Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
662/05.2GNPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Nº do Documento: RP20110119662/05.2gnprt-A.P1
Data do Acordão: 01/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão que, nos termos do art. 49º do Código Penal, converte a multa em prisão deve ser notificado tanto ao defensor como ao próprio arguido.
II - A notificação deste deve ser efectuada por contacto pessoal, e não por via postal simples.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 662/05.2GNPRT-A.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.
No Processo Comum singular com o n.º 662/05.2GNRPT do 1º Juízo criminal de Matosinhos foi proferido a 15.10.2010, o seguinte despacho (transcrição):
“Por despacho de fls. 108 foi determinada a conversão da pena de multa não paga em pena de prisão nos termos e ao abrigo do disposto no art. 49º do Código Penal.
O Ministério Público promoveu, com fundamento na doutrina emergente do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 6/2010, publicado no DR 99, I série, de 21.05, e foi determinada a notificação do arguido daquela decisão por carta com prova de depósito.
Importava agora proceder à emissão dos mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão subsidiária (feita que foi a notificação naqueles termos).
Entendemos, porém, melhor lido o citado acórdão, não ser de o fazer sem antes proceder à notificação pessoal do arguido do despacho de fls. 108.
É que, por um lado, a jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 6/2010, publicado no DR 99, I série, de 21.05, vale apenas no concreto caso de notificação do despacho que revoga a suspensão da pena de prisão.
Por outro, a argumentação nele expendida não é, em nosso entender, adequada a sustentar idêntica solução, no que respeita ao modo de notificação, nos casos em que está em causa a notificação do despacho que converte a pena de multa em pena de prisão. Vejamos.
Tem-se como seguro que o despacho em causa carece de ser notificado ao arguido como ao defensor. Cabem aqui alguns dos fundamentos adiantados no acórdão uniformizador: está em causa a aplicação de uma pena privativa da liberdade (mais grave que muitas das decisões a que alude a excepção prevista do art. 113º, nº 9, do Código de Processo Penal) numa altura do processo em que as relações entre o arguido e o defensor, as mais das vezes, são inexistentes ou quase (perdendo-se o contacto um com o outro) e após o despacho de conversão da pena pode ainda o arguido/condenado provar que o não pagamento da pena de multa lhe não é imputável e, assim, beneficiar da suspensão da pena de prisão subsidiária nos termos do disposto no art. 49º, n.º 3, do Código Penal e mesmo recorrer da decisão que sobre essa questão se pronunciar.
Posto isto.
Demonstrando a coexistência do estatuto de arguido e condenado após o trânsito em julgado da decisão condenatória, o principal obstáculo que, nesta fase processual, se levanta no acórdão de uniformização à manutenção das obrigações decorrentes do TIR é, face ao que dispõe o art. 113º, n.º1 al. c), do Código de Processo Penal, o comando normativo contido no art. 214º, nº 1, al. e), do Código de Processo Penal, que determina a imediata extinção das medidas de coacção com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Esta dificuldade foi ultrapassada no acórdão de uniformização nas decisões em que é aplicada pena de prisão suspensa na execução. Diz-se nele que «[o]ra, este discurso, -reportando-se ao tema da manutenção do estatuto de arguido do condenado - encontra especial reflexo na condenação em pena de prisão suspensa, que, verdadeiramente, se traduz em duas condenações: a condenação - imediata - em pena substitutiva de «suspensão da pena de prisão» (artigos 50º e seguintes do Código Penal) e a condenação, mediata e eventual, em pena de prisão (condicionalmente substituída). Assim perspectivada a condenação em pena de prisão suspensa, poderá afirmar-se, então, que, na ausência, de recurso ou no seu insucesso, dela transitará tão-somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar - já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão - a condenação (condicional) em pena de prisão». Assim se conclui que a extinção das medidas de coacção, incluindo o TIR, apenas tem reflexo na condenação imediata (suspensão de execução da pena) e já não na condenação mediata (pena de prisão) e, por essa razão, que o TIR e as obrigações dele decorrentes se mantêm quanto à condenação em pena de prisão (substituída) até ao trânsito em julgado da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção. Por este meio se admite, pois, a notificação do arguido através de carta simples nos termos do disposto no art. 113º, nº1 al. c), do Código de Processo Penal.
Cremos terem, de resto, sido as razões expostas que estiveram na base da reacção dada à jurisprudência fixada:
«(…)
II- O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de 'as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada ').
III- A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de 'contacto pessoal' como a 'via postal registada, por meio de carta ou aviso registados ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» artigo 113º, n.º 1, alíneas a), b), e c) e d), do Código de Processo Penal.»
(E, por isso, ter sido intencional a redacção da uniformização no sentido de viabilizar a notificação por carta simples nos concretos casos de condenação em pena de prisão suspensa na execução, não abrangendo os demais casos, designadamente aqueles em que haja condenação em pena de multa.)
Ora, a construção efectuada no acórdão, se tem, face à especificidade da condenação, cabimento nos casos de pena de prisão suspensa na execução, não parece já ter em casos como os da condenação em prisão efectiva ou multa (como sucede no caso). Nestes há uma única decisão/condenação que, não havendo recurso, transita em julgado - fazendo o trânsito cessar, nos termos do disposto no art. 214º, n.º1 al. e), do Código de Processo Penal, todas as medidas de coacção, incluindo o TIR e as obrigações dele emergentes.
E, cessando as obrigações decorrentes do TIR, deixa de haver fundamento legal para proceder à notificação por via postal simples do arguido/condenado, por não estar expressamente prevista essa possibilidade nos termos do disposto no art. 113º, n.º1 al. c) do Código de Processo Penal.
Assim, terminando como no início, entendemos não ser de considerar o arguido notificado da decisão de fls. 108 e ser de proceder à realização de novas diligências tendentes à notificação do arguido por contacto pessoal nos termos do disposto no art. 113º, n.º1, al. a) do Código de Processo Penal.
Notifique.
*
Solicite à autoridade policial competente que diligencie por nova tentativa de notificação do despacho de fls. 108 e, caso a mesma resulte frustrada, proceda a novas tentativas durante os meses de Dezembro e de Janeiro, com especial incidência nas épocas festivas.”
*
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 2 a 11 dos presentes autos, que remata com as seguintes conclusões:
1ª - Recorre-se do despacho que ordena a notificação mediante contacto pessoal de despacho que converte a pena de multa originalmente aplicada ao arguido em dias de prisão subsidiária.
2ª - A decisão recorrida é contrária à interpretação seguida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2010, publicado no DR de 21 de Maio de 2010, na parte da decisão em que se consagra que «III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de 'contacto pessoal' como a 'via postal registada, por meio de carta ou aviso registados' (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso»[artigo 113º, n.º1 alíneas a),b) e c) e d), do CPP)»
3ª - Existe analogia entre decisão de que se recorre e a situação apreciada no AUJ citado, mostrando-se perfeitamente aplicáveis ao caso sub judice, as razões subjacentes à Jurisprudência obrigatória.
4ª - A forma de notificação por via postal simples com prova de depósito, ainda que menos garantística, não representa qualquer compressão da liberdade do arguido, pelo que inexiste razão para que, nessa parte, o efeito automático previsto no art. 214° do CPP, afecte igualmente a forma de notificação prevista no art.113°, nº3 do CPP;
5ª - O contraponto de um amplo cumprimento do princípio de contraditório em benefício do arguido, em vários momentos do processo até ao julgamento não deve ser, depois da sua condenação, a consagração da total ausência de deveres processuais;
6ª - As informações prestadas ao arguido no que concerne à forma da notificação dos actos devem permanecer válidas até ao termo do processo, sendo certo que nenhuma expectativa legítima terá um arguido condenado de que depois da sua condenação, beneficiará de regime distinto, mais favorável;
7ª - A possibilidade de comunicar alterações de residência, pelo arguido, não tem a natureza de medida de coacção mas, outrossim, consiste em faculdade cujo exercício se traduz num resultado positivo ou favorável para o respectivo estatuto jurídico-processual;
8ª - A opção pela notificação pessoal como regime-regra de notificação, após o transito da sentença condenatória é contrária a razões de certeza e regularidade na tramitação do processado, beneficiando-se assim os arguidos condenados relativamente aqueles que, ainda não tendo sido julgados, presumem-se inocentes;
9ª - Com o devido respeito, a Mmª Juíza a quo, fez incorrecta aplicação da Lei e violou, nessa medida o disposto nos arts. 49º, n.º1 do Código Penal e 113º, nºs 1 e 9, 196º, n.º 2 e 3, 214º, n.º1, al. e) e 335º, n.º5 e 6, todos do CPP;
10ª - Nestes termos, deve a douta decisão judicial em causa ser revogada e substituída por outra que ordene a emissão de mandados de detenção do arguido conforme requerido a fls.144.
Assim, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se à Mmª Juíza a quo, em harmonia com as conclusões expostas, a emissão de mandados de detenção do arguido para o cumprimento da pena de prisão subsidiária.
*
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 19.
Nesta Relação, o Ministério Público apôs o seu visto.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.- Questões a resolver
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Questão única – Averiguar se o despacho onde se determina a conversão, da pena de multa não paga em pena de prisão, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 49º do Código Penal, deve ser notificado pessoalmente ao arguido ou se basta que esta notificação seja efectuada via postal simples com prova de depósito.
*
2.- Apreciação do mérito do recurso.
Questão a decidir.
Averiguar se o despacho onde se determina a conversão da pena de multa não paga em pena de prisão, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 49º do Código Penal, o arguido deve ser notificado através de contacto pessoal ou se basta que esta notificação seja efectuada através de via postal simples com prova de depósito.
Impõe-se desde já observar que a questão colocada é diferente e mais específica que aquela que foi colocada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado, já que ali a questão a resolver prendia-se com a questão de saber se o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão tem de ser pessoalmente notificado ao condenado ou se basta a notificação ao seu defensor. É nosso entendimento que, embora a similitude das situações seja grande, a jurisprudência do AUJ n.º 6/2010, não se nos impõe, por a hipótese em apreço ser, apesar de tudo, diversa da que esteve na origem daquele Acórdão.
É certo que, nos presentes autos, a decisão da questão colocada tem subjacente, como, aliás, refere a meritíssima juiz no seu douto despacho, que a notificação do despacho onde se determina a conversão da pena de multa não paga em pena de prisão, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 49º do Código Penal, deve ser notificada quer ao arguido quer ao seu defensor.
Também sufragamos essa posição. Por o despacho (despacho decisório nos termos do artigo 97, n.º1, al. b) e 491º, n.º3 do CPP) em questão se configurar como uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação e, para mais, de uma sua alteração in pejus que tem como efeito directo a privação da liberdade do arguido condenado. Pelo que com um tal conteúdo e com uma tal importância na vida e liberdade do arguido, aproximando-se as consequências de um tal despacho das da sentença, não faria qualquer sentido que não fosse dada ao arguido a possibilidade de a conhecer pessoalmente para, querendo, dela recorrer.
Tal desiderato só se consegue com a notificação, além do defensor, também ao arguido. Só assim se satisfazendo os princípios básicos de um processo justo e equitativo – artigo 20º, n.º4 da CRP - e o integral respeito pelo direito ao recurso constitucionalmente garantido no art. 32º, n.º1 da CRP.
Em conclusão, por se tratar de decisão que afecta a liberdade do arguido em grau intenso, um tal despacho deve ser sujeito à disciplina de notificação dos actos de maior relevância processual – ressalvados na 2ª parte do n.º 9 do artigo 113º do CPP. Vide neste sentido os Acs. da rel. do Porto de 20.04.2009, relator Artur Oliveira, processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1 e da rel. de Évora de 21.05.2009, processo 1346/08.1, relator Chambel Mourisco, e de 22.04.2008, processo 545/08.1, relator, Fernando Ribeiro Cardoso.
*
Assente a exigibilidade da notificação ao arguido da decisão de onde se determina a conversão da pena de multa não paga em pena de prisão, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 49º do Código Penal, impõe-se então atacar o cerne da questão.

Notificação do arguido, através de contacto pessoal ou via postal simples com prova de depósito?

A generalização do uso da notificação por via postal simples só veio a ocorrer com as alterações introduzidas no CPP pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, decorrente da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 27-A/2000, de 17 de Novembro. Lei que teve na sua génese a Proposta de Lei n.º 41/VIII (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa, II Série-A, n.º 59, pp. 1891-1898), em cuja “Exposição de motivos” se lê:
“1 – Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política da justiça, a saber, o combate à morosidade processual.
2 – A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual, que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se, assim, imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
3 – Para a consecução de tais desígnios introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, ou, caso residam ou forem residir para fora da comarca onde o processo corre, uma pessoa que, residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhes devam ser feitas, e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou a sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Nestes casos, o distribuidor do serviço postal deposita o expediente na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada na data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
Com efeito, nestas situações não se justifica a necessidade de notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha ou, caso resida ou for residir para fora da comarca onde o processo corre, uma pessoa que, residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas (artigo 196.º, n.º 2). Assim sendo, como a constituição de arguido obriga a sujeição do arguido a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.”
No subsequente debate parlamentar, perante dúvidas suscitadas (pelos deputados Odete Santos, Guilherme Silva e Narana Coissoró) com base no risco de a notificação por via postal simples não garantir, ao menos, a cognoscibilidade, por parte do destinatário, e em especial do arguido, do acto notificado, foi salientado, designadamente em intervenções do Deputado Jorge Lacão e do Ministro da Justiça (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, I Série, n.º 10, de 13 de Outubro de 2000, pp. 33 a 40), que o sistema proposto se mostrava adequado, atentos, por um lado, os deveres de o funcionário judicial averbar em cota a data e o domicílio precisos para onde foi enviada a notificação e de o distribuidor postal averbar, para remeter ao tribunal, a data e o local precisos da entrega da carta, e, por outro lado – e decisivamente – complementados com o prévio dever de o arguido prestar termo de identidade e residência, não se podendo ausentar da residência por mais de cinco dias sem comunicar ao tribunal uma nova morada. Foi, assim, determinante para a adopção desta medida a constatação de que, surgindo, à partida, como fidedignas as indicações efectuadas pelos funcionário judicial e pelo distribuidor do serviço postal, a eventualidade de o destinatário não tomar conhecimento da notificação só a ele ser imputável, por incumprimento do dever, assumido aquando da prestação de termo de identidade e residência, de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado” (alínea b) do n.º 2 do artigo 196.º do CPP).
Esta íntima ligação entre prestação de termo de identidade e residência e admissibilidade de notificação por via postal simples resulta da conjugação dos nºs 3 e 4 do artigo 113.º com os nºs 2 e 3, mormente da alínea c), do artigo 196.º do CPP, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro.
Este último preceito, que versa sobre a prestação do termo de identidade e residência, prevê no n.º 2 que “Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha”, e no n.º 3 que “Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: (...) c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termos nesse momento”. Passaram, assim, estes a constituir “casos expressamente previstos” em que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, a notificação se pode efectuar por via postal simples, cujos trâmites são especificados nos subsequentes nºs 3 e 4, a saber:
- o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada;
- o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia-a de imediato ao serviço ou tribunal remetente;
- a notificação considera-se efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação essa que deverá constar do acto de notificação;
- se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa do correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.

Aqui chegados impõe-se perguntar qual a validade, nesta fase processual (arguido condenado com trânsito em julgado da sentença de condenação) do termo de identidade e residência (TIR) anteriormente prestado.
Dispõe o artigo 214º, nº 1, al. e) do CPP “ As medidas de coacção extinguem-se de imediato: com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
As obrigações emergentes do termo de identidade e residência, nomeadamente a prevista na al. c) do n.º3 do art. 196º do CPP, cessaram com o trânsito em julgado da sentença condenatória, como decorre do artigo 214º, n.º1 al. e) do CPP.
A partir deste trânsito deixou o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
Em abono da bondade desta última asserção a excepção expressamente consagrada em relação à subsistência da medida cautelar de caução, como decorre do n.º 4 do artigo 214º do CPP.
E ainda o entendimento de Germano Marques da Silva que configura o TIR como uma verdadeira medida de coacção: «o termo de identidade e residência é uma medida de coacção enquanto a sujeição a esta medida implica deveres para o arguido limitadores da sua liberdade» (curso de Processo Penal, Vol. II. 4ª edição, pag. 324.
Como supra referimos a introdução da via postal simples como modalidade de notificação ao arguido foi considerada como justificada, pelo legislador, atento o dever de o arguido prestar termo de identidade e residência e de desta prestação decorrer a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.
Resulta, portanto que no presente caso, dado o trânsito em julgado da sentença condenatória, estavam juridicamente extintas essa medida de coacção e esta última obrigação.
Na verdade, a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração torna não tolerável que se continue a presumir que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em TIR juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do sujeito a notificar.
O respeito pelo direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, e a consequente possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão - vide Ac. do TC n.º 422/2005, aqui seguido de perto e ainda o Ac. da Rel. de Évora de 22.04.2008, Relator, Fernando Ribeiro Cardoso, proc. 545/08.1 e ainda a argumentação expendida ao longo do AUJ n.º 6/2010, de 15 de Abril de 2010, publicado no DR. 1ª série, n.º 99, de 21 de Maio de 2010.
Pelo exposto, improcede o recurso, mantendo-se o douto despacho de que se recorre.
*
III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal da relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência manter o despacho recorrido.
Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento (artigo 522º, n.º1 do CPP).
**
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Porto, 19 de Janeiro de 2011.
Maria Dolores da Silva e Sousa
José João Teixeira Coelho Vieira