Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0813031
Nº Convencional: JTRP00041500
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
Nº do Documento: RP200807020813031
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 538 - FLS 29.
Área Temática: .
Sumário: I - Se o arguido, acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, confessa os factos imputados integralmente e sem reservas, o tribunal, se não puser em causa essa confissão, não pode deixar de dar como provado o valor da alcoolemia constante da acusação.
II - O erro máximo admissível referido no art. 8º da Portaria nº 1 566/2007, de 10 de Dezembro, é um dado a levar em consideração no momento da aprovação ou verificação de cada modelo de alcoolímetro, e não na altura de cada utilização do aparelho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 3031/08-1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos: Jorge França.


Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO.

1. No PCS n.º …/08.0PASTS do ..º Juízo Criminal do Tribunal de Santo Tirso, em que são:

Recorrente: Ministério Público.

Recorrido/Arguido: B………. .

foi proferida sentença em 2008/Fev./25, a fls. 18-22, que condenou o arguido, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de multa de 40 dias, à taxa diária de € 5,00, e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses.
2.- O Ministério Público interpôs recurso em 2008/Mar./121, a fls. 25-35, sustentando a alteração da matéria de facto, no sentido de se dar como provado a taxa de alcoolémia constante no registo de alcoolímetro, bem como que a pena de multa se situe nos 70 dias de multa, concluindo que:
1.º) O arguido declarou em audiência pretender confessar os factos que lhe eram imputados e, após o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 344.º, do Código de Processo Penal, confessou integralmente e sem reservas tais factos;
2.º) Por isso, dispensada a produção da prova relativa aos mesmo, face àquela confissão integral e sem reservas por parte do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 344.º do Código de Processo Penal, dos factos que lhe eram imputados;
3.º) Não se verificando nenhuma das excepções do art. 344.º, n.º 3, do C. P. Penal, estava o Tribunal obrigado, em cumprimento do disposto na alínea a) do seu n.º 2, a dar como provados todos os factos que ao arguido vinham imputados, designadamente que este conduzia o veículo aí aludido com uma taxa de álcool no sangue de 1,52 g/l;
4.º) Ao proceder-se deste modo violou-se o disposto nos referidos artigos 69.°, n.º 1, al. a), 292°, n.º 1, do Código Penal e 344°, n.º 2, a) do Código de Processo Penal;
5.º) Sendo certo que nos pontos 5 e 6 da Portaria n° 748/94, de 13/ AGO/1994 referida na decisão recorrida, o Ministério da Indústria e Energia aprovou Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros "(...) destinados a medir a concentração de álcool por análise do ar alveolar expirado".
6.º) Estabelecendo que, para efeito das operações de controlo metrológico de tais instrumentos traduzidas na aprovação de modelo e primeira verificação, por um lado, e na verificação periódica, por outro, “(...) os erros máximos admissíveis ... são (...)”, respectivamente e pela ordem indicada,… os definidos pela norma NF X 20-701 e “(...) e uma vez e meia (...)" aqueles.
7.º) No caso dos autos não está nem foi posta em causa a regularidade da aprovação ou a verificação do alcoolímetro em questão nem as condições da sua utilização nos procedimentos em análise, indicadas aliás no auto de notícia/acusação.
8.º) O intérprete e aplicador da lei tem de presumir que o legislador, ao regular a matéria relativa à condução sob o efeito do álcool, conhecia todos os pressupostos das soluções adoptadas, incluindo os mecanismos de determinação das taxas relevantes para efeitos sancionatórios.
9.º) Não podendo as orientações e determinações respeitantes aos procedimentos relativos à fiscalização do trânsito, prever, "contra legem", quaisquer margens de tolerância ou margens de erro relativamente aos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos, devendo as mesmas ser recusadas;
10.º) A sentença recorrida deverá assim ser revogada e substituída por outra que, dando por integralmente provada a matéria de facto ao arguido imputada na acusação contra ele deduzida, o condene pelo referido crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 70 dias de multa, embora se mantenha a sanção acessória de inibição de conduzir.
4.- O arguido respondeu em 2008/Abr./14, a fls. 45 – 49, pugnando pela improcedência do recurso
5.- O Ministério Público, nesta Relação, teve vista dos autos, tendo emitido parecer em 2008/Abr./29, a fls. 54, no sentido da procedência do recurso.
6.- Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, nada obstando a que se conheça do mérito do recurso.
*
A questão suscitada em recurso reconduz-se em saber se após confissão do arguido, quanto aos factos indicados na acusação, podem os mesmos ser alterados, designadamente quanto à taxa de álcool no sangue, mediante a aplicação de uma margem de erro.
*
* *
II.- FUNDAMENTAÇÃO.
1.- A sentença recorrida.
“2.1 - Matéria de facto provada:---
De relevante para a discussão da causa, resultou provado o seguinte circunstancialismo fáctico:
1. No dia 24-02-2008, pelas 4:01 h o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-SC na ………., em Santo Tirso, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,39 g/l, deduzida já a taxa de erro máximo admissível aprovada pela Portaria n.º 1556/2007, de 10-12, à TAS de 1,52 g/l que resultou do aparelho SERES Ethylometre, modelo 679T, fruto de bebidas alcoólicas que, prévia e voluntariamente, tinha ingerido.---
2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas suficientes para provocar uma taxa de álcool no sangue e, mesmo assim, quis conduzir o aludido veículo.---
3. Sabia, ainda, que a sua conduta era proibida e punida pelo direito.---
4. Não obstante, não deixou de actuar da forma descrita, agindo livre e conscientemente.---
5. O arguido não tem antecedentes criminais.---
6. O arguido é estudante do 2º ano do curso de direito na C………. .---
7. Vive com os pais e não aufere quaisquer rendimentos.---
8. O arguido confessou os factos mostrando arrependimento.---
……………………………………………………………………………………………………………..............
2.3 - Motivação da matéria de facto provada e não provada:---
O arguido confessou os factos de forma integral e sem reservas.---
Quanto às condições pessoais o tribunal teve em atenção as próprias declarações do arguido que se reputaram credíveis.---
Teve-se, ainda, em conta os docs. e o CRC junto aos autos.---
*
2.- Os fundamentos do recurso.
O crime de condução em estado de embriaguez do art. 292.º, do Código Penal estabelece uma pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias.
Para efeitos de fiscalização da condução sob influência do álcool, sua detecção e quantificação, segundo o respectivo Regulamento, que foi aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17/Mai., a qual entrou em vigor a 15/Ago., temos respectivamente os analisadores qualitativos da presença de álcool e os quantitativos da determinação da taxa de alcoolémia [art. 1.º].
Tais aparelhos, cujo funcionamento é efectuado mediante teste no ar expirado, igualmente da previsão do art. 153.º, do Código da Estrada, podem servir igualmente de contra prova, caso o condutor visado não aceite o correspondente resultado.
Também para contraprova pode ser requerida a realização de exame toxicológico, através da colheita de sangue, a realizar mediante o recurso a métodos analíticos, que prevalecerá, atenta a sua maior fiabilidade, perante o resultado de teste no ar expirado realizado em analisador quantitativo [art. 5.º, 6.º do Regulamento; 153.º, n.º 3 Código da Estrada]
Pode ainda o condutor visado ser sujeito a exame médico para avaliar e diagnosticar o seu estado de influência do álcool nos casos previstos no art. 153.º, n.º 8 e 156.º, n.º 3 do Código da Estrada [art. 7.º do Regulamento].
Podemos assim constatar que, havendo dúvidas relativamente aos resultados obtidos mediante a realização de teste no ar expirado, sempre existe a possibilidade do condutor visado requerer a contraprova daqueles resultados.
Por sua vez, estabelece o art. 344.º, n.º 2, do Código Processo Penal[1] que havendo confissão integral e sem reservas, mediante a advertência prévia cominada no precedente n.º 1, tal implica, entre outras coisas a “Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados” [a)].
Trata-se, na decorrência deste segmento normativo e a par do valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), do efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º) e da relevância da prova pericial (163.º), de uma restrição legal ao princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127.º.
Só assim não seria, caso se verificassem alguma das restrições referenciadas no n.º 3, do art. 344.º [co-arguidos, sem que exista confissão de todos eles (a); o tribunal suspeite do carácter livre da confissão (b); crime punível com pena superior a 5 anos (c)] ou então se se tratar de confissão parcial ou com reservas, pois nestes casos, pode sempre haver lugar à produção de prova, tal como se estipula no seu n.º 4 – “Verificando-se a confissão integral e sem reservas nos casos do número anterior ou a confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova”.
Nesta conformidade, teremos necessariamente de concluir que havendo confissão integral e sem reservas, quanto ao objecto da acusação nos casos em que a mesma tem a cominação plena e total, nomeadamente quanto ao quantitativo da taxa de álcool no sangue, não pode o tribunal dar como assente outro valor distinto, em virtude desses factos confessados estarem subtraídos à livre apreciação do julgador – neste sentido os Ac. de 2008/Mai./28 [Recurso 1729/08-1], 2008/Mai./28 [1722/08-4], 2008/Mai./07, 2008/Abr./23 [Recurso 4064/08-4], 2007/Dez./12 [Recurso 4023/07-4].[2]
*
* *
A sentença recorrida faz no entanto referência à existência de um erro máximo admissível (EMA), na sequência da Portaria n.º 1556/2007, de 10/Dez., para justificar a dedução de 8 % ao valor da taxa de alcoolémia constante no resultado obtido através do aparelho quantitativo, que seria o indicado nesse diploma – neste sentido têm sido tirado alguns arestos nesta Relação, designadamente o Ac. 2008/Mai./14 [Recurso 1397/08-1], 2008/Mai./07 [Recurso 0922/08-1], 2008/Mai./07 [Recurso 0638/08-1], 2008/Abr./02 [Recurso 0479/08-1].[3]
Considera-se para o efeito, que aqui estariam em causa as regras técnicas e científicas especialmente aplicáveis à fiabilidade dos aparelhos concretamente utilizados na determinação da quantidade de álcool no sangue, cujas dúvidas existentes na comunidade científica, que tinham obtido consagração legal naquela portaria, justificariam, perante o princípio "in dubio pro reo", a sua atendibilidade em sede de julgamento.
Com todo o respeito, não podemos alinhar, de todo, com esta posição, face às razões que já expendemos no Ac. desta Relação de 2007/Mar./14 e no voto de vencido do Ac. 2008/Abr./02, que seguiremos adiante de perto.
Cremos que a resolução desta dissenção passa por ter uma percepção do que é a metrologia legal e o controlo metrológico dos aparelhos, que não são um exclusivo dos alcoolímetros mas de todos mecanismos que estabelecem resultados de medição.
*
O Instituto Português da Qualidade (IPQ), criado pelo Decreto-Lei n.º 183/86, de 12 de Julho, é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Decreto-Lei n.º 165/83, de 27 de Abril.
Àquele diploma seguiram-se ajustamentos orgânicos no IPQ, por via do Decreto Regulamentar n.º 56/91, de 14 de Outubro, até à alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 113/2001, de 7 de Abril, sem esquecer o Decreto-Lei n.º 186/2003, de 20 de Agosto, que actualizou e optimizou os diversos serviços do Ministério da Economia – a actual lei orgânica deste instituto foi aprovada pelo Dec.-Lei n.º 140/2004, de 08/Jun., enquanto os seus estatutos constam da Portaria n.º 261/2005, de 17/Mar.
Por sua vez, o Sistema Português da Qualidade (SPQ), resultante do Decreto-Lei n.º 234/93, de 2 de Julho, foi revisto pelo Decreto-Lei n.º 4/2002, de 4 de Janeiro, acabando por ser revogado pelo citado Dec.-Lei n.º 140/2004.
Mediante o Dec.-Lei n.º 125/2004, de 31/Mai., foi criado o Instituto Português de Acreditação, I. P., na sequência da concretização dos princípios e objectivos propostos pela União Europeia e a “EA – European Co-operation for Accreditation”.
O IPAC é assim o organismo nacional de acreditação que tem por fim reconhecer a competência técnica dos agentes de avaliação da conformidade actuantes no mercado, de acordo com referenciais normativos pré-estabelecidos.
Acresce que as regras gerais do controlo metrológico foram estabelecidas pelo Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set., que foi regulamentado pela Portaria n.º 962/90, de 09/Out.
Actualmente e segundo a Portaria n.º 1566/2007, de 10/Dez., que veio estabelecer o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, continua o Instituto Português de Qualidade, I. P. (IPQ), a ter essa competência exclusiva [art. 5.º], do controlo metrológico dos aparelhos aí enunciados.
Destes diplomas resulta, sem quaisquer sombra de dúvidas, que é o IPQ, enquanto gestor e coordenador do SPQ, que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
*
O controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição é a designação actual da disciplina regulamentada pelo Estado, destinada a promover a defesa do consumidor e a proporcionar à sociedade, em geral, e aos cidadãos, em particular, a garantia do rigor e da credibilidade das medições efectuadas mediante instrumentos de medição adequados e fiáveis.
Na história da metrologia em Portugal, podemos remontar às Cortes de Elvas de 1361, a necessidade de, pela primeira vez, se uniformizar os pesos e medidas, que passou mais tarde pela adopção do “marco” de Colónia, padrão de peso de uso generalizado então na Europa, decidido pela Provisão de 14 de Outubro de 1488, no reinado de D. João II ou pela aferição dos pesos e balanças da cidade de Lisboa, através da Confraria de Santo Eloy dos Ourives de prata, por alvará de D. Afonso V, de 7 de Agosto de 1460 – in “Anuário de Pesos e Medidas, n.º 3, Repartição de Pesos e Medidas, 1942; “Curso de Engenharia da Qualidade”, módulo 8, da CEQUAL, p. 4 e ss.
Existem também referências posteriores nas Ordenações Manuelinas em 1499, aferindo-se os pesos e as medida lineares pelas praticadas em Lisboa, até se chegar, em 1575, à “Carta de Lei de Almeirim”, onde se instituiu “O igualamento das medidas dos sólidos e dos líquidos”.
Aqui definiu-se como padrões fundamentais para os secos o “alqueire”, mediante a utilização das medidas de volume por rasoura, iguais entre si, proibindo-se o “cógulo”, e para os líquidos o “almude”.
Só posteriormente, em 1812, surgiu a proposta da “Comissão para o Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura”, recomendando a adopção do sistema métrico decimal baseado no “métre” francês, tal como foi aprovado pela Assembleia Nacional Francesa, em 1791, que correspondia à décima milionésima parte do quarto meridiano terrestre, até que por Decreto de D. Maria II, publicado em 13 de Dezembro de 1852, foi aprovado no nosso país o “Sistema Métrico Decimal”.
Surge assim ao longo dos tempos, aquilo que actualmente é denominado por metrologia legal, que muito embora tivesse despontado com as transacções comerciais, tem actualmente o seu universo alargado a outras áreas, tais como a saúde, segurança, ambiente, recursos naturais, introduzindo mecanismos legais no reforço da confiança da medição e da sua transparência.
Por sua vez, têm cada vez maior importância as Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, que surgem como “Regulamentos Tipos” dos país aderentes, tendo Portugal aprovado a Convenção que instituiu a OIML, mediante o Decreto do Governo n.º 34/84, muito embora já a tivesse assinado em Paris em 1955/Out./12, podendo-se ver mais referências em www.oiml.org.
Podemos então considerar a metrologia legal como sendo a vertente da metrologia que, reportando-se às unidades de medida, aos métodos de medição e aos instrumentos de medição, estabelece as exigências regulamentares técnicas e jurídicas que visam assegurar a garantia pública da segurança e da exactidão das medições – veja-se “Elements for a Law on Metrology”, OIMDL, Edição de 2004 (E), desenvolvido por TC 3 Metrological Control.
Um dos pilares da metrologia legal nacional é o Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set., que estabeleceu o regime do controlo metrológico da generalidade dos métodos e instrumentos de medição.
Outro é o Dec.-Lei n.º 192/2006, de 26/Set., que transpôs para o nosso ordenamento a Directiva n.º 2004/22/CE, do Parlamento e do Conselho de 31/Março, relativa aos instrumentos de medição aí referidos.
Nesta conformidade, podemos assentar que a metrologia legal define os requisitos necessários “mínimos” que devem ser cumpridos, para que um instrumento de medição possa manter-se em funcionamento, para os fins a que se destina, uma vez sujeito a controlo metrológico.
Nas definições correntes de metrologia[4], entende-se por confirmação metrológica o conjunto de operações necessárias para garantir que determinado equipamento esteja em conformidade com os requisitos exigidos para o seu uso
Por sua vez, a garantia metrológica representa o conjunto de regulamentos, meios técnicos e operações necessárias, utilizadas para garantir a credibilidade dos resultados de uma medição em metrologia legal.
Para se perceber a diferença e as confluências entre confirmação (metrologia industrial) e verificação (metrologia legal), bem como as respectivas etapas, atente-se no seguinte fluxograma[5]:




Mais será de referir que a garantia metrológica, para além de todas as etapas que integram o controlo metrológico, incorporando todas as exigências para uso de determinado instrumento de medição, inclui ainda e entre outras coisas: (i) a faixa de medição; (ii) o valor de uma divisão e (iii) o erro máximo admissível (EMA).
Os EMA não são mais que valores limite máximos e mínimos, definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como das finalidades para que são usados.
Parte-se, assim, do princípio que em qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza, uma vez que não existem instrumentos de medição exactos.
A propósito convém recordar o já citado Ac. da Relação do Porto de 2007/Dez./12, que faz uma clarividente abordagem sobre os procedimentos e conceitos metrológico do erro e da incerteza.
Daí salientamos que “Do ponto de vista metrológico, é, pois, importante distinguir entre erro e incerteza. O erro é um valor único, que consiste na diferença entre um resultado individual e o valor verdadeiro daquilo que se pretende medir, e que se for conhecido pode ser aplicado na correcção do resultado; já a incerteza toma a forma de um intervalo de valores que podem com razoabilidade ser atribuídos ao objecto de medição (precisamente porque se desconhece o seu valor verdadeiro), sendo predicável de todos os resultados que sejam obtidos em condições similares.”
E mais à frente conclui “O erro máximo de um instrumento de medição é um parâmetro característico desse mesmo instrumento e não de um processo de medição em particular”.
No entanto, essa incerteza de mediação é avaliada no acto de aprovação ou de verificação do correspondente modelo.
*
De acordo com o citado Dec.-Lei n.º 291/90, art. 1.º, n.º 3, o controlo metrológico dos instrumentos de medição, compreende uma ou mais das seguintes operações: Aprovação de modelo (a); Primeira verificação (b), Verificação periódica (c), Verificação extraordinária (d).
A citada Portaria n.º 1566/2007, de 10/Dez., ao estabelecer o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, reporta-se aos analisadores qualitativos e quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, em que a TAE corresponde a mg/l.
O controlo metrológico, da competência exclusiva do Instituto Português de Qualidade, I. P. (IPQ), como já referimos, abarca anteriormente enunciadas de aprovação e verificação do modelo.
Por sua vez e segundo o art. 4.º desta Portaria, os alcoolímetros devem cumprir os requisitos metrológicos e técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126.
Tal recomendação de 20 de Abril de 2007, da responsabilidade da “3rd Committee Draft Recommendation on Breath Alcohol Analysers”, diz simplesmente o seguinte[6]:
“3.3 Maximal permissible errors (MPE)
The following MPE shall apply within the rated operating conditions (specified in 3.2).
3.3.1
Maximum permissible errors for type approval and initial verification
The maximum permissible errors, positive or negative, on each individual indication are:
+ 0.020 mg/L or + 5 % of the true value of mass concentration, whichever the greater, for all mass concentrations over the measuring range;
3.3.2
Maximum permissible errors for breath alcohol analysers in service (for the subsequent verifications)
+ 8 % of the true value of mass concentration or + x mg/L, whichever the greater, for all mass concentrations over the measuring range.
x is a fixed value which is defined by National Authorities and which shall not be less than 0.02 mg/L

Daí que o erro máximo admissível (EMA), referido no art. 8.º dessa mesma Portaria, que consta no seu anexo, e a que se reporta a Recomendação OIML R 126, seja uma variável que integra o controlo metrológico no momento da aprovação ou verificação dos modelos de alcoolímetros, não sendo variáveis de ponderação a efectuar após cada uma das utilizações desse modelo.
Por outro lado e como já se escreveu “…os alcoolímetros são ensaiados de forma a garantir que as suas indicações estão tão próximas quanto possível de erro zero dentro da sua gama de medição e, portanto, na sua utilização corrente, fornecerão valores sempre dentro dos limites de erro estabelecidos na lei”.[7]
Daí que “um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais”[8].
Em suma, ao proceder-se, em sede de acusação ou de julgamento, a uma ponderação do erro máximo admissível (EMA), está-se a introduzir uma grave distorção nos resultados obtidos pelos aparelhos de alcoolímetros que foram sujeitos a controlo metrológico, e a criar-se uma deformação no sistema legal, violando-se as mais elementares regras da metrologia legal.
*
Nesta conformidade, atendendo que houve confissão integral e sem reservas por parte do arguido e ainda às regras estabelecidas pela metrologia legal, deverá se dar como provado que “No dia 24-02-2008, pelas 4:01 h o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-SC na ………., em Santo Tirso, com uma taxa de álcool no sangue de 1,52 g/l, que resultou do aparelho SERES Ethylometre, modelo 679T, fruto de bebidas alcoólicas que, prévia e voluntariamente, tinha ingerido”
A presente alteração da matéria de facto, representa uma maior culpa por parte do arguido, reforçando a ilicitude da sua conduta, devendo seguir-se os mesmos critérios na determinação judicial da pena, estabelecidos na sentença recorrida, uma vez que estes não foram posto em causa.
Passando a concretizar a pena de multa que lhe deve ser aplicada e observando-se a proibição da “reformatio in pejus”, temos por demais adequado que o arguido deve ser condenado numa pena de multa de 70 dias, com o valor diário de € 5,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses.
*
* *
III.- DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se provimento ao presente recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, nos seguintes termos:
a) altera-se a matéria de facto, no que concerne à TAS registada pelo arguido aquando da sua condução automóvel, em conformidade com o anteriormente mencionado;
b) condena-se o arguido B………., pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de multa de setenta (70) dias, à taxa diária de cinco euros (€ 5,00), e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de três (3) meses.

Não é devida tributação pelo recurso.

Notifique.

Porto, 02 de Julho de 2008
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira

_____________________________
[1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
[2] Relatados respectivamente pelos Srs. Des. Manuel Braz, Maria Elisa Marques, Abílio Ramalho, Custódio Silva, António Gama, estando todos divulgados em www.dgsi.pt
[3] Relatados respectivamente pelos Srs. Des. Élia São Pedro, Luís Teixeira, André Silva e José Carreto, estando todos divulgados em www.dgsi.pt.
[4] Vocabulário Internacional de Termos em Metrologia Legal (VIML, 2000), Vocabulário Internacional de Metrologia – Termos Fundamentais e Gerais (VIM: 2007).
[5] Sugerido por Ozanan, Rodrigo O.O., Carlos, Márcia, T, Corrêa, Mauro F., no estudo “Proposta para a Implantação do Controlo Metrológico Legal em Instrumentos Monitores de Área no Brasil”
[6] Transcrevemos tal como está elaborado e acessível em www.oiml.org., sendo, no entanto, o negrito da nossa responsabilidade.
[7] “Controlo Metrológico dos Alcoolímetros e Cinemómetros no IPQ” (2007), A Furtado, C. M. Pires, M. C. Ferreira, O. Pellegrino, membros do Departamento de Metrologia, do Instituto Português de Qualidade.
[8] “Controlo Metrológico dos Alcoolímetros no IPQ” (2006), M. C. Ferreira; António Cruz.