Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0740902
Nº Convencional: JTRP00040150
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
APREENSÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RP200703210740902
Data do Acordão: 03/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 258 - FLS 113.
Área Temática: .
Sumário: Se, durante o inquérito, o Ministério Público solicita a um Banco determinada informação e esta é legitimamente recusada, com fundamento no sigilo bancário, não pode ser ordenada uma busca para apreensão dos documentos que contém aquela informação, havendo antes que seguir a via da dispensa do dever de sigilo, nos termos do artº 135º, nº 3. do CPP98.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação do Porto:

I – Relatório:

I – 1.) Inconformado com o despacho proferido em 26/05/2006, nos autos com o número …/06.8PASTS, a correr termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Santo Tirso, em que o Sr. Juiz a exercer funções de instrução criminal indeferiu a realização de busca em instituição bancária tendo em vista a apreensão de elementos documentais essenciais para a investigação do processo, recorre o respectivo Exmº Sr. Magistrado daquela Órgão Auxiliar da Justiça, sustentando na síntese das razões aduzidas, as seguintes conclusões:

1.ª - O interesse na realização de uma justiça célere e eficaz é um interesse fundamental, estruturante e basilar de uma sociedade moderna, desenvolvida e organizada, já que uma justiça tardia nunca pode ser justiça.

2.ª - O art. 181.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, visa uma mais célere e eficaz realização da justiça, nomeadamente no que toca à investigação da criminalidade económica e financeira que, face ao crescente desenvolvimento tecnológico, é cada vez mais difícil e morosa, sem restringir de forma intolerável os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

3.ª - Na fase de inquérito o Juiz de Instrução é o garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, competindo-lhe, pela positiva, velar pelo respeito de tais direitos, liberdades e garantias e, pela negativa, decidir quando os mesmos devem ser restringidos, face a um interesse superior.

4.ª - Tendo o Juiz de Instrução competência exclusiva para ordenar e fiscalizar escutas telefónicas, nos termos dos arts. 187.º a 109.º do CPP, acto processual que por natureza e definição é capaz de comprimir de forma bastante mais aguda a esfera da intimidade, liberdade, direitos e garantias dos cidadãos do que as buscas e apreensões ora em análise, dificilmente se percebe e pode sustentar que o mesmo juiz de instrução não tenha competência para buscar e apreender documentos em instituições bancárias (ainda que estes estejam a coberto do sigilo bancário), pois, quando se permite o mais, necessariamente se permite o menos.

5.ª - Por outro lado, a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, nos casos aí previstos, expressamente concede ao Ministério Público, na fase de inquérito, o poder de ordenar a quebra do sigilo profissional aos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito e sociedade financeiras (cfr. art. 2.º, n.º 1 e n.º 2). Ora, se assim é, ou seja, se o Ministério Público, nestes casos, pode ordenar a quebra de segredo dificilmente se pode conceber que o Juiz de Instrução no exercício das suas competências exclusivas e enquanto garante dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos não possa proceder à busca e apreensão promovida pelo simples facto de os documentos a apreender estarem sujeitos a sigilo bancário.

6.ª - Assim sendo, o art. 181.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, aplica-se mesmo que a apreensão dos documentos, títulos, valores e objectos nele referidos estejam a coberto do sigilo bancário, pois trata-se de um acto da exclusiva competência do Juiz de Instrução, a quem cabe decidir, em cada caso concreto, se os direitos liberdades e garantias dos cidadãos devem ceder face ao interesse superior da realização da Justiça.

7.ª - Um entendimento diverso esvaziaria por completo o conteúdo do artigo 181.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tornando-o inútil por não ter aplicação prática, já que, em tal caso, caso se sufrague a decisão recorrida, o regime a aplicar será sempre o dos artigos 135.º e 182.º do Cód. Proc. Penal, com todas as delongas e os custos processuais e temporais que o mesmo acarreta, o que equivale a uma má administração da justiça pois para o presente caso concreto existe norma legal (o art. 181.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal) que dá uma resposta mais fácil, célere e eficaz às necessidades de justiça criminal aqui em causa, com inteiro respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

8.ª - Face ao exposto, o despacho recorrido violou o art. 181.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal e o art. 202.º, n.º 1, da Constituição da república Portuguesa.

9.ª - Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida por forma a ser substituída por outra em que se ordene, nos termos do art. 181.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, a busca e apreensão dos elementos bancários pedidos.

I – 2.) Admitido o recurso, o Sr. Juiz sustentou doutamente a posição por si assumida.

II – Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto sufragou o entendimento em como o recurso não merece provimento.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III – 1.) Conforme resulta das conclusões apresentadas, o sentido essencial do recurso interposto pelo Ministério Público, visa a substituição do despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal que indeferiu a realização de busca em instituição de crédito, in casu, nas instalações do “B………., SA”, pugnando pela sua efectiva determinação com derrogação dos fundamentos exarados em apoio dessa decisão, que no fundo traduzem o entendimento em como em situações como as prefiguradas nos autos, se deverão utilizar as disposições processuais atinentes à quebra do sigilo bancário e não a diligência apreensiva preconizada.

III – 2.) Cumprirá, primeiro, sumariar os principais momentos que precedem o dissídio ora desenhado:

Os autos iniciam-se com uma denúncia por furto de cheques emitidos pela Segurança Social de que o queixoso seria beneficiário.
Através da fotocópia dos títulos, identificam-se duas contas bancárias onde os mesmos terão sido depositados.
No apuramento posterior dos respectivos titulares, o C………. satisfez essa informação, o mesmo não sucedendo com o B………., S.A, que para o efeito se escusou invocando o sigilo bancário.
Daí o Sr. magistrado do Ministério Público ter promovido junto do M.º Juiz de Instrução Criminal a realização de busca nas respectivas instalações para se obter o elemento pretendido.

Do despacho indeferindo aquela pretensão, iremos reter os seguintes passos:

«(…)
Nos termos do art.º 78.º, n.º 1, do Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro: “Os membros dos órgãos de Administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que se encontra, designadamente, sujeitos a segredo “os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.
Face ao exposto importará concluir pela legitimidade da recusa por parte do B………., SA, na medida em que os elementos pretendidos caem no âmbito do sigilo bancário legalmente definido, tanto mais que não nos encontramos perante nenhuma das situações contempladas no art. 13.º-A do Decreto-Lei n.º 316/97 de 19-11 ou no art. 2.º da Lei n.º 05/2002 de 11-01.
Sendo legítima a escusa, resta apurar da viabilidade de realização de uma apreensão e/ou busca às instalações da mencionada entidade bancária, tendo em vista apreender os elementos que contêm as informações sujeitas a sigilo profissional.
Para o efeito importará chamar à colação, novamente, o diploma supra citado, no seu art.º 79.º, o qual estabelece, precisamente, excepções ao dever de sigilo, remetendo, na sua alínea d) para o regime processual penal.
Ora no âmbito do regime processual penal, a realização de uma busca e apreensão de elementos que permitam a identificação das contas bancárias de que serão titulares as pessoas e entidades em investigação, é diligência que encontra fundamento, precisamente, no processo penal – cfr. o art.º 181.º do Código de Processo Penal – exigindo como requisitos (para além de ter que ser ordenada pelo juiz) que os documentos sejam previsivelmente relevantes para a descoberta da verdade material, sendo certo que se encontrarão relacionados com a prática de um crime.
Aparentemente encontrar-se-ão reunidos, no caso dos autos, os requisitos de que depende a ordem de apreensão promovida ou, se preferirmos, a promoção de insistência de notificação com tal advertência.
Dizemos aparentemente precisamente em face da circunstância de ter sido alegado o sigilo profissional.
Efectivamente, tal alegação, em nosso entendimento afasta a possibilidade de recurso à apreensão pretendida, sob pena de se subverter todo o regime legal em matéria de sigilo bancário e processo penal.
Na verdade, na eventualidade de a instituição bancária limitar-se a não responder à pretensão do Ministério Público de prestação das referidas informações, de recusa sem qualquer invocação de fundamento ou justificação, de manutenção da recusa após a mesma ter sido considerada ilegítima (tendo a decisão transitado em julgado), somos do entendimento de que, em tais situações, resultaria inequívoco ser de realizar uma apreensão que viesse a ser promovida.
Sendo invocado o sigilo bancário como fundamento da recusa, importa proceder a uma articulação deste regime da apreensão com o já supra mencionado regime da invocação de recusa.
Na verdade, conforme referido, o sigilo bancário dispõe de um regime próprio, qual seja o constante do art.º 135.º, do Código de Processo Penal: averigua-se sumariamente da legitimidade da escusa e se a mesma for considerada justificada solicita-se ao tribunal superior a quebra do sigilo; se a mesma não for considerada legítima, ordena-se a prestação das informações pretendidas; não se prevê para estes casos, a possibilidade de se ultrapassar ou resolver este incidente mediante recurso ao regime da apreensão previsto no art.º 181.º do Código de Processo Penal (cujo âmbito de aplicação já definimos supra).
Admitir a resolução por tal via resultaria numa subversão de todo o regime do segredo profissional, em especial do sigilo bancário – não só do respectivo direito substantivo (Decreto-lei n.º 298/92 de 31-12), como do próprio regime processual penal vigente nesta matéria (cfr. o art.º 135.º do Código de Processo Penal).
No sentido do ora exposto, vide o Ac. RP de 04-10-1995, in www.dgsi.pt/jtrp, em cujo sumário se pode ler: “É vedado ao JIC ordenar a apreensão da ficha de assinaturas para conhecer o movimento bancário do arguido, por aquele documento e elemento bancário estar a coberto do sigilo bancário, que não é lícito quebrar, cabendo tal poder unicamente ao Tribunal da Relação (...)”; de igual forma, vide os Acs. RP de 08-05-1996 e de 25-09-1996, mesmo endereço.
No sentido oposto, cfr. o Ac. RL de 27-09-1995, in www.dgsi.pt/jtrl.
Em conformidade com o exposto e ao abrigo das normas legais supra citadas, por se nos afigurar que a realização de uma busca e apreensão não encontra fundamento legal no caso dos autos (porque a apreensão em si, na presente fase, não é admissível), indefiro a mesma, restando ao Ministério Público recorrer do presente despacho ou, conformando-se com o entendimento do tribunal, suscitar o incidente de quebra de sigilo.
(…)»

III – 3.1.) Com efeito, a situação ora descrita não convoca qualquer especialidade em relação ao padrão factual comum que enforma os incidentes de quebra de sigilo bancário que vêm sendo objecto de apreciação por parte deste Tribunal.

Aliás, como bem o aponta, como é seu timbre, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, a questão é basicamente idêntica à examinada no recurso com o n.º 5928/05, com a mesma proveniência, por nós relatado e decidida em conferência, no passado dia 31 de Maio de 2006.
Razões não temos para divergir do entendimento nessa altura perfilhado, que mantém identidade com uma outra, originada também em processo de Santo Tirso, e que de forma convergente com o aí preconizado, havia enunciado que:
“Negando-se o banco a fornecer os elementos que, cobertos pelo segredo bancário, lhe são solicitados no âmbito da investigação criminal, não pode ser ordenada de imediato uma busca para apreensão dos documentos que contenham esse elementos, devendo antes lançar-se mão do incidente de quebra de sigilo bancário” (cfr. ac. desta Relação de 22/02/2006, no processo com o n.º 0546090, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrp).

III – 3.2.) Da fundamentação do acórdão por nós nessa altura prolatado, iremos destacar os seguintes enunciados:
«(…)
A possibilidade abstracta de se proceder à apreensão de documentos em estabelecimento bancário, é faculdade processual que ninguém contesta, dada a sua expressa previsão no art. 181.º do Cód. Proc. Penal.
Basta que se reúnam as respectivas condições legais de actuação, a saber, uma decisão judicial a considerar que existem fundadas razões em como estão relacionados com um crime e que se revelam de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova e que a diligência seja presidida pelo próprio juiz.

Aliás, a inclusão dos documentos no universo das realidades passíveis de ser objecto deste meio de obtenção da prova foi expressamente introduzida pela alteração legislativa produzida com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, ao Código Processo Penal.
Desse modo se obtemperaram as críticas feitas ao regime anteriormente vigente, que na afirmação de Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1999, 11ª Ed., pág.ªs 401/2, “privilegiava excessivamente esse sigilo, em prejuízo das premências da investigação criminal. Incompreensivelmente, não se permitia aos tribunais, que são os órgãos de soberania aos quais incumbe exclusivamente a administração da justiça penal, a requisição de informações sobre contas bancárias, que então era permitida à Alta Autoridade Contra a Corrupção”.

(…)

Em todo caso este entendimento não esgota as implicações colocadas por tal tipo de apreensão.
Haverá que não esquecer, com efeito, que de “outro lado” temos uma entidade e um conjunto de pessoas que estão sujeitas a um particular dever de sigilo.

É que, de harmonia com o art. 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, estão sujeitos ao “dever de segredo” «Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.»
Precisando depois o respectivo n.º 2, que “estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias», ou seja, o tipo de elementos que é objecto da pretensão formulada à D………. .

É certo que artigo seguinte prevê formas de derrogação deste dever de sigilo, que vão desde a autorização do cliente (n.º 1), às disposições legais que expressamente limitam o dever de segredo e uma menos fácil de intuir decorrência dos termos previstos na lei penal e de processo penal (n.º 2, al. d).

Uma coisa, afigura-se-nos indubitável: se na realização da diligência for necessário o concurso de membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional e qualquer destes invocar sigilo profissional na sua prestação, outro caminho não restará ao Sr. Juiz de Instrução Criminal que não seja o de aferir da legitimidade dessa escusa alegada, e se a mesma for procedente, suscitar perante a Relação o respectivo incidente…

Neste sentido confira-se Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, Verbo, II Vol., pág.ª 200, que em sede de “Apreensões em estabelecimento bancário, escritório de advogados, consultório médico…” refere: “Se for ordenado às pessoas sujeitas a segredo profissional ou a segredo de Estado a apresentação de documentos ou objectos que devam ser apreendidos e elas invocarem segredo profissional (…) procede-se nos termos aplicáveis à escusa a depor sobre os factos abrangidos pelo segredo, em conformidade com os art.ºs 135.º, n.º 2, 136.º, n.º2, e 137.º, n.º2.”
É o que resulta, claramente, do preceituado no art. 182.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal (…)

Ora não estando nós perante hipótese contemplada em disposição legal que expressamente limita o dever de segredo (cfr. neste sentido, emissão de cheque sem provisão (art. 13.º-A do DL n.º 454/91, de 28/12, na redacção do DL n.º 316/97 de 19/11), tráfico de estupefacientes (art. 60.º do DL n.º 15/93, de 22/11), branqueamento de capitais (art. 10.º do DL n.º 113/93, de 15/09 e 19.º do DL n.º 325/95, de 02/12), combate à corrupção e criminalidade económica e financeira (art. 5.º do DL n.º 36/94), que como tal, traduz o núcleo de bens jurídicos, que pela sua relevância social, o legislador desde logo, para a sua investigação, operou a definição do interesse prevalente, nos demais, poderemos ter que ser reconduzidos a fazer uma compatibilização.

De um lado o interesse público do Estado em exercer o seu “jus puniendi” relativamente aos agentes que ofendem a ordem jurídica estabelecida e em que se não pode prescindir do apuramento da verdade material, para o que serão fundamentais as informações solicitadas às instituições de crédito, do outro, a tutela do sigilo bancário que tem a ver fundamentalmente com o direito à reserva da vida privada dos agentes enquanto clientes dos bancos, propiciando o estabelecimento de um clima de confiança na banca.

Ainda que se reconheça que por esta interpretação decorra uma efectiva redução das hipóteses abstractamente passíveis de serem contempladas pela apreensão prevista no art. 181.º do Cód. Proc. Penal, a verdade é que (…) ainda assim fica espaço para a sua actuação: “v. g., a apreensão de quantia depositada em conta bancária que se sabe ser proveniente de crime, a apreensão de títulos de crédito contendo assinaturas falsificadas, a apreensão de bens depositados em cofre bancário obtidos mediante a comissão de crime contra o património, etc.”

(…)»

III – 3.3.) Em relação à fundamentação na altura expendida sobre o assunto, o Digno recorrente junta agora dois novos argumentos:

Um primeiro, retirado da Lei n.º 5/2002, de 15/01, ao determinar que o segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito e sociedades financeiras, dos seus empregados e pessoas que nela prestem serviços pode ser sobreposto unicamente com uma “ordem da autoridade judiciária titular da direcção do processo, em despacho fundamentado”, maxime do Ministério Público.

Não se mostra uma objecção relevante.
Tal diploma insere-se no âmbito de medidas de combate à criminalidade organizada e económica-financeira, em que a possibilidade de apreensão assinalada só existe para um catálogo fechado de crimes (v.g., tráfico de estupefacientes, terrorismo, tráfico de armas, branqueamento de capitais, contrabando (…), de que o caso dos autos, obviamente, não constitui exemplo.
Depois, aquela norma (respectivo art. 2.º), no fundo, mais não traduz do que a enunciação de outros casos de situações limitativas do dever de segredo, relativamente às já acima mencionadas, pese embora a clara sobreposição detectável dos tipos legais que admitem aquele tipo de actuação processual.
Porém, à semelhança do que sucede naquelas hipóteses, nestes casos também é o próprio legislador a resolver o conflito de interesses.
Como se afirma textualmente no respectivo art. 2.º, n.º 1, o segredo profissional “cede”, “se houver razões para crer que as respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade”.

O outro argumento adiantado é a afirmação de que se o juiz de instrução criminal pode ordenar escutas, que têm um elevado potencial lesivo para os direitos individuais, porque não poderá ordenar as buscas e apreensões em instituições bancárias, que são “um menos”, e como tal não comportam essa compressão?

Sendo o direito processual um direito público a regra não é a de que é permitido o que não for proibido, mas a de que só é permitido aquilo que expressamente o Estado, os seus órgãos e agentes estiverem autorizados.

Como vimos não só aquela impossibilidade de efectuar buscas e apreensões em instituições bancárias não é absoluta, como aqui nada de particularmente singular se introduz em relação às demais situações em que pode haver a invocação de segredo profissional.
Com efeito, a especialidade do problema não resulta da busca e apreensão em si mesma, mas da necessidade de preservar aquele sigilo.
Se depois de determinada a dispensa a instituição bancária não cumprir, aí nada obsta a que tais diligências se façam.
Como em analogia parece dever-se entender, nos casos em que a invocação daquele segredo seja considerada desde logo pelo juiz de instrução criminal como ilegítima.

Se o art. 181.º do Cód. Proc. Penal, não deve ser esvaziado no seu alcance, o mesmo deverá acontecer também com o sigilo profissional. Ora nos casos em que a prevalência não esteja desde logo definida legalmente, terá como regra que se fazer funcionar o mecanismo da sua definição jurisdicional.

Nesta conformidade:

IV - Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.

Porto, 21 de Março de 2007
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento