Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0842309
Nº Convencional: JTRP00041539
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RP200807140842309
Data do Acordão: 07/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 327 - FLS 64.
Área Temática: .
Sumário: A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração, promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo e apela a um forte sentimento de co-responsabilização social e de reparação simbólica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 2309/08
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e Maria Elisa Marques,
- após conferência, profere, em 14 de Julho de 2008, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo sumário n.º …./07.3PBMTS, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, em que é arguido B………., foi proferida sentença que decidiu [fls. 23]:
«Condenar o arguido B.......... pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal para o efeito p.p. pelo artigo 3º, n.º 1, do Dec-Lei n.º 2/98, de 03/01, na pena 4 meses de prisão [ver rectificação de fls. 59] a cumprir em regime de dias livres, aos fins-de-semana, durante 16 semanas, por períodos nunca superiores a 48 horas cada.
(…)»
2. Inconformado, o arguido requer a substituição da pena por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º, do Código Penal [fls. 38]. E, admitindo a hipótese deste pedido ser desatendido, recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 42-43]:
«1- O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 3 meses de prisão em regime de dias livres.
2 - Não se conformando com a douta sentença.
3 - Pretende que a pena aplicada seja substituída pela pena de trabalho a favor da comunidade.
4 - Como estamos perante uma pena curta de prisão deve a mesma ser substituída por medida não detentiva.
5 - Deve considerar-se o cumprimento da pena de 3 meses de prisão a cumprir em regime de dias livres como manifestamente desajustada.
6 - A substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
7 - Essa substituição trará vantagens para a reinserção social do arguido, pelo facto de o trabalho a favor da comunidade ser uma verdadeira sanção e que implica a prestação de uma contrapartida do arguido para com a sociedade, neste caso, através do seu trabalho.
8 - A perigosidade da conduta do arguido não é de molde a que apenas com a prisão em regime de dias livres se consiga alcançar na pessoa deste, o verdadeiro espírito de uma punição, o que também se verificará com a pena de trabalho a favor da comunidade. (…)»
3. O requerimento de substituição da pena aplicada por outra veio a ser indeferido [fls. 73-74].
4. Na resposta ao recurso, o Ministério Público refuta todos os argumentos da motivação, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 81-85].
5. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto ponderou as circunstâncias do caso e emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
7. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 20-21]:
«Discutida a causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
No dia 06/10/2007, pelas 21:15 horas, na .........., em Matosinhos o arguido foi fiscalizado pela autoridade policial a conduzir o ciclomotor da marca Yamaha,..... e matrícula 6PRT-..-.., sem possuir qualquer titulo que o habilitasse a conduzir.
Actuou de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de conduzir veículo a motor sem habilitação e sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei .
Do CRC do arguido constam duas condenações:
- Em 11/09/2006, foi condenado no .º Juízo de Peq. Instância Criminal do Porto, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº 1º do D.L. 2/98 de 3/01 na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 2 €, declarada extinta pelo cumprimento em 13/16/2006.
- Em 19/01/2007, foi condenado no 2º Juízo de Peq. Instância Criminal do Porto, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº 1º do D.L. 2/98 de 3/01 na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 3 €.
2.2 Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
3. Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento, designadamente:
- o documento a fls. 3, relativo ao exame de pesquisa de álcool no sangue do arguido;
- o C.R.C. do arguido, a fls.14 e seguintes;
- as declarações da testemunha C.......... que relatou de forma objectiva e credível, o modo como interceptou o arguido e o identificou.
(…)»
II – APRECIAÇÃO
8. Face às conclusões apresentadas (que delimitam o objecto do recurso), importa reavaliar a medida da pena.
9. Para a fixação da pena o tribunal recorrido considerou, além do mais, as elevadas exigências de prevenção geral positiva, o elevado grau da ilicitude do facto, o dolo intenso e, em sede de prevenção especial, as anteriores condenações do arguido exactamente pelo mesmo tipo de ilícito o que revela que as penas aplicadas não têm surtido qualquer efeito [fls. 21 e 22].
10. O recorrente contrapõe – em motivação concisa e esclarecida – que a perigosidade do arguido não é de molde a considerar-se que apenas com a prisão por dias livres se cumprem, no caso concreto, as finalidades da punição.
11. A aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal. E de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
12. O princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas [da tutela penal] ou da máxima restrição das penas afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados.
13. Não são só os princípios dogmáticos do direito constitucional-penal que nos obrigam uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das penas privativas de liberdade. São também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é também estigmatizante, e por consequência, gerador de mais criminalidade. Longe vão os tempos em que a eficácia punitiva do sistema se afirmava tout court na aplicação de penas de prisão; em que o labor do juiz do julgamento se quedava pela ponderação da aplicação [ou ainda não...] de uma pena de prisão.
14. Hoje, as exigências de prevenção geral [de médio e longo prazo] impõem um esforço sério no sentido da reabilitação social do arguido e até da co-responsabilização da sociedade nessa reabilitação. A tarefa do sistema jurisdicional penal não se esgota, afinal, na determinação dos factos criminosos e dos seus agentes: cumpre-lhe, ainda, encontrar e aplicar as melhores e mais adequadas soluções punitivas que assegurem a protecção dos bens jurídicos e também a reintegração do agente na sociedade [voltámos ao artigo 40.º, do Código Penal].
15. A situação dos autos, dada a natureza da infracção [falta da certificação legal da aptidão para conduzir] e pese embora o facto de o recorrente ter sofrido já duas condenações em penas de multa pela prática do mesmo crime, permite ainda a aposta numa medida não institucional que penalize e consciencialize o arguido da necessidade de conformar a sua actuação às regras legais vigentes.
16. Neste sentido [e com amplo suporte doutrinário, para o qual, com vénia, remetemos], veja-se o acórdão desta Relação de 14.03.2007 [Relator: Luís Teixeira], processo 0616227, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/Pesquisa+Campo?OpenForm, acedido em Abril de 2008.
17. Como se sabe, de acordo com a lei – artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade “sempre que [o tribunal] concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
18. Trata-se de um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão – ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 [Relator: Cons. Rodrigues da Costa], Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo II, p. 228.
19. Considerada como uma das mais importante medidas de político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório [ver Maia Gonçalves, Código Penal Português – 11ª ed., em anotação ao art. 58.º] e recomendada pelas mais altas instâncias [v.g. as recomendações e resoluções do Conselho da Europa e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990 – com menção expressa à imposição de prestação de serviços à comunidade no ponto 8.2.i)], a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal.
20. A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.
21. Temos nos autos a indicação da viabilidade da aplicação desta medida – e o consentimento expresso do recorrente [ver Relatório de caracterização do trabalho a favor da comunidade de fls. 100 e a aceitação do recorrente de fls. 44, renovada a fls. 102 com o conhecimento da actividade proposta].
22. Assim, em substituição da pena de prisão por dias livres estabelecida pela sentença recorrida, julgamos adequado e suficiente às finalidades da punição a prestação de 42 horas de trabalho a favor da comunidade, a executar aos Domingos, das 8h30m às 12h e das 14h às 17h30, no desempenho de tarefas de manutenção e de limpeza do cemitério da freguesia de ………. .
23. Assim se determinará.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
• Conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente B………., pelo que revogam a sentença recorrida na parte em que o condena em pena de prisão a cumprir em regime de dias livres, determinando a prestação de 42 [quarenta e duas] horas trabalho a favor da comunidade, a executar nos termos e condições supra referidos [item 21].
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator]

Porto, 14 de Julho de 2008
Artur Manuel da Silva Oliveira
Maria Elisa da Silva Marques Mota Silva