Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0633389
Nº Convencional: JTRP00039357
Relator: MÁRIO FERNANDES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RP200606290633389
Data do Acordão: 06/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 677 - FLS 143.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos procedimentos cautelares pode ser proferido um despacho de aperfeiçoamento de articulado.
II - Contudo, não será de esquecer que o despacho em causa apenas se impõe ao juiz na medida em que se relacione com as situações previstas no n.º 2, do citado art. 508 do CPC, ou seja, quando se defronte com questões de pura forma, relacionadas com a falta de requisitos externos dos articulados ou a falta de documentos essenciais para a instrução da acção – trata-se de despacho vinculado – outro tanto não sucedendo quando esteja em causa a supressão de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (n.º 3 do cit. art.) – despacho não vinculado -.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO.

O “Condomínio ……….” sito na Rua ………., n.ºs … a …, no Porto,
veio intentar procedimento cautelar comum contra

“B……….a, Ld.ª”, com sede na ………., n.º …, Porto,

tendo requerido fosse ordenado à Requerida que cessasse o uso ilícito que vinha dando à fracção “J” daquele referido edifício, abstendo-se de nesse local exercer a actividade de restauração, mais devendo a mesma ser condenada no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 250 euros por cada dia em que deixasse de cumprir com essa ordenada providência.

Para o efeito e no que interessa reter, alegou em síntese o Requerente que, estando o prédio identificado no art. 1.º da p.i. submetido ao regime de propriedade horizontal e sendo a fracção autónoma naquele inserida, designada pela letra “J”, destinada a estabelecimento comercial, segundo o respectivo título constitutivo daquela (propriedade horizontal), a Requerida vinha usando e fruindo a dita fracção, nela explorando um estabelecimento de restauração, aí confeccionando alimentos (refeições) numa cozinha que montou, os quais destinava aos seus clientes para consumo nesse mesmo local ou em sistema de “take away”;
mais adiantou ter a Requerida dado início a tal actividade sem que estivesse autorizada pelos condóminos do aludido edifício e contrariando até posição pelos mesmos oportunamente manifestada, tudo representando uma clara violação do disposto no art. 1422, n.º 2, al. c/, do CC, bem assim, atenta a utilização que vinha sendo dada à mencionada fracção, constituindo uma grave lesão dos direitos de todos os condóminos e de difícil reparação.

Foi proferido despacho liminar a indeferir o procedimento solicitado, por ser manifestamente improcedente, atenta a circunstância de ser totalmente omisso na descrição de factualidade caracterizadora de uma lesão grave e de difícil reparação, o que consubstanciava falta de alegação de um dos pressupostos de que dependia o eventual decretamento da providência em causa, qual seja o referente ao “periculum in mora”.

Inconformado com o decidido, interpôs recurso de agravo o Requerente, tendo apresentado alegações em que concluiu pela revogação da referida decisão, a qual devia ser substituída por outra a determinar o prosseguimento da providência instaurada ou a convidá-lo a aperfeiçoar a alegação inicial no aspecto naquela (decisão) questionado.

Inexiste resposta a tais alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância mantém a sua validade.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A materialidade a atender para a apreciação do presente agravo é representada pelo teor da alegação inicial, à qual se fez suficiente referência no relatório supra, pelo que nos dispensamos aqui de a repetir.

Atentas as conclusões formuladas pelo agravante, o objecto do recurso poderá circunscrever-se à questão de curar saber se existe fundamento bastante para o indeferimento liminar do procedimento solicitado, por não vir alegada matéria caracterizadora do requisito de “periculum in mora”.

Na decisão impugnada, conforme sumariamente se deixou acima referido, aduziu-se que o mencionado requisito não vinha minimamente consubstanciado na alegação inicial, por forma a caracterizar uma situação de existência duma lesão grave e dificilmente reparável do direito invocado, o que legitimava a constatação de se estar diante de pretensão manifestamente improcedente.

Já o recorrente, pugnando por tese contrária, defende que a situação por si descrita, constituindo a violação de norma imperativa da propriedade horizontal, representava por si só uma lesão grave e de difícil reparação do direito invocado, para além do que, a considerarem-se insuficientes os factos alegados, impor-se-ia fosse ordenado convite para aperfeiçoamento da alegação inicial na parte assinalada.
Analisemos se a objecção assim delineada merece acolhimento.

Conforme resulta do estabelecido nos arts. 381, n.º 1 e 387, n.º 1, ambos do CPC, o deferimento de um procedimento cautelar comum depende da verificação da probabilidade séria da existência do direito de que se ocupa a acção, proposta ou a propor, que tenha por fundamento o direito invocado e ainda do justo receio de que outrem cause lesão grave ou de difícil reparação a esse mesmo direito.

No tocante àquele primeiro requisito, o tribunal, para o dar como verificado, não tem de ir além de um exame e instrução sumários da questão, ou seja, de uma “summaria congnitio”.
Bastará uma prova informática, a aparência do direito – “fumus boni juris”.

Já, por outro lado, para a verificação daquele outro requisito, aliás no seguimento pacífico da doutrina e jurisprudência, exige-se a prova conducente à formação dum juízo de certeza sobre a realidade integradora de lesão grave e dificilmente reparável, ainda que tal exigência possa ser entendida com maior ou menor amplitude – v., a propósito, Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, em anotação aos ditos arts., bem assim Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 621.

Aqui deverá o requerente convencer o tribunal que a demora da decisão a proferir na a acção principal lhe acarreta um prejuízo, sendo esse perigo aquele que ele pretende evitar com o procedimento cautelar – v. Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 623 a 624, Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, págs. 139 a 140 e Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 3.ª ed.

Nesta medida, não será toda e qualquer consequência decorrente da violação de um direito que poderá sustentar o decretamento de uma medida cautelar que se vai reflectir no património da contraparte, mas apenas a comprovação de uma lesão grave e dificilmente reparável facultará ao tribunal a tomada de um decisão daquela natureza – v., por todos, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., 3.ª ed., págs. 99 a 101.

Para a determinação da gravidade da lesão, necessário se torna que sejam comprovados, na sequência da respectiva alegação, prejuízos relevantes que possam repercutir-se na esfera jurídica do interessado – sejam eles de ordem material ou moral – obedecendo a uma apreciação pautada, tanto quanto possível, por critérios objectivos – v., neste sentido, Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 102 e Célia Pereira, in “Arbitramento de Reparação Provisória”, pág. 36.

Tendo por base estes princípios, importará avaliar se o agravante no requerimento inicial deu cumprimento ao ónus de alegação de factualidade correspondente ao aludido requisito de “periculum in mora” de cuja comprovação depende a procedência da providência solicitada.

Como acima deixámos referido em relatório, o impugnante, invocando a violação de norma (art. 1422, n.º 2, al. c/, do CC) imperativa do regime da propriedade horizontal por parte da Requerida, aduziu que esta última vinha utilizando a aludida fracção “J” para fim diverso do constante no respectivo título de constituição da propriedade horizontal – neste, o uso previsto era destinado a estabelecimento comercial, enquanto a dita fracção vinha sendo utilizado para o exercício da actividade de restauração – o que tanto bastava, a comprovar-se, para configurar a violação grave e de difícil reparação do direito dos demais condóminos ………. onde se integrava aquela dita fracção.

Independentemente de ser questionável se a actividade descrita nos termos indicados pelo agravante e desenvolvida pela Requerida cai fora do destino previsto para a dita fracção no respectivo título de constituição da propriedade horizontal – trata-se de problemática à qual propendemos para conceder uma resposta positiva – já se nos afigura de maior dificuldade acolher a tese por aquele defendida que a mera verificação dessa factualidade era suficiente para caracterizar o assinalado requisito de “periculum in mora”, ou seja, que a mesma por si só envolvia uma lesão grave e de difícil reparação do direito invocado.

Ainda que se admita que a utilização de fracção para fim diverso do constante do título constitutivo da propriedade horizontal, tal qual vem alegado, possa representar uma violação grave dos direitos dos condóminos, já se nos afigura questionável que, sem mais, possa daí concluir-se por uma lesão de difícil reparação.

Com efeito, sendo exigível para o decretamento do procedimento cautelar comum a comprovação duma lesão grave e simultaneamente irreparável ou de difícil recuperação (art. 381, n.º 1, do CPC), necessário se torna que venha concretizada, no âmbito deste último aspecto, materialidade bastante de onde possa concluir-se que se está diante de lesão cuja reparação se apresente difícil ou até impossível.

Ora, no caso em apreço e tendo presentes os termos em que o impugnante sustentou a sua pretensão, não só não vêm adiantados os efectivos prejuízos – de ordem material ou moral – causados aos condóminos, como essencialmente a alegação inicial é totalmente omissa na concretização de uma lesão irreparável ou de difícil reparação para os condóminos.

E, como vimos, tal seria essencial para eventualmente ser atendida a pretensão do agravante, sendo certo que a mera alegação da dita violação do assinalado preceito regulador dos interesses dos condóminos no regime da propriedade horizontal não é suficiente para daí se extrair a constatação do assinalado requisito, tão pouco sendo bastante para, no recurso a presunções judiciais, ser ultrapassada tal omissão.

Nesta perspectiva, não encontramos motivos para reparo fazer à posição tomada pelo tribunal “a quão”, ao concluir pela não concretização na alegação inicial do falado requisito de “periculum in mora”.

Ainda assim, no seguimento da argumentação aduzida pelo agravante e dando como adquirida a constatação acabada de referir, perguntar-se-á se não se imporia uma decisão de convite ao aperfeiçoamento do articulado inicial, de forma a suprir a apontada deficiência e afastando desde logo o indeferimento decretado.

No âmbito desta problemática e fazendo apelo ao preceituado nos arts. 265, n.º 2 e 508, n.ºs 2 e 3 do CPC, não vemos qualquer impedimento a que no domínio do tipo de acção de que nos vimos ocupando – com natureza cautelar – à semelhança do previsto para a acção comum declarativa, o tribunal possa deitar mão de tal despacho de aperfeiçoamento – v., em sentido concordante, Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 183 a 187.

Contudo, não será de esquecer que o despacho em causa apenas se impõe ao juiz na medida em que se relacione com as situações previstas no n.º 2, do citado art. 508, ou seja, quando se defronte com questões de pura forma, relacionadas com a falta de requisitos externos dos articulados ou a falta de documentos essenciais para a instrução da acção – trata-se de despacho vinculado – outro tanto não sucedendo quando esteja em causa a supressão de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (n.º 3 do cit. art.) – despacho não vinculado – v., a propósito, o ac. do STJ de 11.3.99, in BMJ 487-244.

Ora, na situação de que nos vimos ocupando, não estará em causa a necessidade de ser proferido um despacho de natureza vinculativa para os termos acabados de referir, quando muito a possibilidade de ser proferido um despacho de aperfeiçoamento, em ordem a corrigir a apontada deficiência de alegação, o que se traduz em despacho daquela outra natureza, a cuja inobservância não corresponde qualquer sanção, nem qualquer nulidade.

Ainda assim, esta última hipótese nem seria de considerar, atento o acima explicitado, posto em rigor não nos defrontarmos perante insuficiência ou imprecisão de alegação quanto ao mencionado requisito (periculum in mora), a carecer de melhor concretização, já que, na verdade, a deficiência verificada tem antes a ver com a omissão de factos ou circunstâncias necessárias e imprescindíveis ao eventual reconhecimento daquele requisita, o que equivale à manifesta improcedência da providência solicitada.

Daí que, salvo melhor entendimento, demonstrado o apontado vício à alegação inicial, não mereça censura a decisão de indeferimento tomada pelo tribunal “a quo”.

3. CONCLUSÃO.

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo, nessa medida se confirmando o despacho recorrido.

Custas a cargo do agravante.
Porto, 29 de Junho de 2006
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz