Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0220548
Nº Convencional: JTRP00036226
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: REGISTO PREDIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REGISTO PROVISÓRIO
Nº do Documento: RP200310070220548
Data do Acordão: 10/07/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J AMARANTE 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 109/96
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - A impossibilidade do registo da acção invocada pelo Conservador não constitui qualquer excepção dilatória determinante da absolvição da instância.
II - A suspensão da instância para registo da acção cessa com a recusa do Conservador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório
Domingos..... e Maria..... instauram contra
Emília..... e José.....,
entretanto falecido e habilitado nos autos, acção declarativa, pedindo:
o reconhecimento judicial da existência de uma servidão de presa e aqueduto, em vala aberta e tubo, existente ao longo da extrema nordeste do prédios dos RR., constituída a favor do prédio dos AA., que melhor identificam,
a declaração de que a mesma servidão integra um direito acessório de passagem, a pé, dos AA., pelo terreno dos RR., em faixa paralela à vala de condução de água, passagem essa destinada ao acesso à presa e à mina donde aquela provem e bem assim a condenação dos RR. no reconhecimento daqueles direitos e a retirarem os arames que impedem o acesso do prédio dos AA. ao prédio dos RR. para os aludidos fins e a não obstaculizarem, por qualquer forma, o exercício do direito de passagem.
Mais peticionaram a condenação dos RR. em indemnização pelos prejuízos que causarem a liquidar em execução de sentença.
Subsidiariamente pediram o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem a pé pelo prédio dos RR. para acesso à mina e presa aludidas.
Após citação reagiram os RR. nos termos da contestação apresentada alegando a sua ilegitimidade para a causa e invocando factos susceptíveis de determinar a improcedência do pedido.
Formularam pedido reconvencional requerendo o reconhecimento da propriedade sobre o seu prédio e que dele fazem parte as respectivas bordas e que os AA. ocuparam abusivamente parte destas bordas para colocação do dispositivo de saída de água do tanque e tubo que para este traz a água desde a mina bem como a condenação dos AA. a desocuparem a parte das bordas que ilegitimamente ocuparam.
Mais pediram se determinasse o cancelamento dos registos que de tal prédio ou de quaisquer partes integrantes hajam sido efectuados a favor dos AA.
Elaborado despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos RR., admitido o pedido reconvencional e conhecida a existência de uma excepção dilatória inominada nos seguintes termos:
“A falta de identificação do prédio dos AA. nem por isso importava como consequência eventual nulidade do processado.
Todavia trouxe uma outra: a impossibilidade do registo da acção, como impõe o art. 3º do CRP e como havia sido determinado. (cfr. despacho de fls. 33)
Note-se que não se trata da simples recusa do Conservador.
É uma impossibilidade originária, intrínseca da petição, que surge como seu próprio vício.
Enquadra-se na categoria prevista no art. 288º nº 1, e) do CPC, determinante de absolvição da instância.
Pelo que o Tribunal decide absolver os RR. da instância…”
Deste despacho foi interposto pelos AA. tempestivamente recurso que foi admitido e qualificado como de agravo a subir com o que depois dele houvesse de subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo tendo na sua sequência sido apresentadas as respectivas alegações em que se aduziu a seguinte matéria conclusiva que se passamos a reproduzir:
“1. Identificar é explicitar as características diferenciadoras de alguma coisa, por forma a que ela seja individualmente reconhecida na sua singularidade.
2. Ao descrever (de forma incontroversa e incontestada) as confrontações e a localização geográfica, quer por referência à divisão administrativa do território, quer por referência a elementos conspícuos (vala, tanque, presa e mina) o prédio está perfeitamente identificado em modo discursivo;
3. Ao juntar um esquiço topográfico em todos os elementos descritivos os A.A. identificaram-no em modo gráfico.
4. Na contestação os RR trouxeram ao processo o número da sua descrição e certidão dela e das respectivas inscrições.
5. Há assim, nos autos (à exaustão) todos os elementos necessários para conhecer do mérito.
6. A recusa do registo da acção, determinada pela ausência do número de descrição predial na petição inicial, não é minimamente idónea a obstar ao conhecimento do mérito da acção,
7. não constituindo, por isso excepção dilatória.
8. Mesmo que o fosse ela estaria sanada (art. 288º nº2 in fine), o que exclui a abstenção da obrigação de conhecer, a que a existência da excepção conduziria.
Mais consigna que para efeitos do art. 690º , nº2 do CPC revisto
- por referência aos artigos 493º e 494 do CPC, o Tribunal a quo considerou integrar a noção de excepção processual dilatória, a omissão na petição inicial do número da descrição predial do prédio sobre que se pretende ver declarado o adminiculum servitutis, quando tal omissão não integre o respectivo conceito, por não ser impeditiva do conhecimento do mérito;
- o tribunal a quo não considerou que a junção subsequente da certidão da descrição predial sanaria a excepção dilatória (se existisse), pelo que seria aplicável a ressalva do artigo 288º nº 2 in fine também do Cód. Proc. Civil.”
Termina pedindo que seja o despacho revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da acção com conhecimento do mérito no que tange ao pedido formulado pelos AA.
Prosseguiu a instância para apreciação do pedido reconvencional e após realização de audiência de discussão e julgamento a que se procedeu com o formalismo próprio conforme na acta se exara, sem que se tenha efectuado o registo fonográfico da prova de harmonia com o estatuído no art. 522-B do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial, foi proferida sentença através da qual se julgou parcialmente improcedente a reconvenção tendo sido decretado que:
a) “Se reconhece que os RR. são proprietários do prédio rústico composto de cultura e ramadas, inscrito na matriz rústica de..... sob o art. 290, que faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de..... sob o nº 51 874 a fls. 156 do livro B135, bem como das respectivas bordas;
b) Se absolvem os AA. reconvindos dos demais pedidos reconvencionais;”
De novo os AA. vêm tempestivamente interpor recurso da decisão e igualmente o faz a R., tendo sido respectivamente admitidos a fls. 106 e 113 dos autos.
Nas alegações da R. reconvinte oportunamente apresentadas foram formuladas as seguintes conclusões que se passam a reproduzir:
“1) Na sentença reconhece-se que as bordas são parte integrante do prédio dos Réus - apelantes e justifica-se a sua ocupação pelos apelados com fundamento no disposto no artigo 1561 n°1 do Código Civil.
Todavia, com base em tal dispositivo legal, aos apelados apenas seria permitido intentar uma acção para expropriação por utilidade particular para se saber se poderiam, ou não, ali constituir qualquer servidão, designadamente de aqueduto. O que não poderiam era, contra a vontade dos apelantes, colocarem tubos de plástico para a condução de águas sobre o prédio dos apelantes.
2) Saber se poderiam ou não constituir tal servidão, o que não foi objecto da presente acção, exigiria que se discutisse todos os condicionalismos referidos no citado artigo 1561, designadamente a questão de saber se não haveria outro lugar mais apropriado para a constituição da servidão, qual o valor da indemnização e se os apelados não poderiam conduzir as águas por terreno próprio, o que nada foi feito nos presentes autos.
3) Não há abuso de direito, pois os apelantes nunca consentiram na ocupação das bordas para a passagem de águas dos apelados, apenas tendo tolerado tal situação, a que agora pretendem por fim antes que a sua tolerância faça nascer, na esfera jurídica dos apelados, um direito a uma servidão de aqueduto constituída por usucapião.
4) Quanto à retirada de terra para colocação do tubo para saída de água, a Senhora Juíza dá como provado na alínea e) dos factos provados, que "há pelo menos 12 anos (......) para instalarem um dispositivo de saída de água num tanque de pedra, os AA. retiraram alguma terra da extrema do prédio dos Réus", acrescentando na sentença que "a terra retirada teve em vista o escoamento da água e a realização dos trabalhos de colocação do dispositivo de saída de água".
Como
os apelantes peticionam que se declare que os Autores-apelados ocuparam abusivamente parte da borda para colocação do dispositivo de saída de água e que desocupe a parte da borda que assim, abusivamente, estão a ocupar, e a sentença se reconhece que os Réus retiraram terra do prédio dos Autores para colocarem o dispositivo de saída de água e que não recolocaram tal terra no sitio, antes tendo ocupado tal espaço com a colocação do tufo, a Senhora Juíza faz uma errada interpretação dos factos e errada aplicação do direito ao não mandar desocupar a borda.
Os fundamentos estão em oposição com a decisão o que implica a nulidade da sentença, atento o disposto no nº1 alínea c) do artigo 668 do CPC.
Deste modo, ao decidir como decidiu, ao Senhora Juíza faz uma errada interpretação do disposto nos artigos 1561 e 334 do Código Civil, estando a decisão em oposição com os seus fundamentos, o que constitui a nulidade prevista no artigo 668 n° 1 alínea c) do CPC.”
Termina pedindo que seja o recurso julgado provado e procedente, e, em consequência, deve a decisão em crise ser revogada e substituída por outra que ordene que os apelados desocupem as bordas do prédio dos apelantes, daí retirando os tubos para condução de águas e o tufo que aí colocara.
Foram apresentadas contra alegações nas quais se pugna pela manutenção do decidido.
Remetidos os autos a este Tribunal constatou-se que não foi, relativamente ao recurso de agravo interposto e recebido, pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo proferido o despacho a que se reporta o artigo 744º nº1, bem como igualmente que não foram apresentadas alegações correspondentes ao recurso de apelação interposto pelos AA. e ainda nada havendo sido referido sobre o recurso de agravo aludido pelo que foram os autos remetidos ao Tribunal de 1ª instância designadamente para os fins consignados nos termos do artigo 690º.
Nessa conformidade o Exmº Magistrado proferiu despacho tabelar de sustentação tendo igualmente sido proferida decisão que ao abrigo do estatuído nos artigos 291º nº2 e 690º nº3 julgou deserto o recurso interposto pelos AA. por falta de alegações.
No convite formulado em conformidade com o estatuído no artigo 748º nº 1 vêm os AA. afirmar manter interesse no interposto recurso de agravo.
Mostram-se colhidos os vistos legais.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal em princípio decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, artigos 684º nº3 e 690º nº1 e 3
As questões que estão subjacentes no âmbito dos presentes recursos traduzem-se respectivamente em saber relativamente ao

AGRAVO
Se a invocada excepção de que se conheceu por falta de identificação do prédio dos RR. não pode proceder determinando-se o prosseguimento da acção para conhecimento do mérito do pedido formulado.
No que concerne à
APELAÇÃO
Se existe como se elenca nas conclusões supra transcritas nulidade da sentença em conformidade com o estatuído no artigo 668º nº 1 alínea c).

DOS FACTOS E DO DIREITO
Para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presente recurso passamos a reproduzir a facticidade considerada assente e provada sobre a qual se estruturou e fundamentou a decisão proferida apesar de a mesma não haver sido objecto de impugnação.
“a) Os RR. são donos e legítimos possuidores e proprietários de um prédio rústico composto de cultura e ramadas, inscrito na matriz rústica de..... sob o art. 290, que faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de..... sob o nº 51 874 a fls. 156 do livro B 135;
b) Os RR. por si e antepossuidores estão na posse, gozo e fruição deste prédio há mais de 30 ou 50 anos;
c) Este prédio confronta de poente com o prédio dos AA. inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. 287 e descrito na Conservatória do Registo Predial de..... sob o n° 38 450 e inscrito a favor dos AA. pela ap. 25243, a fls.32 vs. do livro G 41;
d) O prédio referido em c) é separado do prédio referido em a) por uma borda, em rampa;
e) Há, pelo menos, 12 anos à data da propositura da acção, para instalarem um dispositivo de saída de água num tanque de pedra, os AA. retiraram alguma terra da extrema do prédio dos RR.;
f) Os AA. canalizaram a água de uma mina situada em terras propriedade de Manuel..... para o tanque referido em e) utilizando um tubo em plástico;
g) Há, pelo menos, 12 anos, à data da propositura da acção, os AA., com o conhecimento e sem oposição dos RR., colocaram um tubo de plástico na borda do prédio destes;
h) Há, pelo menos, 40 anos, os ante-proprietários do prédio dos AA. nele construíram um tanque para onde era canalizada a água da mina, por um tubo de metal.”
Conhecendo da matéria dos interpostos recursos pela ordem que se impõem em conformidade como o estatuído no artigo 710º nº 1 importa apreciar o agravo interposto pelos AA. uma vez que desde logo e salvo o devido respeito pela decisão proferida se considera que a mesma não pode prevalecer e manter-se no que respeita à absolvição da instância dos RR. pela mencionada excepção dilatória inominada da falta de identificação do prédio dos RR.
Como se refere e aliás é absolutamente cristalino dos autos concretamente da contestação-reconvenção no seu artigo 30º para além do articulado da petição concretamente nos seus artigos 1º e 6º a 12º e 17º a 33º o mencionado prédio dos RR sobre o qual se pretende ver reconhecido o respectivo direito de servidão de presa e aqueduto em vala aberta e tubo, ao longo da extrema nordeste do prédio dos RR a favor dos AA. o mesmo está perfeitamente identificado em todos os elementos necessários a obter a sua localização e identificação enquanto tal, concretamente na enumeração das confrontações dos seus pontos cardeais, número ou artigo de matriz em suma de acordo com a exigibilidade determinada em conformidade com o disposto no artigo 28º do Código de Registo Predial.
Ora o Mmº Juiz tendo considerado que a não identificação do prédio não determinou como afirma a nulidade do processado todavia acarretou uma impossibilidade do registo da acção tal como foi determinado na conformidade do despacho proferido a fls. 33 e continua afirmando que ainda que não se trate de um acto de simples recusa do Conservador trata-se sim de uma impossibilidade originária, intrínseca da própria petição que surge como um vício próprio e se tem de qualificar e enquadrar jurídico processualmente na categoria prevista no artigo 288º nº 1 alínea e) ou seja “excepção dilatória” determinante da consequência de absolvição da instância.
Conforme supra se aludiu foi proferido despacho do Mmº Juiz a ordenar a suspensão da instância por forma a dar cumprimento ao disposto no artigo 3º nº 2 do C R Predial porém como se verifica de fls. 35 a 37 foi junta uma certidão emanada da Conservatória do Registo Predial de..... relativa ao prédio dos RR. descrito como o nº 00606/960626, na mesma melhor identificado na qual por Apresentação 20/960626 se verifica o registo de “Acção – provisória por natureza (alínea a) do nº 1 e por dúvidas - Autores Domingos..... e mulher Maria....., casados na comunhão de adquiridos, ....., ....., ..... – Réus Emília..... e marido José....., casados na comunhão geral, ....., referido. Pedido Reconvencional: Declarar-se que os réus são os legítimos donos e proprietários do prédio e que dele fazem parte as bordas, e o cancelamento de quaisquer registos que de tal prédio, ou de quaisquer partes integrantes tenham sido feitas a favor dos autores”
Por seu turno a fls. 39 foi junto documento emanado da mesma Conservatória onde se exara o seguinte despacho:
“Recusado o registo do pedido nos termos do artigo 69º nº 2 do Código de Registo Predial. De facto, na petição inicial não está identificado o prédio sobre o qual recai o registo da acção – o chamado “prédio serviente” pertencente aos réus, tornando-se impossível lavrar o registo.
Não fora recusado, seria ainda provisório por dúvidas porque complementarmente não se indicou a actual composição do chamado “prédio dominante” – prédio dos autores – quanto à sua composição e áreas.”
Ora, a questão fulcral que se coloca neste recurso de agravo é, em resumo, a seguinte:
Suspensos os termos da acção para cumprimento do preceituado no art. 3º, nº 2 do C. Reg. Predial a inscrição dela no registo, quando feito provisoriamente, tanto por natureza, como por dúvidas, ou a sua recusa é impeditiva do seu regular prosseguimento?
Na posição assumida pelo Mmº. Juiz, assim terá que ser, pois, como refere, se bem interpretamos a sua exposição tal situação ou melhor a não determinação da identidade do prédio na petição dá lugar ou conduz à verificação de uma excepção dilatória impeditiva do prosseguimento da acção e ao conhecimento do seu mérito.
Não podemos sufragar esta tomada de posição com o devido respeito pela seguinte ordem de razões que sumariamente se passam a elencar e que mais não são do que a tradução do que julgamos ser o entendimento uniforme ou maioritário neste tipo de situações.
Como é do conhecimento geral, o registo das acções, cuja falta determina a suspensão da instância, nos termos do art. 3º, nº 1, als. a) e b) e nº 2 é, por força da lei, (registral) sempre e necessariamente provisório por natureza - arts. 53º e 92º, nº 1 al. a) o que é bom de compreender.
Na verdade, o registo da acção (atinente a direitos sobre imóveis) tem uma função essencialmente cautelar, traduzindo-se na antecipação do registo da própria sentença transitada em julgado na hipótese, claro, de ela vir a proceder e na medida em que acolha a pretensão do autor (ou do reconvinte).
O conflito entre este e o réu é dirimido, obviamente, pela decisão judicial sendo certo que em virtude da decisão ser, em regra, demorada, a lei consente que o autor acautele o pedido que formulou contra o réu, registando a acção.
Através do registo e da publicidade que lhe é inerente, os terceiros ficam a par do litígio a respeito do prédio em causa, e assim advertidos de que se devem abster de adquirir sobre ele direitos incompatíveis com o invocado pelo autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que venha no final do pleito a ser proferida [Assim, A. Varela, R.L.J. 103º, 483/85, Vaz Serra, na mesma Revista, 474/475, Seabra de Magalhães, Estudos do Registo Predial, 24 e Ac. da R.L. de 27/6/91, C.J. XVI - 1991, T. III, 174].
O registo provisório, por natureza, tem, assim, como destino, ou converter-se em definitivo com a sentença, quando favorável - arts. 101º, nº 2 al. b) e 59º, nº 4 - ou ser mandado cancelar, se a sentença ou a decisão final absolver o réu do pedido ou da instância, julgar extinta esta ou a declarar interrompida - mesmo art. 59º, nº 4.
Mas enquanto a acção estiver em curso carece o dito registo de ser renovado, antes de transcorrido o prazo de três anos, sob pena de caducidade - arts. 92º, nº 3.
Sucede que o Código não prevê, apenas, os registos provisórios por natureza podendo os mesmos ser lavrados por dúvidas em termos provisórios conforme resulta do artigo 70º
“ O registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando exista motivo que, não sendo fundamento de recusa, obste ao registo do acto, tal como é pedido”
Assim, o registo da acção pode, por decisão do Conservador, no âmbito da sua competência própria e no uso dos seus poderes de qualificação, à luz do princípio de legalidade enunciado no art. 68º, ser lavrado em inscrição provisória, tanto por natureza, como por dúvidas - arts. 34º, nº 2 e 70º bem como igualmente ainda ser recusado.
Na primeira hipótese, o prazo de vigência do registo queda-se por simples seis meses, como está determinado no art. 11º, nº 3 cabendo ao autor ou ao reconvinte perante tal situação optar por impugnar ou não a decisão do Conservador ou proceder à remoção dessas dúvidas.
Importa desde já referir sem ter necessidade de estar a repetir o que é por demais conhecido neste contexto que a feitura do registo carece de todo de virtualidade para alterar a situação processual criada pela necessidade da sua efectivação desde logo o que resulta do disposto no nº 3 do art. 3º, aditado pelo Dec-Lei nº 67/96 de 31/5.
Segundo este normativo “sem prejuízo da impugnação do despacho do Conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância a que se refere o número anterior”
Não se ignora que ao longo da vigência do referido art. 3º surgiram não poucas situações de verdadeiro impasse processual (com o inerente desprestígio da instituição judiciária) motivadas pela recusa de Conservadores em efectuar o registo de acções, o que envolvia a continuação da situação de suspensão da instância, por ser diferente o entendimento dos Magistrados Judiciais acabando por se firmar jurisprudência no sentido de uma interpretação restritiva do nº 2 daquele preceito e segundo a qual era aos serviços de registos que incumbia decidir da necessidade ou desnecessidade do registo, independentemente da posição que adoptasse o interessado na efectivação do mesmo [Vide entre outros, os Acs. da R.P. de 23/3/89, C.J. Ano XIV, 1989, T. II, 209 e de 4/4/91, C.J. Ano XVI, 1991, T. II, 251).].
Daí o ter-se dito no preâmbulo desse diploma que o novo normativo se justificava para fazer face a indesejáveis paragens na marcha dos processos, derivadas dos casos em que, ordenado pelo juiz o registo da acção, o conservador o recusa, com fundamento de que a acção não é registável.
Ora, justamente, se à luz da anterior jurisprudência e agora por opção legislativa, se entende que a própria recusa do registo determina o levantamento automático da suspensão da instância, por maioria de razão, essa solução deve valer para a hipótese do registo ser feito provisoriamente, também por dúvidas [v. neste sentido o Ac. do S.T.J. de 30/4/96, B.M.J. 456, 384].
A este propósito escreveu-se e julgamos que com toda a pertinência no Acórdão da R.L. de 8/6/89 publicado in C.J. Ano XIV – III-139) que embora a lei exista para ser cumprida, há que lhe dar aplicação quando passível de mais de um entendimento, da forma mais adequada à causa final do processo, ou seja, à composição dos valores e interesses em debate, havendo que ser considerada a perspectiva mais razoável, segundo os cânones definidos no art. 9º, nº 3 do C. Civil.
A perspectiva mais razoável é a de não sacrificar a obtenção de uma decisão de mérito em prazo razoável, embaraçando-se o processo em questões com mera incidência processual e que não se inserem propriamente no “thema decidendum”.
Também por último orientação do Código Processo Civil revisto vai justamente no sentido de privilegiar o direito da acção e de assegurar a prevalência da decisão de mérito, sobre a decisão meramente de ordem adjectiva [v. art. 3º e anotações de Lebre de Freitas in C.P.C. Anotado, vol. I, 3-5].
Assim procedem as conclusões dos agravantes na medida em que e além do mais não pode considerar-se constituir tal matéria da invocada não identificação do prédio excepção susceptível de impedir o conhecimento do mérito da acção no que tange ao pedido formulado pelos AA. como se decidiu além do mais porque como igualmente resulta também dos autos o mesmo encontra-se definido e identificado de molde a permitir conhecer do objecto do litigio.
Face ao exposto, decide-se conceder provimento ao agravo e revogar-se o douto despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que defira o requerimento dos Agravantes, com a retomada do normal andamento dos autos ou seja com a elaboração do respectivo despacho de condensação dos Factos Assentes e Base Instrutória.
A infracção cometida influi face ao que decorre do exposto na decisão da causa que fica claramente prejudicada com a apreciação da matéria que não foi conhecida no seu âmbito de apreciação pelo que assim sendo, tal importa a igualmente a anulação da decisão proferida no que tange ao pedido reconvencional formulado pelos RR. e que igualmente havia sido objecto de recurso de Apelação.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto dando provimento ao interposto recurso de agravo deverá o despacho que absolveu os RR. da instância ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos com a legal tramitação para conhecimento dos pedidos formulados respectivamente por AA. e RR. atenta a prejudicialidade a que fica sujeita a decisão sobre o pedido reconvencional formulado e que também foi objecto de Apelação.
Custas nesta instância pelo vencido a final.
Porto, 07 de Outubro de 2003
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes
Emídio José da Costa