sócios da sociedade por quotas “D………., Lda.” e posteriormente como administradores da sociedade anónima que resultou da transformação da anterior.
Imputam-lhes a prática dos seguintes crimes:
1. Um crime continuado de dano qualificado, previsto e punido pelos arts. 212° e 213° (n° 2 al. a) do Código Penal;
2. Um crime continuado de usurpação de coisa imóvel previsto e punido pelo art. 215° do Código Penal;
3. Um crime continuado de alteração de marcos (através da destruição dos marcos existentes) previsto e punido pelo artigo 216° do Código Penal.

Efectuado o debate instrutório, foi lavrado despacho de não pronúncia, assim fundamentado:
“Reagindo à decisão de arquivamento de fls. 180-1, apresentaram os assistentes o requerimento para abertura de instrução de fls. 226 a 245, dando-se agora por reproduzido o alegado nas duas referidas peças processuais.
Pelas razões indicadas nos despachos de fls. 270, 301 e hoje proferido, não foram em instrução realizados os actos probatórios pretendidos pelos assistentes, com excepção do requerido em D6, tendo porém prestado declarações nesta fase processual o assistente B………. e o arguido K………. .
Nenhuma excepção que cumpra desde já apreciar obsta à decisão instrutória.
(...)
No requerimento invocam os assistentes diversos fundamentos para concluir pela tempestividade da queixa apresentada no dia 31-03-2005.
Porém, importa desde logo notar que, apesar do alegado nos art.° 18 e segs. do requerimento, não se vislumbra no alegado sob a alínea F) (e relembra-se a delimitação do objecto de instrução que resulta designadamente do já citado art.° 309°), quaisquer circunstâncias que permitam concluir pela alegada unidade resolutiva entre actos alegadamente praticados com grande distanciação temporal, nem, ainda menos, quaisquer circunstâncias que consistam a conclusão pela verificação dos pressupostos do n.° 2 do pelos requerentes citado art.° 30 do CP.
Acresce que o alegado no art.° 16 do requerimento acerca da data em que os assistentes terão tido conhecimento dos factos foi claramente contrariado pelas declarações prestadas em instrução pelo próprio assistente B………. que situou os últimos actos de que entende ter sido vítima “há dois ou três anos atrás”, “talvez em 2003”, ocasião em que, disse o assistente, contactou a testemunha M………. de cujo depoimento em instrução resulta que em data não anterior a Dezembro de 2003 (não menos de um ano antes de ter solicitado uma planta na Câmara Municipal, o que sucedeu em 30-12-2004) já o assistente B………. lhe transmitira as suas queixas, portanto sabia dos factos em que as fundamentava.
Perante o já referido importa concluir pela extinção do direito de queixa, nos termos do art.° 115° do CP, de cujo exercício tempestivo sempre dependeria o procedimento criminal pelos ilícitos por que os assistentes pretendem ver os arguidos pronunciados.
Ainda que assim não se entendesse, não resulta dos elementos recolhidos em inquérito e em sede de instrução (nem, aliás, da factualidade alegada pelos requerentes em F) que concreta conduta é imputada a cada um dos cinco arguidos pessoas singulares, o que não deixa de ser consentâneo com o que o assistente B………. declarou em instrução, reconhecendo que a queixa deduzida contra alguns dos arguidos se fundava exclusivamente na circunstância de os mesmos integrarem os órgão societários da denunciada sociedade.
Relativamente a esta última, não resulta do alegado pelos requerentes nem se vislumbra qualquer dos pressupostos da responsabilidade criminal excepcional das pessoas colectivas previstos no art.° 11° do CP, na versão vigente à data da alegada prática dos factos ou mesmo na versão posterior.
Contrariamente ao alegado no art.° 14° do requerimento, o ali referido não basta (afigura-se que manifestamente) para concluir pela séria e efectiva probabilidade de condenação pela prática de crime que nos termos dos art.° 308° n.° 2 e 283° n.° 2, do CP, é pressuposto da eventual submissão a julgamento para apuramento de eventual responsabilidade criminal.
Pressuposto essencial dessa eventual responsabilidade no caso dos ilícitos referidos pelos requerentes, é a possibilidade de afirmação de culpa dolosa nos termos dos art.° 13° e 14°, do C.P. Consequentemente, pressuposto da eventual pronúncia seria a suficiente indiciação (entendida nos referidos termos) de que à conduta de qualquer dos arguidos tenha presidido intencionalidade nos termos previstos no citado art.° 14°.
Ora, é patente, não só perante as declarações prestadas pelos arguidos mas perante todos os restantes elementos de prova recolhidos, designadamente os enunciados pelos requerentes sob a alínea C), que existem dúvidas relativamente aos concretos limites espaciais dos prédios em causa e propriedade de alguns deles, o que desde logo suscita sérias dúvidas (que não é de prever que pudessem vir a ser ultrapassadas em eventual julgamento) quanto a alegada actuação dolosa de qualquer dos arguidos.
Não pode por certo confundir-se o eventual conhecimento da descrição matricial ou registral dos prédios com o conhecimento dos reais limites de cada um deles ou dos factos que permitiram atribuir a propriedade dos mesmos a A ou a B.
Existem, é patente (considerando o próprio teor do requerimento de abertura de instrução e demais requerimentos neste processo apresentados pelos assistentes) divergências entre assistentes e pelo menos alguns dos arguidos, respeitantes a questões de natureza cível, mas que, como já resulta do já exposto, não assumem relevância criminal, pelo que naquela sede, e através das vias processuais de que nessa sede os interessados poderão fazer uso, poderão tais divergências ser ultrapassadas.
Pelo exposto e mais uma vez invocando o disposto no art.° 308° do CPP, decido não pronunciar qualquer dos arguidos, antes determinando o oportuno arquivamento dos presentes autos”.

Inconformados, os assistentes interpuseram recurso, tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões:
1. Interpõem o presente recurso pois e em primeiro lugar entendem os recorrentes que a decisão proferida quanto ao momento em que estes tomaram conhecimento dos factos é merecedora de forte censura;
2. O Meritíssimo Juiz “a quo” sustentou a sua Decisão numa errada interpretação e ilações retiradas do depoimento do assistente/recorrente B………. e da Testemunha M………., ouvidos em sede de instrução que não podem claramente conter as virtualidades que se lhe apontam, por maioria de razão se se atender aos restantes elementos carreados para os autos e a própria participação efectuada. Do próprio depoimento desse assistente e da testemunha acima referida em sede de instrução se verifica que as ilações estão erradas.
3. Dos próprios trechos dos depoimentos indicados no despacho se retira isso e não é contrariado pela totalidade dos depoimentos cujo registo se indica no recurso.
4. Se por absurdo, assim não se entendesse, não poderiam nunca tais depoimentos e tal depoimento ser aplicado à assistente C………., também aqui recorrente pois a mesma não foi ouvida em sede de instrução, pelo que tal raciocínio/premissa errada nunca se lhe poderia aplicar a ela. Não era possível entender-se, e pelos motivos indicados no despacho de não pronúncia, que a sua queixa não foi tempestiva.
5. A descoberta da verdade, fim último da actuação, quer do
Ministério Publico quer do MM° Juiz de instrução, não foi o objectivo perseguido por tais entidades, procurando quer um quer outro vislumbrar aparentes razões para pôr fim ao processo não submetendo os arguidos a julgamento.
6. Os meios de prova que impunham decisão diversa da proferida consubstanciam-se nos depoimentos produzidos (assistentes - em inquérito e em instrução -, testemunhas e até os próprios arguidos) e nos documentos juntos pelos recorrentes em sede de inquérito.
7. Pois contém indícios mais do que suficientes para se proferir despacho de pronúncia de todos os arguidos pelos crimes indicados pelos assistentes no seu requerimento de abertura de instrução.
8. Indícios esses que constituem uma forte probabilidade de os arguidos vierem a ser condenados pelos crimes denunciados.
9. E ainda mais fortes eles seriam se se admitissem os pertinentes meios de prova requeridos pelos assistentes/recorrentes no requerimento de abertura de instrução e no próprio debate instrutório, pelo que requerem que os mesmos sejam ordenados com vista a uma decisão final mais consentânea com a justiça material, o que se requer expressamente.
10. E se retire a condenação em multa dos assistentes/recorridos pelo seu requerimento por falta de previsão legal não constituindo tal requerimento qualquer incidente ou motivo para tal
11. Não era exigível outro requerimento de abertura de instrução aos recorrentes, face à incipiente investigação pelo Ministério Público dos factos denunciados.
Apesar disso,
12. Verifica-se uma unidade resolutiva entre os factos denunciados nos três momentos indicados pelos recorrentes nos termos do n° 2 do art. 30° do C.P., e tal consta do requerimento de abertura de instrução.
13. Não se extinguiu o direito de queixa nos termos do art. 115° do C.P., pois foi tempestiva a mesma.
14. A conduta concreta imputada a cada um dos arguidos no requerimento de abertura de instrução é suficiente, além de ser a única possível face aos elementos de que dispunham os assistentes sendo suficiente para os levar a julgamento.
15. Sendo possível, imputar-lhes uma conduta intencional e dolosa.
16. E resultam dos autos uma forte probabilidade de os arguidos se julgados venham a final a ser condenados, pelo que os indícios são suficientes para se pronunciarem todos os arguidos.
17. E ainda, que assim não se entendesse, deverão ter lugar as diligências de prova consideradas necessárias e já proficuamente indicadas para que a final seja proferida decisão ponderada.
18. Pelo que competia sempre ao M.P. a legitimidade para exercer a respectiva acção penal, nos termos dos art.ºs 48 ° e 49° do Código do Processo Penal, e a final deduzir a competente acusação nos termos do art. 283° do CPP.
19. Atendendo-se ao supra descrito e aos indícios que resultam dos presentes autos, chega-se à conclusão que os arguidos agiram de forma livre, voluntária, consciente, dolosa e violenta com máquinas de grande porte destruíram marcos divisórios, quer naturais quer humanos, invadiram os prédios (imóveis) descritos nos autos, propriedade dos aqui recorrentes, cortaram, retiraram fazendo-as suas, destruíram e queimaram árvores propriedade dos aqui recorrentes, aí edificaram obras de relevo, bem sabendo que tais marcos delimitavam as propriedades, que os imóveis invadidos e as árvores ai existentes não lhes pertenciam, nem para tal estavam autorizados pelos seus legítimos proprietários.
20. Tais condutas, praticadas pelos arguidos de forma continuada, inclusive pela sociedade, preenchem os tipos legais dos crimes de Dano qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 212° e 213° do Código Penal, Usurpação de coisa imóvel previsto e punido pelo art. 215° do Código Penal, Alteração de marcos (através da destruição dos marcos existentes) previsto e punido pelo artigo 216° do Código Penal.
21. Face ao supra exposto, torna-se evidente que Decisão Instrutória de que se recorre violou de forma clara e manifesta os normativos previstos nos art.°s 11° 30° 115°, 212 e 213°, 215° e 216° do Código Penal e dos art.°s 48° e 49°, 53°, 283°, 286°, 288°, 292°, 302° n° 2, 306 ° n°s 1 e 308° n° 1 do Código do Processo Penal.
22. Impõem-se, assim, a revogação da Decisão recorrida.

Responderam os arguidos, com as seguintes conclusões:
1. Quando os recorrentes exerceram o seu direito de queixa, há muito que aquele se encontrava extinto;
2. Relativamente aos arguidos administradores da arguida sociedade, não há quaisquer indícios da prática dos crimes que lhes são imputados, isto porque nem sequer se vislumbrou que concreta conduta lhes fora imputada.
3. No que concerne à sociedade arguida, ficou também por esclarecer que conduta concretamente os recorrentes pretendem imputar-lhe.
4. Mais, ficou por estabelecer em que medida tal conduta permite aferir os pressupostos da responsabilidade criminal excepcional das pessoas colectivas.
5. Relativamente aos demais arguidos, não lograram os recorrentes fundamentar o dolo, a intencionalidade que, na sua versão, esteve subjacente às alegadas condutas dos arguidos.
6. Qualquer dos crimes que os recorrentes pretendiam imputar aos arguidos exigem, no tipo subjectivo, a verificação de dolo, sendo que no que respeita concretamente à usurpação de coisa móvel e à alteração de marcos, exige-se um dolo específico, de exercer um qualquer direito real de forma ilegítima no primeiro e a intenção de apropriação, para si ou para outrem, no segundo.
7. De toda a prova recolhida, não resulta de qualquer forma indícios de que os arguidos conhecessem os concretos limites espaciais dos prédios, existindo até dúvidas quanto à propriedade de alguns deles.
8. Inexistem igualmente fundamentos de que os alegados comportamentos dos arguidos tinham subjacente uma intencionalidade de sacrificar coisa alheia, uma intenção específica de exercerem um qualquer direito real de forma ilegítima ou a intenção de apropriação para si ou para outrem e, com tal formação de vontade, arrancarem ou alterarem marcos.
9. Cumpre esclarecer os recorrentes que a imputação de um crime pressupõe a subsunção de um comportamento do agente num tipo legal de crime e a análise dos elementos objectivos e subjectivos daquele tipo legal.
10. Mal andaria o mundo se os tribunais decidissem condenar criminalmente pessoas com base na dimensão e consequências materiais e financeiras da sua conduta, e não de acordo com os pressupostos da imputação objectiva e subjectiva, tal como a nossa Lei prevê.
11. Atendendo a que qualquer dos crimes que os recorrentes pretendem imputar aos arguidos só são puníveis a título de dolo e não se verificando qualquer facto que faça sequer indiciar a existência de dolo nos alegados comportamentos dos arguidos, mais uma vez andou bem o tribunal “a quo”, decidindo pela não pronúncia dos arguidos.
12. A não ser assim, seriam claramente violados os n.° 1 do artigo 115° do Código Penal e o n.° 1 do artigo 308° do Código de Processo Penal.

Respondeu também o M.º P.º, sem formular conclusões, defendendo o julgado.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite douto parecer no sentido de que “o despacho recorrido deve ser anulado, declarando-se a nulidade insanável de falta de legitimidade do Ministério Público para o respectivo procedimento, pelo menos no que concerne aos factos que integram crimes de natureza particular (artigos 212°, n° 4, 213°, n° 3 e 216°, n° 3, e 206° e 207°, al. a), do C. Penal, na versão anterior à conferida pela Lei 59/2007), e relativamente ao arguido E………., determinando-se o reenvio dos autos ao Ministério Público, a fim de sanar tal nulidade, com a observância do disposto no art.º 285°, n.ºs 1 e 2 do C.P.P., conquanto se nos prefigure que tal prejudica o conhecimento dos restantes aspectos suscitados pelo recurso”.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

Conforme expressamente consta do item 9 da queixa-crime apresentada, o arguido Sr. E………. é irmão do participante marido.
Tanto na queixa-crime, como no requerimento de abertura de instrução, é-lhe imputado, entre outros, a prática de um crime de dano qualificado p. e p. pelos art.ºs 212° e 213° do Código Penal.
Estatui o n.º 3 do art.º 213º do C. Penal que “É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 204º, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 206º e na alínea a) do artigo 207º”.
Segundo esta última alínea – a) do art.º 207º - o procedimento criminal depende de acusação particular se o agente for parente ou afim até ao 2º grau da vítima.
Os irmãos são parentes em 2º grau.
Equivale a dizer que o crime de dano qualificado é de natureza particular.
Também o crime de alteração de marcos, nestas circunstâncias, é de natureza particular – cfr. art.º 216º, n.º 3 do C. Penal.
Nos crimes de natureza particular o M.º P.º apenas tem legitimidade para promover o processo penal se o ofendido, para além de se queixar, se constituir assistente e deduzir acusação particular – art.ºs 48º e 50º do CPP.
O requerimento a solicitar a constituição de assistente tem lugar no prazo de 8 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do art.º 246º - art.º 68º, n.º 2 do CPP.
Ou seja, deveria o M.º P.º ter notificado os queixosos para, querendo, se constituírem assistentes.
Por não terem sido notificados, não podiam os queixosos ver precludido o direito de requerer a constituição como assistentes.
Destarte, deve considerar-se tempestivo o requerimento feito posteriormente, e já deferido.
Sucede, porém, que, nos crimes de natureza particular, findo o inquérito, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza, em dez dias, querendo, acusação particular, indicando, nessa notificação, se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes – art.º 285º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
O M.º P.º carece de legitimidade para, por si só, acusar quando os crimes assumem a referida natureza.
De resto, apenas pode acusar pelos mesmos factos, constantes da acusação particular, ou por parte deles, desde que não importem alteração substancial daqueles – art.º 285º, n.º 4 do CPP.
Por isso, não pode determinar o arquivamento dos autos sem que se cumpra o estatuído no art.º 285º do CPP.
Ora, no caso dos autos, o M.º P.º arquivou o processo sem que ordenasse a notificação dos assistentes para, querendo, deduzirem acusação particular, sendo certo que o requerimento de abertura da instrução não substitui, de forma alguma, a acusação particular.
A não notificação dos assistentes para, querendo, deduzirem acusação, nos crimes de natureza particular, constitui nulidade insanável nos termos da alínea a) do art.º 119º do CPP., a qual deve oficiosamente ser declarada em qualquer fase do procedimento (corpo do art.º 119º do CPP), e importa a anulação de todo o processado a partir do despacho do M.º P.º que determinou o arquivamento dos autos, este incluído.
Porque assim, prejudicada a análise de todas as questões colocadas no presente recurso.

Mas não sem que se diga:
1. Quanto à tempestividade da queixa
É bom que os assistentes não esqueçam, e as autoridades judiciárias tenham presente, a confissão que aqueles fazem no requerimento de abertura da instrução relativamente ao tempo de conhecimento dos factos:
Há já algum tempo, que terá ocorrido há cerca de doze/dez anos os participados, ampliaram as instalações fabris da participada “D………., SA”, ocupando inicialmente parte do art. 551° propriedade dos aqui denunciantes. Nomeadamente com violência ordenaram o corte de árvores tendo sido cortadas e derrubadas as mesmas, requereram licenças de ampliação da fábrica como se o referido prédio lhes pertencesse, e com máquinas entraram no referido 551° procedendo à sua preparação para obras de ampliação que aí tiveram lugar, e construíram em betão e outros materiais novas edificações.
Pouco tempo após tal data, o aqui arguido E………. (irmão do aqui denunciante marido), alertado e advertido para o facto pelo aqui denunciante marido quando deu conta do sucedido, reconheceu a propriedade dos denunciantes sobre as parcelas ocupadas, reconhecendo os factos praticados, e dispondo-se a repor a situação anterior, ou pelo menos compensa-lo pela invasão e ocupação, não o tendo feito até ao presente nem está na disposição de o fazer. Quando ocuparam essa parcela de terreno (parte do art. 551°), o participado/arguido E………. deu ordens expressas a quem mandou proceder ao corte das árvores ai existentes - Eng.º L………. -, para cortar e remover as suas arvores e as de seu irmão (o aqui denunciante marido), dizendo falsamente que estaria a proceder de acordo com o mesmo.
Os denunciantes (sic, no plural) que são donos dos referidos prédios ocupados apenas tiveram conhecimento de parte dos factos há cerca de 10 anos atrás e posteriormente só tiveram novamente conhecimento de novos factos em Dezembro de 2004 e em Março de 2005, mantendo-se a ocupação ainda na presente data.

2. Quanto à responsabilidade das pessoas colectivas
O artigo 11º do C. Penal, vigente à data da prática dos factos (antes da revisão operada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro) estipulava que, salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
O que vale por dizer que a responsabilidade das pessoas colectivas era excepcional.
Inexistia qualquer norma excepcional que permitisse a punição de pessoas colectivas como autores de crime de dano, de alteração de marcos e/ou de usurpação de imóveis.
Daí que o requerimento de abertura de instrução, contra a sociedade, devesse ter sido rejeitado por manifestamente infundado.

3. O conceito de violência
Trata-se de conceito normativo, que tem de se extrair da factualidade alegada.
Quando as máquinas derrubam árvores, estão a cumprir a sua missão, sendo a “violência” proporcional à força das máquinas.
Não é neste sentido que a lei trata a violência.

Em todo o caso, porque se trata de questões prejudicadas pela declaração de nulidade, nada mais se dirá a este respeito.

DECISÃO:
Termos em que, na procedência da questão prévia suscitada pelo Ex.mo PGA, se declara nulo todo o processado a partir do despacho do M.º P.º que determinou o arquivamento dos autos, este incluído, determinando-se a remessa dos autos ao M.º P.º para que seja sanada tal nulidade.
Sem tributação.

Porto, 24/09/2008
Francisco Marcolino de Jesus
Élia Costa de Mendonça São Pedro