Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
237/10.4TABCL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
GERENTE
REGISTO COMERCIAL
Nº do Documento: RP20130220237/10.4TABCL.P1
Data do Acordão: 02/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A acusação deduzida pelo MP contra uma sociedade comercial por quotas deve ser notificada a quem efectivamente exerça a gerência a fim de lhe permitir o exercício do direito de defesa.
II – A notificação feita a quem do registo comercial consta como gerente, mas que o não é, na realidade, por cessão de funções, configura irregularidade que, tempestivamente arguida, importa a anulação da notificação e actos subsequentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 237/10.4TABCL.P1
1.º Juízo Criminal do Tribunal de Vila do Conde

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório.
B…, Ld.ª, C… e D… recorreram da sentença proferida no processo em epígrafe que condenou, cada um deles, como autores materiais e na forma consumada, de um crime de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, 12.º, n.os 2 e 3, 105.º, n.os 1, 4 e 7, e 107.º, n.º 1, do RGIT e do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, nas seguintes penas:
i. a primeira, 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 30 (trinta euros), perfazendo o montante global de € 9.000 (nove mil euros);
ii. o segundo, 9 (nove) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 2 (dois) anos, condicionada ao pagamento, no prazo de 2 (dois) anos, da quantia de € 55.067,24 (cinquenta e cinco mil e sessenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) e acréscimos legais; e
iii. o terceiro, 11 (onze) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos, condicionando-se a suspensão ao pagamento, no prazo de 2 (dois) anos, da quantia de € 63.179,40 (sessenta e três mil cento e setenta e nove euros e quarenta cêntimos) e acréscimos legais,

pedindo que a mesma seja revogada e os mesmos absolvidos dos crimes de que vêm acusados ou, pelo menos, alteradas as penas, culminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões:[1]
I - A matéria de facto considerada provada e supra identificada sob os itens 4, 5, 6 e 8 deve ser alterada, retirando-se a referência ao arguido C… desses itens, na sequência da reapreciação e do exame crítico dos depoimentos das testemunhas E… e F…, gravado em suporte digital, nomeadamente das passagens infra concretamente identificadas, porquanto não foi feita prova suficiente ou sequer indiciária quanto à concreta actuação do referido arguido nos actos aí expostos.
II - Assim, a testemunha E…, no seu depoimento, ao minuto 07:40, diz sobre este ponto:
Magistrada do MP: O seu patrão, aquela pessoa que conhecia como patrão, que falava consigo no dia a dia se era preciso alguma coisa era ali o Sr. Eng.º
Testemunha: Exactamente.
MMP: nunca contactou ali com o Sr. C…?
T: Não.
III - Por seu turno, o depoimento da testemunha F… também miada afirma no sentido que o Tribunal a quo seguiu sobre esta matéria, referindo o mesmo, ao minuto 06:30 do seu depoimento, num dos momentos em que se refere a esta matéria, o seguinte:
Testemunha: (...) Quem geria de facto a empresa, mais na componente financeira, era o Sr. Eng.º D….
Juíza: O Sr. Dr. Como técnico oficial de contas era quem elaborava as declarações para serem entregues?
Testemunha: Sim senhora.
Juíza: E então, quando era necessário, por exemplo no IVA, fazer acompanhar do meio de pagamento, como é que fazia?
Testemunha: Sôtora, quando era necessário fazer acompanhar o IVA com o meio de pagamento, dirigia-me à entidade, neste caso D…, dizia-lhe há X IVA a pagar (...)
(...)
Juíza: Nessa altura falava com o Sr. Eng.º D… e com o Sr. C…?
Testemunha: O Sr. C… era uma pessoa que estava na empresa, mas…
Juíza: O que é que se apercebia se tinha alguma intervenção nestas contas da sociedade do que era para fazer, se também dizia era para pagar a fornecedores, era para pagar à Segurança Social era para pagar o IVA...
Testemunha: Muitas das vezes não era para pagar a nada, mas não era o Sr. C… que definia isso. Eu reunia-me, eu não posso reunir com todos os sócios das empresas, tenho que reunir com quem tem o pelouro, que me diz é com esta pessoa que o Sr. lida, portanto eu sempre lidei com o Sr. Eng.º D…, como poderia ter lidado com o Sr. C…, mas prontos, o Sr. C… tinha outras funções, corno é óbvio.
(...)
Advogado: (...) O Sr. C… está aqui nas instalações da B… normalmente todos os dias ou não?
Testemunha: O Sr. C… normalmente não está. O Sr. C… exerce urna parte comercial, tem o mercado de Coimbra para baixo, faz essencialmente a zona de Lisboa, está lá radicalizado, era impensável fazermos o mercado de Lisboa com alguém a ir e vir todos os dias.
O Sr. C… que eu vejo de 4 em 4 meses, de 5 em 5 meses, é assim que eu o vejo, está lá sedeado.
Advogado: Portanto, com quem lida no dia a dia é com o Sr. Eng.º D…? Testemunha: Sim. E agora com o novo gerente que a empresa tem.
IV - E mais tarde, no minuto 24:06, refere ainda a testemunha o seguinte:
Juíza: O Sr. C… intervinha ou não na decisão de pagamentos a fornecedores, aos trabalhadores de pagamentos de impostos e contribuições?
Testemunha: (...) quem acompanhava isso era de facto o Sr. Eng.º
V - Tendo sido estes os depoimentos sobre os quais assentou a decisão de facto sobre os indicados pontos 4, 5, 6 e 8, deve dos mesmos ser retirada a participação do arguido C…, passando a constar aí apenas o nome do arguido D….
VI - Por sua vez, a matéria de facto considerada provada e supra identificada na inativação sob os itens 8 e 11 deve ser alterada, considerando-se pagas as quotizações referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, na sequência da reapreciação dos documentos juntos a fls. 3 a 40, 72 a 75, 77, 83 a 86, 88 a 201, 224 a 230, 256 a 261, 265 a 270 e 327 a 331 dos autos e da reapreciação do depoimento da testemunha G…, gravado em suporte digital, nomeadamente nas duas passagens infra concretamente identificadas, porquanto foi feita prova suficiente e plena de que as cotizações referidas foram pagas pelos arguidos.
VII A testemunha G…, no seu depoimento gravado em suporte digital, ao minuto 07:21, afirmou o seguinte:
Advogado: Nesta participação de 14 de Abril de 2009 o Sr. fala no montante total de €76368,95, o que eu lhe pergunto é, neste processo de inquérito não foram acrescentadas mais dívidas, o que foram foi feitos pagamentos parciais.
Testemunha: Não, não. Foram deduzidos os pagamentos em prestações que foram efectuados na secção de processos.
Advogado: A minha questão, e vou ao que efectivamente interessa, não vejo nesta sua participação crime referência aos meses de Outubro Novembro e Dezembro de 2007, embora haja referência ao mês de Julho de 2008, eu queria-lhe perguntar se me sabe dizer, porquê?
Testemunha: Ah!, está pago sôtor! Está Pago. Nunca constaram
Advogado: Portanto, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 estão também pagos.
Testemunha: Estão, estão sôtor, Julho, Agosto, Outubro, Novembro, é... Advogado: que na acusação constam estes valores, mas na sua participação efectivamente não constam estes meses como estando em dívida.
Testemunha: Pois, não estavam. (...)
Testemunha: Ó sôtor, estes meses foram pagos. Constavam do mapa inicial, mas depois foram integralmente pagos na secção de processo executivo.
Advogado: Ah!, pronto, por isso é que o Sr. não os fez constar na sua participação crime?
Testemunha: Já não os fiz constar. Quando elaborei já tinha conhecimento do seu pagamento e já não os fiz constar, sôtor. Embora no mapa inicial estavam em dívida, mas depois posteriormente há a notificação para pagamento, que é quando se faz a participação crime, já estavam pagos e eu relevei isso.
VIII - E, de seguida, a instâncias da Meritíssima Juíza, ao minuto 09:35, refere ainda esta testemunha:
Juíza: Portanto há aqui um mapa de valores deduzidos e não entregues. Tem a assinatura do Sr. sobre um carimbo, assessor G…, foi o Sr. que fez este mapa, não é?
Testemunha: Sim, sôtora. Fui fui.
Juíza: O tal mapa anexo à participação, a fls. 38 a 40. E aqui neste mapa faz-se referência a Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, com a indicação ... tem aí esse mapa? Tem? Pronto. Se for ver na última página faz a referência a Outubro, Novembro e Dezembro e portanto é o mapa que acompanha a participação do auto de notícia, e na parte dos retidos e não pagos está zero, zero, zero. Então é porque nessa altura não estavam pagos?
Testemunha: Estavam pagos sôtora! Efectivamente retidos e não pagos está a zeros, porque
Juíza: Está bem, está bem. Os zeros é porque tinham sido pagos. Exacto. Então porque razão é que se indicaram estes valores aqui? E no pedido cível, já agora.
Testemunha: No pedido cível não estão. Aqui não estão.
(...)
Juíza: Também foi o Sr. que elaborou o mapa que acompanhou o pedido cível?
Testemunha: Fui, sôtora, fui.
Juíza: E de facto não estão. Muito bem. Mas esses valores tais de Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 já tinham sido pagos antes da participação crime, não é assim?
Testemunha: Exactamente, sôtora. Foram pagos entre o momento que elaborei o mapa e a notificação.
IX - Assim, reapreciando estas passagens do depoimento da testemunha G…, ao minuto 07:21 e ao minuto 9:35, bem como os documentos juntos a fls. 38 a 40, 72 a 75, 77, 83 a 86, 88 a 201, 224 a 230, 256 a 261, 265 a 270 e 327 a 331 dos autos, deve considerar-se pagas as quotizações referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, alterando-se em consequência a matéria constante dos itens 8 e 11 da matéria de facto.
X - Por fim, a matéria de facto considerada provada e supra identificada sob o item 44 deve ser alterada, considerando-se não provada, porquanto o exame ao registo criminal de fls. 509 e seguintes é suficiente para concluir que a condenação do arguido C… foi extinta, por descriminalização da conduta; tendo sido reconhecida judicialmente a descriminalização da conduta anterior do arguido, não pode esta ser tida em conta nos presentes autos penais, mormente para a ponderação da sua pena.
XI - Tendo em atenção a alteração dos factos conforme acima referido, deve o arguido C… ser absolvido dos crimes que lhe são imputados.
XII - A conduta dos arguidos não pode ser tipificada como um crime continuado, uma vez que foram efectuados vários pagamentos à Segurança Social em diversos meses interpolados.
XIII - Assim, nos termos do art.º 21.º, n.º 1, do RGIT, o procedimento criminal referente às condutas dos arguidos anteriores a Setembro de 2005 encontra-se prescrito, devendo este processo ser assim extinto.
XIV - Atendendo à redacção actual do art.º 105.º do RGIT e à remissão que é feita do art.º 107.º do mesmo diploma, terá de se considerar que se encontra preenchido o tipo legal de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social se os valores retidos forem superiores a € 7.500,00.
XV - Pelo que, sendo os valores das prestações em causa nos presentes autos inferiores a € 7.500,00, sempre terão os Arguidos de ser absolvidos do crime de que vêm acusados, uma vez que a conduta dos mesmos se encontra descriminalizada.
XVI - A não entrega à Segurança Social das quantias enunciadas nos autos destinaram-se exclusivamente à manutenção do funcionamento da empresa e do pagamento dos salários aos trabalhadores, pelo que, ao contrário do que menciona a Sentença recorrida, verifica-se uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa dos arguidos.
XVII - A ser aplicada uma pena aos arguidos, a mesma deverá ser de multa e não de prisão, ponderando toda a factualidade apurada.
XVIII - A pena de multa, ao contrário no que se decidiu na douta sentença recorrida, cumpre integralmente quer os fins de prevenção especial, quer de prevenção geral previstos na norma penal violada.
XIX - Mesmo que assim se não entenda, e a entender-se adequada a pena de prisão, atendendo à factualidade respeitante às circunstâncias em que os factos delituosos foram praticados, crê-se que a pena de prisão nunca deveria ser fixada em período superior a um mês para o arguido C… e a dois meses para o arguido D….
XX - Entende-se ainda que é imperioso alterar a sentença recorrida no sentido de aumentar para 5 anos o prazo de suspensão de execução, porquanto a suspensão da pena de prisão em que foram condenados os arguidos, condicionada ao pagamento de cerca de € 50.000,00 em 2 anos, constitui uni erro jurídico, violando grosseiramente, além do mais, o princípio da proporcionalidade, equivalendo à negação dessa própria suspensão.
XXI - Também essa suspensão a ser condicionada ao pagamento da quantia em dívida deve ser então condicionada à quantia efectivamente em dívida, € 53.954,67, e não a quantia superior, como sucedeu na sentença recorrida.
XXII - Por fim também a pena aplicada à arguida B… é exagerada, nomeadamente no quantitativo diário fixado - €30 — e nos dias aplicados - 300.
XXIII - Como tal, entendem os arguidos que deve o quantitativo diário ser reduzido para 5 euros e a pena não se fixar em mais de 100 dias de multa.

Respondeu o Ministério Público, sustentando que o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.

Anteriormente, a arguida B…, Ld.ª recorrera do despacho proferido pela Mm.ª Juiz no início da audiência de julgamento acerca do requerimento que aquela havia apresentado a folhas 515 e seguintes, no dia 18-05-2011, no qual arguíra a nulidade das suas notificações atinentes ao despacho de acusação e de recebimento desta, alegando, em síntese, que não foi deles notificada na pessoa do seu legal representante, porquanto desde 20-12-2010, o seu gerente é H…, pedindo que seja revogado e decretada a nulidade da sua notificação (ou da omissão de notificação) quer para abrir instrução, quer da data de julgamento, para contestar e apresentar a sua prova, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
I. Desde 20 de Dezembro de 2010 que o gerente da Recorrente é o Sr. H….
II. O Sr. C… renunciou às funções de gerência na Recorrente em 13 de Janeiro de 2011 e o arguido D… renunciou às mesmas funções em 10 de Novembro de 2009.
III. A notificação dirigida à Recorrente para abrir instrução foi dirigida ao Sr. C… e foi recebida em 16 de Janeiro de 2011 e a notificação da data da audiência de julgamento foi remetida ao mesmo co-arguido e recebida em 30 de Março de 2011.
IV. Tendo o Tribunal conhecimento de que a gerência da Recorrente se alterou, não pode ignorar essa alteração e deve pugnar pela notificação do actual gerente e legal representante da arguida, ora Recorrente.
V. A Recorrente não foi regularmente citada na pessoa do seu anterior gerente, por ter sido efectuada a notificação em pessoa que, à data da mesma, não era representante legal da ré.
VI. É irrelevante para este caso o registo da renúncia à gerência, o qual, de todo o modo, foi apresentado atempadamente, bem como é irrelevante a invocada oponibilidade a terceiros a que se refere o artigo 14° do Código do Registo Comercial, porquanto essa norma visa proteger terceiros da actividade da sociedade e não o contrário, como sucede nestes autos, onde a sociedade é arguida, demandada e não Autora.
VII. A notificação só é regular se for efectuada na pessoa do seu representante legal com poderes para a representar em juízo, o que não sucedeu nestes autos.
VIII. Acresce que, ao contrário do referido no despacho recorrido, a Recorrente não prestou Termo de Identidade e Residência nestes autos, quem o prestou foram os restantes co-arguidos mas sempre e apenas em nome pessoal, pelo que ainda assim não é regular a notificação da Recorrente mediante o envio de carta remetida para os anteriores gerentes, que já o não eram aquando da recepção das mesmas.
IX. O artigo 196.º, n.os 2 e 3, c) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que são regulares as notificações efectuadas por via postal simples a um ex-gerente da sociedade arguida que prestou TIR nos autos, é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 5 da CRP.
X. A arguição da nulidade por parte da Recorrente foi efectuada atempadamente e na primeira intervenção desta nos autos.

Para tal notificado, o Ministério Público não respondeu a este recurso.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos recursos e nada disse acerca do mérito deles, quer inicialmente, quer após o aperfeiçoamento do recurso da sentença final apresentado pelos recorrentes.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o recorrente, na resposta, reafirmado o sentido do recurso.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
***
II - Fundamentação.
1.1. Da sentença recorrida:
a) Factos julgados provados:
1. A primeira arguida é uma sociedade por quotas, constituída em 1980, dedicada à actividade de comércio de electrodomésticos, máquinas industriais e material eléctrico e à actividade de reparação, fabrico e montagem de refrigeração.
2. Inicialmente denominada «I…, Lda.» e com sede no …, Póvoa de Varzim, a sociedade arguida, em 2006, mudou a sua sede para a Rua …, nº …, .1º, em Vila do Conde, e, por deliberação de 10.11.2009, mudou a sua sede para a …, nºs … e …, «…», .º andar, loja .., em Barcelos, e passou a designar-se «B…, Lda.»
3. O segundo e terceiro arguidos, no período compreendido entre 2003 e Novembro de 2006, tendo o segundo arguido renunciado à gerência em Outubro de 2006, e apenas o terceiro arguido, desde então até 2009, constavam no Registo Comercial como os únicos gerentes da sociedade arguida, sendo necessária a assinatura de ambos para vincular aquela.
4. Os arguidos C… e D… davam as ordens sobre a actividade da sociedade, decidiam sobre a gestão das despesas e receitas geradas com tal actividade e do pagamento das prestações tributárias devidas por aquela sociedade, o primeiro no período compreendido entre 2003 e Outubro de 2006 e o segundo desde 2003 até 2009.
5. No âmbito da actividade indicada em 1), a sociedade arguida empregava diversos trabalhadores, que prestavam serviço sob as ordens e direcção dos arguidos C… e D…, no seu estabelecimento, e a quem eram pagas as correspondentes remunerações, depois de retida a percentagem relativa às contribuições de tais trabalhadores para a Segurança Social.
6. A partir de Setembro de 2003 até Outubro de 2006, actuando em nome da sociedade arguida, os arguidos C… e D…, em cada momento em que deveriam entregar à Segurança Social as cotizações que mensalmente descontavam das remunerações pagas aos trabalhadores e aos membros dos órgãos sociais, às taxas de 11% e 10%, respectivamente, decidiam, de comum acordo, não entregá-las nos cofres da Segurança Social e utilizavam-nas no pagamento dos salários dos funcionários, a fornecedores de matérias-primas da sociedade arguida e nos seus próprios vencimentos.
7. A partir de Novembro de 2006, actuando em nome da sociedade arguida, o arguido D…, em cada momento em que deveria entregar à Segurança Social as cotizações que mensalmente descontava das remunerações pagas aos trabalhadores e aos membros dos órgãos sociais, às taxas de 11% e 10%, respectivamente, decidiu não entregá-las nos cofres da Segurança Social e utilizava-as no pagamento dos salários dos funcionários, a fornecedores de matérias-primas da sociedade arguida e nos seus próprios vencimentos.
8. Assim, nos períodos em que respectivamente exerceram as funções indicadas em 4), os arguidos C… e D… retiveram das remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida, os seguintes valores:
- Setembro de 2003...........................2.553,01€
- Novembro de 2003.........................2.195,66€
- Dezembro de 2003..........................3.585,63€
- Fevereiro de 2004...........................1.735,54€
- Março de 2004................................1.751,61€
- Abril de 2004………………………. 1.712,76€
- Maio de 2004.............................….1.668,67€
- Junho de 2004.................................1.672,77€
- Julho de 2004..................................1.758,97€
- Agosto de 2004...............................1.801,92€
- Setembro de 2004............................2.483,01€
- Novembro de 2004..........................2.311,76€
- Dezembro de 2004...........................3.680,95€
- Janeiro de 2005................................1.954,41€
- Fevereiro de 2005............................1.753,64€
- Março de 2005.................................1.867,01€
- Abril de 2005...................................1.927,58€
- Maio de 2005...................................1.901,01€
- Junho de 2005..................................1.901,01€
- Julho de 2005...................................1.901,01€
- Agosto de 2005................................1.975,90€
- Fevereiro de 2006............................1.891,47€
- Março de 2006.................................1.891,47€
- Abril de 2006...................................2.088,93€
- Junho de 2006..................................2.116,29€
- Novembro de 2006...........................2.414,28€
- Dezembro de 2006..…………………3.776,46€
- Fevereiro de 2007…..……………….1.925,73€
- Março de 2007……………………….1.997,47€
- Abril de 2007…………………………2.225,52€
- Maio de 2007…………………………1.958,36€
- Junho de 2007..………………………1.983,17€
- Setembro de 2007……………………1.979,47€
- Outubro de 2007..…………………...2.177,21€
- Novembro de 2007…………….……1.921,57€
- Dezembro de 2007…………….……3.834,25€
- Julho de 2008…………….…………1.966,50€.
9. Assim, nos períodos em que respectivamente exerceram as funções indicadas em 4), os arguidos C… e D…, quanto ao valor das remunerações pagas aos membros dos órgãos sociais, retiveram a quantia de 119,41€, relativamente a cada um dos meses de Setembro, Novembro e Dezembro de 2003, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2004, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto de 2005, Fevereiro, Março, Abril, Junho e Outubro de 2006, e o arguido D… reteve a quantia de 59,71€ relativamente a cada um dos meses de Novembro e Dezembro de 2006, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2007 e Julho de 2008.
10. Nos meses referidos em 8) e 9), os arguidos, nos períodos em que respectivamente exerceram as funções indicadas em 4), apesar de terem entregue à Segurança Social as folhas de remuneração relativas aos seus empregados e corpos gerentes, não entregaram os montantes indicados em 8) e 9) à Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem no prazo de 90 dias decorrido sobre o termo daquele prazo.
11. Posteriormente os arguidos C… e D… efectuaram pagamentos, no valor global de 7.481,28 €, referentes às cotizações relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2006, Fevereiro a Junho e Setembro de 2007 e Julho de 2008.
12. No dia 13.03.2009, a sociedade arguida e o arguido D… e, em 4.08.2010, o arguido C… foram notificados para, querendo, efectuarem, junto do I.S.S., o pagamento das quantias indicadas em falta, com os acréscimos legais, no prazo de 30 dias, e não o fizeram no indicado prazo.
13. Os arguidos sabiam que as quantias mencionadas em 8) e 9) não lhes pertenciam nem à sociedade arguida, que não podiam dispor das mesmas e deviam entregá-las à Segurança Social nos prazos supra indicados e, não obstante, quiseram actuar do modo supra descrito.
14. Os arguidos actuaram em comunhão e conjugação de esforços e intentos desde Setembro de 2003 até Outubro de 2006, prosseguindo o arguido D… na descrita conduta até 2009.
15. Os arguidos agiram sempre voluntária, livre e conscientemente, em nome e no interesse da sociedade arguida.
16. Os arguidos actuaram aproveitando a oportunidade favorável à prática dos factos descritos e relativamente aos períodos em que respectivamente exerceram as funções indicadas em 4), dado que, após a prática dos primeiros factos, não foram alvo de qualquer fiscalização ou penalização e verificaram persistir a possibilidade de repetirem as suas condutas.
17. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
b) Da contestação:
18. Do registo comercial consta a renúncia ao cargo de gerente, em 10 de Novembro de 2009, pelo arguido D… fls. 564
19. Do registo comercial consta a renúncia ao cargo de gerente, em 13 de Janeiro de 2011, pelo arguido C….
20. Os arguidos agiram do modo descrito em 6) a 9) pelo facto de a sociedade arguida não dispor de meios financeiros para pagar todas as suas despesas e com o propósito de manterem a sociedade em laboração.
21. Na década de 90, a sociedade arguida não recebeu de clientes o pagamento de encomendas que produziu e lhes entregou.
22. O arguido C… é vendedor no Sul de Portugal, desempenhando essa actividade desde 1997, pernoitando no Sul de Portugal.
23. Passam-se semanas e meses sem que o arguido C… entre nas instalações da “B…”.
Mais se provou que:
24. A sociedade foi constituída arguida nestes autos no dia 1.09.2010, conforme doc. a fls. 287-288, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. O arguido C… foi constituído arguido nestes autos no dia 4.08.2010, conforme doc. a fls. 274-276, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. O arguido D… foi constituído arguido nestes autos no dia 1.09.2010, conforme doc. a fls. 289-290, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
27. A acusação foi notificada à sociedade arguida e ao arguido D…, mediante carta depositada na caixa de correio da morada constante do TIR a fls. 291 no dia 11.01.2011 – fls. 381-382 e 388, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28. A acusação foi notificada à sociedade arguida e ao arguido C…, mediante carta depositada na caixa de correio da morada constante do TIR a fls. 277 no dia 11.01.2011 – fls. 379-380 e 389, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29. A sociedade arguida labora, empregando entre 20 a 30 funcionários, despendendo cerca de 25.000 € em vencimentos.
30. Tem a seu cargo duas rendas mensais, nos montantes de 1.500 € e 400 €, correspondentes às instalações do fabrico e dos escritórios da empresa, respectivamente.
31. No exercício de 2007, a sociedade arguida apresentou o prejuízo para efeitos fiscais de 60.415,82 €.
32. No exercício de 2008, a sociedade arguida apresentou o lucro tributável de 42.092,16 €.
33. No exercício de 2009, a sociedade arguida apresentou o prejuízo para efeitos fiscais de 6.434,53 €.
34. O arguido C… exerce funções de técnico comercial na sociedade arguida, auferindo o vencimento mensal líquido de cerca de 1.000 €.
35. É divorciado e reside sozinho, em casa arrendada, pagando a renda mensal de 409,20 €.
36. Tem dois filhos, com 37 e 35 anos, que não estão a seu cargo.
37. Tem a seu cargo uma prestação mensal de 169,20 €, atinente a um empréstimo bancário contraído para a aquisição do seu veículo automóvel.
38. Completou o curso geral do comércio.
39. O arguido D… exerce a actividade de director geral da sociedade arguida, auferindo o vencimento mensal líquido de cerca de 1.200 €.
40. É divorciado e reside sozinho, em casa arrendada, pagando a renda mensal de 300 €.
41. Tem dois filhos, com 22 e 17 anos de idade, os quais residem com a mãe e são estudantes. Presta-lhes alimentos no valor mensal global de 350 €.
42. Encontra-se habilitado com o bacharelato em Engenharia Electrotécnica.
43. Do certificado do registo criminal da sociedade arguida nada consta.
44. O arguido C… foi condenado no Processo n.º 278/00.0TAPVZ, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, pela prática, 20.02.1995, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 24.º, n.os 1, 2, 5 e 6, do D.L. n.º 20-A/90, de 15.01, e D.L. n.º 394/93, de 24.11, e artigos 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, sob a condição de pagar ao Estado, no prazo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da sentença, a quantia de imposto em dívida e legais acréscimos, por sentença de 6.12.2001, transitada em julgado em 17.03.2004.
45. O arguido D… foi condenado no Processo n.º 106/01.9IDPRT, do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, pela prática, em Janeiro de 2000, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, por acórdão de 4.02.2010, transitado em julgado em 22.02.2010.

b) Factos julgados não provados:
Da acusação:
a) Cada um dos arguidos actuou sob uma única resolução.
b) Os arguidos actuaram com o propósito, concretizado, de fazerem suas as quantias indicadas em 8) e 9).
Da contestação:
c) A Fazenda Pública, em processos de execução, penhorou todos os bens da “B…”.
d) A Fazenda Pública penhorou direitos de crédito à “B…” nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, que a primeira recebeu e não entregou à segunda.
e) A Fazenda Pública vendeu bens da “B…”, nomeadamente um imóvel.
f) O produto das vendas referidas em e) e os créditos penhorados a clientes da “B…” reverteram para pagamento de impostos e prestações à Segurança Social por aquela devidos.
g) A “B…” emitiu os recibos relativamente às quantias referidas em d).
h) Sempre que a sociedade arguida dispõe de liquidez, procede ao imediato pagamento de impostos e contribuições.
i) Se nos períodos indicados em 8) e 9) os arguidos tivessem optado pelo pagamento dos impostos ao Estado e das contribuições à Segurança Social, a “B…” teria deixado de laborar e os seus trabalhadores ficariam sem emprego.
j) O propósito referido em 20) visava obter dinheiro para, posteriormente, a sociedade arguida efectuar os pagamentos ao Estado.
k) A partir de 2001, o arguido C… fixou a sua residência permanente na zona de Lisboa, onde arrendou cada e actualmente reside.
l) Entre 2003 e Novembro de 2006, o arguido C… desconhecia a situação económica e financeira da sociedade arguida.
m) Entre 2003 e Outubro de 2006, os arguidos C… e D… não tomaram conjuntamente a decisão de deixarem de efectuar a entrega das contribuições à Segurança Social.
n) Os arguidos C… e D… são pessoas respeitadas e consideradas entre vizinhos e amigos.

c) Fundamentação da decisão da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento.
A factualidade sob os n.os 1 a 3 e 18 a 19 assenta no teor da certidão permanente do registo comercial de fls. 546 a 556, em conjugação com a informação a fls. 51 a 63.
O arguido D… assumiu o exercício da gestão da sociedade arguida durante todo o período de tempo a que se reporta a acusação, sustentando que o arguido C… sempre exerceu funções fora das instalações da empresa, apenas relacionadas com a parte comercial, sendo o arguido D… quem tudo decidia, incluindo os pagamentos a fornecedores e a trabalhadores. Contudo, o mesmo arguido referiu que o arguido C… estava a par da difícil situação financeira em que a sociedade arguida se encontrava, apesar de se limitar a assinar o fecho de contas.
Ora, não obstante o arguido D… procurar centrar em si a gestão, em exclusivo, da sociedade arguida, o Tribunal concluiu que o arguido C…, o qual estava ciente da sua qualidade de gerente, dava o seu acordo, pelo menos tácito, ao modo como era empregado o dinheiro de que a sociedade dispunha e, por conseguinte, participava de tal decisão, conjuntamente com o arguido D…, pois nada fazia para contrariar a omissão dos pagamentos à Segurança Social, de que estava a par e com que se conformou. Aliás, o próprio arguido C… acabou por admitir que, apesar de frequentemente se encontrar geograficamente distante das instalações da sociedade arguida, conhecia a situação financeira desta e delegava a execução das decisões no arguido D…, o que fazia conscientemente, sendo que este lhe comunicava que os pagamentos à Segurança Social não eram efectuados. Acresce que a testemunha E… (que exerce funções de escriturária da sociedade desde 1992), prestando um depoimento sincero e desinteressado, embora tenha dito que era o arguido D… a pessoa com quem contactava para alguma questão que se suscitava na empresa, reconheceu expressamente ao arguido C… o cargo de direcção da empresa, referindo que considerava ambos os arguidos como seus empregadores até há cerca de um ou dois anos atrás, ocasião a partir da qual passou a encará-los como colegas de trabalho na mesma empresa.
É certo que a testemunha F…, o técnico oficial de contas da sociedade arguida desde 1983, referiu que, entre 2003 e 2007, a gestão financeira da sociedade arguida competia ao arguido D… e a gestão comercial cabia ao arguido C…, sendo que era aquele primeiro a pessoa com quem reunia para saber se efectuava os pagamentos à Segurança Social. Todavia, esta afirmação, lógica em virtude das ausências do arguido C… no Sul de Portugal, não invalida que a decisão de não pagamento à Segurança Social fosse tomada pelo seu interlocutor (o arguido D…) com o acordo, pelo menos implícito, do arguido C….
Por sua vez, a testemunha J…, o qual é funcionário da sociedade arguida há cerca de 20 anos (na qual trabalha como fiel de armazém), não se demonstrou inteiramente franco no seu depoimento, porquanto, com evidente nervosismo, afirmou que, conhecendo o arguido D… como seu chefe (por quem foi contratado), tendo sempre recebido ordens somente deste arguido, sustentou, incompreensivelmente – atenta a longevidade do seu posto de trabalho na empresa –, ter um conhecimento escasso das funções do arguido C… na organização da empresa, reputando-o apenas como comercial e seu colega de trabalho.
Conjugando estes elementos de prova, julgou-se provada a factualidade sob os nºs 4 a 7, 13 a 15 e 17 e não provados os factos sob as alíneas l) a n).
A factualidade assente sob os n.os 8 a 10 resulta da análise conjugada: do mapa de apuramento dos valores deduzidos às remunerações e não pagos à Segurança Social, a fls. 38 a 40; dos extractos de remunerações a fls. 72 a 75 e 77, 83 a 86, 88 a 201 e 224 a 230; e dos documentos a fls. 256 a 261, 265 a 270 e 327 a 331. As testemunhas E… e J…, funcionários da sociedade durante o período de tempo em que se baliza o objecto do processo, revelaram espontaneamente que sempre receberam os respectivos salários, já deduzidos dos montantes a entregar à Segurança Social, tal como constava das respectivas folhas de remuneração.
O facto sob o n.º 11 decorre do teor do mapa a fls. 397 a 398, do qual resulta que foram deduzidos valores, entretanto pagos, àqueles que constavam do mapa a fls. 38 a 40, conforme decorre dos documentos a fls. 298 a 319. Tal facto foi corroborado pela testemunha G… (técnico superior da assistente), que elaborou os dois documentos em apreço.
A factualidade sob o n.º12 decorre dos documentos a fls. 41 a 47 e 271.
A factualidade vertida sob o n.º16 e não provada sob a al. a) resultam do facto conhecido pela generalidade dos contribuintes de que, cientes dos seus deveres fiscais, quando obtêm êxito no incumprimento de determinadas obrigações dessa natureza, tendem a repetir tais omissões, por confiarem no funcionamento tardio – ou mesmo no não funcionamento – da actividade de fiscalização por parte da Administração Tributária.
O arguido D… sustentou, de forma credível – porquanto fundamentada com lógica –, que foi a crescente situação deficitária da sociedade arguida, a qual culminou no processo de recuperação de empresa, que conduziu a que, em face da falta de liquidez, tivessem decidido aplicar o dinheiro disponível no pagamento a fornecedores, aos trabalhadores e aos gerentes, sendo que a decisão de não pagar à Segurança Social era tomada mensalmente, pois havia sempre intenção de efectuar tais pagamentos. A testemunha F… corroborou esta justificação, explicando que foi a incobrabilidade de algumas dívidas de clientes da empresa que levou ao processo de recuperação de empresa, o qual, por sua vez, gerou o corte do crédito por parte da banca. A testemunha K…, que presta serviços de contabilidade à sociedade arguida há cerca de 10 anos, também sustentou que os pagamentos não eram efectuados à Segurança Social devido à falta de pagamento dos clientes. Em consonância e porque não se apurou que os referidos arguidos tivessem gasto tais montantes no seu próprio interesse, julgou-se provada a factualidade sob os n.os 6 e 7 (quanto aos destino dos montantes), 20 e 21 e não provada a indicada sob a al. b). A testemunha E… corroborou as dificuldades financeiras da empresa, aludindo ao atraso no pagamento de salários, os quais acabavam por ser pagos.
Os factos sob os nºs 24 a 28 assentam no teor dos documentos correspectivamente indicados.
Quanto à situação pessoal e económico-financeira dos arguidos C… e D… (cf. factos provados sob os n.os 22, 23 e 34 a 42), o Tribunal alicerçou-se nas respectivas declarações, que, nesta parte, se afiguraram credíveis.
Quanto à actual situação económico-financeira da sociedade arguida (factos provados sob os n.os 29 a 30), atendeu-se às declarações dos arguidos C… e D…, bem como aos testemunhos de E… e F…. H…, gerente da sociedade arguida desde Dezembro de 2010, evidenciando não ter participado na vida social passada daquela, elucidou o tribunal acerca do número de funcionários que nela laboram e corroborou as actuais funções e vencimentos de ambos os arguidos na sociedade. Os factos sob os nºs 31 a 33 assentam no teor das declarações de IRC a fls. 614 a 617, 610 a 613 e 606 a 609, respectivamente.
No que respeita aos antecedentes criminais da sociedade arguida e dos dois arguidos (cf. factos provados sob os n.os 43 a 45), atendeu-se exclusivamente aos respectivos certificados do registo criminal, a fls. 640-641, 509-511 e 512-513, respectivamente.
Os demais factos não provados foram assim julgados, por não ter siso produzida qualquer prova ou prova cabal quanto aos mesmos.
A ausência de penhoras decorre da informação a fls. 537 e 647, pelo que se julgou não provada a factualidade sob as alíneas c) e d).
Quanto aos factos sob as alíneas e) a k) e o) não foi produzida qualquer prova.

1.2. Do despacho recorrido:
Fls. 518-51 9:
A sociedade arguida veio, em 18 de Maio de 2011 arguir a nulidade das suas notificações atinentes ao despacho de acusação e de recebimento desta, alegando, em síntese, que não foi deles notificada na pessoa do seu legal representante, porquanto desde 20 de Dezembro de 2010 o seu gerente é o Sr. H….
O Ministério Público, a fls. 533-535, pugnou pelo indeferimento da pretensão da sociedade arguida, sustentando, em suma, que esta se encontra regularmente notificada, em virtude de as notificações terem sido expedidas para a morada indicada por aquela.
Cumpre apreciar e decidir.
Atentando no teor da certidão que acompanha o requerimento sob análise, assim como na certidão obtida a fls. 546 a 556, verifica-se que no exercício do cargo de gerência da sociedade arguida sucederam-se: C… (desde 10 de Novembro de 2009 até 13 de Janeiro de 2011) e H… (a partir de 20 de Dezembro de 2010).
Como decorre dos efeitos do registo perante terceiros, a alteração da representação legal das sociedades comerciais é eficaz perante terceiros somente depois do competente registo, o que significa que, no caso concreto, a alteração da representação legal da sociedade arguida apenas produz efeitos a partir de 8 de Fevereiro de 2011, data correspondente à inscrição da cessação de funções do anterior gerente e da designação do novo membro da gerência (cf. Av. 1 à ap. 21/20110208 e inscrição n°11, sob a ap. 20/20110208).
Assim sendo, tendo a sociedade arguida sido notificada do despacho de acusação mediante carta registada com prova de depósito, enviada para C…, na qualidade de seu legal representante, em 6 de Janeiro de 2011, cuja prova de depósito data de 11 de Janeiro de 2011 (cf. fls. 379-380 e 389), conclui-se que a mesma se encontra inequivocamente notificada para a abertura de instrução, porquanto notificada na pessoa do seu então gerente, de acordo com as regras do registo (art.os 30, n.º 1, al. m) e 14.º do Cód. Reg. Comercial).
É certo que já a notificação nos termos e para os efeitos do despacho proferido a fls. 410-413 foi efectuada em pessoa diversa daquela que já então figurava no registo comercial.
Contudo, a sociedade arguida, então notificada na pessoa do gerente que renunciara ao seu cargo, deveria ter prontamente alertado o Tribunal para tal facto.
Com efeito, trata-se de uma irregularidade processual que deveria ter sido arguida nos três dias seguintes a contar da sua notificação nos termos e para os efeitos do despacho a fls. 410-413, pelo que se afigura manifestamente tardia a sua arguição já depois de decorrido aquele prazo.
Pelo exposto, julga-se não verificada a nulidade processual arguida quanto à omissão da notificação da sociedade arguida para a abertura de instrução e sanada a irregularidade relativa à notificação do despacho que designou data para a audiência de julgamento.
Em ordem a assegurar a regular representação da sociedade arguida nesta audiência de julgamento, indague de imediato se se encontra presente nestas instalações o seu actual legal representante: H….
Notifique.
***
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[2] Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença ou do acórdão a que se reporta o art.º 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.[3]
Sendo impugnada, amplamente,[4] a decisão da matéria de facto pelo recorrente, sabido que «impõem razões de método que se comece pelo reexame de mais largo espectro, para que se não tenha eventualmente de entrar na análise mais limitada, o que só sucederá na falência daquele reexame. No caso, dever-se-ia ter começado a análise da crítica de facto efectuada pela Relação, pela impugnação alargada da matéria de facto provada, só depois se entrando, se fosse o caso, nas restantes questões respeitantes à decisão sobre o facto.»[5] Mas antes disso importará conhecer do recurso interlocutório, não tanto por ter sido interposto antes do recurso interposto da sentença final mas, outrossim, porque a questão nele suscitada precede logicamente as questões suscitadas neste último recurso: é que a questão nele suscitada discute-se a possibilidade do processo ter que regressar à fase imediatamente posterior à dedução da acusação e, portanto, isso importará que o julgamento entretanto efectuado seja anulado.
Tendo isso em conta, diremos que as questões a apreciar são as seguintes:
i. No recurso interlocutório:
É válida a notificação da acusação deduzida contra uma arguida sociedade comercial por quotas feita na pessoa de um gerente dela que então já havia renunciado à gerência embora isso não tivesse ainda sido levado ao registo?

ii. No recurso interposto da sentença final:
1.ª Os depoimentos das testemunhas E…, F… e G… e o certificado do registo criminal do arguido C… impunham que o Tribunal a quo tivesse julgado não provados os factos que julgou provados enumerados em 4,5,6, 8 e 44?
2.ª Por virtude disso, deve o arguido C… ser absolvido?
3.ª Porque foram efectuados vários pagamentos em diversos meses interpolados à Segurança Social, a conduta dos arguidos não pode ser tipificada como crime continuado?
4.ª Assim, nos termos do art.º 21.º, n.º 1 do RGIT, o procedimento criminal referente às condutas dos arguidos anteriores a Setembro de 2005 encontra-se prescrito, devendo este processo ser assim extinto?
5.ª Sendo os valores das prestações em causa inferiores a € 7.500,00, a conduta dos mesmos encontra-se descriminalizada atendendo ao disposto nos art.os 105.º e 107.º do RGIT?
6.ª A ser aplicada uma pena aos arguidos, deverá ser de multa e não de prisão?
7.ª A entender-se adequada a pena de prisão, nunca deveria ser fixada em período superior a um mês para o arguido C… e a dois meses para o arguido D…?
8.ª Suspensa na sua execução por 5 anos?
9.ª A ser condicionada a suspensão, deve ser ao pagamento da quantia efectivamente em dívida, de € 53.954,67?
10.ª A pena aplicada à arguida B…, Ld.ª deve ser reduzida para o quantitativo diário de € 5 e a para não mais de 100 dias de multa?
***
2.2. Vejamos então as questões atrás enunciadas, começando, naturalmente, pela primeira delas e, por conseguinte, se é válida as notificações da acusação deduzida contra a arguida sociedade B…, Ld.ª e do despacho que a recebeu feita na pessoa de um gerente dela que então já havia renunciado à gerência embora isso não tivesse ainda sido levado ao registo.
A tese do douto despacho recorrido é esta: por um lado, o art.º 3.º, n.º 1, alínea m) do Código do Registo Comercial diz-nos que está sujeito a registo, entre outros factos relativos às sociedades comerciais, a cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades; por outro lado, o art.º 14.º desse diploma legal estabelece que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (n.º 1) e que a falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais, a quem incumbe a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes (n.º 2); daí que, porque a renúncia do gerente da recorrente sociedade não fora inscrito no registo quando aquele recebeu a notificação desta da acusação que o Ministério Público lhe dirigira, tal circunstância lhe não pode ser oposta. Para além de que, considerou o despacho recorrido, tal constituía uma mera irregularidade e por isso teria que ser mas não foi invocada no prazo de três dias.
Por seu lado, a recorrente sociedade sustenta que esta maneira de ver as coisas não pode ser acolhida uma vez que aqui não se trata de uma necessidade de proteger interesses de terceiro nas relações jurídicas que estabeleçam com a sociedade mas outrossim, a situação contrária, de defender a sociedade que aqui é arguida e demandada e não autora.
Vejamos.
A tese propugnada no douto despacho recorrido é precisamente aquela que maioritariamente tem sido acolhida pela jurisprudência dos nossos tribunas superiores.[6]
Como sabemos, o registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.[7] O registo constitui presunção de que existe a situação jurídica nos termos em que é definida.[8] Entre outros factos relativos às sociedades comerciais por quotas, como é a recorrente, estão sujeitos a registo os que importem a cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos membros dos seus órgãos de administração.[9] Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo,[10] embora quando sujeitos a registo e publicação obrigatória nos termos do n.º 2 do artigo 70.º[11] só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação.[12]
Por outro lado, a notificação das sociedades feitas em processo penal segue as regras privativas dele, complementadas com as resultantes do processo civil quando necessário mas desde que não contrariem os princípios gerais daquele.[13] Nomeadamente, no que aqui nos interessa, os princípios do processo equitativo e do contraditório.
Ora, é norma constitucional que os arguidos em processo penal têm direito a que as causas em que intervenham sejam objecto de decisão mediante um processo equitativo[14] e que assegure todas as garantias de defesa,[15] incluindo a contraditar, não só na audiência de julgamento mas também nos actos instrutórios que a lei determinar.[16] Quer isto dizer que o processo penal há-de garantir igualdade de armas à acusação e à defesa e uma efectiva oportunidade do arguido de se defender da acusação, o que passa, também, pelo direito de requerer a instrução com vista à comprovação judicial da acusação.[17]
É dentro destes parâmetros que se deve considerar a questão aqui em dissídio. Assim, parece adequado pensar-se que só no caso da acusação deduzida pelo Ministério Público contra uma sociedade comercial por quotas ser notificada a quem efectivamente exerça a gerência se lhe permite o efectivo exercício do direito de defesa. Até porque não raras vezes a renúncia desse cargo tem subjacente um qualquer litígio com a sociedade ou sócios dela o que predispõe a situações adversas aos direitos de defesa da mesma. Daí que se nos afigure mais curial nestes casos em que a sociedade é arguida que a notificação de acusação seja feita a quem efectivamente for o seu gerente, pois que aqui se impõe não propriamente defender terceiros de actos da sociedade praticados por quem já não exerce a gerência da sociedade mas defender permitir a defesa desta de actos de terceiros. Conforme já disse esta Relação do Porto, «a autora ao propor uma acção judicial contra a ré não pode invocar que é terceiro para efeitos de registo quanto à indicação de quem é o representante legal da sociedade, requerendo que se cite seja quem for que seja ou haja sido membro do Conselho de Administração desta. A função da citação é permitir a defesa do réu contra o pedido formulado pelo autor o que só pode ser efectivamente praticado se à acção for chamada a ré, na pessoa do seu representante legal. Ora o representante legal da ré não parece completamente definido, sendo certo que, claramente não é o agravante, pelo menos com fundamento nos elementos dos autos, a menos que se demonstre que, posteriormente à renúncia que invocou veio ele a ser eleito ou designado, de novo, membro desse Conselho de Administração.»[18] E sendo esta solução, de resto, a que melhor se coaduna com os citados princípios do processo penal, naturalmente que a acolheremos.
Mas com isto não fica, naturalmente, resolvida toda a questão em apreço, pois que importa saber quais as consequências da omissão das notificações da acusação ao arguido e do despacho que a recebeu.

Pretende a recorrente que estamos perante uma nulidade, embora não tenha dito que nulidade seria essa. Ora, bem sabemos que em matéria de nulidades em processo penal vale o princípio da legalidade, entendido no sentido em que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.[19] E o certo é que em lugar algum a lei comina a falta daquelas notificações ao arguido com essa invalidade. Não o faz, designadamente, quer no art.º 119.º, quer no art.º 120.º do Código de Processo Penal.[20]

Acontece que não sendo nulos, certo é que os actos ainda assim são ilegais, pois que a sua prática resultou em violação da lei.
Ora, nos casos em que o acto ilegal não seja nulo, é irregular.[21] Embora qualquer irregularidade do processo só determine a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelo interessado no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado, podendo ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.[22] Daí que se em matéria de irregularidades vale o princípio da atipicidade, pois que qualquer ilegalidade pode ser uma irregularidade, também é certo que nelas comanda o princípio da relevância material, querendo com isto dizer-se que só relevam aquelas que verdadeiramente possam afectar o valor do acto irregular.[23]

Baixando ao caso sub iudicio, não restam dúvidas de que o acto de notificação da acusação à sociedade e do despacho que a recebeu são irregulares e que essa irregularidade pode afectar o valor do acto praticado, pois que da notificação dependia, por um lado, o exercício do direito dela requerer a abertura da instrução[24] e, por outro, o de organizar a sua defesa para o julgamento.[25]
Uma vez que a recorrente não assistiu nem foi notificada de qualquer acto relativo ou subsequente àquelas questões, parece evidente que está em tempo para arguir essas irregularidades pois o contrário é uma impossibilidade de ordem física: não pode ter decorrido qualquer tempo desde o conhecimento de algo que não aconteceu e, por conseguinte, tão-pouco o prazo de três dias referido na lei para a arguição das irregularidades.[26] Embora a primeira irregularidade prevaleça sobre a segunda, pois que logicamente primeiro há-de ser notificada da acusação e só depois, se nada requerer, designadamente a instrução, do despacho que a venha a receber. E se deve possibilitar-se à recorrente o conhecimento da acusação, naturalmente que fica prejudicado o julgamento realizado e com isso o conhecimento das questões suscitadas no recurso da sentença final interposto pelos arguidos.
***
III - Decisão.
Termos em que se concede provimento ao recurso interlocutório interposto pela recorrente B…, Ld.ª e, em consequência, se julga verificada a irregularidade consistente na omissão da notificação a ela da acusação, que deve ser ordenada pelo Ministério Público, com isso ficando prejudicado todos os actos posteriores, incluindo o despacho que a recebeu, o julgamento e os recursos interpostos da sentença pelos arguidos.
Sem custas (art.º 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
*
Porto, 20-02-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
__________________
[1] Após convite, aceite, para o seu aperfeiçoamento.
[2] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[3] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[4] Art.º 412.º, n.os 3 e 4 do Código de Processo Penal.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-07-2007, processo n.º no processo n.º 07P2279, relatado pelo Exm.º Cons.º Simas Santos, visto em http://www.dgsi,pt, assim sumariado, na parte que aqui releva:
1 – Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.os 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3 [art. 431.º, al. b)].
2 – Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP.
3 – É essa a ordem pela qual a Relação deve conhecer da questão de facto: primeiro da impugnação alargada e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal.
[6] Consideraram regularmente citadas as sociedades na pessoa de gerentes como tal inscritos no registo, que antes haviam renunciado à gerência sem que esse facto tivesse sido inscrito nem publicado (além de ser facto obrigatoriamente sujeito a registo, por isso também é obrigatoriamente publicável, ex vi do art.º 70.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Comercial), os acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto, de 14-02-2002, no processo n.º 99/2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2002, tomo I, página 209, da Relação de Coimbra, de 15-09-1998, no processo n.º 880/98, na no processo n.º , publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1998, tomo IV, página 12, da Relação de Guimarães, de 26-05-2004, no processo n.º 421/04-1 e de 14-01-2010, no processo n.º 2518/08.8TBBRG-A-G1 e da Relação de Lisboa, de 30-06-2009, no processo 8763/2008-1 e de 24-01-2012, no processo n.º 2785/08.7TBPDL.L1-7, estes publicados em http://www.dgsi.pt.
[7] Art.º 1.º, n.º 1 do Código do Registo Comercial.
[8] Art.º 11.º do Código do Registo Comercial.
[9] Art.º 3.º, n.º 1, alínea m) do Código do Registo Comercial.
[10] Art.º 14.º, n.º 1 do Código do Registo Comercial.
[11] Entre os quais se conta os relativos à cessação dos gerentes das sociedades comerciais, conforme nos diz o art.º 70.º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Comercial.
[12] Art.º 14.º, n.º 2 do Código do Registo Comercial.
[13] Art.º 4.º do Código de Processo Penal. Neste sentido, cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 289.
[14] Art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República.
[15] Art.º 32.º, n.º 1 da Constituição da República.
[16] Art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República. Sobre estas questões, vd. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 48.
[17] Art.os 32.º, n.º 4 da Constituição da República e 286.º do Código de Processo Penal.
[18] Acórdão da Relação do Porto, de 18-06-2007, no processo n.º 0732371, publicado em http://www.dgsi.pt, citado pela recorrente. No mesmo sentido pode ver-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 09-07-1985, na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1985, tomo IV, página 118, assim sumariado: «Muito embora figurem no Registo Comercial, como gerentes da sociedade, sócios originários desta que cederam as suas quotas aos actuais, e renunciaram á gerência, a citação deve fazer-se na pessoa dos cessionários que representam a sociedade.»
[19] Art.º 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[20] Neste sentido, vd. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, páginas 304 e seguinte.
[21] Art.º 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
{22] Art.º 123.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Penal.
[23] Conforme sustenta o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 310 e seguinte, «Este critério de relevância material, que está fixado no final do n.º 2 do artigo 123.º para a irregularidade oficiosamente conhecida, vale também para a arguição de irregularidade por interessado, pois não se compreenderia que o poder de sindicância material do juiz fosse neste caso menor do que naquele outro. Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afectar o valor do acto praticado, não se verifica o vício previsto no artigo 123.°, isto é, a ilegalidade do acto é inócua e juridicamente irrelevante.»
[24] Art.º 287.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
[25] Art.º 315.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[26] E contra isto não se diga, como o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 312, que «o termo do prazo depende do momento em que a irregularidade foi cometida: a irregularidade só pode ser conhecida e mandada reparar pela autoridade judiciária competente para o acto irregular enquanto essa autoridade mantiver a direcção da respectiva fase processual … Portanto, o juiz presidente na fase de julgamento não pode conhecer irregularidades cometidas pelo Ministério Público no inquérito ou pelo juiz na fase de instrução. Qualquer outro entendimento prejudicaria, respectivamente, o poder constitucional do Ministério Público de direcção do inquérito e, havendo instrução, o trânsito em julgado do despacho instrutório e, em certas circunstâncias, poria em causa a estrutura acusatória do processo e a separação funcional e orgânica que lhe está implícita.» É que se este entendimento não nos suscita qualquer reserva como princípio, a questão muda de figura em casos, como o presente, em que a irregularidade não foi nem podia ter sido conhecida na fase pretérita do processo em que foi cometida. Negar isto equivaleria a negar o direito de defesa ao arguido e à realização da justiça e nada se lhes sobrepõe na ordem constitucional.