Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0520883
Nº Convencional: JTRP00037763
Relator: CÂNDIDO DE LEMOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CHEQUE
Nº do Documento: RP200503010520883
Data do Acordão: 03/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Um cheque prescrito ou não apresentado a pagamento no prazo de oito dias, não é título executivo, mesmo como documento particular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No -.ºJuízo Cível de..... B....., residente em....., requer execução para pagamento de quantia certa contra C....., residente em......
Como título executivo apresenta o cheque n.º 00430090800 do Banco..... da....., assinado pelo executado e de sua conta, no montante de 3.778.000$00, com vencimento em 20 de Fevereiro de 2000 e nada constando do verso do cheque.
A execução foi liminarmente indeferida por se entender que o cheque em causa não era título executivo por não ter sido apresentado a pagamento no prazo de oito dias.
Inconformado o exequente apresenta este recurso de agravo e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1.ª- O cheque prescrito constitui título executivo, nos termos do art. 46.ºn.º1, a) do CPC, desde que se alegue a relação subjacente.
2.ª- Ao não decidir deste modo, violou-se o disposto nos arts. 46.º do CPC e 458.º n.º1 do CC.
Pugna pela revogação do despacho, prosseguindo a execução.
O executado contra-alega em defesa do decidido e o despacho foi tabelarmente mantido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Com interesse para a execução temos como assentes os factos que resultam do antecedente, designadamente:
- Foi dado à execução um cheque emitido pelo executado em 20 de Fevereiro de 2000 no montante de 3.778.000$00;
- Tal cheque não foi apresentado a pagamento, alegando-se a sua falta de pagamento.
Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.º n.º1 do CPC).
A única questão a decidir é a de saber-se se o cheque não apresentado a pagamento em desobediência ao disposto no art. 29.º da LUCH, é título executivo como documento particular, desde que na petição executiva se especifique a relação subjacente.
Vejamos:
A situação não tem tratamento uniforme nem na doutrina nem na jurisprudência.
Tudo começa com a redacção dada à alínea c) do n.º1 do art. 46.º do CPC pela Reforma de 95/96, que altera a legislação anterior, passando a considerar título executivo “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado”.
Este colectivo já por diversas vezes se pronunciou sobre o tema, e sempre no sentido do ora decidido.
Veja-se o que se deixou escrito no processo 807/2002- 2.ª Secção:
“Mais entende a apelante que os cheques prescritos são em si mesmo títulos executivos, face à redacção da alínea c) do art. 46.º do CPC; igualmente seria título executivo por da petição constar a causa da relação jurídica subjacente.
Nesta última parece aderir à posição do Prof. Lebre de Freitas in A Acção Executiva, pg. 49 na edição de 1993 e pg. 53 na edição de 1997: terá de constar do título a causa da relação subjacente ou, não se tratando de negócio formal, ser alegada na petição da execução.
Salvo o devido respeito, esta posição esbarra com o disposto no art. 45.º do CPC, pois a afirmação da exequente não consta do título.
Na questão da execução de cheques prescritos degladiam-se, pois, duas posições antagónicas:
- Há quem entenda que a redacção actual da alínea c) do art. 46.ºdo CPC abrange tais cheques, entendendo-se que estes são documentos particulares assinados pelo devedor, que importam a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária. Esta posição é defendida no Acórdão da Rel. de Coimbra de 3/12/98 in CJ, Ano XXIII, T 5, pg. 33, que cita o da Rel. de Lisboa de 18/12/97, igualmente publicado na CJ Ano XXII, T 5, pg. 129.
- Outros entendem que a reforma de 1995 não alterou a qualidade de título executivo que vinha sendo atribuída pela LUCH ao cheque, sendo este título executivo nos estritos termos desta lei; o cheque prescrito não é título executivo. Esta é a posição dos signatários, designadamente nos Acórdãos de 2/6/98- proc. 484/98 da 2ª Sec. e de 2/3/99- proc. 94/99 da mesma Secção. A mesma posição foi recentemente defendida com maior brilho no Acórdão de 4/5/99 do STJ, este publicado na CJSTJ, no VII, T II, pg.82.
Entendemos, pois, que o cheque em si mesmo não constitui “constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”. Por definição é um título de crédito literal, autónomo e completo, representativo de numerário e de que se lança mão para fazer um pagamento imediato. Quem deve pagar é o Banco (sacado), sendo a ordem dada pelo sacador; o pagamento faz-se com fundos de uma conta bancária previamente municiada.”
O que se diz em relação a cheques prescritos, serve para cheques não apresentados a pagamento no prazo estabelecido no dito art. 29.º
Mais recentemente também o Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, in Processo Executivo, Vol. IV, a págs. 311/312 escreveu: “Dizer que o cheque é título executivo na condição de ser alegada como causa de pedir na petição executiva a relação subjacente à emissão desde cheque como quirógrafo é contrariar a natureza do processo executivo que tem por fundamento um título executivo cuja exequibilidade não pode ser discutida, sob pena de transformar o Processo executivo num processo misto de declaração e execução, desvirtualizando aquele. Se o título é executivo, tal exequibilidade tem de resultar de forma inequívoca do mesmo e não estar dependente da alegação de uma causa de pedir ou da interpretação que se faça do documento.
Dizer-se que o cheque enquanto quirógrafo é título executivo desde que seja alegada a respectiva causa subjacente significa, na prática, fazer depender a exequibilidade do título de uma declaração unilateral e confunde-se o que é forma de processo declarativa e forma de processo executiva.”
Aliás, a posição segundo a qual o quirógrafo não constitui título executivo é maioritária no âmbito da jurisprudência, e assenta a sua fundamentação no facto de o "cheque" enquanto mero documento particular não importar de per si a constituição ou o reconhecimento de uma determinada obrigação pecuniária, salvo se contiver, no seu verso ou em qualquer parte do mesmo, uma declaração expressa do emitente ou endossante nesse sentido. Se um cheque é emitido e no seu verso o emitente escreve “para pagamento da factura...” ou “pagamento da 1.a prestação do meu debito de ...” seguido da respectiva assinatura, não há dúvida de que esse cheque, enquanto quirógrafo, contem uma declaração de constituição ou reconhecimento da respectiva obrigação pecuniária – obra citada.
Não vemos, pois, razão para alterar o anterior entendimento, nada tendo a censurar ao despacho impugnado.

DECISÃO:
Nestes termos se decide negar provimento ao agravo.
Custas pelo agravante.
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PORTO, 01 Março de 2005
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Armindo Costa
Alberto de Jesus Sobrinho