Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
223/10.4IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: IRS
CONTRA-ORDENAÇÃO
PROCESSO CRIMINAL
Nº do Documento: RP20130508223/10.4IDPRT.P1
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Apenas a arguida sociedade pode ser condenada pela prática da contraordenação resultante da não entrega atempada das declarações respeitantes ao IRS.
II – O tribunal pode apreciar como contraordenação uma infração que foi acusada como crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Recurso nº 223/10.4IDPRT.P1
1º Juízo Criminal da Póvoa de Varzim

Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Para julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular, o Ministério Público acusou os arguidos
- B....., divorciado, filho de C….. e de D….., nascido em 25 de Setembro de 1962, natural de …., Barcelos, residente na …., …, …, .., na Póvoa de Varzim, titular do bilhete de identidade nº 6691148; e
- E....., Lda., sociedade comercial com sede na Rua …., nº …., na Póvoa de Varzim, pessoa coletiva nº 500841551;
imputando-lhes a prática de factos que, em seu entender, integrariam a autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, sendo a sociedade comercial arguida responsabilizada nos termos do artigo 7º desse Regime Geral.
Recebida a acusação e marcado o julgamento, os arguidos contestaram. Alegaram, em suma, que o arguido singular vive numa situação económica dramática, relacionada com a situação da empresa arguida, invocaram acumulação de dívidas, juros e coimas da responsabilidade da empresa, sustentaram que a sociedade comercial se encontra em más condições desde 2008, notaram que até 2010 o arguido singular nunca tinha sido acusado de qualquer crime e declararam ainda que o arguido vive da prestação de serviços como empregado de mesa, a título pontual.
A final da audiência de julgamento, proferiu o tribunal sentença em que decidiu julgar a acusação provada, com as alterações oportunamente comunicadas, e procedente e, em consequência, condenar:
- o arguido B....., pela prática de uma contraordenação de falta de entrega da prestação tributária, prevista e punida pelo artigo 114º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na coima de € 9.872,50;
- e a arguida E....., Lda., pela prática de uma contraordenação de falta de entrega da prestação tributária, prevista e punida pelo artigo 114º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na coima de € 9.872,50.
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Não se conformando com a sentença proferida, dela vieram os arguidos interpor o presente recurso, cujos fundamentos condensaram nas seguintes conclusões:
I - Os arguidos vinham acusados da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, nº1, do RGIT, consubstanciado na não entrega de um total de € 9.289,20, retido pela sociedade a título de IRS em Outubro de 2009,
II - Foi dado como provado que tal quantia, não obstante constasse de uma única declaração relativa a Outubro de 2009, na verdade correspondia a retenções efetuadas ao longo de vários meses desse ano, o que importou a descriminalização dos factos e imputação aos arguidos da prática de contraordenação prevista e punida pelo artigo 114º do RGIT.
III – Ao condenar o gerente da sociedade pela prática da sobredita contraordenação, a decisão recorrida violou, designadamente, o artigo 7º, nº 4 do RGIT, que dispõe que a responsabilidade contraordenacional das sociedades exclui a responsabilidade individual dos seus agentes, pelo que deverá a decisão em crise ser revogada nessa parte, absolvendo-se o arguido B..... da prática da contraordenação pela qual veio condenado.
IV – Ao condenar os arguidos pela prática de uma única contraordenação de não entrega de prestação, dando como provados [factos] que consubstanciam condutas integradoras de concurso, além de incorrer em manifesta contradição entre os factos provados e a decisão, viola designadamente os artigos 25º e 79º, o que constitui nulidade insuprível, por força do artigo 63º/1, al. d), todos do RGIT.
Finalizaram os arguidos as respetivas alegações requerendo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que extinga o procedimento contra o gerente da sociedade B..... (que, em qualquer caso, sempre deverá ser absolvido) e declare a nulidade da sentença nos termos pugnados.
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O Ministério Público apresentou resposta em que, em resumo, sustentou que deverá ser concedido provimento parcial ao recurso, absolvendo-se o arguido B..... e mantendo-se a decisão recorrida relativamente à sociedade arguida.
No parecer apresentado nesta 2ª instância, o Ex.mo PGA mostrou-se concordante com a posição assumida na resposta.
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Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ([1]), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Para além da reprodução prévia da parte da sentença recorrida que contém a decisão sobre a matéria de facto (factos provados e não provados) e da respetiva motivação, encontra-se utilidade na identificação das principais questões a decidir.
Tais questões são, fundamentalmente, as de saber:
● se a responsabilidade contraordenacional da arguida pessoa coletiva implica a exclusão da responsabilidade do arguido B....., enquanto seu agente;
● se a sentença enferma de nulidade insuprível.
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A) Factos provados
«Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1. E....., Lda., nos autos arguida, é uma sociedade comercial por quotas matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim desde 20 de Abril de 1979, com sede na Rua Gomes de Amorim, nº 98-B, nesta Cidade e Comarca da Póvoa de Varzim, tendo por objeto social declarado a atividade de restauração, snack-bar e similares.
2. Os sócios da referida sociedade comercial são B....., aqui também arguido, e F....., sendo a gerência exercida pelo primeiro, o qual, em 2009, era quem administrava a empresa, decidia e efetuava os pagamentos a fornecedores e colaboradores, emitia as faturas e recebia os respetivos pagamentos, controlava a contabilidade e geria o giro económico da empresa e a afetação das receitas às despesas.
3. No exercício da sua atividade, o arguido B....., como legal representante da sua empresa, decidiu abster-se de entregar à Administração Tributária os valores retidos a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nas remunerações pagas a diversos formadores.
4. No desenvolvimento dessa decisão, atuando em nome e no interesse da sua empresa, o arguido B..... procedeu à retenção das seguintes importâncias, a título de retenção na fonte de IRS de rendimentos decorrentes da atividade profissional de formador:



6. O valor das retenções na fonte em Março de 2009 foi de pelo menos € 448,25.
7. O valor das retenções na fonte em Abril de 2009 foi de pelo menos € 1.861,75.
8. O valor das retenções na fonte em Junho de 2009 foi de pelo menos € 4.867,50.
9. O valor das retenções na fonte em Julho de 2009 foi de pelo menos € 2.695.
10. Os formadores supra referidos nunca prestaram quaisquer serviços, de formação profissional ou outros, ao arguido ou à sua empresa.
11. Os valores atrás indicados foram entregues inicialmente pela Escola Profissional Infante Dom Henrique à empresa do arguido, para que este procedesse ao pagamento das remunerações dos formadores atrás indicados.
12. Esse procedimento foi adotado por acordo entre a referida Escola Profissional, os formadores e o arguido, como representante da sua empresa, devido à circunstância de, no ano de 2009, os mencionados formadores já haverem completado o número de horas máximo admitido a título de prestação de serviços de formação profissional.
13. Em troca, a empresa arguida recebia € 2,50 por cada hora indicada como de formação profissional.
14. O arguido B..... não entregou os valores atrás indicados até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem no prazo subsequente de 90 dias, deles se apropriando.
15. Também não entregou tais valores no prazo de 30 dias a contar da notificação que para o efeito lhe foi efetuada.
16. Atuou por si, bem como em nome e no interesse da sociedade comercial arguida, na qualidade de seu legal representante.
17. Sabia que os montantes retidos a título de IRS se destinavam a ser entregues ao Estado Português- Administração Tributária, a quem eram devidos, no prazo atrás indicado, como também tinha conhecimento de que não estava por qualquer forma autorizado a integrá-los no seu património ou no da sua empresa.
18. Agiu com o propósito de obter um aumento das disponibilidades financeiras, o que conseguiu.
19. Atuou de forma livre, voluntária e consciente.
20. Tinha conhecimento da censurabilidade e da punibilidade das suas condutas.
21. Por sentença de 10 de Novembro de 2011, proferida no âmbito do Processo nº 219/10.6IDPRT deste 1º Juízo Criminal da Póvoa de Varzim, o arguido B..... veio a ser condenado, por ter cometido um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa.
22. O arguido B..... é bem considerado pelas pessoas que o conhecem e/ou consigo trabalham.
23. Algumas empresas clientes da E....., Lda., não pagavam nos prazos estabelecidos.
24. O referido arguido tem atualmente 49 anos de idade.
25. É divorciado.
26. Tem uma filha com 24 anos de idade.
27. Estudou até ao 8º ano de escolaridade.
28. Presta serviços como empregado de mesa, auferindo € 5 à hora.
29. A empresa arguida, presentemente, encontra-se inativa, não fornecendo bens nem prestando serviços.»
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B) A irresponsabilidade contraordenacional do arguido B.....
Não vem posta em causa a matéria de facto dada como provada, nem sequer se discute que a mesma consubstancie a contraordenação de falta de entrega da prestação tributária, prevista e punida pelo artigo 114º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Questiona-se apenas a responsabilidade contraordenacional também atribuída ao arguido B..... na sentença recorrida.
Conforme bem assinala este recorrente, secundado, neste aspeto, pelo Ministério Público, o nº 4 do artigo 7º do RGIT é claro quando estipula que a responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas exclui a responsabilidade dos respetivos agentes.
Não se põe em causa a qualidade do arguido/pessoa singular enquanto agente da arguida/pessoa coletiva.
Ora, sendo embora caso para chamar à liça o brocardo latino “in claris non fit interpretatio”, sempre se citará o acórdão da Relação de Coimbra de 24/5/2006, proferido no processo nº 1370/06 ([2]), segundo o qual a responsabilidade contraordenacional respeitante às infrações previstas no R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 15/06, apenas pode ser imputada às sociedades, não o podendo ser também aos respetivos representantes legais.
Assim, no caso concreto, apenas a arguida sociedade pode ser condenada pela prática da contraordenação resultante da não entrega atempada das declarações respeitantes ao IRS devido pela mesma, sendo inelutável a absolvição do arguido B......
Questão diversa – que não é, de resto, colocada no presente recurso – será a suscitável perante o disposto no artigo 8º do referido RGIT, consistente em saber qual a natureza da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, aí prevista. Com efeito, vem-se entendendo que não se trata de qualquer forma de transmissão da responsabilidade penal ou contraordenacional, mas apenas de uma responsabilidade civil subsidiária, que permite a reversão de eventual execução fiscal por multa ou coima aplicadas à pessoa coletiva contra os seus legais representantes ([3]).
A primeira das pretensões formuladas pelo recorrente B..... terá, portanto, que proceder.
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C) A nulidade “insuprível” alegada pelos recorrentes
Entendem ainda os recorrentes que o tribunal recorrido, ao condená-los pela prática de uma única contraordenação de não entrega de prestação, dando como provados factos que consubstanciam condutas integradoras de concurso, além de incorrer em manifesta contradição entre os factos provados e a decisão, viola, designadamente, os artigos 25º e 79º, o que constitui nulidade insuprível, por força do artigo 63º/1, al. d), todos do RGIT.
Entende-se como mais conveniente começar por uma breve análise crítica a esta última afirmação dos recorrentes, que se nos afigura, no mínimo, estranha.
Com efeito, o artigo 25º do RGIT limita-se a estabelecer regras relativas ao concurso de contraordenações. Por sua vez, o artigo 79º do mesmo diploma enumera os requisitos da decisão que aplique a coima, quando proferida pela autoridade administrativa.
Finalmente, o artigo 63º do RGIT enumera, no seu nº 1, as nulidades insupríveis da decisão administrativa, que incluem a falta de requisitos da decisão de aplicação das coimas.
Os recorrentes fazem, assim, questão de ignorar que a tramitação dos presentes autos não ocorreu perante a autoridade administrativa, mas sim perante os tribunais comuns, por imperativo legal.
Com efeito, o artigo 3º e sua alínea b) do RGIT manda aplicar subsidiariamente às contraordenações fiscais e ao respetivo processamento o regime geral do ilícito de mera ordenação social (Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, abreviadamente, RGCO).
Ora, nos termos expressos do nº 1 do artigo 77º do RGCO, o tribunal poderá apreciar como contraordenação uma infração que foi acusada como crime – poder-dever a que se cingiu a decisão judicial recorrida.
Na verdade, este aspeto não se encontra expressamente regulado no RGIT, sendo perfeitamente cabida a aplicação subsidiária de tal preceito do RGCO.
Nem se diga que a arguida se pode queixar de lhe ter sido retirado qualquer direito, pois teve a oportunidade de pagar a coima pelo seu mínimo, nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, no prazo de 30 dias após a notificação para tal efeito – notificação e prazo que não são inferiores àqueles de que beneficiaria em processo por contraordenação (vejam-se também os artigos 29º, 30º e 31º do RGIT).
Não faz, pois, sentido a invocação pelos recorrentes da existência de qualquer nulidade insuprível. Na verdade, os recorrentes beneficiaram de garantias formais diversas das oferecidas pelo mero processo contraordenacional. Mas tal diversidade foi (convém salientá-lo) no sentido do aprofundamento das respetivas garantias de defesa, que se revelaram, indubitavelmente, mais favoráveis aos arguidos, que poderiam, nomeadamente, ter requerido a instrução (após serem notificados da acusação), e que tiveram a oportunidade de contestarem, após a prolação do despacho que designou data para julgamento.
Nenhuma razão assiste, pois, aos arguidos, na parte em que alegam a existência de nulidades insupríveis.
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Reconhece-se, no entanto, que a sentença recorrida encerra, em si, uma contradição entre a factualidade provada e a opção jurídica pela existência de uma única infração.
Na realidade, basta atentar nos termos da matéria de facto e na própria argumentação jurídica da sentença em causa.
Nela se exarou, designadamente:
“Ficou provado que nos meses de Março, Abril, Junho e Julho de 2009, a sociedade comercial arguida, por intermédio do arguido B....., formalmente seu sócio-gerente e na prática seu único gestor e representante, procedeu à retenção de IRS na fonte, recebeu tais montantes da Escola Infante Dom Henrique, não tendo, no entanto, pago à Administração Tributária os valores que havia deduzido.
(…) em nenhum dos períodos de tempo relevantes (no caso concreto, em nenhum dos meses, dada a periodicidade mensal devida das declarações e respetivos pagamentos) os valores superaram € 7.500.
Recorde-se que os valores das retenções na fonte nos meses de Março, Abril, Junho e Julho de 2009 foram, respetivamente, de € 448,25, € 1.861,75, € 4.867,50 e € 2.695,00.
Assim, não se verifica o pressuposto que a Lei do Orçamento do Estado para 2009 passou a exigir no tipo de crime de abuso de confiança fiscal”.
Algo contraditória e inesperadamente, porém, o tribunal recorrido acabou por consignar: “Assim, os arguidos deverão ser condenados pela referida contraordenação (…)”.
Ora, a matéria de facto não consente a unificação da conduta numa só infração, pois em parte alguma se regista que os arguidos (mormente o legal representante da arguida/sociedade, em representação desta) tenham formulado uma única resolução.
Poder-se-ia ver aqui uma contradição da fundamentação que, se insanável, poderia conduzir à verificação do vício previsto no artigo 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal.
Não tendo sido arguido tal vício, nem por isso a este tribunal está vedado o seu conhecimento, pois este é oficioso, como decidiu o acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/1995, publicado no DR, I Série-A, de 28/12/1995.
Verificando-se a insanabilidade de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, haverá lugar ao reenvio previsto no artigo 426º do mesmo diploma.
Porém, como se extrai do disposto no nº 1 deste artigo, “a contrario sensu”, tal reenvio só terá lugar se não for possível decidir da causa no tribunal de recurso. Ou seja, só se procede ao reenvio (exceção), se for objetivamente impossível ao tribunal “ad quem” decidir da causa (regra) ([4]).
Em nosso entender, o vício em causa é sanável.
Com efeito, de acordo com a matéria de facto fixada, a sociedade arguida cometeu não uma mas quatro contraordenações previstas pelo nº 1 do artigo 115º do RGIT (uma por cada um dos meses em que devia ter sido feita a entrega do imposto ao Estado), aí declaradas puníveis com coimas variáveis entre mínimos iguais aos valores das prestações em falta e máximos iguais aos respetivos dobros ([5]).
Na sentença recorrida observou-se que, se as declarações tivessem sido enviadas nos meses corretos, o processo que seria instaurado seria de natureza contraordenacional e, nesse, os arguidos disporiam da faculdade de pagar a coima pelo mínimo legalmente previsto, ao abrigo do disposto no artigo 50º-A, nº 1, do Regime Geral das Contraordenações.
Podendo embora questionar-se a bondade desta asserção – pois o RGIT, nos seus artigos 29º a 31º, possui um regime específico de redução das coimas em fase pré-processual ou em fase embrionária do processo, sempre com salvaguarda do pagamento integral das prestações tributárias devidas – o certo é que a fixação da coima ocorreu no seu mínimo legal.
Ora, o artigo 409º do Código de Processo Penal e, à sua semelhança, o artigo 72º-A do RGCO, estabelecem a proibição de “reformatio in pejus”, que se traduz em que, interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
No caso “sub judicio”, apenas os arguidos recorreram, sendo plenamente aplicável a referida proibição legal de “reformatio in pejus”.
Cremos mesmo ser aplicável ao caso – adaptadamente, mutatis mutandis – a doutrina propugnada pelos acórdãos de 29/4/2003 e de 21/4/2005 do S.T.J. (proferidos, respetivamente, no processo nº 768/03-5ª, sumariado in SASTJ, nº 70, página 66, e no processo nº 895/05-5ª, sumariado in SASTJ, nº 90, página 141), segundo a qual, na sequência de recurso interposto pelo arguido, sempre que a Relação desagrave o ilícito criminal em que aquele foi condenado em 1ª instância, deve – sob pena de (indireta) reformatio in pejus – reformular (in melius) as penas aplicadas, na medida, pelo menos, da implicação, na sua graduação, da agravante desaparecida.
Assim, entende-se que é adequado fixar as coimas parcelares no seu mínimo – isto é, em € 448,25, € 1.861,75, € 4.867,50 e € 2.695,00, respetivamente – efetuando-se, seguidamente, o cúmulo jurídico dessas mesmas coimas, nos termos da redação intercalar do artigo 25º do RGIT, dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 ([6]).
Com efeito, manda o nº 2 do artigo 3º do RGCO ([7]) aplicar, na sucessão de leis contraordenacionais substantivas no tempo, o regime concretamente mais favorável ao agente.
Assim, a coima única aplicável à arguida E....., Lda., encontra-se balizada, quanto ao seu limite máximo, pela soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso (€ 9.872,50) e, quanto ao seu limite mínimo, pela mais elevada das coimas concretamente aplicadas (€ 4.867,50).
No âmbito da ponderação a que alude o artigo 77º nº 1 do Código Penal (aplicável por força do disposto nos artigos 3º alínea b) do RGIT e 32º do RGCO), há que considerar, fundamentalmente, fatores agravativos, como o período relativamente reduzido em que foi acumulado o montante de € 9.872,50, referente à falta de entrega de imposto retido na fonte, a atuação com dolo direto, a existência de outras infrações tributárias (de natureza, até, criminal) – tudo exacerbando o grau global de culpa e as exigências de prevenção geral e especial.
Entende-se, assim, como adequada a coima única de € 9000,00.
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III – DECISÃO
Por tudo o exposto, julgando parcialmente provido o recurso interposto pelos recorrentes – revogando, nessa medida, a sentença recorrida – acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
A) absolver o arguido B..... da prática de qualquer contraordenação por falta de entrega de prestações tributárias;
B) condenar a recorrente E....., Lda., – como autora de quatro contraordenações de falta de entrega de prestações tributárias, previstas e declaradas puníveis pelo nº 1 do artigo 114º do RGIT – nas coimas parcelares de € 448,25, € 1.861,75, € 4.867,50 e € 2.695,00;
C) fazendo o cúmulo jurídico das referidas coimas parcelares (por força da redação intercalar do artigo 25º do RGIT), condenar a recorrente E....., Lda., na coima única de 9000,00 euros – sem prejuízo da subsistente obrigação de pagamento das prestações tributárias em dívida e respetivos juros.
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Sem custas, nesta instância (nº 1 do artigo 513º do Código de Processo Penal, “a contrario sensu”).
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Porto, 8 de Maio de 2013
Vítor Carlos Simões Morgado
Raul Eduardo Nunes Esteves
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[1] Ver, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Relatado por Orlando Gonçalves, consultado, em 23/4/2013, em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Trib. Constitucional nºs 129/2009 e 150/2009.
[4] Neste sentido, ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (…), 4ª edição, página 1172.
[5] Os valores em causa estão longe de ultrapassar o limite máximo estabelecido no artigo 26º, nº 1, alínea a), do RGIT para as contraordenações dolosas, hipótese em que as coimas teriam de ser reduzidas a tal máximo legal.
[6] Note-se que a redação inicial do preceito era a seguinte: As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente. Por fim, a Lei do Orçamento do Estado para 2011 restabeleceu a regra do cúmulo material de coimas, em termos substancialmente idênticos aos da redação inicial.
[7] Aplicável por força do disposto no artigo 3º alínea b) do RGIT.