Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0343780
Nº Convencional: JTRP00036797
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: PROVA PERICIAL
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP200401280343780
Data do Acordão: 01/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J V N GAIA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REENVIO DO PROCESSO.
Área Temática: .
Sumário: O não cumprimento do artigo 154 n.2 do Código de Processo Penal de 1998 integra simples irregularidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:


Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, foi o arguido Sílvio..., absolvido da prática de um crime de exploração de jogo ilícito p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. 1º, 3º, 4º, n.º 1, al. g) e 108º do DL 422/89.

Inconformado com a absolvição o Ministério Público interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
O relatório pericial da Inspecção Geral de Jogos efectuado e subscrito por um inspector desse organismo, pessoa dotada de especiais conhecimentos técnicos, pode, de facto, fundamentar a convicção do tribunal, uma vez que constitui um meio de prova dos factos, auxiliar do julgador na descoberta da verdade e na boa decisão da causa.
Ao não entender assim, a Mm.ª juíza de 1ª instância violou o disposto nos artºs 125º, 151º e 163 do Código Processo Penal.
Uma vez que o arguido não foi notificado do despacho que ordenou a perícia, nem arguiu essa irregularidade nos três dias seguintes a dela ter conhecimento, tal vício mostra-se sanado.
Ao entender de modo diferente, violou a Mm:ª juíza o disposto nos art.ºs 154º e 123º n.º 1 do Código Processo Penal.
Admitido o recurso, o arguido respondeu concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso merece provimento.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPPenal e após os vistos realizou-se audiência.

Factos provados:
1 - O arguido é proprietário do estabelecimento de Café «T...», sito na Rua..., ..., ..., Vila Nova de Gaia.
2 - No dia 5 de Agosto de 1999, pelas 16h, no aludido estabelecimento, encontrava-se exposto, pronto a ser utilizada, uma máquina constituída por um expositor com a base em plástico, um globo em acrílico transparente na parte superior e um cartaz denominado «Internacional Bandeiras», contendo o expositor, dentro do aludido globo, uma grande quantidade de bolas de plástico em forma oval, e na parte inferior, uma ranhura para introdução de moedas.
3 – Nesse dia e local foi apreendido o seguinte material: uma máquina electrónica denominada “Tiger”, um número indeterminado de tiras/fitas, denominadas «Pato D'oiro», duas caixas de papelão com um número indeterminado de senhas/rifas, um cartaz com a designação «Golo», um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, um cartaz em cartolina com a designação «Girls», um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, um cartaz em cartolina com a designação «Grande Golo», um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, um cartaz em cartolina com a designação «Euro 97», 4 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, quatro cartazes em cartolina com a designação «Pombinha», um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, um cartaz em cartolina com a designação «Relvado», 4 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminando de senhas/rifas, quatro cartazes com a designação «Bota fogo», 2 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, dois cartazes com a designação «Maracanã», 3 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, três cartazes com a designação «Cartosorte», 2 caixas de papelão, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, três cartazes com a designação «Grande Bola», 2 caixas de papelão, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, três cartazes com a designação «Champions League», 2 caixas de papelão com a designação «Fantastic Football», contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, 2 caixas de papelão com a designação «Euro 2000», contendo um número indeterminado de rifas e um expositor de cartão.

Factos não provados:
a) O material referido em 2) desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 40 a 42 que se dá por integralmente reproduzido.
b) No dia 5 de Agosto de 1999, pelas 16h, no aludido estabelecimento, encontrava-se exposto, pronto a ser utilizado, o seguinte material de jogo:
b1) uma máquina electrónica com a designação «Tiger», que desenvolvia um jogo tipo vídeo-póquer, consistente no facto de no écran, após accionamento, que era feito através da introdução de uma moeda na máquina, não se apresentarem cartas de jogar, mas sim cinco números e com cores diferentes, correspondentes aos quatro naipes de um baralho de cartas (copas, espadas, paus e ouros) e cujos números correspondem ao valor sequencial (do Ás ao Rei) das cartas.
Os números das torres variam de 01 a 13, correspondendo o número 1 ao Ás, o n° 13 ao Rei e os números intermédios às demais cartas do baralho.
O referido material desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 36 a 39, que se dá como integralmente reproduzido.
b2) Um material de jogo constituído por um número indeterminado de tiras/fitas, denominadas «Pato D'oiro», em tudo semelhantes à Lotaria Instantânea, vulgo «Raspadinha». As tiras/ rifas são constituídas por 10 fracções/senhas, separadas entre si por um picotado.
Cada fracção/senha apresenta uma figura com o «Pato Donald», tendo por cima o título «Pato D'oiro». No canto superior direito consta uma mensagem «Ganhe Prémios instantaneamente», por baixo um quadrado coberto com uma película prateada, ocultando números que poderão variar entre 100 e 20.000.
O aludido material desenvolvia um jogo de fortuna e azar do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 43 a 45, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b3) um material de jogo constituído por duas caixas de papelão com um número indeterminado de senhas/rifas e um cartaz, este com a designação «Golo».
As senhas/rifas escondem no seu interior um número ou a imagem de três emblemas de clubes.
O jogo, de fortuna e azar, desenvolvia-se do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 46 a 48, que aqui se dá como integralmente reproduzido.
b4) Um material de jogo constituído por um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, ou panfletos, e um cartaz em cartolina com a designação «Girls», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 49 a 51, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b5) Um material de jogo constituído por um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, e um cartaz em cartolina com a designação «Grande Golo», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 52 a 54, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b6) Um material de jogo constituído por um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas e um cartaz em cartolina com a designação «Euro 97», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 55 a 57, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b7) Um material de jogo constituído por 4 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas e quatro cartazes em cartolina com a designação «Pombinha», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 58 a 60, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b8) Um material de jogo constituído por um saco de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas e um cartaz em cartolina com a designação «Relvado», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 61 a 63, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b9) Um material de jogo constituído por 4 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminando de senhas/rifas e quatro cartazes com a designação «Bota fogo», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 64 a 66, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b10) Um material de jogo constituído por 2 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, e dois cartazes com a designação «Maracanã», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 67 a 69, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b11) Um material de jogo constituído por 3 sacos de plástico, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas e três cartazes com a designação «Cartosorte» que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 70 a 72, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b12) Um material de jogo constituído por 2 caixas de papelão, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas e três cartazes com a designação «Grande Bola», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 73 a 75, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b13) Um material de jogo constituído por 2 caixas de papelão, contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas e três cartazes com a designação «Champions League», que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 76 a 78, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
b14) Um material de jogo constituído por 2 caixas de papelão com a designação «Fantastic Football», contendo no seu interior um número indeterminado de senhas/rifas, 2 caixas de papelão com a designação «Euro 2000», contendo um número indeterminado de rifas, e um expositor de cartão, com diversos objectos que desenvolvia um jogo de fortuna e azar, do modo descrito no relatório de exame pericial de fls. 79 a 81, que aqui se dá como integralmente reproduzido;
c) Todo o material de jogo descrito permitia e desenvolvia jogos de fortuna ou azar, em cujos resultados a perícia do jogador não interfere, ficando ao arbítrio da sorte a atribuição de prémios pecuniários, encontrando-se expostos no café a máquina electrónica, a máquina de funcionamento mecânico com o globo em acrílico, alguns cartazes e caixas com senhas, enquanto o restante material se encontrava armazenado numa dependência própria, destinando-se a ser comercializado.
d) Produzindo jogos de fortuna e azar, as máquinas em causa têm o seu uso e exploração restrito ás zonas de jogo legal e oficialmente autorizado.
e) O estabelecimento de café «T...» não está legalmente autorizado à exploração daquele tipo de jogos.
f) O arguido é o proprietário do estabelecimento onde se encontrava todo o material de jogo destinado à exploração e comercialização, tendo perfeito conhecimento das suas características e sabia que o mesmo desenvolvia jogos de fortuna e azar, conhecendo que não lhe era permitido por lei o seu uso e exploração fora dos locais legalmente autorizados, bem como a sua comercialização com destino a tais fins.
g) Agiu livre, voluntária e conscientemente.


Fundamentação:
A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, alicerçou-se fundamentalmente no teor dos documentos de fls. 105 a 109 e bem assim no depoimento das testemunhas Levi... e António..., ambos agentes da Brigada Fiscal da GNR que procederam à apreensão do material descrito e que referiram que no estabelecimento de café do arguido, apto a funcionar e exposto ao público, apenas se encontrava o expositor em acrílico, sem que, contudo, lograssem descrever o seu modo de funcionamento. No que concerne aos factos não provados os mesmos ficaram a dever-se às testemunhas inquiridas terem deles revelado total desconhecimento já que embora tivessem procedido à apreensão do material referido não lograram descrever o seu modo de funcionamento. No que se refere à máquina “Tiger”, foi pelos agentes referido que aquela se encontrava dentro de um recipiente do lixo e não estava a funcionar nem exposta ao público quando procederam à sua apreensão. Relativamente ao restante material apreendido as testemunhas confirmaram que o mesmo se encontrava numa dependência dentro do café citado, a qual não era acessível ao público revelando desconhecerem se se encontrava apta a funcionar ou o seu modo de funcionamento.
Quanto ao teor do relatório pericial junto a fls. 36 a 81 o tribunal entende que aquele não pode fundamentar a sua convicção porquanto, por um lado, sobre os factos dali constantes, designadamente as características e modo de funcionamento de cada um dos jogos não foi produzida qualquer prova em julgamento, pois que as testemunhas inquiridas dos mesmos revelaram total desconhecimento e, por outro, porque nos termos do disposto no art. 154º, n.º 2 do CPP o despacho que ordenou a realização perícia deveria ter sido notificado ao arguido, o que não aconteceu no caso concreto, sendo que aquele poderia ter feito uso das faculdades a que aludem os art. 155º, 156º e 157º do mesmo diploma, ou seja, designar para a ela assistir consultor técnico, requerer a formulação de quesitos ou pedir esclarecimentos. Ora, no caso vertente, pese embora o Ministério Público tenha ordenado a realização da perícia nomeando como perito uma Inspectora da Inspecção Geral dos Jogos (que, por ser funcionário público não está obrigado a prestar compromisso - cfr. art. 91º, n.º 6, al. b) do CPP), a verdade é que não deu conhecimento ao arguido da realização da perícia ordenada nem invocou quaisquer das razões previstas pelo n.º 3 do art. 154º, que permitem a dispensa da notificação em causa, motivo pelo qual entendemos que aquele meio de prova não é legalmente admissível e, como tal, não pode ser valorado, porque não foi obtido cumprindo as formalidades legalmente prescritas para o efeito.

O Direito:
A questão a decidir é apenas uma: a da eventual violação do disposto nos artºs 125º, 151º e 163º do Código Processo Penal.
Conforme consta da motivação, a Ex.ma juíza desconsiderou o teor do relatório pericial junto a fls. 36 a 81, por duas ordens de razões:
a) Entendeu que ele não pode fundamentar a sua convicção porquanto, por um lado, sobre os factos dali constantes, designadamente as características e modo de funcionamento de cada um dos jogos não foi produzida qualquer prova em julgamento (pois que as testemunhas inquiridas dos mesmos revelaram total desconhecimento);
b) Depois, porque nos termos do disposto no art. 154º, n.º 2 do CPP o despacho que ordenou a realização perícia deveria ter sido notificado ao arguido, o que não aconteceu, sendo que aquele poderia ter feito uso das faculdades a que aludem os art. 155º, 156º e 157º do mesmo diploma, ou seja, designar para a ela assistir consultor técnico, requerer a formulação de quesitos ou pedir esclarecimentos. Ora, no caso vertente, pese embora o Ministério Público tenha ordenado a realização da perícia (...) não deu conhecimento ao arguido da realização da perícia ordenada nem invocou quaisquer das razões previstas pelo n.º 3 do art. 154º, que permitem a dispensa da notificação em causa, motivo pelo qual entendemos que aquele meio de prova não é legalmente admissível e, como tal, não pode ser valorado, porque não foi obtido cumprindo as formalidades legalmente prescritas para o efeito.

A prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, art.º 151º do Código Processo Penal. Assim, perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ªed. pág. 197].
No nosso ordenamento legislativo a perícia é um meio de prova como indiscutivelmente resulta da sua inserção sistemática no título II do Livro III do Código Processo Penal. Apesar de o interprete não estar necessariamente vinculado às classificações legislativas, não vemos como perante o actual Código Processo Penal se possa entender de modo diverso.
A finalidade da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível pela autoridade judiciária, quer em sede de inquérito - para v.g. acusar ou não -, quer em sede de instrução - v.g. para pronunciar ou não - quer em sede de julgamento - v.g. para condenar ou absolver -.
O perito é um auxiliar do juiz, pois as provas periciais produzidas em qualquer fase processual, incluindo as do inquérito, poderão sempre ser tomadas em conta quer na instrução quer no julgamento, art.º 356º n.º 1 al. a) a contrario do Código Processo Penal.
Daí que não se compreenda a afirmação vertida na motivação, e relativamente à perícia, de que os factos dali constantes, designadamente as características e modo de funcionamento de cada um dos jogos não foi produzida qualquer prova em julgamento. A perícia tem essa finalidade, de percepção de factos e a sua valoração, constituindo prova que pode, deve ser tomada em conta em julgamento.
Não procede pois este argumento para desconsiderar o perícia.

O segundo fundamento para desconsiderar a perícia é o de que nos termos do disposto no art. 154º, n.º 2 do CPP o despacho que ordenou a realização perícia deveria ter sido notificado ao arguido, o que não aconteceu, motivo pelo qual entendemos que aquele meio de prova não é legalmente admissível e, como tal, não pode ser valorado, porque não foi obtido cumprindo as formalidades legalmente prescritas para o efeito.
Uma constatação: é certo que nos autos o Ministério Público ignorou olimpicamente o comando do art.º 154º n.º 2 do Código Processo Penal, quando é certo que não se verificava circunstâncialismo para subtrair a perícia ao contraditório mitigado [Rodrigo Santiago, RPCC, Ano 11, Fasc. 3º pág. 398] do arguido.
A pergunta que se impõe é então, qual a consequência do não cumprimento do art.º 154º n.º 2 do Código Processo Penal?
No tocante à prova - quer quanto aos meios de prova, quer quanto aos meios de obtenção de prova - estabeleceu o legislador um regime especial de proibições de prova, art.º 118º n.º 3, 125º, 126º [disposições gerais, especiais] e concretamente em relação a alguns meios de prova e meios de obtenção de prova, um regime especialíssimo, v.g. prova testemunhal art.º 129 depoimento indirecto, 130º vozes públicas, 187º, 188º e 189º admissibilidade e formalidades das escutas, etc.
O regime especial de proibições de prova não trata concretamente nem dá relevo à omissão em causa. Por outro lado, no capítulo da prova pericial não há qualquer disposição que atribua consequência à dita omissão, pelo que nos resta o recurso ao regime geral das nulidades.

É sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. E nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular, art.º 118º nºs 1 e 2 do Código Processo Penal.
Percorrido o apertado catálogo dos artºs 119º e 120º do Código Processo Penal, constata-se que a omissão em causa não configura nulidade. Daí que o acto ilegal do Ministério Público de ter omitido a notificação do arguido prevista no art.º 154º n.º 2 do Código Processo Penal, é apenas irregular, art.º 118º nºs 1 e 2 do Código Processo Penal. Ora qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo. Assim, no caso, pelo menos aquando da notificação da acusação o arguido teve conhecimento que a perícia foi feita sem para tal ter sido notificado... acontece que jamais fez o mais pequeno reparo.
Está, assim, ultrapassada e sanada essa irregularidade que, por isso, irreleva. E compreende-se que assim seja, pois, em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, que os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos... art.º 158º nºs 1 e 2 do Código Processo Penal. Daí que a omissão do Ministério Público pode ser remediada posteriormente, quer oficiosamente, quer a requerimento. E esta possibilidade é um remédio que, se não é totalmente eficaz, pelo menos satisfaz, pois, a intervenção dos consultores técnicos é muito limitada: assistem à realização da perícia e pouco mais, art.º 155º do Código Processo Penal, pois as respostas e conclusões não podem ser contraditadas, art.º 157º do Código Processo Penal [Talvez por esta razão Rodrigo Santiago, RPCC, Ano 11, cit. não alvitre qualquer sanção para o não cumprimento do art.º 154º n.º 2 do Código Processo Penal].
Não é, pois, correcto, neste contexto, o entendimento da Ex.ma juíza de que aquele meio de prova não é legalmente admissível e, como tal, não pode ser valorado, porque não foi obtido cumprindo as formalidades legalmente prescritas para o efeito.
Do exposto resulta que não são procedentes os argumentos para desconsiderar e afastar a perícia. Mais, como refere Rodrigo Santiago [Ob. cit. pág. 407], o art.º 163 do Código Processo Penal consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória: o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
Foram, assim, violados os artºs 125º, 127º e 163º n.º 1 do Código Processo Penal.
A violação das regras sobre o valor da prova enquadra-se no conceito amplo de erro notório na apreciação da prova. Consubstancia erro notório na apreciação da prova, a falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível por um juiz normal – com a cultura e experiência da vida e dos homens, que deve pressupor-se num juiz chamado a apreciar a actividade e os resultados probatórios - na sugestão de Castanheira Neves [Sumários de Processo Criminal, 1968, pág. 50-1]. Há um tal vício quando um homem médio, rectius, um juiz normal, perante o que consta do texto da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal (...)desrespeitou as regras sobre o valor da prova, art.º 410º n.º 2 al. c.) do Código Processo Penal.
Assim, verificado o apontado vício do art.º 410º n.º 2 al. c.) do Código Processo Penal, e porque não é possível decidir a causa, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do processo.
*
Decisão:
Na procedência do recurso determina-se o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do processo.
Sem custas.
Honorários da tabela.

Porto, 28 de Janeiro de 2004.
António Gama Ferreira Ramos
Rui Manuel de Brito Torres Vouga
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
José Casimiro O da Fonseca Guimarães