Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
34/09.0FAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
MÁQUINA DE JOGO
Nº do Documento: RP2011052534/09.0FAPRT.P1
Data do Acordão: 05/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É de fortuna ou azar o jogo desenvolvido por uma máquina em que:
- o resultado ou pontuação final assenta exclusivamente no factor sorte;
- o prémio é pago unicamente em dinheiro;
- o modo de obtenção da pontuação é igual ou análogo ao funcionamento do jogo da roleta, com a característica de, nesta máquina, se tratar de uma "roleta electrónica".
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 34/09.0FAPRT.P1.
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Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1. Nos autos de processo comum nº 34/09.0FAPRT do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, em que é arguida
B…, casada, filha de C… e de D…, natural da freguesia de …, concelho de Gondomar, nascida a 20.12.1966, titular do bilhete de identidade nº…….., residente na Rua …, nº…, …,
sendo-lhe imputada a prática de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelas disposições conjugadas nos artigos 108º, nº1, por referência aos artigos 1º, 3º e 4º do DL nº422/89 de 2/12, na redacção introduzida pelo DL nº10/95 de 19 Janeiro e pelo DL nº40/05 de 17/02.
Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido:
Nos termos e fundamentos expostos julgo a acusação procedente, por provada e, em consequência:
- condeno a arguida B… pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelos artigos 1º, 3º, 4º e 108º, nº1 e 2 do DL nº422/89 de 2/12, na pena de 370 (trezentos e setenta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), num total global de €2.590,00 (dois mil quinhentos e noventa euros);
- condeno ainda a arguida no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, reduzida a metade atenta a confissão da arguida, acrescida de procuradoria que se fixa no mínimo legal e de 1% da taxa de justiça nos termos e para os efeitos do art. 13º, nº3, do DL nº423/91, de 30/10.
- declaro perdidos a favor do Estado o montante de €2,00 e a máquina apreendidas (conforme auto de fls. 5), e determino a subsequente destruição do jogo - artigo 116º do DL nº422/89, de 2/12 e a entrega do numerário ao Fundo de Turismo, art. 117º do DL 422/89, de 2/12
2. Desta sentença recorre a arguida, apresentando as seguintes conclusões:
1º - A decisão sob recurso faz incorrecta apreciação e valoração dos factos e subsequente subsunção, interpretação e aplicação “in casu” dos normativos legais aplicáveis.
2º - A máquina em causa nos autos não poderá ser enquadrada como jogo de fortuna ou azar.
3º - Na verdade, da conjugação do disposto no artº 4º do n. ° 1 do D.L. 10/95, de 19/1, com os fundamentos emanados do Acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com o número 4/2010 (publicado no DR 1ª série — N.° 46 — 8 de Marco de 2010), só serão de considerar como jogos de fortuna ou azar as máquinas de jogos que paguem directamente prémios em fichas ou moedas; ou não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar identificados no art.° 4 n.° 1 do D.L. 10/95, de 19/1, por a sua exploração caber exclusivamente aos casinos.
4º - E, nem mesmo a circunstância de os jogos proporcionarem prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, não é suficiente, por si só, para integrar a " especifica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar, não retirando aquela circunstância aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
5º - Sendo que, “todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.° e 4.° do Decreto -Lei n.° 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.°10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no referido acórdão.”
6º - No caso ora em recurso, a máquina em causa tem essencialmente a mesma natureza: não desenvolve tema próprio de jogo de fortuna e azar, como o póker, frutas, campainhas, blackjack, ou mesmo a roleta, (porquanto este jogo conjuga probabilidades muito mais complexas, que variam com o número apostado, sua cor, ser par ou ímpar, etc., e permite apostas elevadas, e não jogadas fixas, como neste caso) e aproxima-se também a uma tômbola ou sorteio (embora com jogadas probabilísticas independentes, i. c., sem que a jogada anterior altere a probabilidade de sair prémio na seguinte, mas tal é um elemento pouco relevante), assumindo assim a natureza de modalidade afim.
7º - Sendo que, se o jogo na máquina automática em causa, apresentava resultado que dependia exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolvia tema próprio dos jogos de fortuna ou azar nem pagava directamente prémios em fichas ou moedas.
8º - Na sequência, o desenvolvimento deste tipo de jogo integra-se no âmbito do disposto no artigo 159º do DL 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL 10/95 de 19/1, consequentemente, tratando-se de modalidade afim, está sujeita ao regime previsto no art ° 160° a 162 ° do mesmo diploma legal.
9º - Violou por isso a decisão ora em crise, o disposto nos artºs 1º, 3º, 4º, nº 1, al. g) e 108º, nºs 1 e 2 conjugados com os artigos 159º, 160° a 162° do Decreto-lei nº 422/89 de 2/12, com as alterações do Decreto-lei nº 10/95 de 19/01, em conjugação ainda com os fundamentos do Acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com o número 4/2010 (publicado no DR 1ª série — N.° 46 — 8 de Marco de 2010.
10º - A Sentença ora em crise fez ainda uma desadequada aplicação da medida da pena.
11º - Na verdade, atendendo às condições económicas da arguida/recorrente, sociais e familiares, bem como atenta ainda a conduta desta que, não só confessou os factos constantes na acusação, como os justificou, invocando ainda as dificuldades financeiras reais que a arguida passa no seu dia-a-dia.
12º - Mostra-se desadequado o montante da pena de multa aplicada à recorrente, que demonstrou, e aliás ficou provado, não auferir mais do que 480,00 €, tendo 3 filhos a seu cargo e auferindo o seu marido 500,00 €/mensais.
13º - Na sequência, entender-se-ia, caso fosse de aplicar qualquer pena, o que não se concebe, que uma pena de menor montante teria servido de igual modo os fins de prevenção geral e especial que os dispositivos legais visam prosseguir, reduzindo-a bem como reduzindo ao mínimo legal a taxa diária da multa
14º - Assim, nenhuma razão justifica para a aplicação da pena de multa imposta à arguida.
15º - Por todo o exposto e sem mais delongas, deverá ser revogada a decisão de condenação proferida pela meritíssima juiz a quo.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VªS. EXªS. TÃO DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE A PRESENTE DECISÃO SER REVOGADA, E EM CONSEQUÊNCIA SER A ARGUIDA ABSOLVIDA DO CRIME DE QUE VEM ACUSADA, TAL COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA.

3. Ao recurso respondeu o Ministério Público em 1ª instância, dizendo:
- Analisando os elementos típicos objectivos que a lei recorta e aí subsumindo os factos aqui provados, é de concluir que a matéria de facto em crise é objectivamente subsumível à classificação legal como sendo jogo de fortuna ou azar – artigos 1.º e 4.º n.º 1 al. a) e g) do Decreto-Lei 422/89 de 2 Dezembro.
- Os conceitos tendencialmente utilizados pela jurisprudência – designadamente, o da natureza do prémio, que é em fichas ou dinheiro;
- o de o facto de o resultado depender exclusivamente da sorte;
- o de o jogo não constituir forma de promoção ao público;
- o de o número de jogadores não ser indeterminado,
para destrinçar o tipo penal do contra-ordenacional, indicam que a máquina em causa, pelas suas características, desenvolvia jogo de fortuna ou azar;
- A exploração, com objectivos de lucro, de uma fraqueza humana, com completa desconsideração da degradação de vida que lhe pode estar associada - é o que, em nosso entender, se pretende ver contida pela tipificação penal. Precisamente o que ocorre com a utilização da máquina em causa nos presentes autos;
- É, pois, o artigo 161.º n.º 3 que expressamente exclui da possibilidade de subsunção ao conceito de modalidade afim as máquinas que desenvolvam, designadamente, temas de jogo de roleta. Precisamente o tipo de jogo desenvolvido no caso dos autos;
- A situação apreciada pelo Acórdão Uniformizador é diferente da apreciada nos presentes autos, porque as máquinas ali em crise não exploravam qualquer jogo que viesse elencado no artigo 4.º do Decreto-Lei 422/89 de 2 Dezembro;
- Diversamente, estão aqui presentes todas as características essenciais do jogo de roleta;
- Atentos os critérios definidos pelo artigo 71.º do Código Penal e o que ficou provado quanto às condições socioeconómicas da arguida, não nos merece qualquer reparo a decisão recorrida que deve ser confirmada.
5. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer onde mostra concordância com a resposta do MP em 1ª instância, concluindo, pois, pelo não provimento do recurso.
6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II
1. É o seguinte o factualismo dado como provado e não provado na decisão recorrida:
FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
a) No dia 07 de Outubro de 2009, pelas 14h50, no decurso de urna acção de fiscalização efectuada pela Unidade de Acção Fiscal da GNR no estabelecimento de café denominado “E…”, sito no …, …, …, em Gondomar, foi apreendida uma máquina electrónica, que se encontrava em cima do balcão do estabelecimento, explorado pela arguida.
b) A referida máquina encontrava-se ligada à corrente e pronta para ser utilizada pelo público.
c) No interior da máquina encontrava-se uma moeda de € 2,00 do Banco Central Europeu, proveniente da sua utilização pelo público.
d) Trata-se de uma máquina tipo roleta electrónica, com móvel portátil, com a designação “PASTILHAS”, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante número de fabrico ou de série.
e) À frente, a máquina apresenta um painel protegido por um vidro acrílico.
f) Na parte lateral direita encontra-se um dispositivo de introdução e eventual rejeição de moedas de € 0,50, € 1,00 € 2,00, bem como um botão que permite fazer “reset“, isto é, apagar os créditos obtidos por um jogador no decurso das jogadas.
g) Na base da parede lateral esquerda situa-se o cofre e um botão on/off que permite ligar/desligar a máquina.
h) Na parte traseira, sobre uma porta de acesso ao mecanismo interior, visualiza-se uma tomada de alimentação à corrente eléctrica.
i) Ao centro do painel frontal situa-se um círculo formado por um número indeterminado de pequenas lâmpadas/leds, encontrando-se oito deles destacados dos restantes e, - observados no sentido dos ponteiros do relógio, têm a seguinte identificação1 pastilha; 50 pastilhas; 2 pastilhas; 100 pastilhas; 5 pastilhas; 20 pastilhas; 200 pastilhas; 10 pastilhas.
j) A cada número corresponde um led que se ilumina à passagem de um sinal luminoso, quando a máquina desenvolve uma jogada.
k) Ao centro do mostrador circular encontra-se uma janela/“display” rectangular, que regista os pontos acumulados provenientes de eventuais jogadas premiadas, não dando, no entanto, qualquer informação quanto aos créditos provenientes das moedas introduzidas.
l) Ligada máquina à corrente eléctrica e após a introdução de uma moeda, automaticamente, é disparado um ponto luminoso que percorre sequencialmente os vários leds existentes no círculo central, iluminando-os à sua passagem.
m) O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade, que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos diversos orifícios/leds do círculo.
n) Após se ter imobilizado, duas situações podem acontecer: 1 - O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito numerados e, neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 “pastilha” (€1,00,) e 200 “pastilhas” (€200,00,): 2 — O led imobiliza-se num dos restantes orifícios do círculo sem qualquer referência e, neste caso, o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo mais moedas.
o) Os pontos/créditos que o jogador vai ganhando são acumulados no lado direito da janela digital, os quais, após pagos, são eliminados através do botão instalado para o efeito.
p) O jogador aposta dinheiro na esperança de que o led que permanece iluminado corresponda a um dos numerados, dando, por isso, direito a prémio, sendo o resultado contingente porque as pontuações obtidas, posteriormente convertidas em dinheiro, em regra, à razão de €1,00 por cada ponto, dependem exclusivamente da sorte. A intervenção do jogador limita-se à introdução de uma moeda no respectivo mecanismo, não podendo, por sua intervenção, condicionar o resultado final.
q) A arguida exercia a gerência daquele estabelecimento de café, recebendo também os lucros que a máquina gerava.
r) A aludida máquina estava em funcionamento para ser utilizada pelo público, sem que houvesse sido concedida á arguida qualquer autorização para o efeito, sendo que o estabelecimento de café denominado “E…”, não é um estabelecimento de casino e Gondomar não está abrangido por qualquer zona de jogo.
s) A arguida previu e quis explorar o descrito jogo no local acima referenciado com o intuito de obter os lucros que tal exploração lhe proporcionasse, bem sabendo que o jogo levava a resultados que não assentavam no cálculo, na perícia ou na destreza do jogador, mas tão-só na sorte e no acaso e que não estava autorizada a desenvolver tal actividade.
t) A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas.
Mais se provou que:
u) A arguida confessou os factos por que veio acusada.
v) Por sentença proferida em 12.12.2007, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo nº67/04.2FAVNG do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, a arguida foi condenada pela prática, em 21.07.2004, do crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelo art. 108º do DL nº422/89 de 2/12, na pena única de 240 dias de multa à taxa diária de €4,50, sendo que tal pena já se encontra extinta pelo pagamento.
w) A arguida é casada, tem o 4º ano de escolaridade, é comerciante e explora o estabelecimento supra identificado do qual retira, depois de tudo pago, cerca de €480,00 por mês. O seu marido exerce a profissão de canalizador pela qual aufere mensalmente €500,00. Têm três filhos de 21, 13 e 4 anos de idade, sendo quo o mais velho terminou um curso mas ainda não trabalha, o do meio frequenta a escola pública e o mais novo frequenta um infantário pelo qual pagam €48,00 por mês. Vivem em casa dos pais da arguida, pela qual nada pagam. Têm carro próprio um Hyundai … de 2004, que se encontra pago.

2. O tribunal fez o enquadramento jurídico-legal dos factos nos seguintes termos:
Vem a arguida acusada da prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar em local não autorizado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1º, 3º, 4º, nº1, al. g) e 108.º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei nº422/89, de 2/12, com as alterações do Decreto-lei nº10/95, de 19/01.
Dispõe o nº1 do artigo 108º daquele diploma que “quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”. O nº2 deste artigo alarga o âmbito da punição a “quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora”.
Assim, são elementos objectivos deste tipo:
- a exploração por qualquer forma;
- de jogos de fortuna ou azar;
- fora dos locais autorizados para essa exploração.
Por sua vez, do lado subjectivo, este tipo legal exige o dolo enquanto elemento subjectivo gera, consistindo no conhecimento e vontade da realização dos elementos objectivos, admitindo qualquer uma das modalidades aludidas no artigo 14º do Código Penal.
O artigo 1º do referido diploma define os jogos de fortuna e azar como “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”, sendo que o artigo 4º, nas suas alíneas b) e g) refere como sendo jogos de fortuna ou azar os “jogos bancados em bancas simples: “black-jack/21”; “chukluck” e trinta e quarenta” e os “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
Nos termos do artigo 3º a exploração deste tipo de jogos só pode ser feita nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporárias as quais estão discriminadas no nº2 daquele artigo.
Com refere o preâmbulo do Decreto-lei nº10/95, de 19/01, que veio alterar o referido Decreto-lei nº422/89, de 2/12 dada a impossibilidade de reprimir efectivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, susceptível de assegurar a honestidade do jogo e de trazer alguns benefícios para o sector público.
São, assim, objectivos do Estado com esta regulamentação garantir a honestidade do jogo, tentar revestir esta actividade de um cariz social, na medida em que muitos dos seus dividendos revertem para fins sociais, e evitar que se verifique, por parte dos jogadores, uma delapidação do património em jogos verdadeiramente aleatórios.
Conforme resulta claramente da conjugação dos factos provados, o jogo apreendido nos autos é verdadeiro jogo de fortuna ou azar.
De facto, ficou provado que o jogo ora em questão não depende de qualquer perícia do jogador dado que é a própria máquina que atribui os pontos que o jogador pode ganhar ou perder, sendo manifesto que os resultados deste jogo dependem fundamentalmente da sorte do jogador, sem qualquer intervenção da perícia do jogador, que se limita a apostar dinheiro, podendo ou não, aleatoriamente, receber um prémio em dinheiro.
Neste âmbito importa referir que a al. g) do artigo 4º do aludido Decreto-lei não exige que seja pago directamente prémio em fichas ou moedas, bastando-se tão só com o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, ou com resultados que dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
É que, de facto, a perda ou o ganho económico que o jogador possa ter com o resultado do jogo não é elemento do tipo em causa, pois o que “o legislador quis prevenir o mero perigo de isso de poder verificar” – cfr. Acórdão da RP de 24/05/95 e de 5/02/97, respectivamente in CJ, III, 259 e I, 251.
Por outro lado, esta máquina encontrava-se no estabelecimento que é explorado pela arguida, em local acessível ao público que a quisesse utilizar, tendo sido aí colocada, com o seu consentimento.
Este elemento do tipo – a “exploração” de jogo de fortuna ou azar - basta-se com a “colocação em local em lugar público e em termos funcionais da referida máquina, de modo a proporcionar aos eventuais interessados, jogadores, a sua utilização” – Acórdão da RE, de 19/05/98, CJ III, 283.
Finalmente, esta máquina encontrava-se no referido estabelecimento, o qual não é local onde seja permitida a exploração destes jogos – artigo 3.º do Decreto-lei n.º 422/89, 2/12 “a contrario”.
Assim, conforme os factos que resultaram provados encontram-se preenchidos os elementos objectivos do crime em questão.
Também o elemento subjectivo do tipo se verifica, porquanto a arguida tinha conhecimento que o resultado do jogo que se encontrava nesta máquina, assentava única e exclusivamente na sorte dos jogadores e que por isso não estava autorizada a proceder à sua exploração e ainda assim quis agir da forma supra descrita, sabendo também que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Face ao exposto conclui-se que a arguida com a sua comprovada conduta, preenchendo o tipo em causa por fazer a exploração do referido jogo no seu estabelecimento comercial, cometeu o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar em local não autorizado, p. e p. pelo artigos 108.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89, de 2/12, com as alterações do Decreto-lei n.º 10/95, de 19/01, pelo qual vinha acusada e por conseguinte deverá ser condenada pela prática do mesmo.

3. E procedeu o Tribunal a quo à escolha e medida da pena do seguinte modo:
O artigo 108º, nº1, do DL nº422/89, de 2/12 estabelece que o crime de exploração ilícita de jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias
E uma vez que não se encontram definidos o limite mínimos quer para a pena de prisão quer ainda para a pena de multa nos termos do art. 41º e 47º do Código Penal é abstractamente aplicável à arguida uma pena de prisão de 1 mês a 2 anos e cumulativamente uma pena de multa de 10 a 200 dias.
Como é sabido, a revisão do Código Penal operada pelo DL nº48/95, aboliu as penas cumulativas de prisão e multa, prevendo apenas a aplicação alternativa daquelas penas. Porém, continua prevista esta cumulação em alguma legislação avulsa, como é o caso dos autos, pelo que se passará a analisar cada uma das penas a aplicar.
O art. 70º do Código Penal estipula que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição prevista no artigo 40º do diploma supra referido, contudo no caso em apreço o crime é punido com pena de prisão e pena de multa não nos facultando qualquer alternativa nesse âmbito.
Dentro da moldura abstracta acima definida para o crime praticado pela arguida cabe agora encontrar a pena concretamente aplicável considerando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham contra ou a favor da arguida.
Os critérios gerais de determinação da medida concreta da pena encontram-se exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal. A pena será delimitada pela inultrapassável medida da culpa do arguido, determinando-se o seu quantitativo tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.
A prevenção geral, no seu entendimento mais actual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável que não pode deixar de relevar decisivamente para a medida da pena – a ideia de que só razões ligadas à inarredável necessidade de reafirmar as expectativas comunitárias na validade e vigência da norma jurídica violada, abaladas pela prática do crime, podem justificar as reacções mais gravosas por parte do direito penal.
Como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime e se associam directamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, haverá a considerar que:
- a arguida agiu com a modalidade mais forte de culpa, actuando com dolo directo, representando e querendo os resultados obtidos;
- quanto ao grau de ilicitude (desvalor da acção e do resultado) foi mediano;
- a arguida tem antecedentes criminais pela prática do crime aqui em questão;
- a arguida confessou os factos por que vinha acusada, colaborando com o tribunal na administração da justiça.
Consideradas em conjunto as circunstâncias descritas e atendendo que as exigências de prevenção geral não são muito elevadas, uma vez que não é muito significativa a reacção da comunidade quanto a este tipo de crime, sendo certo que, ainda assim, atendendo às consequências que podem advir da prática destes jogos e da facilidade com que hoje em dia se acede aos mesmos, se torna importante desmotivar a oferta jogos/máquinas como a dos autos, que existem relevantes necessidades de prevenção especial, uma vez que a arguida foi já condenada pela prática do crime em questão e tal não a dissuadiu de tornar a praticar precisamente o mesmo crime, apesar de agora se dizer arrependida do sucedido, e atendendo, ainda, a que, o grau de ilicitude (desvalor da acção e do resultado) foi mediano; e que o dolo foi directo e intenso, porquanto se tratou de um acto reflectido, entende-se que a conduta da arguida deve ser censurada com uma pena concreta de 9 meses de prisão, a qual se considera justa e adequada à sua culpa, satisfazendo, simultaneamente, as referidas necessidades de prevenção.
Conforme resulta do artigo 43º,nº1 do Código Penal, “a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”
Este normativo reflecte a intenção do legislador de obstar à aplicação de penas curtas de prisão, dado o seu efeito negativo a nível da integração social, familiar e profissional do condenado – cfr. Figueiredo Dias, in RLJ, 125, 163.
Assim, a regra nestes casos será a de substituir a pena curta de prisão, só não sendo de o fazer quando a sua execução se revele indispensável à realização das finalidades de prevenção.
Ora, atendendo ao que atrás foi dito quanto às necessidades de prevenção e ainda concretamente ao facto da arguida se encontrar socialmente inserida e ter colaborado com o tribunal confessando os factos por que veio acusada, entendo que é de substituir a pena de prisão de 9 meses aplicada à arguida.
Assim, substituo a pena de 9 meses de prisão pela pena de 270 (duzentos e setenta) dias multa;
Cumpre, agora determinar a pena de multa concreta a aplicar à arguida, sendo certo que a sua moldura abstracta é de 10 a 200 dias – artigo 47º, nº1 do Código Penal e 108º do Decreto-lei nº422/89, de 2/12.
Também para fixar esta pena se deverá atender às exigências de prevenção geral e especial, à culpa e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, disponham a favor ou contra do arguido.
Ora, atendendo a tudo o que atrás foi dito quanto à determinação da pena de prisão, entendo ser de aplicar a pena de 100 (cem) dias de multa.
No que respeita ao quantitativo diário para a pena de multa da arguida, atentos os factos que resultaram provados acerca da sua situação económica, em conformidade com o disposto no art. 47º, nº2, do Código Penal, entendo fixar o mesmo €7,00 (sete euros).
Dispõe o artigo 6º do Decreto-lei nº48/95, de 15/03 que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e a que resultar da substituição da prisão”.
Nesta conformidade, a pena concreta a aplicar à arguida é de 370 (trezentos e setenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00.
III
Questões suscitadas pelo recorrente e a apreciar:
1. Saber se a concreta máquina dos autos desenvolve ou não jogos de fortuna ou azar.
2. A medida concreta da pena.
IV
Cumpre decidir.
1ª Questão: saber se a concreta máquina dos autos desenvolve ou não jogos de fortuna ou azar.

1. A recorrente apoia a sua argumentação de que a máquina em causa nos autos não poderá ser enquadrada como jogo de fortuna ou azar, essencialmente com base na conjugação do disposto no artº 4º do n.° 1 do D.L. 10/95, de 19/1, com os fundamentos emanados do Acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com o número 4/2010 (publicado no DR 1ª série — N.° 46 — 8 de Marco de 2010).
Fixou este acórdão, a seguinte jurisprudência:
“Constitui modalidade afim e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.

2. Sendo esta a jurisprudência fixada e vinculativa, desde já cumpre dizer que a mesma não tem aplicação directa no caso sub judice, na medida em que a máquina em causa nos presentes autos tem características diferentes da máquina objecto do dito acórdão de fixação de jurisprudência.
De todo o modo, mostra-se o teor deste acórdão de relevante interesse para a apreciação da concreta questão suscitada pela recorrente, uma vez que no mesmo se aprecia de uma forma bastante desenvolvida toda a problemática inerente à classificação de várias máquinas de jogo como sendo de fortuna ou azar ou apenas modalidades afins.
É ainda tal acórdão uma clara manifestação da dificuldade de interpretação dos preceitos legais que regulam esta matéria e da divergência que ainda reina na jurisprudência sobre o enquadramento jurídico de muitas das máquinas de jogo que proliferam por vários recantos deste país, em cafés ou bares, essencialmente.
Dificuldade que continua a ser crescente uma vez que a evolução tecnológica e a imaginação humana são férteis, em cada dia que passa, apresentar no mercado novas máquinas com características diferentes das anteriores, com novos modos de funcionamento, formas diferentes de atribuição de prémios e ingredientes para estimular o cidadão a nelas jogar[1].
A que se soma o facto de a lei actualmente em vigor, em vez de simplificar na evolução que tem havido nesta matéria, apenas tem vindo a criar dificuldades acrescidas na definição de critérios para a respectiva subsunção jurídica.

2.1. É assim que o acórdão na resenha histórica feita sobre os diplomas legais relevantes afirma, a dado passo:
“O Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1990, revogou o Decreto -Lei n.º 48 912, com excepção das modalidades afins, definidas no artigo 43.º desse diploma, na redacção conferida pelo Decreto -Lei n.º 22/85, e ainda do artigo 59.º e respectivos parágrafos, que estabeleciam as punições para as infracções praticadas no âmbito dessas modalidades (multas e respectivo destino).
No que respeita aos jogos de fortuna ou azar, não alterou as espécies consideradas como tal, constantes do seu artigo 4.º, nomeadamente no capítulo das máquinas automáticas. No tocante às características do ilícito criminal, mantinham-se idênticas e eram definidas no seu artigo 108.º
Há, no entanto, uma diferença a assinalar, que viria a ser muito explorada pela jurisprudência subsequente: os jogos de fortuna ou azar passaram a ser definidos no artigo 1.º como sendo aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
Por conseguinte, passou a haver, segundo grande parte dessa jurisprudência, uma ruptura que veio desequilibrar os campos semânticos (ou, noutro plano, os elementos típicos) em que assentavam as noções de jogo de fortuna ou azar, por um lado, e de modalidades afins, por outro.
Sendo os primeiros definidos, no regime até então vigente, como aqueles cujos resultados dependiam exclusivamente da sorte e os segundos como sendo aqueles cuja esperança de ganho residia essencialmente na sorte, era evidente que as duas modalidades passavam a ter, depois do Decreto-Lei n.º 422/89, uma zona em que havia sobreposição visto que os jogos caracterizadamente de fortuna ou azar podiam também, à semelhança das modalidades afins, não depender exclusivamente da sorte mas fundamental ou essencialmente da sorte. Assim, os primeiros, sendo mais amplos, na parte em que os resultados dependiam exclusivamente da sorte, podiam, pelo menos em certas modalidades, ter uma zona de confluência com os segundos: aquela em que o resultado do jogo dependesse fundamentalmente ou essencialmente da sorte.
É claro que, se bem repararmos, não era a primeira vez que essa parcial sobreposição era estabelecida. Com efeito, o Decreto -Lei n.º 22/85, ao modificar o artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 48 912, no capítulo das máquinas automáticas, incluiu precisamente aquelas que desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentassem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
7.1.2.6 — O Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que veio reformular o Decreto -Lei n.º 422/89, acentuou ainda mais a tendência para confundir essas noções, do ponto de vista da intervenção do factor sorte, visto que, revogando por completo o Decreto -Lei n.º 48 912, que se mantinha em vigor na parte relativa às modalidades afins, com as alterações introduzida precisamente pela primitiva redacção daquele diploma legal, conferiu a seguinte redacção às modalidades afins:
«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.» Isto, não obstante o legislador afirmar no preâmbulo que [...] «opta -se por regular, no âmbito do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a matéria relativa às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, revogando -se assim por completo o Decreto – Lei n.º 48 912, de 18 de Março de 1969, diploma onde tal matéria se encontra presentemente disciplinada por razões que se prendem não tanto com a necessidade de alterar o regime vigente, cujas soluções se mantêm no essencial, mas antes com a conveniência de disciplinar unitariamente uma realidade próxima da que já é regulada pelo referido Decreto -Lei n.º 422/89».
A diferenciação entre as duas modalidades de jogo impõe -se, todavia, por serem, desde logo, muito diferentes as consequências: num caso ilícito criminal, punido com pena de prisão e multa; noutro caso, contra -ordenação, punida com coima.
O artigo 1.º, que não foi alterado, define, como vimos, os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». Mas não se fica por aí. Essa definição genérica é complementada por uma concretização exemplificativa dos vários tipos de jogos de fortuna ou azar, enumerados nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 4º.
No corpo daquele n.º 1, começa -se por nomear o local onde tais jogos são autorizados: «Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos: [...]» Depois, nas diversas alíneas, mencionam-se vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados. Quanto aos jogos em máquinas, estão elencados nas duas últimas alíneas:
«f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.»

Quanto às modalidades afins, vêm definidas no n.º 1 do artigo 159.º:

«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.».

2.2. E mais adiante, depois da referência a vária jurisprudência e dos critérios adoptados ou propugnados[2] para diferenciar os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins, diz:
“Este é o panorama jurisprudencial, como se vê muito diversificado, assentando em vários critérios distintivos e dando origem a soluções variadas, umas vezes considerando crime a prática e exploração de jogos em máquinas que se encontram frequentemente em cafés e outros estabelecimentos do género, ou porque os resultados dependem exclusivamente do factor sorte, ou porque pagam prémios em dinheiro ou simplesmente com valor económico, ou porque não constituem formas de promoção ao público, de modo a enquadrarem o conceito de «operações oferecidas ao público», e outras vezes (bastante menos) considerando que a exploração e prática de tais jogos constitui simplesmente uma contra -ordenação.
O problema reside, portanto, em saber qual o critério a adoptar para a distinção dos jogos em máquinas que devem ser considerados ilícito criminal, daqueles que devem ser considerados como ilícito contra-ordenacional.
Quase todos os critérios passados em revista através da jurisprudência não são aceitáveis, pelo menos em pleno, pois não oferecem as características de completude e exaustividade e, sobretudo, não se baseiam nos critérios relevantes que permitiriam distinguir os dois ilícitos. Daí a multiplicidade de soluções jurisprudenciais, cada qual rechaçando os pontos de vista de outra ou outras, de que pretende demarcar -se.
Não está no nosso fito analisar cada um desses critérios. Sempre se dirá, no entanto, que o critério que faz depender o resultado do jogo exclusivamente da sorte foi nitidamente ultrapassado pela legislação, logo a partir da versão originária do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e, mais marcadamente, a partir da alteração deste pelo Decreto–Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
O critério da distinção pela natureza dos prémios (se consistissem em dinheiro, estar -se -ia em face de um crime; se de outra natureza, em face de uma contra -ordenação) também não serve para operar a destrinça entre os dois ilícitos pela simples razão de que os jogos em máquinas automáticas considerados de fortuna ou azar, segundo a definição do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na versão do Decreto -Lei n.º 10/95, não se enquadra de modo algum nesse critério distintivo.
O critério das «operações oferecidas ao público» tem dado origem a diversificadas considerações jurisprudenciais. O que sejam «operações oferecidas ao público» é coisa que a lei não define. Deste modo, a jurisprudência ou tem ido para definições mais ou menos simplistas ou mais ou menos complexas…

Quanto aos restantes critérios adoptados e que foram passados em revista, resultam de uma combinação de vários elementos preponderantes neste ou naquele critério de forma a formarem critérios complexos: temática desenvolvida pelos jogos (ou natureza destes) e natureza dos prémios; natureza dos prémios e ofertas ao público, etc.

2.3. Pelo que aponta o dito acórdão o seguinte caminho:
“ 8.8 — O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito — ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social — não pode deixar de ser material, no sentido de que se há -de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético -social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra -ordenações, que são ético -socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal — uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar -se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.
Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas.
A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos regra ou exemplos padrão.

Como vimos no n.º 7.1.2.6, a lei (artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas [vários jogos bancados, … e jogos em máquinas — alíneas f) e g)].
No que respeita a estes últimos, mencionam -se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas «modalidades afins». Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do artigo 1.º, são os que estão especificados no artigo 4.º, n.º 1. Como se afirma no acórdão fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo,
mas, no contexto, tendencialmente especificados ». Aliás, o referido artigo 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar [...]», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos:
os bancados nas suas várias modalidades … e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas [as alíneas f) e g)].

Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 21/85, também de 17 de Janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cf. supra nºs 6.1 e 6.2), se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto -Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no artigo 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas”.

3. Da fundamentação exaustiva do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, pese embora a dificuldade – em nosso entender -, de explicitar um critério rigoroso, definitivo e sobretudo único na definição ou conceito do que deve ser considerada uma máquina de jogo de fortuna ou azar ou apenas de “modalidade afim”[3], para além do mérito normal da resolução do caso entre os acórdãos em conflito, consegue, em nosso entender, fazer um enquadramento jurídico daquelas máquinas que não são pura e simplesmente de jogos de fortuna ou azar ou de jogos de diversão.
O que se torna relevante num contexto em que, como já se aflorou, o aparecimento de “novas” máquinas de jogos é constante, com a consequente dificuldade do seu enquadramento jurídico.
Mas teve também o mérito de definir um critério “mais alargado”, de sorteio, rifa ou tômbola, o que levou – no caso decidido – e pode levar, em futuros casos, a encaixar muitas das novas máquinas, nessa classificação, o mesmo é dizer no conceito de “modalidade afim” do jogo de fortuna ou azar, do artigo 159º.
3.1. A tarefa seguinte é apurar em que termos a jurisprudência deste acórdão contribui para a classificação ou enquadramento jurídico da máquina dos presentes autos, se no conceito de máquina de jogo de fortuna ou azar, como decidiu o Tribunal recorrido se no conceito de modalidade afim, como pretende a recorrente.
As características relevantes desta máquina traduzem-se no seguinte:
x) Trata-se de uma máquina tipo roleta electrónica, com móvel portátil, com a designação “PASTILHAS“, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante número de fabrico ou de série.
y) À frente, a máquina apresenta um painel protegido por um vidro acrílico.
z) Na parte lateral direita encontra-se um dispositivo de introdução e eventual rejeição de moedas de € 0,50, € 1,00 € 2,00, bem como um botão que permite fazer “reset“, isto é, apagar os créditos obtidos por um jogador no decurso das jogadas.
aa) Na base da parede lateral esquerda situa-se o cofre e um botão on/off que permite ligar/desligar a máquina.
bb) Na parte traseira, sobre uma porta de acesso ao mecanismo interior, visualiza-se uma tomada de alimentação à corrente eléctrica.
cc) Ao centro do painel frontal situa-se um círculo formado por um número indeterminado de pequenas lâmpadas/leds, encontrando-se oito deles destacados dos restantes e, - observados no sentido dos ponteiros do relógio, têm a seguinte identificação1 pastilha; 50 pastilhas; 2 pastilhas; 100 pastilhas; 5 pastilhas; 20 pastilhas; 200 pastilhas; 10 pastilhas.
dd) A cada número corresponde um led que se ilumina à passagem de um sinal luminoso, quando a máquina desenvolve uma jogada.
ee) Ao centro do mostrador circular encontra-se uma janela/“display” rectangular, que regista os pontos acumulados provenientes de eventuais jogadas premiadas, não dando, no entanto, qualquer informação quanto aos créditos provenientes das moedas introduzidas.
ff) Ligada a máquina à corrente eléctrica e após a introdução de uma moeda, automaticamente, é disparado um ponto luminoso que percorre sequencialmente os vários leds existentes no círculo central, iluminando-os à sua passagem.
gg) O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade, que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos diversos orifícios/leds do círculo.
hh) Após se ter imobilizado, duas situações podem acontecer: 1 - O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito numerados e, neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 “pastilha” (€1,00,) e 200 “pastilhas” (€200,00,): 2 — O led imobiliza-se num dos restantes orifícios do círculo sem qualquer referência e, neste caso, o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo mais moedas.
ii) Os pontos/créditos que o jogador vai ganhando são acumulados no lado direito da janela digital, os quais, após pagos, são eliminados através do botão instalado para o efeito.
jj) O jogador aposta dinheiro na esperança de que o led que permanece iluminado corresponda a um dos numerados, dando, por isso, direito a prémio, sendo o resultado contingente porque as pontuações obtidas, posteriormente convertidas em dinheiro, em regra, à razão de €1,00 por cada ponto, dependem exclusivamente da sorte. A intervenção do jogador limita-se à introdução de uma moeda no respectivo mecanismo, não podendo, por sua intervenção, condicionar o resultado final.

3.2. Ora, atentas estas características da máquina e do seu modo de funcionamento, é possível formular algumas conclusões:
- O resultado ou pontuação final da máquina assenta exclusivamente no factor sorte, logo é contingente.
- O prémio – que depende da pontuação obtida através do factor exclusivo sorte – é pago unicamente em dinheiro.
- O modo de obtenção da pontuação é em todo igual ou análogo ao funcionamento do jogo da roleta, com a característica desta máquina se tratar de uma “roleta electrónica”.

3.3. Das características da máquina e das conclusões supra enunciadas, com certeza que não estamos perante uma “espécie de rifa, sorteio ou tômbola mecânica”.
Outrossim estamos perante uma máquina que cabe inteiramente na definição ou previsão do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea g), do Decreto-lei nº422/89, de 2/12, com as alterações do Decreto-lei nº10/95, de 19/01, que a define como:

“jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

Significa isto que a máquina dos presentes autos cai no âmbito do conceito supra enunciado de definição de jogo de fortuna ou azar, combinando a fórmula generalizadora do artigo 1.º com a técnica exemplificativa do artigo 4.º, do Decreto-lei nº422/89.

Ou seja, por meio da primeira, define-se os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte» - como é o caso;
Por meio da segunda, tipificam-se exemplificativamente esses jogos – alíneas f) e g).
Pelo que aí se mencionam os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].

Decididamente, a máquina em causa cabe na previsão desta alínea g).
4. Mas não só do texto do acórdão que obteve vencimento é possível retirar ou concluir que a máquina que analisámos neste processo deve ser qualificada como de jogo de fortuna ou azar.
Também de alguns votos de vencido, que houve alguns, maxime do voto de vencimento do Conselheiro António Pires da Graça se colhem elementos relevantes para a posição aqui defendida.
Afirma, pois, este Conselheiro:
“12 — Do exposto, face ao regime legal, extraio as seguintes conclusões:
I) Ainda que o resultado do jogo nas máquinas automáticas dependa exclusivamente da sorte, só não constitui jogo de fortuna ou azar[4] — constituindo então modalidade afim de jogo de fortuna ou azar — se a modalidade de jogo não atribuir prémios pagos directamente em fichas ou moedas;
não desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, Totobola e Totoloto, ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, nem substituir por dinheiro ou fichas prémios atribuídos;
II) Porém, mesmo que o resultado do jogo nas máquinas automáticas dependa exclusivamente da sorte, e consista em qualquer prémio — coisas de valor económico — que não
seja pago em fichas ou moedas, já constituirá jogo de fortuna ou azar se a modalidade de jogo desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, como os indicados no n.º 3 do artigo 161.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, ou permitir a substituição de prémios atribuídos por fichas ou dinheiro;
III) O jogo desenvolvido em máquinas automáticas deve ser considerado de fortuna ou azar quando, dependendo exclusiva ou fundamentalmente da sorte:
a) Atribuir prémio que seja pago directa ou indirectamente em fichas ou dinheiro;
b) O jogo desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar;
c) Ou apresente como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
13 — Definindo a lei o que são jogos de fortuna ou azar, e indicando os limites das modalidades afins e outras formas de jogo, conclui -se que: «Não revestem a natureza de jogos de fortuna ou azar, revertendo antes para as modalidades afins, os jogos em máquinas automáticas cujos resultados, dependendo embora, exclusiva ou fundamentalmente, da sorte e, traduzindo -se em pagamento de prémios em coisas de valor económico, não paguem directamente prémios em fichas ou moedas, nem substituam por fichas ou dinheiro os prémios atribuídos, não desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte»”.

Pelo que, sabendo-se que o resultado do jogo desta máquina automática depende exclusivamente da sorte, que desenvolve temas característicos dos jogos de roleta, que apresenta como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte e que substitui por dinheiro as pontuações atribuídas, estamos perante uma verdadeira máquina de jogo de fortuna ou azar e não perante uma “modalidade afim” de jogo de fortuna ou azar.

2ª Questão: a medida concreta da pena.
1. Diz a recorrente que a sentença fez uma desadequada aplicação da medida da pena atendendo às condições económicas, sociais e familiares da arguida, bem como a que a mesma confessou os factos constantes na acusação, como os justificou, invocando ainda as dificuldades financeiras reais que passa no seu dia-a-dia[5].

2. O crime em causa é punido com uma pena de prisão de 1 mês a 2 anos e cumulativamente uma pena de multa de 10 a 200 dias[6].
Na determinação da medida concreta da pena seguiu o julgador os critérios exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal segundo o qual a pena será delimitada pela inultrapassável medida da culpa do arguido, determinando-se o seu quantitativo tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.
Nessa perspectiva, o tribunal atendeu:
- a que arguida agiu com a modalidade mais forte de culpa, actuando com dolo directo, representando e querendo os resultados obtidos;
- ao grau mediano de ilicitude (visto esta como desvalor da acção e do resultado).
- aos antecedentes criminais da arguida - a arguida já foi condenada pela prática, em 21.07.2004, do crime de exploração ilícita de jogo.
- à confissão dos factos e colaboração com o tribunal na administração da justiça.
Considerou ainda o tribunal a quo que as exigências de prevenção geral não são muito elevadas, uma vez que não é muito significativa a reacção da comunidade quanto a este tipo de crime.
Em contrapartida, considerou que existem relevantes necessidades de prevenção especial, uma vez que a arguida foi já condenada pela prática de crime da mesma natureza, em 21.07.2004, na pena única de 240 dias de multa à taxa diária de €4,50.
Perante este factualismo e face àquela medida abstracta de prisão até dois anos, afigura-se adequada e proporcionada a pena encontrada de 9 meses de prisão.
Como se encontra bem dimensionada a pena de multa de 100 dias, cujo limite máximo é de 200 dias.

A substituição da pena de 9 meses de prisão pela pena de 270 (duzentos e setenta) dias multa mostra-se correcta e justificada, face ao disposto no actual artigo 43, nº 1, do CPP, que diz o seguinte:
“A pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
Pelo que nada existe a censurar, nesta parte.

2.1. A concreta pena de 370 (trezentos e setenta) dias de multa também corresponde à legal, face ao disposto no artigo 6º do Decreto-lei nº48/95, de 15/03 que diz:
“enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e a que resultar da substituição da prisão”.
3. Resta finalmente ajuizar sobre o montante diário da multa fixado, que foi de 7,00 €.
É certo que, sobre esta matéria – tendo em conta que a taxa diária deve ter base a situação económica e financeira do condenado, conforme disposto no artigo 47ºº, nº2, do CP -, o tribunal a quo deu como assente que:
A arguida é casada, tem o 4º ano de escolaridade, é comerciante e explora o estabelecimento supra identificado do qual retira, depois de tudo pago, cerca de €480,00 por mês. O seu marido exerce a profissão de canalizador pela qual aufere mensalmente €500,00. Têm três filhos de 21, 13 e 4 anos de idade, sendo quo o mais velho terminou um curso mas ainda não trabalha, o do meio frequenta a escola pública e o mais novo frequenta um infantário pelo qual pagam €48,00 por mês. Vivem em casa dos pais da arguida, pela qual nada pagam. Têm carro próprio um Hyundai ... de 2004, que se encontra pago.

Acontece que, esta situação económica dada como assente, teve por base ou fundamento, as declarações da própria arguida prestadas em audiência – v. motivação da matéria provada.
O que significa que tais declarações da arguida devem ser analisadas “cum grano salis”, pois que, estando em causa a eventual condenação da arguida, por regra, não são declarados os efectivos e reais rendimentos do agregado familiar.
Quanto aos rendimentos do estabelecimento comercial que a arguida explora, só através da análise do balancete ou balancetes seria possível determinar os efectivos rendimentos líquidos ou ilíquidos. Pelo que o montante declarado pela arguida não tem qualquer fundamento.
De todo o modo, sempre se pode dizer que a quantia de 480,00€ é uma quantia líquida, “depois de tudo pago”.
Entre o limite de 5,00€ e 500,00€, a fixação de 7,00€ a título de taxa diária a pagar pela arguida, afigura-se uma taxa diária bastante benévola, que não ultrapassa os limites do que pode e deve ser exigido à arguida, sendo certo que, na dimensão de sacrifício e necessidade de prevenção que deve representar a pena, este valor se afigura mais que justificado.
Sempre se dizendo que nos termos dos números 3 e 4 do citado artigo 47º, do CP, sempre a arguida poderá requerer ao Tribunal, se se justificar, o pagamento da multa em prestações ou uma alteração do prazo de pagamento.
Pelo que entendemos não haver fundamento legal para alterar o montante diário da pena de multa.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) Ucs.

Porto, 25.5.2011
Luís Augusto Teixeira
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição
_____________________
[1] É, de resto, a resposta ao impulso humano para o jogo, descrito no acórdão supra indicado, nestes termos:
“Por outro lado, contribuiu para essa liberalização a constatação de que a pulsão humana para o jogo é uma realidade que se não pode recalcar, pois ele faz parte da vida, que não é só trabalho e produtividade, mas também actividade lúdica, diversão, prazer, paixão de risco e mesmo dissipação. Os momentos de festa são, em qualquer sociedade, momentos de euforia, de desordem controlada, de dissipação ou despesa, de excesso,…”.
[2] Nomeadamente os critérios:
- das operações oferecidas ao público existentes nas modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito;
- na conjugação do critério da natureza do prémio com o critério das ofertas ao público;
- só na natureza dos prémios – quando tais prémios consistam em dinheiro, estar-se-á perante ilícito criminal, ao passo que a atribuição de prémios de outra natureza caracteriza o ilícito de mera ordenação social;
- na temática e natureza dos prémios - Para estes arestos, as máquinas que desenvolvam temas
próprios dos jogos de fortuna ou azar (poker, black jack 21,próprios dos jogos de fortuna ou azar (poker, black jack 21,etc.) constituem sempre crime independentemente do pagamento de prémio. Mas também entram no domínio do ilícito criminal os jogos proporcionados por máquinas que não desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar mas que atribuam prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro, «porque o artigo 161.º, n.º 3, na sua parte final, expressamente os exclui ao referir que as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar não podem desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar [...] nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos».
- a natureza do jogo e a natureza do prémio - Os jogos de fortuna ou azar abarcam todos os jogos (máquinas, mas também todos os outros) que pagam directamente prémios em fichas ou moedas ou que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
As modalidades afins (através de máquinas ou não) são aquelas que atribuem como prémios coisas com valor económico, não podendo desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.
[3] Dificuldade que encontra desde logo eco na natureza e teor dos vários votos de vencimento e que mais adiante se dará conta a propósito da resolução do caso concreto destes autos.
[4] Negrito nosso.
[5] Fundamentos estes melhor desenvolvidos nas conclusões supra transcritas.
[6] A decisão recorrida explicita e bem que:
“…a revisão do Código Penal operada pelo DL nº48/95, aboliu as penas cumulativas de prisão e multa, prevendo apenas a aplicação alternativa daquelas penas. Porém, continua prevista esta cumulação em alguma legislação avulsa, como é o caso dos autos, pelo que se passará a analisar cada uma das penas a aplicar”.