Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
375/08.3TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP00043585
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CONTRATO A TERMO
Nº do Documento: RP20100222375/08.3TTGDM.P1
Data do Acordão: 02/22/2010
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 97 - FLS 02.
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo um hospital público celebrado com uma trabalhadora, vários contratos a termo, sem indicação concreta de motivo, estamos face a contratos a termo sucessivos e sem justificação.
II - A Directiva 1990/70/CE, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho visa evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos a termo.
III - Para o efeito, os Estados membros, caso ainda não o tenham feito, deverão adoptar medidas conducentes à fixação de razões objectivas que justifiquem as renovações dos contratos, de duração máxima total dos sucessivos contratos ou do número máximo das suas renovações.
IV - Tendo o Estado Português transposto tal Directiva para o direito interno, no que respeita aos contratos de trabalho a termo do sector privado, não o fez para os contratos a termo celebrados com pessoas colectivas públicas.
V - Assim e no seguimento do decidido no acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 2006-07-04, processo n.º C-212/04 in www.curia.europa.eu consultado em 2010-02-06 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV-2006, Tomo II, pág. 11 ss, devem os contratos a termo, imotivados e sucessivos, celebrados com pessoas colectivas públicas, ser considerados contratos sem termo.
VI - A aplicação do direito interno, nesta acepção da Directiva, não é inconstitucional, por violação do art. 47º, n.º 2 da CRP, tanto mais que o contrato sem prazo é hoje uma das modalidades regra de prestar trabalho na Administração pública, embora sem adquirir a qualidade de funcionário.
VII - Ao contrário, a norma que proíbe absolutamente, apenas na Administração Pública, a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, nas apontadas circunstâncias, é inconstitucional, por violação do princípio da segurança no emprego, ínsito no art. 53º da CRP, pois não permite a reintegração no posto de trabalho.
VIII - O acórdão do TJCE dando cabal cumprimento aos objectivos do acordo quadro e da Directiva, proporciona a harmonização do direito mínimo relativo a contratos a termo em cada um dos Estados Membros da Comunidade Europeia sendo que, no nosso caso, tal harmonização é conforme à CRP, não existindo assim qualquer dissonância entre os dois ordenamentos jurídicos: nacional e comunitário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 654
Proc. N.º 375/08.3TTGDM.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


B………. deduziu em 2008-09-01 a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra o Hospital ………., E.P.E., pedindo que se:
I – Declare:
a) - Que entre A. e R. vigora um contrato de trabalho sem termo, com início a 2002-07-15 e cuja cessação foi feita operar ilicitamente pela R. a 2008-01-31;
b) - Ilícita a caducidade operada a 2008-01-31, por se tratar de um contrato sem termo e
c) - O despedimento da A. como ilícito por não ter sido precedido de prévio procedimento para o efeito e, consequentemente, ser a A. readmitida ao serviço da R., vigorando entre ambas um contrato de trabalho sem termo;
II – Condene a R. a pagar à A. a retribuição integral, respectivos suplementos e subsídios, desde a data da cessação até efectivo e integral pagamento, acrescida de juros à taxa legal.
Alega a A., para tanto e em síntese, que foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Hospital ………., Unidade de Saúde do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 2002-07-15, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 53/98, de 11 de Março, que foi renovado até 2003-01-15, data em que cessou por caducidade.
O mesmo aconteceu nas datas de, respectivamente:
a) - 2003-01-22 e 2003-07-22, como auxiliar de acção médica;
b) - 2003-07-30 e 2004-01-30, como auxiliar de apoio e vigilância, mas continuando a executar as mesmas funções anteriores;
c) - 2004-03-01 e 2004-09-01, como auxiliar de acção médica;
d) - 2004-11-13 e 2005-05-13, desta feita como auxiliar de apoio e vigilância e
e) - 2005-05-13 e 2005-11-11, como auxiliar de acção médica.
Mais alega a A. que foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço da R., sob a autoridade e direcção deste, em 2006-02-01, mediante contrato escrito a termo certo por 12 meses, agora ao abrigo do Código do Trabalho, por força do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, que foi renovado até 2008-01-31, data em que cessou por caducidade, dele constando que é celebrado a termo certo considerada a criação do Hospital como entidade pública empresarial [E.P.E.] pelo referido diploma, com a consequente adopção de um novo modelo de gestão e verificadas as oscilações e insuficiências de pessoal no sector de serviços gerais, decorrentes desse mesmo início de actividade e até consolidação do modelo de gestão que lhe é inerente.
Alega também que trabalhou no referido hospital desde 2002-07-05 até 2008-01-31, ininterruptamente, não se encontrando cada um dos contratos justificados legalmente, nem sendo verdadeiros os motivos invocados, sendo certo que foi abusiva a utilização de contratos de trabalho a termo sucessivos, face ao direito e jurisprudência nacionais e europeus.
Alega por último que a invocada caducidade do último contrato de trabalho a termo configura um despedimento ilícito, com as legais consequências.
Contestou a R., por impugnação, alegando que os contratos de trabalho celebrado entre as partes o foram a termo, legalmente justificados, sendo verdadeiros os motivos indicados em cada um deles e que, por outro lado, se verificaram, entre quase todos eles, os legais hiatos temporais de inactividade, infringindo o entendimento oposto, tanto a lei, como a jurisprudência, quer nacionais, quer comunitárias.
Na data designada para julgamento o douto Mandatário da R. disse que prescindia da inquirição das suas testemunhas e, “Aberta a audiência, o Mmº. Juiz [a quo] deu a palavra aos ilustres Mandatários para alegações, os quais no seu uso as fizeram” e “Findas as alegações, o Mmº. Juiz deu por encerrada esta audiência.”, conforme ipsis verbis consta da acta de fls. 95 e 96, seguindo-se a sentença a fls. 97 ss.
Proferida sentença, o Tribunal a quo:
I – Declarou o Tribunal do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido no que respeita aos contratos de trabalho celebrados entre as partes no período compreendido entre Julho de 2002 e 2005-12-31, por serem administrativos e
II – Quanto ao mais, julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.
Inconformada com o assim decidido, veio a A. interpôr recurso de apelação, invocando nulidades da sentença no respectivo requerimento e pedindo a revogação da mesma decisão, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida viola de forma clara e frontal o disposto no art. 2º do DL 233/2005, de 29 de Dezembro, na medida em que procede à análise dos contratos em vigor antes da sua entrada em vigor, apenas e só pelo disposto no DL 427/89, de 7 de Dezembro.
2. Tais contratos, ainda que celebrados ao abrigo de tal diploma, não podem deixar de ser enquadrados como uma responsabilidade assumida pelo recorrido nos termos do normativo vindo de citar do DL 233/2005, de 29 de Dezembro.
3. Não pode olvidar-se que o recorrido podia, a 31 de Dezembro de 2005, expressamente deixar claro que não pretendia prorrogar ou contratar a recorrente.
4. Não tendo usado tal prerrogativa, não pode a posteriori alegar que o passado não é seu, como se não tivesse de pagar as dívidas contraídas pelo seu antecessor.
5. O art. 2º do DL 233/2005, não deixa qualquer excepção. Ou seja, todas os direitos e obrigações assumidas pela entidade cessante são assumidas pela nova entidade agora criada.
6. Se é bom por um lado passar a assumir-se como entidade privada no que tange, entre outros, à facilidade de contratação, não deixará também de sobre si pender o ónus de tais contratações e respectivas regras.
7. Desta sorte a sentença recorrida erra ao entender que não pode pronunciar-se sobre os contratos celebrados pela recorrente em data anterior à prolação do diploma vindo de citar, pelo que por tal facto se declara incompetente em razão da matéria.
8. Maior erro não podia ser assumido pela sentença recorrida, já que por aplicação do art. 2° do DL 233/2005, tal desiderato passou de facto e de direito para a alçada dos tribunais civis, desde logo, do tribunal de trabalho de Gondomar.
9. Ora, tudo visto neste prisma, surge a sentença recorrida inquinada com erro na fundamentação jurídica da decisão (erro de direito), nos termos do Art. 668°, n.º 1, aI. b) CPC, vício este, que sanciona com nulidade a sentença recorrida.
10. Ainda relativamente à considerada incompetência em razão da matéria, deve ser entendido que à data da celebração do contrato com o recorrido, em 1 de Fevereiro de 2006, a ora recorrente já tinha com o recorrido um contrato sem termo nos termos do art. 141° do CT por excesso de renovações.
11. Contudo, tendo o recorrido imposto a celebração de um contrato em 1 de Fevereiro de 2006, tal significa que entre 31 de Dezembro de 2005 e aquela data a recorrente esteve com um contrato de trabalho sem termo, tal como o determina o art. 145° do CT.
12. Ao não ser dessa forma analisada a sentença recorrida viola o disposto nos art. 141º e 145º do CT.
13. Por outro lado, as circunstâncias que estiveram subjacentes em todas as contratações são exactamente as mesmas, quer quando o recorrido estava integrado no SNS, quer quando alterou o seu estatuto jurídico para EPE (aqui também integrado no SNS).
14. Não pode a alteração da natureza jurídica do recorrido, ou a transição para empresa pública prejudicar os trabalhadores contratados aquando hospital do SNS, como, efectivamente aqui se coloca.
15. Posição adoptada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo 0712929, reforçando que o Estado, na sua veste de empregador, no caso sub iudice até 11/11/2005, está obrigado a promover a segurança no emprego, por aplicação da Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28/06/1999.
16. Ora, tal consubstancia, também, erro de direito da sentença recorrida, o que nos termos do art. 668º do CPC implica a sua nulidade, desde logo porque o tribunal a quo se limita a referir que não perdeu de vista o dito acórdão.
17. Ademais, reiteramos nesta sede que existe uma evidente violação do princípio constitucional da segurança no emprego e protecção da confiança e legítimas expectativas dos trabalhadores.
18. Com o devido respeito, o Tribunal a quo, não considerou o caso concreto como tal, baseando-se apenas numa interpretação que nem a letra da Lei acolhe, descurando o que a lei pretende acautelar com os requisitos legais do art. 129°, é a utilização abusiva da figura jurídica do contrato a termo para fazer face a necessidades permanentes.
19. O Réu justificou, pois o contrato a termo em circunstancialismo não temporário, referido no n.º 3, do Art. 129°: início de actividade.
20. Ora, o Réu, aqui recorrido foi criado pela Lei de 29 de Dezembro de 2005 como empresa pública ou E.P.E.
21. A A., aqui recorrente foi contratada em 15/07/2002.
22. Desde a data da contratação até à data do despedimento a trabalhadora exerceu sempre as mesmas funções, oscilando, devido às diversas contratações, entre as categorias de auxiliar de acção médica e auxiliar de apoio e vigilância.
23. Existiu clara e evidente utilização abusiva da figura jurídica de contratação a termo, e, a aposição da categoria ora de auxiliar de acção médica, ora de auxiliar de apoio e vigilância, mais não foi que um mecanismo, de má fé, pensado para ultrapassar a questão do excesso de renovações.
24. Assim, não pode o Réu, ora recorrido arrogar-se da simples expressão início de actividade para se desresponsabilizar dos direitos dos trabalhadores que teriam de salvaguardar.
25. Até porque não se trata de início de actividade, já que estava instituída, desde logo pela natureza do recorrido, tratar-se antes de operar a transição como E.P.E. - ínsita no SNS, o que certamente, envolveu alterações jurídicas, administrativas e económicas mas nunca relativamente à actividade, pois esta continuou com o mesmo volume, quando era hospital com estatuto exclusivamente público do S.N.S.
26. Dir-se-á pois que andou erradamente a sentença ora sob mérito ao considerar que esta simples alteração de estatuto jurídico poderia significar a total desresponsabilização em relação ao pessoal, como se viu em situação de manifesta afronta ao disposto no art. 2° do DL 233/2005.
27. Ainda se terá de considerar que a situação não implica apenas injustiça, mas também violação de princípios constitucionais muito caros aos trabalhadores: o princípio da segurança no emprego (Art.53° CRP), o princípio da protecção da confiança e tutela das legítimas expectativas.
28. Nestes termos, não se trata apenas de uma injustiça perpetrada nos direitos desta trabalhadora, mas de uma flagrante violação dos direitos constitucionais pela utilização abusiva do contrato de trabalho a termo.
29. A sentença ora objecto de recurso carece de fundamentação jurídica, não fornece os pressupostos de direito sobre os quais se apoiou para decidir pela improcedência da acção, apenas se limitou numa interpretação da Lei sem paralelo.
30. De facto, a recorrente não pode conformar-se com a fundamentação no início de actividade e no mero dever de aplicação da Iei, já que viu os seus direitos afectados, desde logo ao tratamento diverso emprestado em relação aos demais trabalhadores contratados.
31. Dúvidas não restam, que os termos apostos nos diversos contratos desta trabalhadora são nulos, por injustificados.
32. Assim sendo, a sentença que não os considerou como tal, padece desses mesmos vícios, ou seja nula por insuficiente fundamentação.
33. Desse modo, a cristalizar-se na ordem jurídica, constitui clara, evidente e expressa lesão directa e imediata dos direitos da recorrente.
34. Errou o tribunal a quo, tal como se deixou alegado supra, ao proferir a sentença recorrida em manifesta violação do disposto nos art. 129°, nº 3, 130°, nº 1 e 2, 131°, nº 4, 139°, nº 1 e 2 e 141°, todos do CT e, por esta via vai a sentença recorrida ferida de vício gerador de nulidade nos termos do art. 668°, nº 1 b) do CPC.
35. Violações que se centram no não lançamento de uma nova actividade – nº 3 do art. 129º CT – já que como se deixou expresso se assistiu apenas a uma alteração de estatuto jurídico, mantendo-se tudo como até então, apenas com uma certeza, o aviamento é garantido porque o recorrido continua a ser um Hospital Central do SNS.
36. A sentença recorrida encontra-se assim tirada em manifesto erro, porquanto se não pode aplicar o normativo vindo de citar, por se não poder considerar estarmos perante um início de actividade nos termos definidos no CT.
37. Por maioria de razão a justificação do termo encontra-se tirada exclusivamente de forma a iludir o contrato sem termo de que já era detentora a recorrente, o que gera violação de lei nos termos do art. 131°, nº 4.
38. De igual forma se encontra violado o art. 130, nº 1 e 2, na medida em que, como se deixou provado supra, a estipulação do termo não teve outro motivo que não fora o de iludir o trabalhador e desta sorte, a cominação seria a de consideração do contrato sem termo, por excesso de renovações e do período máximo de contratação a termo.
39. Ao não considerar esta violação a sentença recorrida, uma vez mais viola a lei, e como tal será também por esta violação nula.
40. Finalmente, a sentença recorrida viola o art. 139° nº 1 e 2 e 141º do CT. De facto, o contrato proposto à recorrida em 1 de Fevereiro de 2006, iria obviamente não só exceder os três anos máximos de contrato a termo, como iria impor um limite superior ao de lei para as respectivas renovações, designadamente pela exclusão referida no nº 3 deste mesmo art.
41. Não poderia, sob pena de nulidade da respectiva cláusula, ser celebrado o contrato a prazo imposto pela Recorrida em Fevereiro de 2006.
42. O que, à luz do disposto no art. 141º faria com que o contrato passasse a ser sem termo, contando-se a antiguidade ab initio.
43.Desta sorte, a sentença recorrida ao ter infringido os preceitos vindos de citar, incorre em nulidade a que se reporta o art. 668º do CPC.

A R. apresentou a sua contra-alegação, que concluiu pela confirmação da sentença.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1° - A Autora foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Hospital ………., Unidade de Saúde do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em15/7/02, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15.1, e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11.3, que foi renovado até 15/01/03, data em que cessou por caducidade.
2° - A Autora foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Hospital ………. do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 22/01/03, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15.1, e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11.3, que foi renovado até 22/07/03, data em que cessou por caducidade.
3° - A Autora foi admitida ao serviço do Hospital ………. do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 30/07/03, desta feita como auxiliar de apoio e vigilância, mas continuando a executar as mesmas funções anteriores, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15.1, e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11.3, que foi renovado até 30/01/04, data em que cessou por caducidade.
4° - A Autora foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Hospital ………. do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 1/03/04, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15.1, e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11.3, que foi renovado até 1/09/04, data em que cessou por caducidade.
5° - A Autora foi admitida ao serviço do Hospital ………. do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 13/11/04, desta feita como auxiliar de apoio e vigilância, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15.1, e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11.3, que foi renovado até 13/05/05, data em que cessou por caducidade.
6° - A Autora foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Hospital ………. do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 13/05/05, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15.1, e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11.3, que foi renovado até 11/11/05, data em que cessou por caducidade.
7° - A Autora foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Réu, sob a autoridade e direcção deste, em 1/02/06, mediante contrato escrito a termo certo por 12 meses, agora ao abrigo do Código do Trabalho por força do Decreto-Lei n.º 233/2005, que foi renovado até 31/1/08, data em que cessou por caducidade.
8° - Consta desse contrato escrito que o contrato é celebrado a termo certo considerada a criação do Hospital como entidade pública empresarial pelo Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29.12, com a consequente adopção de um novo modelo de gestão e verificadas as oscilações e insuficiências de pessoal no sector de serviços gerais, decorrentes desse mesmo início de actividade e até consolidação do modelo de gestão que lhe é inerente.
Está também provado o seguinte facto:
9º - A A. auferia a retribuição ilíquida de € 450,37, acrescida de € 3,83 de subsídio de alimentação por cada dia completo e efectido de trabalho, bem como um prémio de produtividade/assiduidade, no valor de 20% da retribuição ilíquida, preenchidos os requisitos constantes da cláusula 7ª do contrato escrito referido no antecedente ponto 7º, cujo teor aqui se dá como reproduzido – cfr. fls. 42.

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são três as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I – Nulidade da sentença.
II – Competência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria.
III – Nulidade do termo constante dos vários contratos de trabalho e suas consequências: readmissão da A. ao serviço da R. e retribuições vencidas e vincendas.

A 1.ª questão.
Trata-se de saber se a sentença é nula.
Na verdade, tendo a A. invocado a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso, dirigido ao Tribunal a quo, fundamentou-a na alegação respectiva, tendo aí alegado que a sentença é nula porque julgou o Tribunal do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer os contratos de trabalho celebrados nos anos de 2002 a 2005 e, quanto ao celebrado em 2006, considerou que o termo era válido. Trata-se, a seu ver, de violação do disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil.
Vejamos.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através de recurso de agravo. Porém, as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este tenha a possibilidade de sobre elas se pronunciar, indeferindo-as ou suprindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade[3].
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[4].

In casu, a A., ora apelante, invocou a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso, pelo que dela devemos tomar conhecimento.
Dispõe, adrede, o Cód. Proc. Civil:
ARTIGO 668.º
(Causas de nulidade da sentença)
1. É nula a sentença:
e) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Analisando a sentença, verificamos que ela contém a descrição dos factos provados, bem como foi versado o direito, tido por pertinente, pelo que não ocorre o vício apontado: ausência de fundamentos de facto e de direito. Na verdade, a fundamentação da nulidade, empreendida pela apelante, não concordando com a declaração de incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria e com o entendimento acerca da regularidade do termo aposto no último contrato de trabalho celebrado, revela que a questão colocada não briga com a matéria da nulidade da sentença, mas com a matéria do erro de julgamento, o que é bem diferente.
Tal significa, sem necessidade de mais aprofundadas considerações, que a sentença não se encontra inquinada do apontado vício.
Improcede, destarte, a invocada nulidade da sentença.

A 2.ª questão.
Trata-se de saber se o Tribunal do Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer os contratos de trabalho a termo dos autos, celebrados desde o ano de 2002 até ao de 2005.
Tal é a questão suscitada pela apelante, uma vez que o Tribunal do Trabalho se declarou incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido no que respeita aos referidos contratos de trabalho.
Vejamos.
O Tribunal a quo conheceu a questão, ex officio, na sentença.
Entendendo ser competente a jurisdição administrativa, podia fazê-lo em tal acto e por sua iniciativa, atento o disposto no Art.º 102.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil[5].
Por outro lado e como é sabido, é pelo pedido do autor que se afere da competência material do Tribunal, mesmo que a acção tenha sido deduzida incorrectamente, tanto do ponto de vista adjectivo como do direito substantivo, isto é, o autor é soberano nesta sede, pois o Tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado.[6]
Configurando a A. os contratos de trabalho a termo dos autos como um único contrato de trabalho por tempo indeterminado, todos de natureza privada, que não atribuem a qualidade de agente administrativo e pedindo a reintegração no Hospital e as retribuições vencidas e vincendas, tudo apontaria no sentido de a competência, em razão da matéria, pertencer aos tribunais do trabalho, atento o disposto no Art.º 85.º, alínea b) da Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais [LOFTJ], aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro. Aliás, tanto é assim, que a delimitação negativa da competência dos tribunais administrativos e fiscais, empreendida pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aponta claramente no sentido propugnado, quando no seu Art.º 4.º, n.º 3, alínea d), dispõe:
Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que
uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público.
Do exposto resulta que o Tribunal do Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer todos os pedidos deduzidos na petição inicial, pelo que a sentença deve ser revogada na parte respectiva, assim procedendo as pertinentes conclusões da apelação.

A 3.ª questão.
Trata-se de saber se se verifica a nulidade do termo constante dos vários contratos de trabalho.
Como vem provado sob o ponto 1°, supra, “a A. foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Hospital ………., Unidade de Saúde do Ministério da Saúde, sob a autoridade e direcção deste, em 2002-07-15, mediante contrato escrito a termo certo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro e do Decreto-Lei n.º 53/98, de 11 de Março…”.
Sendo o Hospital ………., ao tempo, uma unidade do Sistema Nacional de Saúde [de ora em diante, apenas, SNS], foi correctamente invocada a legislação referida, faltando apenas mencionar o Decreto-Lei n.º 68/2000, de 26 de Abril, que alterou parcialmemte a redacção dos Art.ºs 18.º e 18.º-A, a qual se encontrava consolidada aquando da admissão da A. ao serviço, nos seguintes termos:
Artigo 18.º
Pessoal
1 - É aplicável ao pessoal do SNS o regime dos funcionários e agentes da administração central, com as alterações previstas no presente Estatuto e nas leis que especialmente lhe respeitem.
3 - Tendo em vista assegurar, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias e urgentes em serviços e estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, podem ser celebrados, mediante despacho de autorização do Ministro da Saúde, contratos de trabalho a termo certo para o exercício de funções correspondentes às das carreiras médica, de enfermagem, de técnico superior de saúde, de técnico superior de serviço social, de técnico de diagnóstico e terapêutica, de auxiliar de acção médica e de auxiliar de apoio e vigilância.
4 - Pode, excepcionalmente, em termos devidamente fundamentados, recorrer-se à contratação de outro pessoal que se mostre absolutamente indispensável a garantir apoio imprescindível à prestação de cuidados de saúde e desde que esgotadas as hipóteses de recursos aos instrumentos de mobilidade existentes na Administração Pública.
5 - As administrações regionais de saúde devem enviar trimestralmente ao Departamento de Recursos Humanos da Saúde listagens nominativas do pessoal contratado nos termos do presente diploma.
Artigo 18.º-A
Contrato de trabalho a termo certo
1 - Os contratos de trabalho a termo certo a que se refere o n.º 3 do artigo anterior podem ser celebrados pelo prazo máximo de seis meses, renovável por iguais períodos mediante despacho do Ministro da Saúde, não podendo a sua duração total exceder o prazo de dois anos.
2 - Os contratos de trabalho a termo certo são sempre celebrados por urgente conveniência de serviço e regem-se, em tudo o que não estiver expressamente previsto no presente diploma, pelo disposto nos artigos 18.º a 21.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.
3 - Nos casos em que a insuficiência de pessoal esteja a comprometer a prestação de cuidados de saúde, podem ser celebrados, a titulo excepcional, contratos de trabalho a termo certo, pelo prazo máximo de três meses, renovável por um único igual período, com dispensa do processo de selecção sumário a que se refere o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.
4 - A celebração dos contratos de trabalho a termo certo nos termos do número anterior deve ser ratificada pelo Ministro da Saúde nos 30 dias subsequentes à celebração do contrato, sob pena da sua ineficácia a partir da notificação da decisão de não ratificação, ou do termo do referido prazo de 30 dias.
5 - Para efeitos do disposto no presente artigo, devem os serviços e estabelecimentos interessados instruir as propostas, ou pedidos de ratificação, com a indicação do número de contratos a termo certo válidos à data, e, no caso dos pedidos de ratificação, juntar ainda fundamentação comprovativa da situação que justificou a celebração do contrato.
6 - Salvo em casos especificadamente fundamentados e justificados mediante parecer prévio da administração regional de saúde respectiva, o número de contratos celebrados de acordo com o presente artigo não pode exceder um quinto da dotação global do quadro ou do mapa de pessoal do estabelecimento.
7 - A celebração de contratos de trabalho a termo certo nos termos do presente Estatuto é comunicada ao Ministro das Finanças e ao membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública.
8 - Os dirigentes dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde incorrem em responsabilidade civil e disciplinar pela violação do disposto no presente artigo e respondem solidariamente pela reposição das verbas indevidamente pagas.
O n.º 2 deste último artigo remete-nos para o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, sendo relevantes os seguintes[7]:
Artigo 18.º
Admissibilidade
1 - O contrato de trabalho a termo certo é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada.
2 - O contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado nos seguintes casos[8]:
a) Substituição temporária de um funcionário ou agente;
b) Actividades sazonais;
c) Execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado, precisamente definido e não duradouro;
d) Aumento excepcional e temporário da actividade do serviço;
e) Desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços.
3 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, entende-se por actividade sazonal aquela que, por ciclos da natureza, só se justifica em épocas determinadas ou determináveis de cada ano.
4 - O contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo.
5 - A celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no presente diploma implica a sua nulidade e constitui os dirigentes em responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos, sendo ainda fundamento para a cessação da comissão de serviço nos termos da lei.
6 - A responsabilidade financeira dos dirigentes referidos no número anterior consiste na entrega, nos cofres do Estado, do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado.
Artigo 20.º
Estipulação do prazo e renovação do contrato
1 - O contrato de trabalho a termo certo pode ser objecto de renovação, mas a sua duração total nunca poderá exceder dois anos, com excepção dos contratos celebrados ao abrigo da alínea e) do n.º 2 do artigo 18.º que se relacionem com projectos desenvolvidos com apoio internacional, os quais podem ter a duração de três anos, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - O contrato de trabalho a termo certo celebrado ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 18.º não pode ter a duração superior a seis meses, sem possibilidade de renovação.
3 - O contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses nas situações previstas nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 18.º.
4 - A renovação do contrato de trabalho a termo certo é obrigatoriamente comunicada, por escrito, ao contratado com a antecedência mínima de 30 dias sobre o termo do prazo, sob pena de caducidade.
5 - Considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação.
6 - Atingido o prazo máximo do contrato de trabalho a termo certo, não pode ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto, com o mesmo ou outro trabalhador, antes de decorrido o prazo de seis meses.
7 - Para efeito do disposto no número anterior, consideram-se objecto do contrato as funções efectivamente exercidas.

Ora, analisando os factos provados, no confronto com as normas acabadas de transcrever, verificamos que, apesar de ser obrigatório elencar os factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo do termo, nenhum dos contratos celebrados entre os anos de 2002 a 2005 satisfez tal requisito, limitando-se a invocar a disposição legal entendida como fundamento da celebração de tais acordos.
Por outro lado, os contratos foram celebrados - e executados - para a prática da mesma actividade, apesar da diferença das denominações categoriais deles constantes – de auxiliar de acção médica e de auxiliar de apoio e vigilância – em nenhum deles tendo sido observado um prazo de 6 meses; aliás, entre o primeiro e o segundo e entre este e o terceiro, mediaram hiatos de 7 e 8 dias, respectivamente, nenhum tendo ocorrido entre o quinto e o sexto contratos.
Daqui decorre que os contratos de trabalho a termo dos autos não se encontram justificados e que são sucessivos, o que implica a sua nulidade, atento o disposto no Art.º 18.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro e não a nulidade do termo, como ocorre no contrato individual de trabalho celebrado com entidade privada – cfr. os Art.ºs[9] 41.º, n.º 2 e 41.º-A, n.º 1 Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, de ora em diante também designado por LCCT. Aliás, daquela norma, Art.º 18.º, n.º 5, parece nada mais resultar que não seja, para os dirigentes, maxime, a “responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos”, sendo certo que “O contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo.”, como dispõe o n.º 4 do mesmo artigo[10].
No entanto, tendo a A. pedido a sua readmissão, quid juris?
É o que veremos na questão seguinte.

A 4.ª questão.
Trata-se de saber se a A. deve ser readmitida ao serviço da R.
Ao tempo do início de funções, em 2002, vigorava para o contrato individual de trabalho regulado pela LCT, vulgo do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 1969-11-24, a LCCT, em cujos Art.ºs 41.º, n.º 2 e 41.º-A, n.º 1 se estatuía para hipóteses paralelas às dos autos, embora ocorridas em contratos celebrados com entidades privadas, a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo, quando nas pessoas colectivas públicas, como vimos na questão anterior, o contrato de trabalho a termo certo … não se converte, em caso algum, em contrato sem termo.
Frente a consequências tão diversas para hipóteses em que o traço diferenciador brigava apenas com a natureza da entidade – pública ou privada – dadora de trabalho, cedo se dividiram as opiniões ao nível da doutrina e da jurisprudência.
É bom que se diga que depois de um período inicial de alguma confusão, a corrente predominante, maxime, ao nível da jurisprudência, firmou-se no sentido da não convertibilidade dos contratos a termo celebrados na admnistração pública, em contratos por tempo indeterminado.
De tal sorte que o Tribunal Constitucional tirou sobre a matéria um aresto com força obrigatória geral, no sentido maioritário indicado, com fundamento essencialmente em que a referida conversão do contrato a termo em contrato sem termo ofendia o princípio da igualdade no acesso à função pública, ínsito no Art.º 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa [CRP][11], para além de criar uma nova forma de ingresso na função pública: contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.
Trata-se do Acórdão n.º 368/2000, de 2000-07-11[12], que decidiu:
“… o Tribunal Constitucional decide declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição”.
Tal aresto, embora com força obrigatória geral, obteve a maioria derivada apenas do voto do seu Presidente, tendo merecido o seguinte voto de vencido do Exm.º Conselheiro Bravo Serra:

“Entendendo que a norma declarada inconstitucional no presente aresto não padece de um tal vício, votei vencido quanto à decisão agora tomada.Cumpre, por isso, indicar, embora sinteticamente, os motivos deste meu voto dissidente.
Muito embora se não possa asseverar que, constitucionalmente, o regime da «função pública» aponte para a perpetuidade do exercício de funções na Administração por banda dos respectivos trabalhadores, isso não significa que a garantia da segurança no emprego postulada pelo artigo 53º da Lei Fundamental lhes não seja aplicável, pelo que, para se usarem algumas das palavras do Acórdão deste Tribunal nº 285/92 (in Diário da República, 1ª Série-A, de 17 de Agosto de 1992), no plano daquela garantia constitucional, eles dela beneficiam de idêntico modo do "que usufruem os trabalhadores submetidos ao contrato individual de trabalho", não obstando a essa conclusão "numa primeira análise, a especial relação estatutária" que os envolve.
Sendo embora certo que a contratação a termo de trabalhadores por parte da Administração Pública tem por finalidade legal unicamente a de ocorrer a necessidades pontuais e não permanentes de serviço, menos certo não é que se assiste e tem assistido a que aquela Administração se tem servido do labor desempenhado por tais trabalhadores por períodos muito dilatados, o que, ao fim e ao resto, vem conduzir a que licitamente se possa concluir que aquela finalidade não tem sido, em bom rigor, a iluminante da celebração e perduração de inúmeros contratos celebrados com variados trabalhadores em vários serviços da aludida Administração.
Por isso, uma tal prática conduz, desde logo, no limite e por um raciocínio ad absurdum, a que - em face da aceitação da tese, acolhida no acórdão a que a presente declaração se encontra apendiculada, da compatibilidade constitucional da norma em apreço - a Administração possa, fundada tão só num argumento de ocorrência daquelas necessidades (e que, porventura, poderá não corresponder à realidade), começar a desempenhar assinalável parte das suas funções pelo recurso a meios humanos meramente vinculados por contratos de trabalho a termo certo, ficando, desta arte, com o poder de, ad libitum, dispensar qualquer trabalhador. Ora, a ocorrer esta situação, possível será a satisfação de uma abundante fatia das incumbências da Administração por parte de um acentuado número de meios humanos aos quais, minimamente, não é concedida a garantia que deflui do artigo 53º da Constituição, sendo que não foi o próprio Estado que, ciente que estava das carências dos lugares dos seus quadros e da manutenção no tempo das necessidades dos serviços - que implicariam o aumento daqueles quadros -, curou de prover quanto a esse aumento.
E nem se diga que se não deve transpor para o contrato de que nos ocupamos a consideração de que no âmbito laboral privado, a «conversão» dos contratos a termo certo em contratos sem prazo, decorridos que sejam determinadas prorrogações daqueles, deve ser perspectivada como uma sanção pelo uso de artifício da entidade patronal que se «serviu» daqueles contratos e da respectiva manutenção para além do prazo legalmente estabelecido para, provavelmente, prover à satisfação de necessidades permanentes de serviço. É que, na realidade das coisas, não se vê como se possa, por um lado, inferir no sentido de haver um provimento de satisfação de necessidades permanentes de serviço quando uma entidade patronal privada excede o período máximo de renovação dos contratos de trabalho a termo e, por outro, que uma tal inferência já não seja cabida quando a Administração se vai também servir dessa renovação, múltiplas vezes muito para além daquele período máximo que se encontra estatuído para o regime privatístico do contrato de trabalho a termo.
É também certo que a «conversão» de que nos ocupamos não pode ser visualizada como o único ou, sequer, o meio indispensável para se assegurar a garantia decorrente do artigo 53º da Constituição; simplesmente, no que tange ao regime dos contratos celebrados a termo certo pela Administração, o que se torna indubitável é que nenhum outro meio dele se extrai e de onde, principalmente na vertente do trabalhador, se possa considerar como servindo, actuando ou funcionando ao jeito de um óbice à sua insegurança no emprego.
Tendo em conta a progressiva aproximação do regime dos «trabalhadores da função pública» com o regime laboral comum privatístico, o que é certo é que, com a declaração de inconstitucionalidade ora operada neste aresto, isso vai representar, se não uma desigualdade constitucionalmente censurável, pelo menos uma dissemelhança eivada de injustiça, quando é certo que o Estado - no exercício do seu poder legiferante e em que não pode deixar de ter em conta comandos constitucionais tão relevantes como os tocantes a direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores - vem impor que nas relações laborais privadas, passados que sejam três anos, os contratos a termo celebrados sem interrupção se «convertam» em contratos sem termo.
Não está em causa, como é evidente, questionar a compatibilidade constitucional da celebração, no âmbito da Administração Pública, de contratos a termo certo; o que está, isso sim, é saber se, à míngua de qualquer meio que, no respectivo regime, possa ser surpreendido como obstaculante da insegurança no emprego decorrente da possibilidade de, em qualquer altura, ser cessado esse contrato após terem ocorrido variadas prorrogações dele, a interpretação que veio a ser perfilhada na decisão impugnada, de um lado, é asseguradora da garantia proclamada pelo artigo 53º da Constituição e, de outro, se essa mesma interpretação vai violar a Lei Fundamental.
Por outro lado, e é isto que ora releva, não se me afigura que, contrariamente ao que é defendido maioritariamente neste acórdão, a norma em crise constitua infracção ao nº 2 do artigo 47º da Constituição.
De facto, e não se deixando de anotar os problemas (de que, por entre outros, dão conta Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 264) que se podem levantar acerca do conceito de função pública utilizado naquele normativo constante do Diploma Básico, não posso deixar de sublinhar que a via de concurso como meio de acesso àquela função não é algo imperativamente consagrado na Lei Fundamental, e isso pela singela razão segundo a qual o que naquela disposição se prescreve é que tal via deve, em regra, ser utilizada, não se dizendo, assim, que a regra do concurso é a única utilizável.
Depois, e seja como for, se se admitir que naquele conceito de função pública cabe o exercício de qualquer actividade ao serviço de uma pessoa colectiva pública qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório (para se usarem as palavras dos autores citados), então há que reconhecer que, se se postergou o concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal em condições idênticas à da recorrida, isso deveu-se, afinal, a um comportamento da Administração, que desse pessoal se serviu por um lapso de tempo não diminuto (e pelo menos com mais de três prorrogações). A violação da regra do concurso não se situaria, dessa sorte, na norma em análise, mas, em rectas contas, numa actuação da Administração que, servindo-se de preceitos permissivos da contratação a termo certo com vista à satisfação de necessidades temporárias, sazonais e excepcionais, os foi utilizar para um desenvolvimento das suas normais actividades.
Ainda depois, não se pode passar em claro que, mesmo no âmbito da celebração de contratos a termo certo, a oferta de emprego não deixa de ser objecto de publicitação, a ela, portanto, os demais interessados se podendo candidatar, e que o pessoal a contratar deve ser adequadamente habilitado e qualificado para o desempenho de funções (cfr. artº 19º do Decreto-Lei nº 427/89), pelo que, neste particular, se não lobrigam, a nível substancial, quaisquer abissais diferenças no que concerne à orientação e satisfação do interesse público, à natureza e intensidade dos interesses a ponderar e o direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção quanto aos «trabalhadores da função pública» comparativamente com os trabalhadores do sector privado.
Mas, mesmo que fosse aceitável - e para mim não o é - a tese, aqui seguida maioritariamente, da inconstitucionalidade da norma sub specie, justamente com base na consideração de que ela viola a via do concurso, não seria porventura dispiciendo, efectuar-se uma ponderação de valores ou um raciocínio de concordância prática entre a eventual violação do desiderato constitucional de vinculação da Administração em prejuízo da discricionariedade quanto ao recrutamento e selecção do pessoal (como forma de assegurar neste e nesta igualdade e transparência) e a garantia implicada pelo artigo 53º da Constituição, em termos de preponderância desta última.
Igualmente me não parece colher uma argumentação fundada em que a «conversão» dos contratos a termo certo, ultrapassado que fosse determinado período em que os mesmos foram objecto de prorrogação, iria consequenciar uma contradição com a «taxatividade» legal das vias de acesso à função pública.
É que não só essa «taxatividade» não decorre do Diploma Básico, como ainda, a entender-se que a norma ínsita no nº 3 do artº 14º do Decreto-Lei, no ponto em que remete para a lei geral sobre os contratos de trabalho, teve a adequada cobertura parlamentar, então uma interpretação que, fundada nessa lei geral - e porque nada se retira das palavras de qualquer dos normativos vertidos naquele diploma que aponte para se vedar a «conversão» dos contratos a termo certo - admitisse tal «conversão», ainda se moveria adequadamente dentro da opção parlamentar consistente na remissão para a mencionada lei geral.
Por último, e talqualmente foi defendido pelo Ex.mo Conselheiro Luís Nunes de Almeida na sua declaração de voto aposta ao Acórdão nº 683/99, também propendo para entender que, com decisão ora tomada quanto à norma em apreciação vai, de forma particularmente acentuada, brigar com o conteúdo essencial da garantia constitucional da segurança no emprego e com os princípios do Estado de direito democrático prescrito no artigo 2º da Lei Fundamental.
De facto, como se acentuou nessa declaração, ao se considerar - como no vertente aresto se considera, retomando o que foi dito no Acórdão nº 683/99 - que o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança, sendo suficiente um regime de indemnização condicionado à existência de "danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente", isso significa a adopção de um entendimento que, "para além de reduzir a segurança no emprego a uma vertente meramente económica", e de não explicar qual o meio legal em que se estribe esse regime indemnizatório, "permite, pela largueza da sua permissividade, a futura adopção de soluções legislativas em que a referida segurança no emprego venha a ser pura e simplesmente substituída por um mero sucedâneo indemnizatório – e isto, não só no que respeita aos contratos a termo certo, como também em relação aos contratos sem termo"
E, também como se disse na aludida declaração, é de assinalar que o raciocínio segundo o qual seria constitucionalmente inadmissível converter automaticamente os contratos a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, no âmbito da Administração Pública, levaria ou, ao menos, pareceria "inviabilizar – mesmo ao legislador – a solução de uma situação de flagrante injustiça, cujo único responsável é o próprio Estado", o que, seguramente, é algo que se posta como conflituante com os falados princípios do Estado de direito democrático.”.

Porém, já anteriormente, pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, seu Art.º 2.º, havia sido aditado ao Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, o seguinte:
Artigo 11.º-A
Contratação de pessoal sob o regime do contrato individual de trabalho
1 - As actividades de limpeza nos serviços e organismos da Administração Pública podem ser asseguradas através da contratação de serviços com empresas.
2 - O pessoal que integra o grupo de pessoal auxiliar pode ser contratado sob o regime do contrato individual de trabalho, quando a duração semanal do trabalho não exceder dois terços do horário normal fixado para a Administração Pública, sendo obrigatoriamente inscrito no regime geral de segurança social, salvo se já estiver inscrito na Caixa Geral de Aposentações.
Cremos que de tal aditamento resulta claramente a intenção do legislador de criar uma nova modalidade de emprego com pessoas colectivas públicas, no figurino do contrato individual de trabalho, seja a termo ou por tempo indeterminado, mas sujeito ao regime jurídico geral, que ao tempo da celebração dos três primeiros contratos dos autos era o regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, a LCCT.
Na verdade, para o pessoal auxiliar com período de trabalho semanal igual ou inferior a 2/3 de 35 horas, estabeleceu o legislador uma modalidade nova de emprego na Administração Pública, regulada pelo referido regime geral. De facto, se esse não fosse o escopo do legislador, em vez de se reportar ao regime do contrato individual de trabalho, teria referido apenas o contrato de trabalho por tempo indeterminado, já que o contrato de trabalho a termo já constituía uma modalidade de contrato no Estado desde a redacção originária do diploma referido. Daí que se nos afigure que houve a intenção de criar uma modalidade especial de contrato para acudir a necessidades específicas, como são os serviços de limpeza de instalações, prestados por pessoal auxiliar, em período de trabalho igual ou inferior a 2/3 do período normal de trabalho semanal, 35 horas. Embora se trate de processo legiferante ínvio, o que se afirma com o devido respeito, pois se cria uma modalidade especial de prestação de trabalho no Estado com uma regulamentação que, para além de ser geral, é de natureza privada, cremos que esta é a interpretação razoável que cabe à norma resultante do aditamento do Art.º 11.º-A ao referido diploma.
Posteriormente, veio a ser publicada a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que tem por objecto a definição do regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas, conforme dispõe o seu Art.º 1.º, n.º 1 e que estabeleceu como modalidade de contrato de pessoal com as mesmas pessoas colectivas públicas, ao lado de outras anteriormente previstas, o contrato individual de trabalho por tempo indeterminado. Na verdade, o contrato de trabalho a termo previsto no Art.º 7.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e no Art.º 14.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, foi substituído pelo contrato de trabalho em qualquer das suas modalidades pelos Art.ºs, respectivamente, 28.º e 29.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, dispondo esta, ainda, o seguinte:
Artigo 2.º
Regime jurídico
1 - Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei.
2 - O contrato de trabalho com pessoas colectivas públicas não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público.
Ora, assim sendo, permitido por via de regra o contrato de trabalho sem termo, parece claro que com esta – chamada – privatização da Administração Pública, desaparece o fundamento essencial em que assentou o referido aresto.
Por outro lado, a proibição da conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, prevista nos Art.ºs 18.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro e no Art.º 10.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, perde a sua razão de ser a partir do momento em que é sempre admitido o trabalho com pessoas colectivas públicas através de qualquer das modalidades que o contrato de trabalho possa revestir. Na verdade, não faz sentido proibir a conversão quando a lei admite o contrato de trabalho em qualquer das suas modalidades, isto é, a norma carece de fundamento material.
Assim, considerando esta evolução legislativa, bem como os fundamentos constantes da douta declaração de voto acima transcrita, cremos que a referida proibição de conversão do contrato de trabalho a termo em contrato por tempo indeterminado ofende o princípio da segurança no emprego, ínsito no Art.º 53.º da CRP, maxime, numa situação como a dos autos em que a relação laboral se estendeu por vários anos. Daí que, em vez do princípio da igualdade no acesso à função pública, se tenha de atender ao da igualdade no acesso ao emprego, seja ele público ou privado.
A discussão da matéria tem vindo a ser recentrada, nos tempos mais recentes, ao nível do direito comunitário, sendo chamada a debate a DIRECTIVA 1999/70/CE do CONSELHO, de 28 de Junho de 1999[13], respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo[14].
Como consta do seu considerando (14), “As partes signatárias pretenderam celebrar um acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo enunciando os princípios gerais e as prescrições mínimas em matéria de contratos e relações de trabalho a termo. Manifestaram a sua vontade de melhorar a qualidade do trabalho com contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação, e de estabelecer um quadro para impedir os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;”
Tal Directiva estabeleceu como data limite para a sua transposição para o direito interno, a de 10 de Julho de 2001, como resulta do seu Art.º 2.º, § 1.º.
Por outro lado, o Acordo Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, anexo à mesma Directiva, estabelece o seguinte:
(artigo 1.º)
Objectivo
O objectivo do presente acordo-quadro consiste em:
a) Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;
b) Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.
artigo 5.º)
Disposições para evitar os abusos
1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos colectivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:
a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;
b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;
c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.
2. Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:
a) Como sucessivos;
b) Como celebrados sem termo.

Esta Directiva foi transposta para o direito interno pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Cód. do Trabalho, como flui do seu Art.º 2.º, alínea n).[15]
Cremos, no entanto, que em nenhum outro diploma surge idêntica declaração de transposição, embora admitamos que tenha havido o propósito de a realizar.
Aponta nesse sentido o disposto nos Art.ºs 41.º e 41.º-A, ambos do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, LCCT, resultantes da redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, em que se prevê a transformação do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado. Aqui terá ocorrido a transposição da Directiva referida.
No entanto, no domínio do contrato de trabalho celebrado com pessoas colectivas públicas, cremos que a transposição não foi efectuada, na medida em que a conversão é expressamente proibida.
Claro está que, segundo algumas vozes, a norma do n.º 5 do Art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, segundo o qual “A celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no presente diploma implica a sua nulidade e constitui os dirigentes em responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos, sendo ainda fundamento para a cessação da comissão de serviço nos termos da lei”, a que genericamente corresponde o disposto no Art.º 10.º, n.º 3 da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, seria suficiente para prevenir os abusos que a Directiva pretende evitar, na medida em que seria efectivamente dissuasora.
Cremos, porém, que assim não é, nem tem acontecido entre nós.
Na verdade, como é conhecido, nomeadamente, na nossa prática judiciária, os contratos de trabalho a termo sucessivos na Administração Pública proliferam, sem que se consiga perceber a razão pela qual, tendo eles carácter excepcional, face ao declarado na lei, nos surjam com tanta frequência. Tal será, eventualmente, explicável porque a legal responsabilidade civil, disciplinar e financeira surge apenas a jusante, nada prevenindo em cada caso concreto. Assim, para além de não ser eficaz como pretende a Directiva, a responsabilidade civil do dirigente[16], a ser actuada, apenas poderia estabelecer uma indemnização para o trabalhador, o que é insuficiente para o cumprimento do princípio da segurança no emprego, ínsito no Art.º 53.º da CRP, pois este exige a possibilidade de reintegração, in casu, a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Por isso, não acompanhamos aqueles que entendem que a Directiva apenas estabelece normas gerais, dirigidas aos Estados-Membros ou que estes apenas têm o dever de as criar e, não, a obrigação de estes adoptarem medidas concretas e eficazes que previnam efectivamente, portanto, logo a montante, o uso abusivo de contratos de trabalho a termo sucessivos e sem estarem escorados em razões objectivas.
De igual modo, discordamos daqueles que entendem que uma medida como o estabelecimento da responsabilidade civil, disciplinar e financeira, é suficiente e cumpre os objectivos comunitários. Na verdade, pelo menos entre nós e tanto quanto sabemos[17], nunca um dirigente da função pública foi chamado a responder nesses termos, perante um trabalhador precário, maxime, civilmente, pelos danos sofridos com a cessação do contrato.
Aliás, como refere Paulo Veiga e Moura[18], “A Lei 98/97, de 26 de Agosto, veio eliminar definitivamente a última particularidade da contratação a termo certo pela Administração Pública, consubstanciada na exigência, anteriormente constante do art. 13.º/1/b da Lei 86/89, da celebração dos contratos a termo certo ter de obter o visto prévio do Tribunal de Contas” [negrito e sublinhados nossos].
Daí que, a nosso ver, seja de seguir o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 2006-07-04[19], Processo n.º C-212/04, cujo sumário parcialmente se transcreve:
“2. O artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999, anexo à Directiva 1999/70, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, disposição relativa às razões objectivas susceptíveis de justificar a renovação dos contratos ou das relações de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à utilização de contratos a termo sucessivos justificada pelo simples facto de estar prevista por uma disposição legal ou regulamentar geral de um Estado-Membro. Pelo contrário, o conceito de «razões objectivas» na acepção do referido artigo impõe que o recurso a esse género específico de relações de trabalho, como previsto pela legislação nacional, se justifique pela existência de elementos concretos relacionados, designadamente, com a actividade em causa e as respectivas condições de exercício.
Com efeito, uma disposição nacional que se limitasse a autorizar, de modo geral e abstracto, através de uma norma legislativa ou regulamentar, o recurso a contratos a termo sucessivos pode gerar um risco real de recurso abusivo a esse tipo de contratos, pelo que não é compatível com o objectivo e com o efeito útil do acordo-quadro. Assim, admitir que uma disposição nacional pudesse, de pleno direito e sem outra especificação, justificar contratos a termo sucessivos levaria à violação da finalidade do acordo-quadro, que consiste em proteger os trabalhadores contra a instabilidade do emprego, e a esvaziar de conteúdo o princípio de que os contratos sem termo constituem a regra nas relações de trabalho. Mais especificamente, o recurso a contratos a termo tendo por único fundamento uma disposição legal ou regulamentar geral, sem relação com o conteúdo concreto da actividade em causa, não permite estabelecer critérios objectivos e transparentes para efeitos de verificar se a renovação desses contratos responde efectivamente a uma verdadeira necessidade e é apta e necessária para atingir o objectivo prosseguido.
3. O artigo 5.°, n.°1, alínea a), do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999, anexo à Directiva 1999/70, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, disposição relativa às medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, que considera que apenas os contratos ou relações de trabalho a termo que não tenham entre si um intervalo superior a 20 dias úteis devem ser qualificados de «sucessivos» na acepção do referido artigo.
Com efeito, essa legislação nacional deve ser considerada como susceptível de pôr em causa o objecto, a finalidade e o efeito útil do acordo-quadro, porque um conceito tão rígido e restritivo do carácter sucessivo de vários contratos de trabalho subsequentes permitiria contratar trabalhadores precariamente durante anos, uma vez que, na prática, na maior parte dos casos, o trabalhador não teria outra opção senão aceitar interrupções de 20 dias úteis enquadradas numa cadeia de contratos com a sua entidade patronal. Além disso, uma legislação nacional deste tipo pode ter por consequência não só excluir, de facto, um grande número de relações de trabalho a termo da protecção pretendida pela Directiva 1999/70 e pelo acordo-quadro, esvaziando o objectivo por estes prosseguido de grande parte da sua substância, mas também permitir a utilização abusiva dessas relações de trabalho pelas entidades patronais.
4. O acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999, anexo à Directiva 1999/70, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que a ordem jurídica do Estado-Membro em causa não preveja, para o sector em questão, outra medida efectiva para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, o acordo-quadro se opõe à aplicação de uma legislação nacional que proíbe de modo absoluto, apenas no sector público, a conversão em contratos sem termo de contratos de trabalho a termo sucessivos que, de facto, se destinaram a satisfazer «necessidades estáveis e duradouras» da entidade patronal e devem ser considerados abusivos.
5. No caso de uma directiva ser transposta para a ordem jurídica do Estado-Membro em causa fora do prazo e de as suas disposições pertinentes não terem efeito directo, os tribunais nacionais, na medida do possível, devem interpretar o direito interno, a partir do termo do prazo de transposição, à luz do teor e da finalidade da directiva em causa, para alcançar os resultados por esta prosseguidos, privilegiando a interpretação das normas nacionais mais conforme a essa finalidade, de modo a chegar, assim, a uma solução compatível com as disposições da referida directiva.
Daqui decorre necessariamente que, nessa situação, a data em que as medidas nacionais de transposição entram efectivamente em vigor no Estado-Membro em causa não é o critério pertinente. Com efeito, essa solução seria susceptível de pôr gravemente em causa a plena eficácia do direito comunitário e a sua aplicação uniforme, nomeadamente por meio das directivas. Por outro lado, a partir da data em que uma directiva entra em vigor, os tribunais dos Estados-Membros devem abster-se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo susceptível de comprometer seriamente, depois do termo do prazo de transposição, o objectivo prosseguido por essa directiva.”[20]

A nosso ver, este entendimento não contraria o disposto no Art.º 47.º, n.º 2 da CRP pelas razões que têm sido apontadas: o ingresso através de concurso não é absoluto pois sendo marcado por via de regra, sempre comportará excepções; no entanto e apesar disso, o ingresso através de contrato individual sem termo é feito através de concurso mais ou menos complexo; acresce que o trabalhador que ingressa por esta via não adquire a qualidade de agente administrativo.[21]
Ao contrário, este entendimento está de acordo com o princípio da segurança no emprego, atento o disposto no Art.º 53.º da CRP, pois permite manter efectivamente o emprego, por via da conversão, superando as limitações decorrentes da mera responsabilidade civil do dirigente que, aliás, como referido, nunca vimos actuada.
Daí que se nos afigure que as normas constantes dos Art.ºs 18.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro e 10.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, ao proibirem a conversão do contrato de trabalho a termo celebrado com pessoas colectivas públicas, em contrato por tempo indeterminado, são inconstitucionais, por ausência de fundamento material, por violarem o disposto no Art.º 53.º da CRP[22].
Faz, destarte, todo o sentido o entendimento constante do acórdão do TJCE, cujo sumário acima se transcreveu parcialmente, por traduzir a forma de dar cabal cumprimento aos objectivos do acordo quadro e da Directiva, já várias vezes referidos[23].
Trata-se de fazer a harmonização do direito mínimo relativo a contratos a termo em cada um dos Estados-Membros da Comunidade Europeia sendo que, no nosso caso, tal harmonização é conforme a CRP, não existindo assim qualquer dissonância entre os dois ordenamentos jurídicos: nacional e comunitário.
No entanto, mesmo que existisse, deveria prevalecer o primado do regime jurídico europeu, incluindo Directivas, sobre o estatuído em normas de direito interno, incluindo normas constitucionais, sem prejuízo da reserva constitucional de respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático estipulada no Art.º 8.º, n.º 4 da C.R.P.[24], segundo o qual, “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”[25].
Nesta conformidade, não tendo o Estado Português transposto a Directiva para o direito interno no que concerne aos contratos a termo no sector público, deve o Juiz Nacional interpretar e aplicar o direito pátrio de acordo com as normas do direito comunitário, bastando in casu aplicar a regra que vigora no sector privado, que consiste na conversão do contrato a termo em contrato sem termo: Art.ºs 41.º, n.º 2 e 41.º-A, n.º 1 da LCCT, resultantes da Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho.
Ora, não lhes tendo sido aposto qualquer motivo justificativo, para além de serem sucessivos, os contratos de trabalho dos autos celebrados durante os anos de 2002 a 2005 devem ser considerados como um único contrato de trabalho e por tempo indeterminado, sobretudo em função das vicissitudes que acompanharam a celebração e a execução dos três primeiros.
Tendo o Hospital ………. sido transformado em entidade pública empresarial, [EPE] pelo Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, assumiu desde a sua entrada em vigor todos os direitos e obrigações de que então era titular o mesmo Hospital, atento o disposto no seu Art.º 2.º:
As entidades públicas empresariais abrangidas pelo presente decreto-lei, adiante designadas abreviadamente por hospitais E. P. E., sucedem nos direitos e obrigações das unidades de saúde que lhes deram origem, independentemente de quaisquer formalidades.
Estatui, ainda, o mesmo diploma:
Artigo 14.º
Regime de pessoal
1—Os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos.

Tendo tal diploma entrado em vigor em 2005-12-31, de acordo com o seu Art.º 27.º, deveremos considerar que desde tal data a A. era trabalhadora da R., com efeitos reportados a 2002-07-15, atento o transcrito artigo 2.º e sempre o seria nos termos do disposto no Art.º 318.º do Cód. do Trabalho, dado o consignado no, também transcrito, Art.º 14.º.
Estão ainda provados os seguintes factos:
7° - A Autora foi admitida como auxiliar de acção médica ao serviço do Réu, sob a autoridade e direcção deste, em 1/02/06, mediante contrato escrito a termo certo por 12 meses, agora ao abrigo do Código do Trabalho por força do Decreto-Lei n.º 233/2005, que foi renovado até 31/1/08, data em que cessou por caducidade.
8° - Consta desse contrato escrito que o contrato é celebrado a termo certo considerada a criação do Hospital como entidade pública empresarial pelo Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29.12, com a consequente adopção de um novo modelo de gestão e verificadas as oscilações e insuficiências de pessoal no sector de serviços gerais, decorrentes desse mesmo início de actividade e até consolidação do modelo de gestão que lhe é inerente.

Face ao anteriormente referido, a declaração de caducidade do contrato, operada em 2008-01-31, equivale a um despedimento.
Porém, mesmo assim não se entendendo, sempre assim teria de ser considerado, pois a matéria constante do ora transcrito ponto 8.º da lista dos factos provados não corresponde a qualquer facto ou circunstância que integre uma necessidade temporária da R., atento o disposto no Art.º 129.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. do Trabalho, nem a A. preenche os requisitos previstos na alínea b), nem a R. os requisitos previstos na alínea a), ambas do n.º 3 do mesmo artigo. Nenhuma dúvida oferencendo os restantes, já relativamente aos últimos importa referir que a adopção de um novo modelo de gestão não equivale ao lançamento de uma nova actividade, sendo certo ainda que mesmo que tal motivo fosse dos taxados na lei, sempre importaria alegar e provar os factos e as circunstâncias concretas que o integrariam, o que também não ocorreu, apesar de o respectivo ónus caber à R., atento o disposto nos Art.ºs 130.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho e 342.º, n.º 1 do Cód. Civil. Isto é, mesmo que a A. tivesse sido admitida ao serviço da R. em 2006-02-01, ex novo, a caducidade do contrato reportada a 2008-01-31, também corresponderia a um despedimento, pois a ausência de motivo havia transformado o contrato a termo em contrato sem termo, atento o disposto no Art.º 131.º, n.º 4 do Cód. do Trabalho.
Tendo sido despedida sem precedência de processo disciplinar, o despedimento é ilícito, pelo que à A. assiste o direito a ser reintegrada na R. e a receber a retribuição integral, respectivos suplementos e subsídios, desde 2008-08-01 até ao trânsito em julgado da decisão, a calcular oportunamente, atento o disposto nos Art.ºs 429.º, alínea a), 436.º, alínea b) e 437.º, todos do Cód. do Trabalho.
Procede, destarte, a 3.ª questão.

Decisão.
Termos em que se acorda em:
I – Indeferir a invocada nulidade da sentença;
II – Conceder provimento à apelação e, em consequência, revogando a sentença:
1) – Julgar o Tribunal do Trabalho competente em razão da matéria para conhecer os contratos de trabalho celebrados entre 2002-07-15 e 2005-05-13
2) – Declarar:
a) - Que entre A. e R. vigora um contrato de trabalho sem termo, com início a 2002-07-15 e cuja cessação foi feita operar ilicitamente pela R. a 2008-01-31;
b) - Ilícita a caducidade operada a 2008-01-31, por se tratar de um contrato sem termo e
c) - O despedimento da A. como ilícito por não ter sido precedido de procedimento
3) – Condenar a R. readmitir a A. ao seu serviço e a pagar-lhe a retribuição integral, respectivos suplementos e subsídios, desde 2008-08-01 até ao trânsito em julgado da decisão, a calcular oportunamente.
Custas pela R.

Porto, 2010-02-22
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho (Voto vencida conforme declaração de voto que junto).

___________________________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329.
[4] In www.tribunalconstitucional.pt.
[5] Cfr. Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 125 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1998-02-26, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 474, págs. 420-424.
[6] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-12-09, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 492, págs. 370-380.
[7] Na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho.
[8] Para os 5.º e 6.º contratos já rege a norma que lhe sucedeu, Art.º 9.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.
[9] Ambos na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho.
[10] Para os 5.º e 6.º contratos já rege a norma que lhe sucedeu, Art.º 10.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.
[11] Que dispõe: Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
[12] In DIÁRIO DA REPÚBLICA–I SÉRIE-A, de 2000-11-30 e www.tribunalconstitucional.pt.
[13] Cfr., para uma breve nota histórica, Joana Nunes Vicente, in A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei, Coimbra Editora, 2008, págs. 159 ss. e respectivas notas de rodapé.
[14] In Jornal Oficial das Comunidades Europeias, n.º L 175, de 1999-07-10, págs. 43 ss.
[15] Não falta quem entenda, porém, que permitindo o Art.º 128.º do Cód. do Trabalho de 2003 que as normas sobre contrato de trabalho a termo possam ser afastadas ou modificadas por contrato colectivo de trabalho, o Estado Português não transpôs correctamente a Directiva em causa. Tanto assim que nos sectores têxtil e da construção civil e obras públicas, por exemplo, os respectivos CCT prevêem a possibilidade de se celebrar contratos de trabalho a termo sem qualquer motivo.
Não será, certamente, por acaso que o Cód. do Trabalho de 2009, na norma correspondente, seu Art.º 139.º, já estabeleceu excepções à regra que permite o afastamento e a modificação, por via da contratação colectiva, das normas sobre contratos de trabalho a termo.
Cfr. Jorge Leite, in Contrato de Trabalho a Prazo: direito português e direito comunitário, Questões Laborais, Ano XIII-2006, n.º 27, págs. 1 ss., maxime, págs. 30 e 31 e Susana Sousa Machado, in Contrato de Trabalho a Termo, A Transposição da Directiva 1999/70/CE para o Ordenamento Jurídico Português: (In)compatibilidades, 2009, págs. 350 a 357.
[16] Cabendo a responsabilidade ao dirigente da Administração Pública e não ao Estado, a execução do direito, nas hipóteses em que venha a ser declarado, será – pelo menos – incerta.
[17] Cfr. Ana Fernanda Neves, in Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, pág. 126 e Paulo Veiga e Moura, in A Privatização da Função Publica, Coimbra Editora, 2004, págs. 243 e 244, nota (546) e pág. 247.
[18] In Função Publica, Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º volume, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2001, pág. 220; cfr. também págs. 216 e 217, nota (489) e pág. 220, nota (495).
[19] In www.curia.europa.eu, consultado em 2010-02-06 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV-2006, Tomo II, págs. 11 ss.
[20] Cfr. sobre contratos a termo, nomeadamente, sucessivos, Susana Sousa Machado, in Contrato de Trabalho a Termo…, cit. págs., maxime, 309 ss.
[21] Cfr., sobre a matéria, Paulo Veiga e Moura, in A Privatização da Função Publica, Coimbra Editora, 2004, págs. 122-147, Francisco Liberal Fernandes, in Sobre a proibição da conversão dos contratos de trabalho a termo certo no emprego público: comentário à jurisprudência do Tribunal Constitucional, Questões Laborais, Ano IX-2002, n.º 19, págs. 76 ss. e Miguel Lucas Pires, in O contrato individual na Administração Pública, Questões Laborais, Ano XIII-2006, n.º 28, págs. 191 ss.
[22] Cfr. Paulo Veiga e Moura, in A Privatização da Função Publica, cit., págs. 242-257.
[23] Cfr., neste sentido, os Acórdãos desta Relação do Porto de 2007-12-03 e de 2009-11-09 [Fernanda Soares], in www.dgsi.pt.
[24] Como referem José Joaquim Gomes Canotilho e Suzana Tavares da Silva, in Metódica Multinível: “Spill-over effects” e Interpretação conforme o direito da União Europeia, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, N.º 3955, Março-Abril 2009, págs. 188 e 189.
Cfr. também J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotações XIV ss. ao Art.º 8.º, n.º 4, a págs. 264 ss.
[25] Aditado apenas na sexta revisão constitucional, conforme o disposto no Art.º 3.º da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24


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Não obstante as doutas considerações, voto vencida quanto à 4ª questão, entendendo não ser admissível a “conversão” do contrato de trabalho a termo em contrato sem termo pelas razões já aduzidas no acórdão desta Relação de 16.03.09 proferido no Processo 7551/08, relatado pela ora subscritora (in www.dgsi.pt, Processo 0847551), quais sejam, em breve síntese:
- O entendimento sufragado na posição que agora faz vencimento colide, salvo melhor opinião, com o art. 47º, nº 2, da CRP na interpretação que, com força obrigatória geral, foi a acolhida pelo Tribunal Constitucional não apenas no Acórdão 368/2000, de 11.07.2000, mas também no Acórdão desse Tribunal 61/2004 (publicado no DR 1ª Série-A, de 27.02.04), que versa sobre situação em que era empregador um instituto público e em que já existia a figura legal do contrato de trabalho sem termo.
- O princípio do primado do direito comunitário não se sobrepõe, pelo menos, às normas constitucionais e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas foi feita pelo Tribunal Constitucional nos mencionados Acórdãos.
Por outro lado, o STJ, de forma uniforme, tem vindo a considerar inconstitucional, por violação do art. 47º, nº 2, da CRP, a interpretação do normativo legal segundo a qual seria permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, não recusando a aplicação, e respectiva interpretação, das normas que impedem essa conversão com fundamento na inconstitucionalidade por violação do art. 53º da CRP (cfr., por todos, os Acórdãos de 14.11.07, 18.06.08, 01.10.08, 26.11.08, 01.07.09 e 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processos 08S2451, 06S2445, 08S1536, 08S1982, 08S3443 e 1846/06.1YRCBR.S1).

Porto, 22.02.10
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho


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S U M Á R I O


I – Tendo um hospital público celebrado com uma trabalhadora vários contratos a termo, sem indicação concreta de motivo, estamos face a contratos a termo sucessivos e sem justificação.
II – A DIRECTIVA 1999/70/CE do CONSELHO, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo visa evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos a termo.
III – Para o efeito, os Estados-Membros, caso ainda não o tenham feito, deverão adoptar medidas conducentes à fixação de razões objectivas que justifiquem as renovações dos contratos, de duração máxima total dos sucessivos contratos ou do número máximo das suas renovações.
IV – Tendo o Estado Português transposto tal Directiva para o direito interno, no que respeita aos contratos de trabalho a termo do sector privado, não o fez para os contratos a termo celebrados com pessoas colectivas públicas.
V – Assim e no seguimento do decidido no Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 2006-07-04, Processo n.º C-212/04, in www.curia.europa.eu, consultado em 2010-02-06 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV-2006, Tomo II, págs. 11 ss., devem os contratos a termo, imotivados e sucessivos, celebrados com pessoas colectivas públicas, ser considerados como contratos sem termo.
VI – A aplicação do direito interno, nesta acepção da Directiva, não é inconstitucional, por violação do Art.º 47.º, n.º 2 da CRP, tanto mais que o contrato sem prazo é hoje uma das modalidades regra de prestar trabalho na Administração Pública, embora sem adquirir a qualidade de funcionário.
VII – Ao contrário, a norma que proíbe absolutamente, apenas na Administração Pública, a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, nas apontadas circunstâncias, é inconstitucional, por violação do princípio da segurança no emprego, ínsito no Art.º 53.º da CRP, pois não permite a reintegração no posto de trabalho.
VIII – O acórdão do TJCE, dando cabal cumprimento aos objectivos do acordo quadro e da Directiva, proporciona a harmonização do direito mínimo relativo a contratos a termo em cada um dos Estados-Membros da Comunidade Europeia sendo que, no nosso caso, tal harmonização é conforme à CRP, não existindo assim qualquer dissonância entre os dois ordenamentos jurídicos: nacional e comunitário.