Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0811890
Nº Convencional: JTRP00041360
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RP200805210811890
Data do Acordão: 05/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. CONTRA-ORDENACIONAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 529
Área Temática: .
Sumário: O art. 145º, nº 5, do Código de Processo Civil não se aplica ao prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 1890/08-1.
1ª secção criminal.
Processo nº ……/08.1TBMTS.
*
Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1.
Por deliberação da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade do Ministério da Economia e da Inovação, constante de fls. 40 a 46 dos autos, foi a arguida
B………………, Ldª, com estabelecimento de talho sito na Rua ……., …-… CUSTOIAS, condenada numa coima unitária de 12 000,00 euros (doze mil).
2.
Não se conformando com esta decisão, impugnou a arguida a mesma, para o tribunal Judicial de Matosinhos, através do requerimento de fls. 52 a 60.
3.
Por despacho de fls. 74 foi este recurso rejeitado por extemporaneidade.
4.
Desta rejeição interpôs recurso a condenada, o que faz através do seu requerimento de fls. 78 a 80, dizendo em síntese, o seguinte:
4.1. O recurso foi rejeitado com o fundamento de que o prazo para interposição do mesmo tinha terminado em 6.12.2007, sendo certo que o requerimento só deu entrada em 7.12.2007.
4.2. Contudo, o despacho olvidou que se deve aplicar ao presente caso o disposto no artigo 145º, nº 5, do C. Processo Civil, por força do preceituado nos artigos 41º, do DL nº 433/82 e 104º, do Código de Processo Penal, que mandam aplicar o primeiro, subsidiariamente..
4.3. A secretaria deveria, sim, ter notificado a recorrente para pagar a multa estipulado pelo citado artigo 145º, nº 5, do C. Processo Civil.
4.4. Pelo que deve o recurso de impugnação ser admitido.
5.
Respondeu o Ministério Público - fls. 88 a 93 -, dizendo em síntese:
5.1. Não é de aplicar, ao presente caso, subsidiariamente, o disposto no artigo 145º, nº 5, do C. Processo civil, pois não existe qualquer lacuna a preencher, na medida em que a situação está prevista no artigo 60º, do RGCOC.
5.2. Por sua vez, o prazo de impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial, revestindo antes natureza substantiva, logo, administrativa, o que obsta à aplicação do disposto no artigo 145º, nº 5, do código de Processo Civil..
5.3. Pelo que foi feita uma correcta aplicação das normas jurídicas, devendo o recurso ser julgado improcedente.
6.
Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de concordância da resposta do Ministério Público em 1ª instância, pelo que o recurso deverá improceder.
7.
Foram os autos a vistos e de seguida teve lugar a conferência.
II
A questão a apreciar consiste em saber se ao prazo de recurso de impugnação judicial de decisão administrativa proferida no âmbito de processo de contra-ordenação é de aplicar o disposto no artigo 145º, nº 5 do Código de Processo Civil.
III
É o seguinte o teor da decisão recorrida:

“ B……………. Ldª, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso de decisão administrativa.
Antes de mais importa averiguar se o presente recurso é tempestivo.
Nos termos conjugados dos artigos 59º e 60º do DL 433/82, de 27/10 ( actual redacção ), o prazo para interposição de recurso das decisões administrativas é de 20 dias, prazo esse que se conta a partir do conhecimento, pelo recorrente, do teor dessa decisão.
Na contagem do aludido prazo de 20 dias não se contabilizam os sábados, domingos e feriados.
Ora, como se alcança de fls. 51, o ora recorrente teve conhecimento da decisão administrativa em 08/11/07, o que significa que, contados os referidos 20 dias úteis, o termo do prazo para interpor recurso ocorreu em 06/12/07. Ora, como deflui de fls. 52 dos autos, como o recorrente apenas apresentou recurso em 07/12/07, a conclusão a retirar é de que tal apresentação é extemporânea.
Assim sendo, decide-se em rejeitar o presente recurso por extemporaneidade.
Custas pelo recorrente com a taxa de 2 Ucs.
Notifique”.
IV
Apreciando:
1.
Dispõe o artigo 59º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro[1] na sua redacção actualizada, que “o recurso[2] será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido…”.
Resulta dos autos e este facto não é posto em crise pela recorrente, que a decisão administrativa lhe foi notificada e dela tomou conhecimento, no dia 8 de Novembro de 2007 - aviso de recepção de fls. 51.
Assim como o requerimento de interposição de recurso de impugnação deu entrada perante a autoridade administrativa, via fax, em 7 de Dezembro de 2007 - v. fls. 52.
Contado o prazo de 20 dias nos termos do artigo 60º, do mesmo diploma (DL nº 433/82) como o Sr. Juiz do tribunal a quo contou, este prazo esgotou-se no dia 6 de Dezembro de 2007.
Pelo que a entrada em 7.12.2007, do recurso de impugnação, é de considerar fora de prazo, ao abrigo desta disposição.
Daí que a questão pertinente seja a de considerar ou não aplicável a este recurso, o disposto no artigo 145º, nº 5 do Código de Processo Civil, como pretende a recorrente, pagando a multa aí consignada e considerando a impugnação interposta em tempo.
Questão que nos remete para uma outra, qual seja a da natureza deste prazo, se de natureza administrativa, situação em que tal preceito não será aplicável, se de natureza judicial, em que sê-lo-á.
2.
A questão não é nova, porquanto sobre ela foi já produzido em 1994, o Assento nº 2/94[3], onde se fixou a seguinte jurisprudência: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do art. 59 do DL nº 433/82 de 27/10, com a alteração introduzida pelo DL nº 356/89 de 17/10”.
E neste sentido se pronuncia mais recentemente Simas Santos - Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editora, 2.ª Ed.º, pág.ª 359:
“ o prazo de interposição de recurso de decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial.
Com efeito, o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra-ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (art. 62.º, n.º 2, do RGCO)”.
Argumentos igualmente aduzidos no ac. da Relação de Coimbra de 16.1.2008, proferido no processo nº 211/07-8TBCNT.C1, podendo ser consultado em www.dgsi.pt.jtrc [4].
O disposto no actual artigo 62º do DL nº 433/82, aponta claramente neste sentido, pois a impugnação da decisão recorrida acontece num momento em que o processo está ainda sob tutela da entidade administrativa, que o deverá remeter ao Ministério Público no prazo de cinco dias.
Só após esta remessa, é que o Ministério Público apresentará os autos ao Juiz, valendo este acto como acusação. E será a partir deste momento que os autos ganham foros de natureza judicial.
Pelo que, o prazo de 20 dias, contar-se-á nos termos definidos no artigo 60º, do DL nº 433/82: suspender-se-á aos Sábados, Domingos e Feriados.
É o próprio diploma, DL nº 433782, que estabelece dois prazos e dois regimes diferentes, consoante a fase do processo:
- A fase administrativa com o prazo para a impugnação daquela decisão de 20 dias - v. artigos 59º, 60º e 62º;
- A fase judicial, com o prazo de recurso do tribunal de 1ª instância para o Tribunal da Relação, de 10 dias - v. artigos 73º e 74º.
E quanto a este, não restam dúvidas de que já será aplicável, se for caso disso, o disposto no artigo 145º, nº 5, do Código de Processo civil, por força dos artigos 41º do DL nº 433/82 e 104º, do Código de Processo Penal.
Na verdade, enquanto que para a impugnação, a recorrente tem um prazo de 20 dias, para a interposição do recurso do Tribunal de 1ª instância para o tribunal da Relação, tem apenas um prazo de 10 dias.
Acresce ainda que, enquanto que o prazo do artigo 74º do regime das contra-ordenações, do processo penal em geral e do processo civil, é contínuo, suspendendo-se apenas durante as férias judiciais (v. art. 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o do artigo 60º suspende-se aos sábados domingos e feriados.
Deste modo, a não aplicação do disposto no artigo 145º, nº 5, do CPCivil ao prazo de impugnação da decisão administrativa, nem sequer é sinónimo de qualquer violação constitucional do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP/76, pois “este princípio não proíbe as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento racional”[5].
E também não se pode falar de qualquer quebra da “unidade do sistema jurídico”, nem do princípio da legalidade, nem do acesso ao direito pois “o quadro em que se desenvolve a actividade instrutória do processo tendente à aplicação de uma coima, embora revestindo e assumindo características que colimam com os procedimentos processuais penais, não se confunde com eles, pelo menos na sua organicidade, nem atinge foros de dignidade sistémica que permita equiparar a natureza dos actos administrativos que neste tipo de procedimento hajam de ser praticados. A diferença de densificação preceptiva decorre da natureza dos ilícitos concursantes e desprende-se do alcance ético-social que se visa com cada um dos ordenamentos”[6].
Finalmente, não é violado ainda o disposto nos artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP, “pelo facto de não serem aplicáveis no caso dos autos as normas contidas nos arts. 145 nº 5 do CPC e 104 nº 1 e 107 nº 5 do CPP, uma vez que a referida interpretação normativa não restringe de forma desproporcionada o direito de acesso aos tribunais e o direito ao recurso”[7].
No fundo, a recorrente pretende aproveitar, de cada um dos diferentes regimes de prazo, a parte que mais lhe interessa, no verdadeiro sentido positivo:
A suspensão aos Sábados, Domingos e Feriados, próprio do prazo administrativo e a faculdade do artigo 145º, nº 5, do CPCivil, inerente ao prazo judicial.
Não deve nem pode ser assim.
São duas fases processuais diferentes, com regimes de prazo igualmente diferentes. Com a particularidade de a lei não ser sequer omissa na regulamentação das regras quanto ao prazo para a interposição do recurso de impugnação: o mencionado artigo 60º.
E se porventura algum regime subsidiário fosse aqui de aplicar, esse regime seria o previsto para a prática de actos de igual natureza, ou seja, o da al. c) do n.º 1 do art. 72.º do Cód. de Procedimento Administrativo, que igualmente se suspende aos Sábados Domingos e Feriados.
De resto, aponta neste sentido toda a doutrina e jurisprudência por nós consultada e conhecida, referenciando-se a título meramente exemplificativo, para além da já citada:
- António Joaquim Fernandes – Regime Geral das Contra-Ordenações, 1998, págs. 96/97;
- António Beça Pereira – Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 5.ª Ed., págs. 114/5;
- Ac. da Relação de Évora de 10.1.2006, proferido no processo nº 2563/05.1, podendo ser consultado em www.dgsi.pt.jtre.
- Acs. desta Relação do Porto[8] de 27.6.2007, proferido no proc. n.º 0712787; de 27.6.2007, proferido no proc. n.º 0742042; de 9.1.2008, proferido no proc. n.º 0715838; de 9.1.2005, proferido no proc. n.º 0716685, podendo todos eles ser consultados em www.dgsi.pt/jtrp.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra o teor do despacho recorrido.

Custas a cargo da recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 7 ( sete ) Ucs..

Porto, 21 de Maio de 2008
Luís Augusto Teixeira
José Alberto Vaz Carreto
_____________________
[1] Que institui o iícito de mera ordenação social e o respectivo processo.
[2] Da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima.
[3] In DR I-A de 7/5/1994.
[4] Onde se decidiu:
1. Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.
2. E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72º do Cód. Proc. Administrativo, a saber: “a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados; c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
[5] In ac. do TC nº 293/2006, DR II de 7/6/2006. Em igual sentido, ac. TC nº 395/2002 (consultado no site www.tribunalconstitucional.pt) e nº 473/2001, DR II de 28/11/2001.
[6] In ac. do TRCoimbra de 7/6/2006, proferido no processo nº 1635/06, podendo ser consultado em www.dgsi.pt.jtrc.
[7] In ac. da Relação do Porto de 9.1.2008, proferido no processo nº 0715838, podendo ser consultado em www.dgsi.pt.jtrp, por nós subscrito como juiz adjunto.
[8] Referem-se apenas os mais recentes.