Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0533541
Nº Convencional: JTRP00038370
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CESSAÇÃO
Nº do Documento: RP200510060533541
Data do Acordão: 10/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO. CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I- O terminus da suspensão da instância nem sempre precisa de ser expresso, podendo resultar, de forma reflexa ou implícita do despacho que declarou a cessação do motivo que causou a suspensão.
II- Decretada a suspensão da instância ao abrigo do art. 3º nº 1 e nº 3 do CRP, para efeitos de registo do pedido reconvencional, foi implicitamente decretada a cessação de tal suspensão da instância através do despacho judicial que, para além de declarar que os RR. deixaram expirar o prazo concedido para tal registo, ainda considerou manifestamente inútil a prática de quaisquer actos tendentes à realização do registo.
III- Não tendo os RR. interposto recurso deste despacho, que transitou em julgado, fica votado ao insucesso o recurso do despacho que, em consequência da intempestividade do registo da reconvenção, absolveu os AA. da instância reconvencional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

B.......... e mulher C.............., residentes na Rua de ..... n.º ....., ...., em Vila Nova de Gaia, D..........., viúva, residente no Largo .... n.º ...., ...., em Vila Nova de Gaia, E........ – por morte do qual vieram a ser habilitados, para além da sua esposa, F............, residente na Rua ..... n.º ...., ......, Vila Nova de Gaia, também Autora na presente acção, os seus filhos, G..........., residente na Rua ..... n.º ...., ....., Vila Nova de Gaia, H............, residente na Rua ....... n.º ..., ...., Vila Nova de Gaia, I........., residente na Rua .... n.º ...., ...., Vila Nova de Gaia, J.........., residente na Rua de ..... n.º ...., ....., Vila Nova de Gaia, e L..........., residente na Rua ..... n.º ...., ....., Vila Nova de Gaia, M.......... – por morte da qual se habilitaram, na qualidade de seus herdeiros, o marido, N........, residente na Rua ..... n.º ...., ...., Vila Nova de Gaia, já Autor na presente acção, O............ e mulher P.........., residentes na Rua ...... n.º ...., ....., Vila Nova de Gaia, Q........... e mulher R........, residentes na Rua .......... n.º ...., ...., Vila Nova de Gaia –, e S........ e mulher T........., residentes na Rua ..... n.º ...., ...., Vila Nova de Gaia, instauraram os presentes autos de acção declarativa com processo sumério, de reivindicação, contra U........ e V........, residentes na Rua ..... n.º ...., r/c, freguesia de ......, Vila Nova de Gaia, pedindo que se reconheça que são legítimos proprietários do imóvel que identificam no art. 1º da petição inicial e a condenação dos Réus a absterem-se de praticar actos que os impeçam de aceder ao seu terreno, sendo, ainda, condenados a retirar a cancela que impede tal acesso e, por fim, a sua condenação na restituição da faixa de terreno ocupada e a dela retirarem todo o material que depositaram.
Para tanto, e em síntese, alegam:
- Que descrito na Conservatória do Registo Predial, a seu favor, se mostra o prédio rústico denominado “X......”, que identificam, propriedade que lhes adveio por sucessão hereditária de Y........... e, ainda, factos subsumíveis ao instituto da usucapião;
- Que os Réus ocupam o prédio em causa e que se recusam a proceder à sua entrega.

Regularmente citados, os Réus contestaram, invocando, em síntese:
- Que são titulares do direito de propriedade sobre o terreno objecto dos presentes autos, invocando para tanto factos subsumíveis ao instituto da usucapião;
Deduziram ainda pedido reconvencional, pedindo que sejam os mesmos declarados os proprietários do prédio em causa e que sejam os AA condenados a reconhecer essa qualidade.
Concluem pedindo a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional deduzido.

Na audiência preliminar, ocorrida em 18 de Março de 2003 (cfr. acta de fls. 174 e segs), foi proferido o seguinte despacho:
“Nos presentes autos deduziram os RR. pedido reconvencional tendo sido fixado por despacho proferido a fls. 38 o prazo de 15 dias para que estes procedessem à efectivação do registo.
Dado que tal prazo se esgotou sem que os Réus juntassem aos autos Certidão comprovativa do registo da reconvenção, nos termos do preceituado no art. 501º nº3 do CPC, absolvo da instância os Autores reconvindos”.

Inconformados com tal despacho, dele vieram agravar os RR., que apresentaram as respectivas alegações. (RELATÓRIO INFRA)

Foi organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, por despacho que não sofreu qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal proferido decisão da matéria de facto, por despacho que não mereceu qualquer reparo.

Foi proferida sentença, que decidiu nos termos seguintes:

Assim, e ponderado tudo o exposto, julgo a presente acção provada e procedente e, nos termos das disposições legais supra referidas, decido:
a) Declarar que os Autores B......... e esposa, C........, D.........., os sucessores de E............, F........., G.........., H........, I..........., J.......... e L.........., os sucessores de M........, N........, O....... e esposa, P.........., Q......... e esposa R........., e S....... e esposa, T........., são titulares do direito de propriedade sobre o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 02656/060199, denominado “X........”, da freguesia de Canelas, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o art. 2808º;
b) Condenar os Réus BC........ e esposa, BD............. a absterem-se de praticar actos que impeçam os Autores de aceder ao terreno identificado na alínea anterior e, ainda, a retirar a cancela que impede tal acesso;
c) Condenar os Réus a restituir a faixa de terreno ocupada e a dela retirarem todo o material que nela depositaram.

Inconformados com tal decisão, vieram os RR. interpor recurso da mesma, logo oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

A.- O presente recurso enquadra-se no âmbito dos arts. 690.º e 690º-A do C.P.C., aspirando-se uma nova análise sobre a matéria fáctica que foi discutida em audiência de julgamento em ordem à sua adequada subsunção jurídica.

B.- Com efeito, o Tribunal a quo não fez um exame crítico das provas (Cfr. art. 653.º, n.º 2 do C.P.Civ.) e, fruto de alguns factos incorrectamente julgados, proferiu sentença condenatória que não se coaduna com o regime jurídico que se afigurava adequado aplicar.

C.- O Dign.º Tribunal descurou alguns factos e não valorou outros, que se prendiam com os actos materiais praticados ao longo de mais de vinte anos pelos Apelantes no prédio dos autos e com a determinação com que estes praticavam os mesmos, os quais, devidamente ponderados, mostravam-se importantes e conducentes ao reconhecimento do direito a favor dos aqui Apelantes, justificado pelo instituto da usucapião.

D.- Pois que, a factualidade apurada convergia, precisamente, no sentido de se ajuizar a ocupação e os actos materiais praticados pelos Apelantes como verdadeiros actos possessórios exercidos por quem age de forma correspondente ao titular do direito.

E.- E, tais actos, foram incorrectamente julgados ao serem admitidos como actos praticados sob a capa de uma mera tolerância ou detenção, que, efectivamente, não ficou demonstrada pela prova testemunhal colhida em julgamento.

F.- Desde logo, existe contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida (conduzindo à nulidade da sentença – art. 668.º, n.º 1, c) C.P.Civ), quando se dá como provado que os Apelantes exerciam poder de facto sobre o imóvel, através da ocupação do mesmo ao longo dos anos (admitindo a existência de um barraco, de um estaleiro e o depósito de materiais e ferramentas, factos estes correlacionados com actos materiais praticados pelos RR.) e, depois, em antinomia, decide-se pela inexistência do elemento material da posse – corpus.
G.- Ora, a prova testemunhal produzida em julgamento mostrou-se suficiente e esclarecedora a demonstrar justamente a coexistência dos dois elementos da posse (corpus e animus) na esfera jurídica dos Apelantes, revelando o poder de facto exercido pelos mesmos sobre o prédio dos autos e a intenção subjacente a tal exercício (comportando-se como verdadeiros donos do prédio), o que lhes conferia legitimidade para adquirir a titularidade do direito.

H.- Na verdade, quanto as tais factos o Tribunal a quo não interpretou/valorou correctamente os depoimentos das testemunhas BE.......... (com o registo de prova em aúdio com início na cassete n.º 1, lado A, contador n.º 1322 e termo na cassete n.º 1, lado B, contador n.º 1900; conforme referência na acta de julgamento, sessão do dia 15-10-2004); Z.......... (com o registo de prova em aúdio com início na cassete n.º 2, lado A, contador n.º 2547 e termo na cassete n.º 2, lado B, contador n.º 3048; conforme referência na acta de julgamento, sessão do dia 15-10-2004); BF........... (com o registo de prova em áudio com início na cassete n.º 1, lado A, contador n.º 0000 e termo na cassete n.º 1, lado A, contador n.º 1151; conforme referência na acta de julgamento, sessão do dia 02-11-2004); BB..........., (com o registo de prova em áudio com início na cassete n.º 1, lado A, contador n.º 1152 e termo na cassete n.º 1, lado B, contador n.º 0051; conforme referência na acta de julgamento, sessão do dia 02-11-2004) e BG............ (com o registo de prova em áudio com início na cassete n.º 1, lado B, contador n.º 0052 e termo na cassete n.º 1, lado B, contador n.º 0785; conforme referência na acta de julgamento, sessão do dia 02-11-2004).

I.- Com efeito, pelos testemunhos supra referenciados é possível aferir no caso sub judice que não se verifica uma simples ocupação ou mera detenção, porque os Apelantes exerciam poder de facto sobre a coisa com animus possidendi, empregando verdadeiros actos materiais possessórios, uma vez que os Apelantes ao praticarem os mesmos agiam com ânimo de exercerem por si e em nome próprio o direito de propriedade.

J.- Não se configuram aqui quaisquer actos de mera tolerância ou mera detenção, prejudicados que ficam não só pela intenção dos Apelantes de exercerem prerrogativas de donos do prédio, que actuavam em nome próprio, como também pela determinação do anterior proprietário em beneficiar aqueles, tratando-os como verdadeiros titulares do direito e manifestando publicamente o propósito de lhes atribuir tal prédio.
K.- Ademais, a lei estabelece uma presunção dizendo que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, donde decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o exercício daquele faz presumir a existência deste- vidé Dr. Mota Pinto (Direitos Reais, 1970, 191).

L.- Sendo certo que, «havendo conflito decorrente da usucapião e da presunção derivada de um registo predial mais recente, prevalece a primeira, ainda que o “animus” da posse subjacente àquela aquisição originária beneficie da presunção decorrente de quem exerce o respectivo poder de facto (art. 1252.º, n.º 2 do C.Civ.) – RP, 9-3-2000; CJ, 2000, 2.º, 187.

M.- Em suma, resulta que o Dign.º Tribunal a quo não ponderou convenientemente a prova testemunhal supra referida, a qual foi propícia a revelar factos de grande importância para a verdade material e que conduziam, sem margem para dúvidas a uma decisão diametralmente oposta à proferida, com o reconhecimento da titularidade do direito real na esfera jurídica dos Apelantes justificada pelo instituto da usucapião.

N.- E, nessa sequência, sempre determinaria a procedência do pedido reconvencional deduzido pelos RR., caso este venha a ser admitido, no pressuposto de ser reparado o agravo que subirá para conhecimento em segunda instância, com o presente recurso.

O.- Pelo exposto, a douta sentença sob recurso incorreu na nulidade consagrada no art. 668.º, n.º 1, al. c) do C.P.Civ. e violou os artigos 1251.º, 1252.º, n.º 2, 1287.º, 1289.º, n.º 1 e 1296.º todos do C.Civ. e ainda o art. 653.º, n.º 2 do C.P.Civ..

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, revogar-se a decisão ora recorrida substituindo-a por outra que julgue a acção não provada e improcedente e absolva os RR./Apelantes dos pedidos a que foram condenados e,

sequencialmente, na eventualidade de ser reparado o agravo relativo ao recurso interposto quanto à admissibilidade do pedido reconvencional, serem os AA./Apelados condenados no mesmo, em virtude dos autos conterem já toda a matéria suficiente para que se conheça do mesmo, com o que V. Exas. julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Antes, porém, reunamos a matéria de facto que foi considerada provada:

1) Descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 59.244, do Livro B 153, a favor dos Autores encontra-se o seguinte prédio: “casa de dois pavimentos, destinada a habitação e terreno a logradouro”, com a área coberta de 70m2 e descoberta de 231,7m2, sito na Rua da ......, freguesia de ............, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o art. 1138 (alíneas a) da matéria assente);
2) Desde o ano de 2001 que os Autores por si só, pagam os impostos relativos ao prédio identificado no número anterior (facto 1º);
3) O prédio descrito no n.º 1 confronta, a Sul, com um prédio dos Réus (facto 2º);
4) Há cerca de cinco anos, os Réus em qualquer autorização ou consentimento dos Autores passaram a ocupar parte do prédio descrito no número 1 com vários blocos de cimento, barras de ferro, cargas de areia e outros materiais de construção (facto 6º);
5) Há cerca de cinco anos que os Réus edificaram no prédio identificado no número 1 um anexo que destinam a estaleiro e aí edificaram, há cerca de vinte anos, um barraco onde têm instalado uma banca de carpinteiro (facto 7º);
6) Colocaram os Réus, na entrada do prédio descrito no número 1 uma cancela de madeira e arame com cerca de 4 metros de largura e 1,5m de altura (facto 8º);
7) O único acesso ao prédio é feito pela entrada e cancela a que se alude no número 6 (facto 10º);
8) Os Réus privaram os Autores de entrar no prédio e de aceder aos bens ali existentes, não podendo cortar árvores nem vender a respectiva madeira (facto 11º);
9) Desde data não concretamente apurada que os Réus colocaram no prédio a que se alude no número 1 uma cancela, melhor descrita no número 6 (facto 14º);
10) Desde há cinco anos que os Réus guardam no prédio descrito no número 1 materiais de construção (facto 15º);
11) Há cerca de vinte anos que os Réus têm instalado no prédio descrito no número 1 um barraco onde têm instalada uma banca de carpinteiro, onde trabalha o Réu marido, e que desde há cerca de cinco anos que desenvolve no mesmo prédio trabalhos de construção civil (facto 16º);
12) Os Réus edificaram no prédio, há cerca de vinte anos, um barraco onde o Réu marido tem instalado uma banca de carpinteiro e há cerca de cinco um estaleiro de materiais de construção (facto 17º);
13) Os factos descritos nos números anteriores foram praticados à vista de toda a gente (facto 22º);
14) Após 22.06.2000 os Autores opõem-se aos actos praticados pelos Réus (facto 23º);

I – DO AGRAVO

À decisão do presente agravo interessa a seguinte tramitação verificada nos autos:

A.
A fls. 38 dos autos, datado de 15 de Janeiro de 2002, proferiu a Senhora Juíza o seguinte despacho:

“Nos termos do disposto no art. 3º nº 1 al. a) e nº 3 do CR Predial declaro suspensa a instância, para efeitos de registo da reconvenção.
Notifique, sendo os Réus com a advertência de que caso se não mostre a reconvenção registada no prazo de 15 dias, serão os reconvindos absolvidos da instância (art. 501º nº 3 do CPC)”.
B.
Este despacho foi notificado aos RR. por carta registada enviada em 17 de Janeiro de 2002.
C.
Por requerimento de fls. 42, datado de 21 de Janeiro de 2002, solicitou o Ex.mo Mandatário dos RR. ao Senhor Juiz do processo a emissão de certidão da contestação/reconvenção apresentada, para efeitos de registo, o que foi deferido por despacho de 23 de Janeiro seguinte, e satisfeito por carta registada de 25 de Janeiro.
D.
Por requerimento de 29 de Janeiro de 2002, constante de fls. 46, requereram os RR. a junção aos autos de fotocópia autenticada pela Conservatória de Registo Predial, relativa á apresentação nº 17 de 29/01/2002, do registo do pedido reconvencional, protestando juntar certidão predial logo que efectuado o respectivo registo.
E.
Sobre este requerimento despachou o Senhor Juiz: “Aguardem os autos por 15 dias”.
F.
Aberta nova conclusão em 19 de Março de 2002, designou o Senhor Juiz, tão só, data para a realização de audiência preliminar.
G.
Por requerimento de fls. 53, datado de 4 de Abril de 2002, vieram os RR. requerer a prorrogação daquele prazo, em virtude de o registo ter sido entretanto elaborado como provisório por dúvidas, devido a identificação incompleta dos AA. e RR., verificando-se, quanto à A. D.........., divergência de nome entre o registo e o documento judicial (conforme despacho do conservador junto com o requerimento), sendo que, apesar das diligências desenvolvidas, não foi possível apurar qual o nome correcto da A., solicitando-se que venha esta A. fornecer os elementos necessários para que sejam supridas tais deficiências.
H.
Foi proferido a fls. 68 o seguinte despacho, com data de 9 de Abril de 2002:
“Vieram os Réus, a fls. 53 e após ter expirado a prorrogação do prazo para efeitos de registo da reconvenção, requerer que prestem os Autores esclarecimentos no sentido de poderem efectuar o registo.
Decidindo:
Nos termos do disposto no art. 147º nº 1 do CPC, os prazos processuais são prorrogáveis. Porém, e como é do senso comum, só é prorrogável o prazo que está em curso. Ora, nos presentes autos, os Réus, tendo-lhes sido concedido prazo para apresentação de certidão da qual resultasse a realização do registo, deixaram expirar tal prazo. Assim sendo, revela-se manifestamente inútil a prática de quaisquer actos tendentes à realização do registo.
Pelo exposto, indefiro o requerido”.

I.
Este despacho foi notificado aos RR. por carta registada de 10 de Abril de 2002.
J.
Por requerimento de fls. 97, de 26 de Abril de 2002, vêm os RR. dizer que o pedido de registo fora eito dentro do prazo de 15 dias concedido para o efeito, tendo sido o registo efectuado provisório por dúvidas, devido á dita divergência entre o nome da A. que consta do registo e o constante do documento judicial, “razão pela qual não foi possível ainda juntar certidão do registo definitivo da reconvenção, como se havia protestado fazer, apenas se podendo obter uma certidão do registo provisório, que ora se junta e demonstrativo da feitura do registo da reconvenção no prazo legal (cfr. doc. 2)”, vindo os RR a requerer que o tribunal “se digne considerar que o registo da reconvenção foi efectuado no prazo legal de 15 dias, sendo ordenada, nos termos do art. 266º do CPC, a prestação de esclarecimentos pela A. D............ para que se proceda à remoção das dúvidas do registo efectuado”.
L.
A fls. 106 foi proferido o seguinte despacho, datado de 29 de Abril de 2002:
“Fls. 97 a 104: Não obstante o requerido se mostrar abrangido pela decisão proferida a fls. 68, sempre se dirá que o registo provisório por dúvidas, nos termos em que foi efectuado, não pode ser considerado eficaz para efeitos de registo da reconvenção.
Para além do mais, desde a data em que foi trazido ao processo o conhecimento de que o registo havia sido efectuado por dúvidas, e não obstante protestarem os Réus juntar a competente certidão, certo é que decorreram quase dois meses, sem que nada fosse junto ou requerido:
Pelo exposto indefiro o requerido.”

M.
No início da audiência preliminar de 2 de Maio de 2002 foi dito pelo Senhor Advogado dos AA. que só então tivera conhecimento do falecimento da A. M........, pelo que “requer a junção aos autos no prazo de 10 dias da competente certidão de óbito”, o que foi deferido, aí terminando a diligência.
N.
Junta tal certidão de óbito aos autos foi declarada suspensa a instância ao abrigo dos art. 276º nº 1 al. a) e 277 do CPC.
O.
Pelo requerimento de fls. 115, datado de 10 de Maio de 2002, vieram os RR. requerer a junção aos autos de fotocópia com valor informativo emitida pela Conservatória de registo Predial de Vila Nova de Gaia do pedido de remoção de dúvidas apresentado relativamente à descrição nº 02656 da freguesia de Canelas.
P.
Por requerimento de fls. 123, de 24 de Maio de 2002, vieram de novo os RR., depois de exporem os vários passos processuais verificados, requerer que o Tribunal “se digne considerar que o registo da reconvenção foi efectuado no prazo legal de 15 dias, assim como efectuado o pedido de remoção das dúvidas, concedendo o necessário prazo para a apresentação da competente certidão .
Q.
A fls. 128 proferiu a Senhora Juíza o seguinte despacho:
“Porque a instância se mostra suspensa, oportunamente e em sede própria, nos pronunciaremos sobre o requerido”.

R.
De novo a fls. 130, por requerimento de 3 de Setembro de 2002, vieram os RR. dizer que, não obstante terem obtido, com a colaboração da mandatária dos AA., os elementos relativos á identificação da A. D........, foram informados pelo Conservador de que as dúvidas não poderiam ser removidas pois a identificação dos AA constante da certidão judicial se encontra incompleta, …de forma que necessário se torna que seja emitida nova certidão da qual constem todos os necessários elementos a fim de que seja possível a remoção das dúvidas… finalizando por requerer… a emissão de nova certidão judicial da qual constem os elementos em falta.
S.
Sobre este requerimento, de novo a Senhora Juíza proferiu o despacho “Mantendo-se suspensa a instância, oportunamente nos pronunciaremos”.
T.
A fls. 144 foi designada data para a realização da audiência preliminar, “para os fins determinados a fls. 50 e, ainda, para conhecer da tempestividade do registo da reconvenção e suas consequências…”.
U.
Na audiência preliminar, ocorrida em 18 de Março de 2003 (cfr. acta de fls. 174 e segs), foi proferido o seguinte despacho:
“Nos presentes autos deduziram os RR. pedido reconvencional tendo sido fixado por despacho proferido a fls. 38 o prazo de 15 dias para que estes procedessem à efectivação do registo.
Dado que tal prazo se esgotou sem que os Réus juntassem aos autos Certidão comprovativa do registo da reconvenção, nos termos do preceituado no art. 501º nº3 do CPC, absolvo da instância os Autores reconvindos”.

Inconformados com este despacho, dele vieram agravar os RR., que juntaram aos autos as respectivas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1 – Diligenciaram os recorrentes pela emissão da necessária certidão judicial e pela sua apresentação a registo, tudo dentro do prazo de 15 dias fixado no despacho de fls. 38;
2 – Contudo, por irregularidades da certidão judicial, originadas pela incompleta identificação dos AA. e dos RR. e por divergência no nome da A. D............, foi o registo elaborado provisório por dúvidas;
3 – Sendo requerida a colaboração da A. D........... para a remoção de dúvidas, o que apenas foi obtido após insistência, requerendo-se nova certidão que apresentada apara remoção de dúvidas, mais uma vez foi rejeitada por incompleta em relação á identificação dos AA. e RR. em violação da al. e) do nº 1 do art. 93º ex vi do art. 44º nº 1 al. a), ambos do CRP;
4 – Sendo requerida nova certidão com o mesmo fim de remoção de dúvidas que novamente não foi possível por óbito de uma das A. F........, sem que se verificasse a intervenção dos seus herdeiros, pelo que nova certidão foi requerida e apresentada na Conservatória para remoção das dúvidas;
5 – Do exposto verifica-se haver decorrido o prazo de 15 dias de suspensão da instância, não sem que os recorrentes apresentassem o pedido reconvencional a registo o que apenas não foi possível, não por incúria sua mas sim por lapsos da secretaria judicial que emitiu as necessárias certidões com as informações incompletas, levando a que o registo fosse elaborado provisório por dúvidas, mas não recusado;
6 – Decorrendo do preceituado no nº 6 do art. 161º do CPC não poderem as partes ser prejudicadas por erros ou omissões da secretaria;
7 – O que, no caso em apreço se apresenta como uma verdadeira situação de justo impedimento que, tal como previsto no nº 1 do art. 146º do CPC, abrange os casos de “evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte”, e todo o evento obstaculizante da prática atempada do acto “não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários”;
8 – Apenas devendo o justo impedimento ser invocado quando cesse a causa impeditiva, o que apenas ocorreu agora, pelo que só agora podem os agravantes lançar mão da figura do justo impedimento que se verifica desde o primeiro momento;
9 – Acresce que, tendo sido ordenada a suspensão da instância para registo da reconvenção, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 3º do CRP, este registo sempre seria provisório – al. d) do nº 1 do art. 92º do CRP – “São pedidas como provisórias por natureza as seguintes inscrições: Das acções referidas no art. 33”, pelo que, em momento algum, seria apresentado o registo definitivo do pedido, antes sim o registo provisório;
10 – Sendo que, em caso de provisoriedade, mesmo que por dúvidas, a suspensão da instância para que seja realizado o registo deve ser levantada, não porque o prazo fixado decorreu mas porque a inscrição se encontra realizada, pois não há fundamento para recusa;
11 – Segundo o art. 70º do CRP “o registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando exista motivo que, não sendo fundamento de recusa, obste ao registo do acto, tal como é pedido”. E por decisão do Conservador, nos termos do art. 68º do CRP, pode o registo ser lavrado em inscrição provisória, tanto por natureza como por dúvidas, sendo o prazo de vigência, nesta última hipótese, de seis meses – art. 11º do CRP;
12 – A opção legislativa foi no sentido de, nestas situações, ser levantada, automaticamente, a suspensão da instância, em especial atendendo ao facto de que o registo existe como tal, validamente, surtindo os seus efeitos, durante o período que a lei registral lhe assinala;
13 – Aliás, é largamente dominante a jurisprudência que afirma que o registo provisório, ainda que por dúvidas, não é obstáculo ao prosseguimento da acção, pelo que, por identidade de motivos não será impedimento ao prosseguimento do pedido reconvencional;
14 – Assim, na absolvição do pedido reconvencional não considerando o registo provisório e as circunstâncias que determinaram que fosse elaborado provisório por dúvidas, prevalecem argumentos de ordem adjectiva sobre a justiça material;
15 – Para além de que, aos agravantes não foi ordenada a efectivação do registo, como aliás não podia ser, pois tal incumbe aos serviços do registo predial, mas a suspensão da instância para que pudessem efectuar e comprovar nos autos o que fizeram, quer dizer, impôs-se a obrigação de requerer o registo, independentemente do seu resultado;
16 – O que veio a acontecer pois o registo foi apresentado e realizado, apesar de provisório por dúvidas o que originou as intervenções seguintes no sentido de que estas fossem removidas;
17 De forma que o despacho recorrido violou o disposto nos art. 3º nº 1 al. a) e nº 3, 68º, e 70º do CRP, e 146º, 161º e 501º nº 3 do CRP.

Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido e proferido outro, em sua substituição, que considere terem os recorrentes apresentado e realizado o registo dentro do prazo de 15 dias fixado para o efeito, sendo o pedido reconvencional admitido.

Antes do mais, diremos que realmente se impunha o registo da reconvenção, em obediência ao disposto no art. 3º nº 1 e 2 do CRP.
O registo da acção destina-se a dar conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de litígio e a adverti-los de que devem abster-se de adquirir sobre ela direitos incompatíveis com os invocados pelo Autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenham no processo. [Antunes Varela, in RLJ, ano 103, pag. 484]
Visa, pois, demonstrar que após a sua feitura nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente, ou adquiridos antes tenha negligenciado o seu registo.
Faltando o registo da acção, a sentença só produz efeitos inter partes, ou seja, se a acção não for registada, a sentença não pode ser oposta a terceiros que hajam adquirido a coisa litigiosa durante a pendência da causa. [Neste sentido o Ac. STJ de 20.6.1969, in BMJ 188, 164; Vaz Serra, in RLJ, ano 103, 164; Alberto dos reis, in Comentário Anotado, 1960, 187]
Se a acção, ou a reconvenção, estiver registada, a correspondente sentença tem uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado, porque, além de vincular as partes, produz igualmente efeitos contra terceiros que tenham adquirido a coisa litigiosa na pendência da acção, no período da mora litis.
No caso presente, pedem os RR., em sede reconvencional, que sejam declarados os proprietários do prédio em causa na acção, e que sejam os AA condenados a reconhecer essa qualidade.
Ora, existindo registo do prédio a favor dos AA. reconvindos (cfr. certidão predial junta aos autos de providência cautelar apensos), sempre seriam estes a gozar das garantias e presunções derivadas do registo. E se estes porventura alienassem o prédio e a reconvenção não estivesse registada, ainda que os reconvintes viessem a triunfar, podia de nada lhes servir, porque a decisão era inoponível ao terceiro adquirente [Mouteira Gurreiro, in Noções de Direito Registral, Coimbra Editora, 1993, pag. 60].
Deverá, pois, haver registo do pedido reconvencional [Em sentido difrenre se pronunciou o Ac. RP de 28.11.2000, proc. Nº 0021215, in www.dgsi.pt.], assim tendo sido entendido pelo Tribunal recorrido, o que nem sequer foi posto em causa por qualquer das partes, o que não obsta à apreciação feita.

Voltando agora à questão suscitada no agravo, e atentando à tramitação supra exposta, não nos ficam dúvidas que os RR., notificados por carta registada de 17 de Janeiro (B supra) do despacho de fls. 38 (A) - (“Nos termos do disposto no art. 3º nº 1 al. a) e nº 3 do CR Predial declaro suspensa a instância, para efeitos de registo da reconvenção. Notifique, sendo os Réus com a advertência de que caso se não mostre a reconvenção registada no prazo de 15 dias, serão os reconvindos absolvidos da instância (art. 501º nº 3 do CPC)”, procederam os mesmos da forma mais diligente com vista a tal desiderato.

Logo solicitaram as necessárias certidões ao tribunal (C supra), o que foi de imediato satisfeito (C), vindo os RR, ainda dentro do prazo de 15 dias, em 29 de Janeiro a juntar aos autos certidão comprovativa de terem solicitado o registo junto da CRP competente, protestando juntar a certidão logo que seja efectuado o registo (D), pronunciando-se o Senhor Juiz de forma lacónica referida em E (“Aguardem os autos por 15 dias” – despacho sem qualquer conteúdo adjectivo ou substantivo).

Passados esses 15 dias, o Senhor Juiz não se pronunciou sobre a questão do registo da reconvenção, mantendo-se, por conseguinte, suspensa a instância, limitando-se a marcar audiência preliminar (E).

Só após a presentação do requerimento dos RR. de fls. 53, aludido em G., em que os mesmos, surpreendidos com problemas surgidos no processamento do registo, designadamente por divergência do nome da A. D............ no documento judicial e no registo, vêm solicitar que o Tribunal determine a colaboração desta A. com vista à ultrapassagem do problema, só após este requerimento vem o Senhor Juiz indeferir tal prorrogação, pelo despacho supra referido em H., com o fundamento de que o prazo cuja prorrogação é requerida já expirou, não sendo por isso susceptível de ser prorrogado, considerando manifestamente inútil a prática de quaisquer actos tendentes à realização do registo, indeferindo assim o requerido.

Ao pronunciar-se nestes termos, o Senhor Juiz pôs termo às démarches processuais com vista à efectivação do registo, considerando-as inúteis, pelo que, implícita e reflexamente determinou a cessação da suspensão da instância decretada para efeitos de registo ao abrigo do art. 3º do CRP.
A suspensão da instância pode terminar por despacho judicial nesse sentido ou por despacho judicial que, mesmo reflexamente, implique o fim de tal suspensão [Ac. RE de 4.10.1989, in BMJ, 390º, 490)].

De facto, sem que concordemos com o despacho em apreço, entendemos que a expressão judicial utilizada no mesmo, por nós sublinhada, não deixa margem para dúvidas, não podendo ter outra interpretação, à luz das normas de direito envolventes da questão - (para as quais está especialmente vocacionado o Ilustre mandatário dos RR., que foi notificado de tal despacho por carta enviada pelo tribunal em 10 de Abril de 2002 (I), - se não a de que não vale a pena e o esforço continuar a desenvolver diligências para operar o registo, pois tal questão está finda e ultrapassada, impondo-se, assim, implicitamente, como terminada, a suspensão da instância causada por esse motivo findo.

E notificados os RR. de tal despacho, na pessoa do seu Ex.mo mandatário, que sem dúvida bem compreendeu o seu conteúdo e consequências de ordem processual, deveriam os mesmos, não se conformando com o mesmo, dele ter interposto o competente recurso, aí alegando as omissões da secretaria, a falta de colaboração da contraparte, e bem assim o justo impedimento, a que agora aludem.

Mas não o fizeram, deixando transitar tal despacho, antes continuando a diligenciar no sentido da concretização de tal registo definitivo (J), ao que o Senhor Juiz, pelo despacho supra consignado em L., voltou a aludir ao despacho anterior entretanto transitado.
E, posteriormente, veio a instância a ser de novo suspensa por outra razão, a morte da A. F......... (M e N supra), não tendo o Senhor Juiz apreciado os requerimentos referidos em O e P (ainda atinentes ao registo) porque a instância se mantinha suspensa (agora ao abrigo dos art. 276º nº 1 al. a) e 277º do CPC).
Circunstância idêntica se constatou depois (R e S supra), até que, também sem se declarar expressamente a cessação da instância resultante da morte da A. e do processamento do incidente de habilitação, porque findo este incidente, foi designada data para audiência preliminar, consignado o senhor Juiz que tal audiência tinha em vista, para além dos fins determinados a fls. 50 (al. a), b), e e) do nº 1 e a), b) e c) do nº 2 do art. 508º do CPC), se tinha em vista conhecer da tempestividade do registo da reconvenção e suas consequências.

Pode-se pôr a questão de o Senhor Juiz, com tal despacho, ter considerado não se ter ainda pronunciado sobra a tempestividade do registo da reconvenção, o que se nos afigura irrazoável dados os termos tão expressivos do despacho referido em H. (e reiterados implicitamente no despacho referido em L.), em que apoda de inúteis todos os esforços tendentes a tal registo.
O que o Senhor Juiz pretendeu com o despacho ora em apreço foi aludir às consequências processuais da intempestividade do registo, que iria determinar na audiência preliminar, o que veio a verificar-se mediante a absolvição dos AA. da instância reconvencional decretada em tal audiência.

Ora, recorrendo os RR. deste despacho de absolvição da instância, mais não pretendem os mesmos convencer o Tribunal da tempestividade do registo da reconvenção, quando tal questão já se encontrava decidida pelo despacho de fls. 68 (referido em H), tendo tal despacho transitado em julgado.

Os fundamentos do agravo sub judice, em oposição à aludida absolvição da instância, são exactamente os mesmos que deveriam fundamentar o recurso do despacho de fls. 68, que os RR. deixaram transitar.
Pretendem os RR. fazer entrar pela janela aquilo que deixaram entrar pela porta.
Não tendo interposto recurso do despacho que definitivamente considerou intempestivas todas as diligências tendentes ao registo da reconvenção, implicitamente (como dissemos) considerando cessada a suspensão da instância que tinha na sua base aquele motivo registral, também agora, transitado aquele despacho, se encontra condenado ao insucesso o recurso do despacho que decretou a consequência processual da falta do dito registo (determinada no, e constante do despacho de fls. 38) – a absolvição dos reconvindos da instância.

Em conclusão:

O terminus da suspensão da instância nem sempre precisa de ser expresso, podendo resultar, de forma reflexa ou implícita do despacho que declarou a cessação do motivo que causou a suspensão.

Decretada a suspensão da instância ao abrigo do art. 3º nº 1 e nº 3 do CRP, para efeitos de registo do pedido reconvencional, foi implicitamente decretada a cessação de tal suspensão da instância através do despacho judicial que, para além de declarar que os RR. deixaram expirar o prazo concedido para tal registo, ainda considerou manifestamente inútil a prática de quaisquer actos tendentes à realização do registo.

Não tendo os RR. interposto recurso deste despacho, que transitou em julgado, fica votado ao insucesso o recurso do despacho que, em consequência da intempestividade do registo da reconvenção, absolveu os AA. da instância reconvencional.

Improcede, assim, nesta parte, o agravo.

Existe porém outro fundamento do agravo, distinto da tempestividade do registo que analisámos, e que assim com este não contende – o de que é bastante para o prosseguimento da reconvenção, o registo provisório desta, seja por natureza seja por dúvidas – e este fundamento, anterior ao momento de absolvição da instância, pode efectivamente fazer-nos chegar a outro resultado.
Vejamos:
Requerido o registo da reconvenção, dentro do prazo judicialmente concedido, veio o Senhor Conservador do Registo Predial a considerar que tal registo tinha natureza provisória por natureza, por força do disposto no art. 92º nº 1 al. a) do CRP, e também por dúvidas – “Identificação incompleta dos Autores e Réus, sendo que quanto à Autora D............. há divergência de nome entre o registo e o documento oficial – art. 44º nº 1, 68º e 70º, Cod. Reg. Predial” – cfr. despacho constante de fls. 55.

Para o conservador, as dúvidas são certezas por onde se resolve uma das vias da não admissibilidade.
Ao lavrar o registo como provisório por dúvidas, o conservador deve ter a certeza de que existe fundamento que, não sendo motivo de recusa, obsta ao registo do acto tal como é pedido. Não tem dúvidas, opõe-nas. A dúvida não existe na mente do julgador, mas tão somente no desfecho tabular do registo, que é feito sob condição suspensiva até que seja preenchido o requisito em falta ou desfeita a contradição existente [Parecer do CT da DGRN proferido no processo 11/84 – RP 3, citado por Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, in Código de Registo Predial Anotado, 2002, Ediforum, pag. 131, em anotação ao art. 70º].
Um dos motivos vulgares de efectivação de registo provisório por dúvidas é a insuficiência ou deficiência de elementos de identificação dos sujeitos, que são elementos essenciais da própria relação jurídica.[Maria Ema Bacelar Guerra, ibidem, nota 14 ao art. 69 e nota 4 ao art. 70º]
A falta da remoção das dúvidas no prazo de seis meses tem como consequência a caducidade do próprio registo, no prazo de 6 meses, nos termos do art. 11º nº 2 e 3 do CRP.
Acima deste prazo de seis meses só registos provisórios por natureza são susceptíveis de vigorar por prazo mais dilatado, sendo estes casos contemplados no texto da lei, tal como resulta da expressão “salvo disposição em contrário” constante do nº 3 do art. 11ºdo CRP.
Igualmente só inscrições provisórias por natureza – e não todas – nunca provisórias por dúvidas, podem ser renovadas – cfr. nº 3 e 4 do art 92º[Neste sentido Processo nº 75/96 – RP 4 da DGRN, in BRN 11/2000, 12, referenciado por Maria Ema Bacelar Guerra, Ibidem, em anotação ao art. 11º].

Deste modo, tendo o Senhor Conservador admitido o registo da reconvenção provisoriamente por dúvidas (para além da sua provisoriedade por natureza ex lege), parece-nos que nada obstaria a que os autos pudessem prosseguir, assim não atropelando a acção na sua vertente principal, embora se impusesse aos requerentes do registo o afastamento das dúvidas no prazo de 6 meses, sob pena de caducidade, sendo que de renovação de tal registo provisório por dúvidas se não pode falar.

Tendo os RR. solicitado a colaboração dos AA. no sentido de lhes facultarem elementos tendentes ao afastamento das dúvidas, maxime no tocante à A. D.........., afigura-se-nos, tal como aos recorrentes, que, sem prejuízo do imediato prosseguimento dos autos, também quanto à reconvenção, deveria o Tribunal ter acedido à notificação dos AA. para aquele efeito, em obediência ao princípio da cooperação, o que não fez, antes tendo considerado inúteis quaisquer actos tendentes ao registo da reconvenção, o que, para além de desajustado, foi prematuro.
Têm os agravantes razão, assim, em dizer que foram prejudicados pelo desacompanhamento por parte do tribunal no seu esforço de remover as dúvidas constante do registo, maxime porque não foram efectivamente emitidas as necessárias certidões com as informações completas, no que seria importante a intervenção dos reconvindos, previamente notificados para o efeito
Este circunstancialismo, não imputável aos agravantes nem ao seu mandatário, que assim se viram impossibilitados de o ultrapassar, não pode deixar de constituir justo impedimento para que as dúvidas fundamentadoras daquele registo provisório não tenham sido afastadas no prazo de seis meses legalmente imposto, e como tal ordenado o prosseguimento da reconvenção, sendo no decorrer desse prazo (considerando o despacho de suspensão da instância para efeitos de registo da reconvenção, datado de 15 de Janeiro de 2002, e o despacho posterior de suspensão da instância por falecimento da A. F.......... desde 15 de Maio de 2002 – cfr. despacho de fls. 120, suspensão esta que se verificou até 8 de Janeiro de 2003 – cfr. despacho de fls. 144 – não tendo entretanto sido admitido qualquer prossecução processual) proferido o despacho de absolvição dos AA. da instância reconvencional, datado de 18 de Março de 2003 – cfr. fls. 174, ora objecto de recurso, que definitivamente obviou à remoção das ditas dúvidas em que também (para além da sua provisoriedade por natureza) assentou a provisoriedade do registo.

Em conclusão, diremos que, tendo sido admitido o registo da reconvenção como provisório por dúvidas, deveria o Tribunal ter ordenado o prosseguimento do pleito, também em relação á reconvenção, ficando os RR., nos termos do art. 11º nº 3 do CRP, obrigados a remover as dúvidas no prazo de 6 meses, para o que seria necessária a colaboração do Tribunal e dos AA., que não se verificou, omissão que constitui para os RR., por não lhes ser imputável, justo impedimento para que o acto não tenha sido atempadamente praticado.

Deste modo se revela inadequado a prematuro o despacho que absolveu os dos AA. da instância reconvencional, impondo-se a sua revogação, nesta parte procedendo as conclusões do agravo.

Face ao exposto, impondo-se o prosseguimento da lide em relação ao pedido reconvencional, imprescindível é carrear para a base instrutória toda a matéria de facto que, com esta pertinente, tenha interesse para a sua decisão.

No caso vertente, apesar de ter sido proferido despacho de absolvição dos AA. da instância reconvencional, entendeu o Senhor Juiz por bem quesitar, verter na base instrutória, para ulterior julgamento, aquela mesma matéria de facto, fazendo-a constar dos art.13º e seguintes de tal peça processual.

Daqui resulta que não será necessário anular o processado desde a elaboração da base instrutória, para integração nesta peça processual de tal matéria de facto atinente ao pedido reconvencional, uma vez que tal inclusão já se verificou, sobre tal factualidade tendo incido a discussão e julgamento.

Tendo sido julgada e decidida tal matéria de facto, nada obsta a que passemos à apreciação da apelação.

II - DA APELAÇÃO:

Põem os recorrentes em causa a decisão da matéria de facto quanto a factos que não indica concretamente, limitando-se a aduzir que o Tribunal recorrido “descurou alguns factos e não valorou outros, que se prendiam com os actos materiais praticados ao longo de mais de vinte anos pelos Apelantes no prédio dos autos e com a determinação com que estes praticavam os mesmos, os quais, devidamente ponderados, mostravam-se importantes e conducentes ao reconhecimento do direito a favor dos aqui Apelantes, justificado pelo instituto da usucapião”.

Antes do mais, teçamos alguns considerandos a respeito da magna questão da impugnação da matéria de facto:

A possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e de prova neles produzida foi introduzida no nosso ordenamento jurídico através do Dec. Lei nº 39/95 de 15 de Fevereiro.

Resulta do preâmbulo de tal diploma legal que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento”.
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas inserto no art. 655º nº 1 do CPC – o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto [Ac. Da Relação de Coimbra de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, in CJ, Anos XXV 4º pag. 28 e XXVIII 3º pag. 26, respectivamente].
“O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis”[Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Vol. II, pag 635].
Essencial é que o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”[Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pag. 348].
Ao Tribunal de segunda Instância competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.

Como ensina o Prof. Antunes Varela [Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 155 e segs.
BMJ 80, 204.
RLJ 116,339.
In "Manual de Processo Civil, 2ª Ed., págs. 657] a propósito da imediação, "esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar".

Não podendo deixar-se de saudar o novo sistema de registo de prova, há que notar, porém, que ele transporta consigo o risco de se atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade.
De facto, tal sistema não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.

Porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados [Ac. RP de 19.9.2000, in CJ, 2000, 4º, 186].

Na reapreciação das provas em 2ª Instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em 1ª Instância, mas verificar se a convicção expressa no Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento [Ac. RC de 3.6.2003, in CJ, 2003, 3º, 26].

Feita esta alongada introdução genérica à questão da impugnação da decisão da matéria de facto, refira-se que os apelantes não deram satisfatório cumprimento ao preceituado nos arts. 690º-A, nºs 1 e 2 e 522º-C, ambos do CPC, na redacção emergente do DL nº 183/2000 de 10 de Agosto, sendo que aquele primeiro normativo, na redacção do DL nº 329-A/90, de 12.12 e DL 183/2000, dispõe nos seguintes termos:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
Quais os concretos ponto meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”
3. Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, [................], proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”.

Ora, todo o normativo transcrito vai no sentido de exigir ao recorrente enorme rigor quanto à indicação da concreta factualidade que considera mal decidida, o que não pode deixar de ser feito com referência à base instrutória, apontando a numeração dos factos (quesitos) daquela constantes que reputa erroneamente decididos.
Do mesmo modo, nesse clima de exigência, se impõe a indicação precisa dos meios de prova que poderão fundamentar a alteração da decisão recorrida, idêntica postura se tornando indispensável por parte do recorrido, que, também ele, deve ser rigoroso no apontamento dos meios de prova, maxime os depoimentos, que considera valiosos para que a decisão seja vista como adequada.

No caso vertente, os recorrentes não apontaram os factos, constantes da base instrutória, mediante indicação dos respectivos números, que consideram mal decididos, sendo que tal se lhes impõe, sob pena de rejeição do recurso, tal como resulta do disposto no transcrito art. 690º - A nº 1 al. a), limitando-se a referir, designadamente, que “o Tribunal descurou alguns factos e não valorou outros, que se prendiam com os actos materiais praticados ao longo de mais de vinte anos pelos Apelantes no prédio dos autos e com a determinação com que estes praticavam os mesmos, os quais, devidamente ponderados, mostravam-se importantes e conducentes ao reconhecimento do direito a favor dos aqui Apelantes, justificado pelo instituto da usucapião…Pois que, a factualidade apurada convergia, precisamente, no sentido de se ajuizar a ocupação e os actos materiais praticados pelos Apelantes como verdadeiros actos possessórios exercidos por quem age de forma correspondente ao titular do direito…E, tais actos, foram incorrectamente julgados ao serem admitidos como actos praticados sob a capa de uma mera tolerância ou detenção, que, efectivamente, não ficou demonstrada pela prova testemunhal colhida em julgamento.”

(os transcritos trechos são retirados das conclusões das alegações, mas também do corpo das alegações não consta a indicação dos concretos pontos de facto que consideram erradamente julgados, por referência (necessária) à base instrutória.)

Este exercício de indicação dos concretos pontos de facto que os recorrentes consideram mal decididos não pode ser tarefa deste tribunal, sob pena de violação das normas processuais que regem o recurso em tal âmbito, e de subversão do princípio da responsabilidade das partes, e do próprio tratamento igualitário das mesmas, com protecção excessiva de uma em detrimento da outra, sem justificação ponderosa nesse sentido.

Às partes, designadamente aos recorrentes, compete apresentar ao tribunal uma pretensão devidamente clarificada e estruturada, municiada de todos os elementos necessários à procedência do peticionado.[E o juiz confia na bondade do que vem articulado e na suficiência da prova oferecida, nomeadamente nos documentos apresentados, tanto mais que se deve exigir do Autor, que é normalmente patrocinado por profissional do foro, apetrechado com os necessários conhecimentos técnicos, que saiba identificar os fundamentos fácticos da sua pretensão, de acordo com os preceitos que são aplicáveis, e transpor …, através da verbalização adequada, a realidade histórica que subjaz ao litígio (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do processo Civil, Vol. II, pag. 81.]

Permitimo-nos, nesta questão, seguir de perto e subscrever a doutrina do recente Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2004, relatado pelo Conselheiro Neves Ribeiro, no qual se pode ler:
“Se é salutar a cooperação entre as partes, também se afigura importante a criação e desenvolvimento de uma cultura judiciária de responsabilidade, e de saber, que não tenha no juiz o limite corrector dessa responsabilidade (ou irresponsabilidade: inconsciente ou provocada), ou desse saber (ou ignorância: inconsciente ou provocada), quando se está perante uma clara ausência de um preceito legal, e de processo, que permita contar com a ajuda dos outros, suprindo faltas processuais graves, essenciais ao objecto do conhecimento, exactamente do que se pede ao tribunal, que conheça”.
E continua: “Em desfavor destas – das pessoas – vulgariza-se o princípio, igualmente respeitável, da preclusão processual civil, agravando o factor da incerteza do tempo da definição do direito; e introduz-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça, acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do “deixa andar” ou do “erra que o juiz corrige”.

Em conclusão, a omissão dos recorrentes quanto à indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, outro resultado não pode ter senão o previsto na lei – a rejeição do recurso, como tal se nos impondo decidir.

Invocam ainda os apelantes existir contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida, o que conduz á nulidade prevista no art. 668º nº 1 al. c) do CPC., “quando se dá como provado que os Apelantes exerciam poder de facto sobre o imóvel, através da ocupação do mesmo ao longo dos anos (admitindo a existência de um barraco, de um estaleiro e o depósito de materiais e ferramentas, factos estes correlacionados com actos materiais praticados pelos RR.) e, depois, em antinomia, decide-se pela inexistência do elemento material da posse – corpus”.

De acordo com tal normativo, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Como ensina o Professor Antunes Varela [Manual de Processo Civil, 2ª edição, pag. 690], “nos casos abrangidos pelo art. 668º nº 1 al. c), há um vício real de raciocínio do julgador...: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” [No mesmo sentido vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. V, pag. 141].
No caso vertente o Senhor Juiz analisou a matéria de facto provada e subsumiu-a ao direito aplicável, considerando que os actos materiais praticados pelos RR. sobre o prédio referido em 1. não consubstanciam o corpus que constitui um dos elementos da posse a que os mesmos se arrogam, mais não lhes conferindo do que a qualidade de detentores.
Considerando a factualidade provada, não reveladora de poderes de facto bastantes sobre o prédio em causa (tão só se referindo que os RR., há cerca de 20 anos, instalaram no prédio descrito em 1. uma banca de carpinteiro, onde trabalha (não se dizendo que sempre trabalhou, na correspondência da formulação dos quesitos 13º - desde 1978 ? - e segs, que mereceram respostas restritivas e negativas) o Réu, e a outra factualidade não poderemos ancorar a nossa decisão, diremos que em tal raciocínio se não vislumbra qualquer vício lógico, constituindo a decisão a consequência da fundamentação fáctica e inerente fundamentação jurídica pelo mesmo vertida na decisão recorrida.
Repare-se ainda que o quesito 24º, reportado expressamente ao “animus possidendi” mereceu resposta negativa, pelo que bem se compreende a leitura de iure constante da sentença recorrida, que considerou os RR. como meros detentores.
Resulta do exposto como não verificada a nulidade arguida pelos recorrentes.

Improcede, pois, neste ponto também, a apelação.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao agravo, revogando a decisão que absolveu os AA. da instância reconvencional, e julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Sem custas o agravo, face ao disposto no art. 2º nº 1 al. g) do CCJ.
Os recorrentes pagarão as custas da apelação.
Porto, 6 de Outubro de 2005
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha