Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0632391
Nº Convencional: JTRP00039387
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
ACESSÃO
Nº do Documento: RP200607050632391
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 679 - FLS. 62.
Área Temática: .
Sumário: I- A omissão do despacho ao convite ao aperfeiçoamento é uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa e por isso constitui uma nulidade, nos termos do artº 201º, nº 1 do CPC.
II- A omissão do convite ao aperfeiçoamento dos articulados não acarreta a nulidade da sentença; antes constitui uma nulidade processual secundária, atípica ou inominada, genericamente regulamentada no artº 201º, nº 1 do CPC, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artº 205º do mesmo Diploma.
III- A acessão repousa necessariamente numa determinada situação material, que é a resultante da união de duas coisas pertencentes a dono diverso.
IV- Como característica comum a todas as formas de acessão encontra-se o facto de o beneficiário da acessão actuar propter rem, actuar na qualidade de proprietário de uma das coisas em presença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B……… instaurou acção com forma de processo ordinário contra C…….., LDª, D…….. e E…….. .

Formulou os seguintes pedidos:
A) Serem todos os réus condenados a reconhecerem o autor como legítimo possuidor e proprietário, na proporção de uma terça parte indivisa, dos dois prédios identificados no artº 1º da petição inicial, e pois de aquele haver para si os mencionados prédios, e de lhe serem restituídos, com as emergentes consequências, incluindo o cancelamento dos registos efectuados;
B) Declarar-se nulo o negócio jurídico subjacente à escritura de compra e venda outorgada em 03.03.00, entre todos os réus;
C) Declarar-se nulos e sem qualquer efeito legal todos os actos de registo predial sobre os imóveis descritos no artº 1º da p.i.;
D) Condenarem-se os réus a pagarem ao autor uma indemnização pelos prejuízos sofridos com a indisponibilidade dos seus bens, que se vier a liquidar em execução de sentença;
E) Condenarem-se os réus como litigantes de má fé em multa e indemnização de 3 000 000$00.
Como fundamento, alegou, em síntese:
G…… (pai do autor), E…… (irmão do primeiro e tio do autor) e F……. (cunhado daqueles e tio do autor), constituíram, em 17.02.65, a Sociedade “C…….., Ldª.”, tendo por objecto a compra e venda de mobiliário.
Em 04.11.68 e 05.08.73, a sociedade comprou dois prédios rústicos; sobre cada um destes prédios rústicos, pelos três sócios foi edificado, em comum, um prédio urbano, que, por isso, ficou a pertencer aos três, uma terça parte a cada.
Em 30.12.83, foi feita, por aqueles três sócios, uma cessão de todas as suas quotas da referida sociedade, a H…….., empregado de escritório, D……. e E……..– estes filhos do ex-sócio F……... Nessa cessão, não incluíram, nem quiseram incluir, os ditos dois prédios urbanos, mas tão-só o “negócio”, ficando aqueles “de fora”, apesar de num deles instalada a indústria e comércio, bem como todas as máquinas, móveis e utensílios da sociedade. No dia seguinte (31.12.83), a sociedade (representada pelos novos sócios) prometeu vender aos antigos sócios (G……, E…… e F……) os dois prédios rústicos. Três dias depois (02.01.84), por um “Termo de responsabilidade”, os novos sócios da Sociedade declararam que “alugavam” aos antigos sócios os imóveis bem como as máquinas e móveis e utensílios relativos à indústria e constantes de um inventário. Em 10.07.86, foi celebrada a escritura do arrendamento a que aludiam aqueles “termo de responsabilidade” e “aluguer”, na qual intervierem os herdeiros de G……. e F……., entretanto já falecidos, tendo por objecto o prédio urbano destinado a comércio e indústria de estofos; E……., por testamento de 11.05.94, declarou legar a parte que possuía nos prédios da sociedade.
Abusivamente, a sociedade ré – tendo já como únicos sócios D……. e E……. – registou a seu favor os dois prédios urbanos e, depois, vendeu-os aos ditos dois sócios, que, por sua vez, os registaram em seu nome.
Os réus sempre souberam que o autor era comproprietário do prédio.
Este teve prejuízos por causa de estar impedido de dispor dele ou de o administrar.
Apenas contestaram os réus D……. e E…….., impugnando os factos alegados pelo autor e pedindo a condenação deste como litigante de má fé em multa e indemnização.
O autor apresentou réplica.
Percorrida a demais tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus de todos os pedidos formulados pelo autor, e decidiu que não existe litigância de má fé.

Inconformado, o autor interpôs recurso, formulando as seguintes

Conclusões
1ª – O douto acórdão recorrido violou o disposto no artº 653º do CPC.
2ª – Deve ser alterada a resposta aos quesitos 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º, o que se pede, em harmonia com o disposto nos artºs 712º e 515º do CPC.
3ª – Perante os factos provados, resulta certo e seguro que os terrenos a partir de determinado momento (pelo menos a partir da incorporação dos edifícios) deixaram de ser da ré sociedade e passaram a ser dos seus sócios fundadores.
4ª – As obras sobre os terrenos consistiram na construção de dois prédios urbanos, sendo um deles como se viu do contrato de arrendamento destinado a comércio e indústria. Segundo a definição da lei (2ª parte do nº 2 do artº 204 do CC), por prédio urbano entende-se não só o edifício propriamente dito, mas também o terreno que lhe serve de logradouro. Após a construção dos edifícios, os terrenos perderam autonomia, passando a construção e solo a formar uma nova unidade, ou seja, um prédio urbano.
5ª – Mesmo se assim se não entendesse, flui dos factos expostos que os sócios primitivos da sociedade, entre eles o falecido pai do autor, adquiriram os terrenos em causa porque a lei lhes atribui esse direito, como efeito automático da incorporação das obras por ele realizadas, dentro da previsão do artº 1340º do CC.
6ª – Perante a prova produzida deveria igualmente ter sido declarada a nulidade da escritura de compra de 03.03.00 e consequentemente dos registos.
7ª – Para a hipótese de assim se não entender, verificou-se ainda violação do disposto no artº 508º, nº 3 do CPC, o que acarreta a nulidade da sentença.
8ª – Houve portanto erro na qualificação e integração de iure dos factos apurados na decisão final, pelo que se impõe a revogação da sentença apelada.
9ª – Finalmente, e sem prescindir das restantes conclusões, e por mera cautela de patrocínio, poderão, no caso de não considerarem aquelas válidas, suscitar, no uso dos poderes que lhes são conferidos pelo artº 712º, nº 4 daquele diploma adjectivo, com vista ao apuramento, em audiência de julgamento, de toda a matéria de facto articulada que interessa à boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
A matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido foi a seguinte:

O autor é o único herdeiro de G……. e I……., falecidos, respectivamente, em 06.07.85 e 03.03.95. (A)
G……, pai do autor, foi sócio da Sociedade “C……., Ldª”, ora ré, com sede no Lugar ….., freguesia de ….., concelho de Valongo. (B)
A referida sociedade, cujo objecto era a compra e venda de mobiliário, foi constituída por escritura lavrada no dia 17.02.65, no Segundo Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, a fls. seis a oito do livro de notas para escrituras diversas B-vinte e sete. (C)
Foram fundadores da sociedade, além de G…….., o seu irmão E……. e o seu cunhado F…….. . (D)
No dia 04.11.68, mediante escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Paredes, a referida sociedade comprou a J…….. e mulher [L……..], o prédio rústico, sito no lugar de Vilar, freguesia de Sobrado, concelho de Valongo, a confinar do nascente com M……., do poente com N……. e outros, do norte com O……. e do sul com caminho público, descrito na Conservatória sob parte do número trezentos oitenta e um a folhas cento e noventa e um verso do Livro B-1 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo mil e doze. (E)
No dia 08.05.73, mediante escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Valongo, a mesma sociedade comprou também a P……., o prédio: “terreno para construção urbana, com a área de oitocentos metros quadrados, sito no lugar ….. ou ….., em Sobrado, a confrontar do norte com estrada camarária e do sul, nascente e poente com os vendedores” [desanexado do prédio rústico inscrito na matriz sob os artigos 62, 63, 64, 66 e dois terços do artº 740, descrito na 1ª Sec. da 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 12.317]. (F) e doc. de fls. 38)
Sobre cada um daqueles terrenos foi erguido um edifício. (G)
Após as aquisições referidas em E) e F), G……., E…… e F………, agindo em nome próprio, construíram, sobre os terrenos daqueles prédios, em comum e partes iguais, dois edifícios, que vieram a ser inscritos na matriz com o teor de fls. 16 e 17, respectivamente [artigos 1270 e 1490]. (1º a 4º)
Tais edifícios foram construídos sobre terrenos que pertenciam à ré “C…….., Ldª”. (5º)
No dia 30.12.83, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Paços de Ferreira, os sócios fundadores da Sociedade “C………., Ldª”, entre eles, o pai do autor, G…….., cederam as suas quotas a H…….., D……. e E……. . (H)
O D…… e E……. são filhos de F……., e o H…….., era, ao tempo, funcionário de escritório da ré. (I)
Aquando da cessão de quotas referida em H), cedentes e cessionários acordaram que tal negócio não abrangia os dois edifícios referidos nas respostas aos quesitos anteriores. (6º)
A cessão abrangeu os bens móveis, matérias-primas e viaturas identificadas no documento de fls. 46 e anexo de fls. 47 a 53. (7º)
Aquando da cessão de quotas referida em H), os cessionários acordaram que a sociedade pagaria aos cedentes uma quantia de 70 000$00/mês. (25º)
Na sequência da cessão de quotas, os cedentes e cessionários lavraram o contrato-promessa constante de fls. 44 e 45, bem como o termo de responsabilidade cuja cópia consta de fls. 46. (8º)
Por escritura notarial de 10.07.86, Q…….., R…….., S…….., D……, E……., I…….. e B…….., dizendo que eram donos de um prédio urbano no lugar de ……, Sobrado, inscrito na matriz sob o artº 1490, declararam que o davam de arrendamento à Sociedade “C…….., Ldª.”, de que o também outorgante H…….. juntamente com os ditos D…… e E…… se declararam sócios, pelo prazo de um ano renovável, para comércio e indústria de móveis e estofos, pela renda anual de 840.000$00. (J)
A intervenção dos réus D……. e E……., no contrato a que se reporta a escritura aludida em J), foi feita quer na qualidade que declararam de proprietários (juntamente com outros) do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 1490º, referido na resposta ao quesito 1º, quer na qualidade de únicos sócios (juntamente com H…….) da sociedade “C………, Ldª”. (9º)
Quer a referida ré (sociedade), quer os réus E…….. e D………., sabiam que tais edifícios não pertenciam àquela sociedade. (13º)
Por testamento público de 11.05.94, Q……. declarou legar em comum a parte que possuía nos dois prédios da firma “C…….., Ldª” a D……. e a E……... (K)
Era Q…….. quem, geralmente, recebia as rendas dos imóveis: A – Prédio Urbano composto de rés-do-chão, andar e anexo, sito no lugar de ….., freguesia de Sobrado, concelho de Valongo, confrontando de norte com estrada nacional, sul com a rua, nascente com T…….., poente com a rua, inscrito na matriz sob o artº 1270; e B – Prédio urbano destinado a indústria, com cave, rés-do-chão, andar e anexo, sito no mesmo lugar de ….., na estrada de Sobrado/Alfena, concelho de Valongo, confrontando de norte com O……., sul com caminho, nascente com M…… e poente com U……., inscrito na matriz sob o artº 1490. (L)
O Q…….., todos os meses, enviava, primeiro à mãe do autor, enquanto esta foi viva, e posteriormente àquele, o montante das rendas recebidas, na proporção que lhes cabia. (M)
O envio era efectuado por carta, quase sempre, entre os dias 7 e 9 de cada mês, com o cheque titulando a importância das rendas. (N)
F……. faleceu em 30.03.84, tendo-lhe sucedido a esposa R……., a filha S……., ambas já falecidas em, respectivamente, 05.01.92 e 03.01.92, bem como os filhos D……. e E……. (T)
A “C………, Ldª”, tendo à data como únicos sócios os réus, veio a registar a seu favor, em 19.04.95, na Conservatória do Registo Predial de Valongo, os prédios urbanos supra referidos. (O)
A inscrição, no registo, dos imóveis, a favor da ré, foi efectuada após a saída do sócio H……, o qual dividiu a sua quota em duas, tendo-as cedido aos segundo e terceiro Réus. (P)
Posteriormente, a ré “C……., Ldª” celebrou em 03.03.00, um contrato de compra e venda com os réus D….. e E…….., relativamente aos imóveis em causa. (Q)
Naquela escritura, a ré sociedade, declarou vender e os réus D…….. e E……… declararam comprar os imóveis pelo preço de 32 000 000$00 (trinta e dois milhões de escudos). (R)
Na sequência da escritura supra alegada, os segundo e terceiro réus vieram a registar na Conservatória do Registo Predial de Valongo, a seu favor, os ditos imóveis, na sua totalidade [em 09.03.00]. (S)
O autor tem estado impedido de administrar ou de participar na administração dos imóveis. (14º)
Estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Valongo:
a) – Sob o nº 01260/190495, um prédio rústico, sito em Campelo, composto por terreno para construção, com 800 m2, confrontando do norte com estrada camarária, de sul, nascente e poente com P…….., que por averbamento determinado pela Ap 14/190495, passou a ser urbano, composto por: aa)-casa de rés-do-chão, andar e anexo, inscrito no artº 1270 da matriz; e ab)-casa de cave, rés-do-chão e dois andares, inscrita na matriz sob o artº 1281;
Este prédio por Ap. 13/190495 foi registado a favor da sociedade Ré por compra a P…….. e V………..; e, por Ap.47/09032000, a favor dos réus D……. e E………. .
b) – Sob o nº. 01261/190495, um prédio rústico, “…..” ou “……”, sito em …., composto por terra a cultura, vinha e pomar, com 2.700 m2, confrontando do norte com O……., de sul com caminho público, nascente com M………, e poente com U………, que por averbamento determinado pela Ap 17/190495, passou a ser misto, composto por: ba)-edifício de cave, rés-do-chão e andar, e anexo de rés-do-chão e andar, inscrito sob o artº 1490; bb)-quintal, inscrito no artº. 1.012 rústico da Matriz; por Ap. 47/09032000, passou a urbano;
Este prédio por Ap. 15/190495 foi registado a favor de L……..; por Ap. 16/190495 foi registado a favor da sociedade Ré; e, por Ap. 47/09032000, a favor dos réus D……. e E……... (16º e 17º e certidões de fls. 62 e 64)
Desde que foram erguidos os prédios urbanos a que se referem os quesitos 1º a 3º, estes foram utilizados pela sociedade ré e, depois, pelos réus D……. e E…….. ininterruptamente e à vista de toda a gente. (18º, 21º, 22º e 23º)
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1 – Se o autor deveria ter sido convidado a corrigir a petição inicial, ao abrigo do disposto no artº 508º, nº 3 do CPC.
2 – Se há contradição entre as als. L), M) e N), por um lado, e as respostas aos quesitos 10º e 11º da base instrutória, por outro.
3 – Se devem ser alteradas as respostas aos quesitos 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória.
4 – Se o autor adquiriu o direito de propriedade sobre os prédios que descreve na petição inicial.
5 – Se é nula a compra e venda realizada em 03.03.00.

1 – Convite ao aperfeiçoamento da petição inicial
Começaremos por apreciar a questão do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial porque se nos afigura que a solução desta tornará inútil a apreciação das restantes.

Sustenta o autor que, se o Mº Juiz entendia que a petição inicial carecia de requisitos, lhe deveria ter dirigido convite a corrigi-la, ao abrigo do disposto no artº 508º, nº 3 do CPC.

O convite ao aperfeiçoamento dos articulados previsto no artº 508º, nº 1, al. b) do CPC, destina-se a:
- suprir as suas irregularidades, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (nº 2);
- suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (nº 3).
Esta segunda situação configura a insuficiência da causa de pedir.
A causa de pedir é o facto jurídico de que emerge a pretensão do autor (artº 498º, nº 4 do CPC).
Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor.
Há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção.
“Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta;…”.[Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, pág. 372]
A falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição (artº 193º, nº 2, al. a do CPC).
A consequência da ineptidão da petição inicial é a nulidade de todo o processado, que constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso geradora da absolvição da instância (artºs 193º, nº 1, 493º, nºs 1 e 2, 494º, al. b) e 495º, todos do CPC).
Quando falta a causa de pedir, não pode ser proferido o despacho previsto no artº 508º: não há que suprir a falta de pressupostos processuais nem que aperfeiçoar a petição inicial, pois que nem a nulidade decorrente da ineptidão é suprível nem a petição inepta por falta de causa de pedir carece de ser aperfeiçoada (não se pode aperfeiçoar o que não existe).
Como refere Lebre de Freitas, reportando-se ao artº 508º do CPC [“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, págs. 354 e 355], fora da previsão do preceito estão os casos em que a causa de pedir ou a excepção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial (…) ou de nulidade da excepção, nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico/jurídico.
Naqueles casos, tem de ser proferido imediatamente despacho saneador que absolva o réu da instância pela verificação da excepção dilatória de nulidade de todo o processado.
Se o autor indica os factos constitutivos do seu direito, mas os mesmos não são suficientes para assegurar a procedência da acção, pode então o juiz convidá-lo a completar a causa de pedir, ao abrigo do disposto no artº 508º, nº 1, al. b) e nº 3 do CPC; se o autor não corresponder satisfatoriamente ao convite do juiz, tem este de proferir decisão sobre o mérito da causa, julgando a acção improcedente.
Já no regime anterior à reforma introduzida pelo DL 329-A/95 de 12.12 se entendia que a ineptidão da petição inicial não podia ser suprida, dando lugar imediatamente ao indeferimento liminar e que só a petição irregular ou deficiente podia ser aperfeiçoada (artºs 481º e 482º na redacção então vigente) [Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 394 e 395].
Tal como se entendia que no caso de insuficiência da causa de pedir, a acção naufragava [Alberto dos Reis, obra e lugar citados na nota 2.].
No regime actual, a consequência da falta de causa de pedir é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (artº 234º-A); a consequência da insuficiência da causa de pedir continua a ser a improcedência da acção [Neste sentido, ver os Acs. desta Relação de 16.06.98, 03.05.01 e 24.05.01, www.dgsi.pt, nºs conv. 24901, 31484 e 31756, respectivamente, da RL de 06.11.03 e da RC de 19.04.05, mesma base, processos 7651/2003-6 e 811/05, respectivamente].

A jurisprudência tem vindo a entender que a omissão do despacho ao convite ao aperfeiçoamento é uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa e por isso constitui uma nulidade, nos termos do artº 201º, nº 1 do CPC.
Tal sucede nitidamente nos casos em que o juiz se apercebe de insuficiências ou imprecisões do articulado susceptíveis de conduzir a uma decisão prejudicial à parte que o apresentou e não formula o convite ao aperfeiçoamento, proferindo desde logo decisão desfavorável com fundamento em tais insuficiências [Neste sentido, ver, por todos, o Ac. desta Relação de 18.09.03, base citada, nº conv. 35729.]

Assim, o juiz que se apercebe que a causa de pedir está invocada na petição inicial de forma insuficiente e em vez de convidar o autor a suprir as deficiências e imprecisões da petição inicial, julga a acção improcedente logo no despacho saneador com fundamento naquelas insuficiências imprecisões, comete a nulidade prevista no artº 201º, nº 1 do CPC.
Se a solução acima defendida é nítida nos casos em que o juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, já temos alguma dificuldade em aceitá-la nos casos em que o juiz não se apercebe das insuficiências e imprecisões do articulado e faz prosseguir os autos com elaboração de base instrutória, vindo, a final, as deficiências do articulado a ditar o insucesso da acção ou da excepção. Esta situação é aliás aflorada no aresto citado na nota 7.
Cumpre precisar que a nulidade decorrente da omissão do convite do despacho ao aperfeiçoamento dos articulados é uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença, como defende o autor.
Na definição de Manuel de Andrade [“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 175], nulidades processuais são quaisquer desvios ao formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.
Aqueles desvios de carácter formal podem assumir um de três tipos, tendo em atenção o formalismo preceituado nos artºs 193º e seguintes do CPC: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido [Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 387.]

As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 668º do CPC.
Nos termos daquele normativo, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
“Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) … São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada” [Abílio Neto, “Código de Processo Civil Anotado”, 18ª ed., pág. 884].
A omissão do convite ao aperfeiçoamento dos articulados não acarreta pois a nulidade da sentença; antes constitui uma nulidade processual secundária, atípica ou inominada, genericamente regulamentada no artº 201º, nº 1 do CPC, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artº 205º do mesmo Diploma.

Como se disse, a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge a pretensão do autor.
A nossa lei processual civil consagrou a teoria da substanciação, segundo a qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende tornar efectivo, sendo necessária a indicação específica do facto constitutivo desse direito.

A presente acção configura-se como uma acção de reivindicação (artº 1311º do CC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem), invocando o autor o seu direito de propriedade sobre 1/3 indiviso de dois prédios urbanos.
Nas acções reais, a causa de pedir é o facto ou acto jurídico de que deriva o direito de propriedade perfeita ou imperfeita (cfr. artº 498º, nº 4 do CPC). É necessário apontar a causa específica do pedido, ou seja o título particular de aquisição do direito [Alberto dos Reis, obra citada, vol. II, 3ª ed., págs. 353 e 354].

Invocando-se o direito de propriedade, tem de se alegar qual a forma de aquisição daquele direito, não bastando a mera invocação dessa forma, sendo necessária a alegação dos factos concretos que a integram.
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (artº 1316º).
O contrato e a sucessão por morte são formas derivadas de aquisição do direito de propriedade; a usucapião, a ocupação e a acessão são formas originárias, sendo a ocupação uma forma de aquisição exclusiva da propriedade de bens móveis (cfr. artºs 1318º e seguintes).
Não basta invocar uma invocar uma forma de aquisição derivada do direito (compra e venda, doação, sucessão por morte, etc.), porque aquela forma de aquisição é apenas translativa do direito de propriedade e nunca constitutiva (nemo plus juris ad alium transferre poteste, quam ipse habet). É preciso alegar e provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris) [Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 115], ou seja, é preciso alegar uma forma originária de aquisição do direito de propriedade.
A invocação de uma forma originária de aquisição do direito de propriedade só é dispensada no caso de direito se encontrar inscrito no registo predial a favor de quem se arroga seu titular, que neste caso beneficia da presunção registral do artº 7º do CRP e da consequente inversão do ónus da prova (artº 344º, nº 1).

No caso dos autos, o autor alegou que adquiriu o direito de propriedade sobre 1/3 indiviso de dois prédios urbanos por sucessão por morte do seu pai, ou seja, invocou uma forma derivada de aquisição.
Resulta da própria alegação do autor e das certidões juntas por ele juntas a fls. 62 e seguintes que o direito de propriedade de 1/3 dos prédios reivindicados não está inscrito no registo predial a favor do autor.
Sendo assim, tinha o autor de invocar uma forma originária de aquisição daquele direito, ou seja, tinha de alegar e provar que, quando lhe foi transmitido, aquele direito já existia na titularidade do transmitente – o seu pai.
O autor não invocou expressamente qualquer forma de aquisição originária do seu direito, embora defenda, nas conclusões do recurso, que invocou a acessão.
O autor alegou que G……. (seu pai), Q…… e F……. (na altura, os únicos sócios da sociedade ré) construíram dois edifícios em dois terrenos pertencentes à sociedade ré.
Daquele facto, concluiu o autor que, por força da construção dos edifícios, os terrenos deixaram de pertencer à sociedade ré e passaram a pertencer aos três sócios em nome próprio.
Alegou ainda o autor que em 10.07.86 Q……. e os sucessores de G……. e de F……. (entre eles o autor) deram de arrendamento à sociedade ré um dos prédios em causa. E que Q……… recebia as rendas de ambos os imóveis e enviava à mãe do autor, enquanto esta foi viva, e posteriormente ao autor, a parte que lhes cabia.

Formas de aquisição originária do direito de propriedade previstas no artº 1316º são a usucapião e a acessão. Outras há, como, por exemplo, a expropriação por utilidade particular, já que a enumeração do artº 1316º é meramente exemplificativa.
Iremos deter-nos apenas sobre a usucapião e a acessão, já que outras não têm manifestamente aplicação ao caso em apreço.

Dispõe o artº 1287º que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a que cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”
Podemos dizer que a usucapião é a constituição, facultada ao possuidor, do direito real correspondente à sua posse, desde que esta, dotada de certas características, se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei [Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, pág. 466.].
A usucapião tem sempre na sua base uma situação de posse, que pode ter sido constituída ex novo pelo sujeito a quem a usucapião aproveita ou pode derivar da transmissão, a favor desse sujeito, de posse anterior.
A primeira situação configura o disposto no artº 1263º, al. a): neste caso a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito: é a aquisição originária da posse sem intervenção do possuidor anterior [Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, III vol., 2ª ed., pág. 25].
A segunda situação configura o disposto na al. b) do mesmo normativo: a posse adquire-se pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor: é a aquisição derivada da posse, que se verifica quando esta é transferida de um possuidor para outro [Pires de Lima/Antunes Varela, obra citada, pág. 27].

O autor limitou-se a invocar alguns actos materiais de posse sobre os imóveis, como sejam o arrendamento de um deles e o recebimento de parte das rendas de ambos.
Não são alegados outros actos, nem quaisquer factos tendentes a demonstrar a reiteração dos mesmos nem a forma do seu exercício, por forma a se poder concluir pela verificação da posse com os requisitos e pelo lapso de tempo necessários à aquisição do direito de propriedade por usucapião.

Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora uma coisa que não lhe pertencia (artº 1325º).
A acessão repousa necessariamente numa determinada situação material, que é a resultante da união de duas coisas pertencentes a dono diverso. Como característica comum a todas as formas de acessão encontra-se o facto de o beneficiário da acessão actuar propter rem, actuar na qualidade de proprietário de uma das coisas em presença.
A acessão tem carácter potestativo, isto é, não é automática, depende de uma manifestação de vontade do seu titular, que apenas adquire se pagar. É o que resulta de disposições como as dos artºs 1333º, 1339º, 1340º e 1343º.
Sendo a acessão uma causa de aquisição originária do direito de propriedade, o seu beneficiário recebe um novo direito, totalmente independente das vicissitudes que possa ter sofrido o anterior direito, que se extingue [Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, 1974, págs. 434 e seguintes].
A acessão pode ser natural ou industrial (artº 1326º). A primeira é aquela que resulta exclusivamente das forças da natureza (nº 1). Contrapõe-se-lhe a acessão industrial que resulta de facto do homem (nº 2).
Dá-se a acessão industrial imobiliária se alguém, de boa fé, unir ou confundir objecto seu com objecto alheio, de modo a que a separação não seja possível ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma das partes (artº 1331º, nº 1).
A lei pretendeu esgotar todas as hipóteses de acessão industrial imobiliária, distinguindo três situações: a) alguém utiliza materiais, sementes ou plantas alheias em terreno próprio (artº 1339º); b) alguém utiliza materiais, sementes ou plantas próprias em terreno alheio (artºs 1340º e 1341º); c) alguém utiliza materiais, sementes ou plantas alheias em terreno alheio (artº 1342º).
O regime estabelecido para aquelas diversas hipóteses, tal como resulta dos normativos citados, atende a quatro critérios na cominação de soluções: a titularidade do terreno, a titularidade dos materiais, sementes ou plantas, a boa ou má fé dos intervenientes e o valor relativo das coisas intervenientes [Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, 1979, pág. 501.].
Acrescentou-se ainda a situação excepcional prevista no artº 1343º, nº 1 de ocupação de terreno alheio com o prolongamento de construção de edifício em terreno próprio (acessão industrial imobiliária invertida).
È requisito da hipótese prevista no artº 1340º a boa fé do autor da obra (cfr. o nº 1 daquele normativo).
Nos termos do nº 4 do artº 1340º, entende-se que houve boa fé se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Confrontada esta disposição com a que define a boa-fé em matéria possessória (artº 1260º, nº 1), logo se conclui que a lei não pretendeu afastar-se deste último conceito, e que só para evitar dúvidas, no caso especial da acessão industrial imobiliária, determinou taxativamente os casos em que se deve considerar de boa fé o autor da acessão [Pires de Lima/Antunes Varela, “CC Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 164.]

Nos termos do artº 1260º, nº 1, a posse diz-se de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.
O conceito de boa fé expresso naquele normativo é de natureza psicológica e não de índole ética ou moral, embora não esteja divorciado de um carácter ético [Pires de Lima/Antunes Varela, obra citada, pág. 20].
Da posse, a boa fé estender-se-ia à acessão. Durante fases históricas anteriores, que a afloravam ainda no Código de Seabra, houve uma ligação entre a posse e a acessão que facilitou a transferência.
Aliás, o artº 1340º, nº 4 só apareceu na 2ª revisão ministerial; o anteprojecto de Pires de Lima não incluía, no articulado referente à acessão, qualquer definição de boa fé, pressupondo-se que seria de aplicar a noção geral a respeito da posse.
A identificação da boa fé com o desconhecimento da alienalidade do terreno visou eliminar a referência à posse e ao título, que eram requisitos da acessão no Código de Seabra (artº 2306º) e que tinham originado diversas inconveniências.
Mas ao restringir o conceito de boa fé do artº 1260º, nº 1, deixou de fora situações em que o autor da obra, sabendo embora que o terreno é alheio, ignora que está a lesar direitos alheios.
A fórmula da boa fé constante do artº 1260º, nº 1, a generalizar-se ao regime da acessão, cobre todas as hipóteses em que a atitude do incorporador, por não merecer, na base de razões objectivas ou subjectivas, censura, justifica a aplicação do regime mais favorável, dependente da boa fé.
Pelas razões expostas, alguma doutrina defende a interpretação do artº 1340º, nº 4 no sentido lato, reconduzindo-se o conceito de boa fé ali expresso ao conceito do artº 1260º, nº 1: o desconhecimento de lesar direitos alheios [Sobre esta matéria, ver Menezes Cordeiro, “Da Boa Fé no Direito Civil”, 1997, págs. 466 e seguintes.]

Interpretação essa que também tem encontrado acolhimento na jurisprudência [Neste sentido, ver os Acs. do STJ de 18.10.94 e 03.05.01, base citada, nºs conv. 25474 e 41961, respectivamente, e de 25.05.99, CJ/STJ-99-II-110.]

De qualquer forma, a boa fé, quer no sentido restrito do artº 1340º, nº 4, quer no sentido lato do artº 1260º, nº 1 pressupõe a ignorância. Só a ignorância de que, com a sua conduta, está a lesar o direito de outrem, isenta o autor das obras de qualquer censura ao seu comportamento.
Acresce que a boa fé do autor das obras deve existir no momento da construção e deve manter-se ao longo de todo o tempo que dura a execução das obras [Ac. do STJ de 10.12.98, base citada, nº conv. 35435].

No caso em apreço, o autor não manifestou expressamente na petição inicial a sua vontade de adquirir por acessão o direito de propriedade sobre os prédios em causa.
Alegando o autor que o seu pai e os outros dois sócios da sociedade ré construíram dois edifícios em prédios desta, se quisesse demonstrar que o seu pai adquiriu o direito de propriedade daqueles prédios por acessão, nos termos do artº 1340º, impunha-se-lhe que, para além de expressamente o pedir, tivesse alegado não só o valor das construções realizadas nos prédios da sociedade ré e o valor destes à data das construções; como também se lhe impunha que tivesse alegado factos tendentes a demonstrar a sua boa fé, que no caso em apreço, passaria pela alegação da existência de autorização da sociedade ré para a construção dos edifícios, já que o próprio autor alega que os prédios onde foram feitas as construções pertenciam àquela.

Face ao que acima expusemos acerca da causa de pedir nas acções reais, tem de se concluir que a causa de pedir da presente acção não se mostra identificada mediante a alegação dos factos que integrem a forma de aquisição do direito de propriedade que o autor quer ver reconhecido.
A alegação da prática de alguns actos materiais de posse sobre os prédios reivindicados não é suficiente para caracterizar a aquisição do direito de propriedade por usucapião. Também a alegação da construção de obra própria em terreno alheio não configura a acessão como forma originária de aquisição do direito de propriedade. E nenhuma outra forma de aquisição originária do direito de propriedade foi invocada. Sendo tal invocação necessária porque o autor não beneficia da presunção do registo.
Não estamos assim perante uma situação em que a causa de pedir está identificada, mas falta um ou outro elemento concretizador, ou seja, perante uma causa de pedir insuficiente.
O caso é manifestamente de falta de causa de pedir e, consequentemente, de ineptidão da petição inicial (artº 193º, nº 2, al. a) do CPC).

Não tinha pois o Mº Juiz de convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial, não tendo assim sido cometida qualquer nulidade com a omissão daquele convite.
A nulidade que se verifica é a nulidade de todo o processado decorrente da ineptidão da petição inicial, que deveria ter sido conhecida oficiosamente no despacho saneador, com a consequente absolvição dos réus da instância (artºs 193º, nº 1, 202º, 206º, nº 2, 493º, nºs 1 e 2 e 494º, nº 1, todos do CPC).
Não tendo aquela nulidade sido conhecida até ao despacho saneador (cfr. artº 206º, nº 2), teria a acção de ser julgada improcedente, a final, como foi.

É evidente que se o autor não alegou os factos necessários ao preenchimento da causa de pedir, não é possível este Tribunal anular a decisão da matéria de facto com vista à sua ampliação, ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 4 do CPC, como pretende o autor na sua última conclusão.

A resolução desta questão prejudicou o conhecimento das restantes, pelo que iremos apenas aflorá-las.

2 – Contradição entre as als. L), M) e N), por um lado, e as respostas aos quesitos 10º e 11º da base instrutória, por outro
Nas als. L), M) e N) especificou-se que António Bastos (sócio fundador da sociedade ré) recebia as rendas dos dois prédios e todos os meses enviava à mãe do autor, enquanto esta foi viva, e posteriormente ao autor, o montante das rendas na proporção que lhes cabia, fazendo tal envio por carta que continha o cheque com o montante respectivo.
Nos quesitos 10º e 11º perguntava-se se até à data da sua morte o referido Q……. colheu para si os rendimentos correspondentes a 1/3 dos prédios e se liquidava os impostos correspondentes.
Aqueles quesitos obtiveram respostas negativas.
Das als. L), M) e N) não consta qual a qualidade em que o Q……. recebia as rendas dos prédios e as enviava à mãe do autor e depois ao autor.
Não há pois contradição entre aquele facto e o facto de não se ter dado como provado que fosse ele o beneficiário das rendas e que fosse ele quem pagava os impostos relativos aos prédios.

3 – Alteração das respostas aos quesitos 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória
Quesito 5º: Tais edifícios foram construídos sobre terrenos que pertenciam à ré “C…….., Ldª”?
R: Provado.

Quesito 6º: Aquando da cedência das quotas referida em H), cedentes e cessionários acordaram que tal cessão não abrangia a propriedade dos referidos edifícios que tinham sido construídos nos terrenos da sociedade ré?
R: Provado que aquando da cessão de quotas referida em H), cedentes e cessionários acordaram que tal negócio não abrangia os dois edifícios referidos nas respostas aos quesitos anteriores.

Quesito 7º: A cessão de quotas abrangia exclusivamente os bens móveis identificados a fls. 46, inclusive, a 53, inclusive.
R: Provado que a cessão abrangeu os bens móveis, matérias-primas e viaturas identificadas no documento de fls. 46 e anexo de fls. 47 a 53. (7º)

Quesito 8º: Foi em obediência a tal pretensão que lavraram o contrato promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 44 e 45, bem como termo de responsabilidade cuja cópia está junta a fls. 46.
R: Provado que na sequência da cessão de quotas, os cedentes e cessionários lavraram o contrato-promessa constante de fls. 44 e 45, bem como o termo de responsabilidade cuja cópia consta de fls. 46.

O autor não diz em que sentido é que pretende que sejam alteradas as respostas aos quesitos.
Contendo todos eles factos que foram alegados pelo autor (cfr. artºs 11º, 12º, 13º, 20º, 21º, 22º e 25º da petição inicial), pressupõe-se que pretende que as respostas sejam positivas.
Ora, o quesito 5º contém a única matéria alegada pelo autor (embora de forma conclusiva) que poderia fundamentar a aquisição do direito de propriedade por acessão - a construção dos edifícios em terrenos alheios - e obteve resposta positiva.
Quer o autor resposta mais favorável?
Pelo que concluímos das alegações de recurso, parece-nos que o autor entende que aquele quesito se reporta ao momento da cessão de quotas referida no quesito 6º, altura em que “…é evidente que também os terrenos deixaram de pertencer à sociedade”. Se assim é, quereria então o autor que o quesito obtivesse resposta negativa?
Porém, o quesito reporta-se inegavelmente ao momento da construção edifícios, pelo que qualquer resposta que não seja a que foi dada seria desfavorável ao autor.

O quesito 6º também obteve uma resposta positiva, só com algumas precisões de redacção.
Ficou provado que a cessão de quotas não abrangia os dois edifícios, que foi precisamente o que o autor alegou.
O que o autor realmente pretende não é uma alteração da resposta, mas sim que dela se conclua que, por efeito da cessão de quotas, os prédios onde foram feitas as construções deixaram de pertencer à sociedade ré.
Esta é outra questão que apreciaremos mais à frente.

O quesito 7º é redundante em relação ao quesito 6º: estando já provado que a cessão de quotas não abrangeu os edifícios construídos pelos sócios da sociedade ré, é irrelevante dizer-se que a cessão de quotas abrangeu exclusivamente outros determinados bens.
Portanto, mesmo que se alterasse a resposta ao quesito 7º para “Provado”, ficaríamos com a repetição da resposta ao quesito 6º.

O quesito 8º, tal como está formulado, contém uma conclusão, que se eliminou na resposta, restringindo-a à elaboração do contrato promessa.
O que se concluía no quesito 8º era uma espécie de reforço ao quesito 6º: os sócios tanto quiseram excluir os edifícios da cessão de quotas que até prometeram vendê-los à ré.
Tendo o quesito 6º obtido uma resposta positiva, o quesito 8º é inútil.

Pelas razões acima expostas, e também porque, ainda que os quesitos 5º, 6º, 7º e 8º obtivessem exactamente as respostas que autor pretende, as mesmas seriam irrelevantes para a decisão da causa, como iremos ver, afigura-se-nos ser inútil a reapreciação da prova.

4 – Aquisição do direito de propriedade
A forma de aquisição do direito de propriedade a que o autor se refere nas suas conclusões 4ª e 5ª é exactamente a mesma: a acessão industrial imobiliária.
A única forma de aquisição do direito de propriedade por união que a nossa lei admite é a acessão. A união é uma das modalidades da acessão, juntamente com a especificação e a junção (cfr. artºs 1327º e seguintes) e é a única modalidade compreendida na acessão industrial imobiliária (cfr. artºs 1340º e seguintes).

O autor labora desde o início num equívoco: de que a partir do momento em que os sócios fundadores da sociedade ré construíram os edifícios em prédios pertencentes àquela, adquiriram “automaticamente” o direito de propriedade sobre os mesmos.
Damos como reproduzido tudo o que acima dissemos acerca do conceito e dos requisitos da acessão industrial imobiliária, quando concluímos que o autor nem sequer alegou factos que o integrem.
Insistindo no equívoco, pretende o autor que se conclua pela aquisição do direito de propriedade por aquela forma a partir dos factos de os sócios fundadores da sociedade ré não terem englobado os edifícios na cessão de quotas que efectuaram em 30.12.83, de, na sequência da cessão de quotas, terem prometido vender os prédios à sociedade e de, em 10.07.86, terem arrendado um dos prédios à sociedade.
Ora, daqueles factos a única conclusão que se pode extrair é que os sócios fundadores da sociedade ré não quiseram incluir os edifícios que construíram na cessão de quotas e que, considerando-se donos daqueles edifícios (como de facto eram, porém das construções e não dos terrenos onde os mesmos estavam implantados), passaram a arrendá-los e a prometer vendê-los como se fossem prédios autónomos – que aliás como tal fizeram inscrever na Repartição de Finanças.
E foi com essa actuação que, como se diz na sentença recorrida, “…ataram um nó, até hoje não desatado”.
Ficando por alegar e provar por que forma adquiriram o invocado direito de propriedade sobre os terrenos onde construíram os edifícios.

5 – Nulidade da compra e venda realizada em 03.03.00
Como se diz na sentença recorrida, eram invocados dois fundamentos para a nulidade da escritura de compra e venda realizada em 03.03.00: de que nunca existiu entre os outorgantes da escritura a intenção de comprar/vender e a de que o direito de propriedade nunca existiu na esfera patrimonial da ré sociedade.
Como resulta da factualidade provada, nenhum deles se provou.
É certo que resultou provado que a ré sociedade não é dona dos edifícios que foram construídos nos seus terrenos.
Mas pelo facto de a sociedade não ser dona dos edifícios não deixa de ser dona dos prédios onde os mesmos estão implantados, pelo que continua a não haver fundamento de nulidade da compra e venda.
A situação dos presentes autos poderá subsumir-se à previsão do artº 1341º (obra feita de má fé em terreno alheio), assistindo aos réus os direitos previstos naquele normativo: a) de exigir que a obra seja desfeita e que os terrenos seja restituídos ao seu primitivo estado à custa do autor dela; b) ou de ficar com a obra pelo valor fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Só na segunda hipótese há verdadeiramente uma acessão, tendo então o autor o direito a ser indemnizado do valor dos edifícios nos termos previstos no normativo citado.

Improcedem assim todas as conclusões do apelante, restando confirmar a sentença recorrida.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência:
- Confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***

Porto, 5 de Julho de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha