Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0336087
Nº Convencional: JTRP00036676
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RP200312110336087
Data do Acordão: 12/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: A providência cautelar de arbitramento de reparação provisória não se pode estender a pessoas colectivas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
D............., Lda veio instaurar a presente providência cautelar de arbitramento de indemnização provisória contra Companhia de Seguros ............, S.A..

Pediu que a requerida seja provisoriamente condenada a pagar-lhe mensalmente a quantia de € 43.650,00 até que seja satisfeita a indemnização definitiva e ainda durante dois meses a importância de € 212.500,00 e finalmente de uma só vez € 60.000,00 a título de provisão de reparação do imóvel referido.

Como fundamento, alegou, em síntese, que:
Explora um estabelecimento de bar e restaurante e, por contrato de seguro, transferiu para a Requerida a responsabilidade pelo pagamento de indemnizações consequentes a incêndio, furto ou roubo e perdas de exploração consequência de qualquer sinistro.
Em 21 de Abril do corrente ano, os escritórios do referido estabelecimento foram alvo de furto, tendo sido retirada a quantia de €6.979,92 do interior do cofre; apesar de lhe ter sido comunicado o sinistro, a Requerida não assumiu o pagamento da indemnização.
Em 16 de Junho de 2003, ocorreu um incêndio que destruiu o bar do estabelecimento supra referido, bem como metade do restaurante; a Requerida recusou assumir a indemnização pelos danos sofridos, postura que colocou a Requerente em situação de insolvência já que se encontra paralisada.

No despacho liminar, o Sr. Juiz indeferiu a providência requerida, por manifesta improcedência.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a Requerente, de agravo, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
Porque a Agravante alegou que por via do sinistro se encontra em verdadeira situação de miséria, o seu estabelecimento destruído e impossibilitada de libertar quaisquer meios económicos,
Com cerca de 23 trabalhadores e encargos mensais de cerca de €45.000,00,
Não podendo os seus sócios fazer-lhe suprimentos já que, na sociedade, investiram todos as economias de que dispunham,
Verifica-se não só a verdadeira carência e miséria em que a empresa caiu como também a extrema necessidade de antecipação de renda para evitar a sua definitiva falência.
Porque não só o relatório do DL 329-A/95 anuncia alteração do regime anterior, criando uma verdadeira acção cautelar geral para tutela provisória, comportando o decretamento de providências adequadas a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado,
Como também a própria letra do preceito contido no nº 4 do art. 403º do CPC refere a aplicação das providências nos casos de dano susceptível de por em causa o sustento do lesado,
Não existe qualquer impedimento de aplicação da medida de arbitramento provisório a sociedades comercias que, por natureza, mais não são do que associações de recursos humanos com capital indispensável ao giro.
O preceito citado não necessita de qualquer interpretação extensiva nem recurso a analogia já que o entendimento proposto tem na letra da lei correspondência efectiva.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz sustentou a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir, sendo de considerar, para este efeito, os elementos que constam do relatório precedente.

II. Mérito do recurso

A questão posta no recurso consiste apenas em saber se a providência cautelar referida – arbitramento de reparação provisória – se pode estender a pessoas colectivas.
Na decisão recorrida respondeu-se negativamente a tal questão, afirmando-se que a ligação entre os conceitos de sustento e habitação apontam claramente para que apenas as pessoas singulares possam beneficiar de tal providência.
Crê-se que se decidiu bem.

Dispõe o art. 403° nº 1 do CPC que, como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o nº 3 do art. 495° do CC, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
Por seu turno, o nº 4 do mesmo preceito estipula que o disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.

Ora, face à natureza dos danos passíveis de antecipada reparação, afigura-se-nos evidente que o direito de recorrer à providência de arbitramento de reparação provisória está realmente limitado às pessoas singulares.

Como afirma Célia S. Pereira [Arbitramento de Reparação Provisória, 141], esta limitação impõe-se se atendermos a que a acção de indemnização se funda em danos ligados à vida e à integridade física e que o decretamento da providência visa satisfazer necessidades básicas, decorrentes de uma situação de necessidade em que os lesados se encontram em consequência do evento lesivo, nomeadamente relativas ao sustento e habitação. Nesta medida, uma vez que a reparação provisória dos danos está direccionada para a salvaguarda da própria condição humana, não vemos de que forma pode uma pessoa colectiva fazer uso desta medida cautelar.
No mesmo sentido se pronunciam A. Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, IV, 138, nota 219] e J. Cura Mariano [A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 53, nota 99].
Segundo este Autor, apesar da ampliação do âmbito da providência constante do nº 4 do art. 403, ela não assume qualquer especialidade relativamente às situações previstas no nº 1.
Estão realmente em causa danos da pessoa singular: o dano que põe em causa o seu sustento, que o impede de obter os rendimentos necessários à manutenção de um trem de vida digno; o dano que põe em causa a sua habitação, que o impede de usufruir a casa onde tem ou projectava ter instalada a sua residência permanente e habitual [Ob. Cit. 71, 76 e 77].

Estas posições doutrinais corroboram a decisão recorrida, que se apresenta bem fundamentada, nada mais se oferecendo acrescentar.
Remete-se, pois, para tal decisão nos termos do art. 713º nº 5 do CPC.

III. Decisão

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao agravo, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela Agravante.

Porto, 11 de Dezembro de 2003
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo