Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
241/10.2PHMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Nº do Documento: RP20110518241/10.2phmts-A.P1
Data do Acordão: 05/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A notificação do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária [art. 49.º, n.º 1, do CP] deve ser efectuada por contacto pessoal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 241/10.2PHMTS-A.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º241/10.2PHMTS-A.P1, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos o arguido B… foi condenado por sentença de 12/2/2010 além do mais “como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, p.p. pelos artigos 292º nº1 e 69º do CP na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 5 euros, o que perfaz o montante global de 300 euros.(..)”
Posteriormente a tal decisão foi proferido o seguinte despacho:
(…)
O(a) arguido(a) B… por sentença de fls. 16 e ss. dos autos, foi condenado(a) numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5 euros.
O(a) arguido(a) não pagou a multa em que foi condenado(a).
Não requereu a prestação de trabalho em favor da comunidade, e a cobrança coerciva da multa revelou-se inviável.
Nestes termos e tendo em consideração os critérios previstos no art. 49º do Código Penal, converte-se a pena de multa não paga em 40 (quarenta) dias de prisão que o(a) arguido(a) terá que cumprir caso não proceda ao imediato cumprimento da pena de multa em que foi condenado(a).
Notifique.
Boletins ao registo criminal.
Após trânsito, vão os autos com vista.
*
Promove o Digno Magistrado do MºPº a notificação do despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária ao arguido através de via postal simples, com prova de depósito, nos termos e com os fundamentos que constam da douta promoção antecedente.
No essencial, entende o MºPº que a argumentação plasmada no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010 é aplicável no caso dos autos.
Cumpre decidir, desde já adiantando que não só entendemos que o despacho em questão carece de notificação pessoal ao condenado, como tal notificação não poderá ser efectuada através de via postal simples, com prova de depósito.
E para sustentar a primeira afirmação dir-se-á que a pena de prisão subsidiária é uma pena de natureza completamente distinta da pena de multa fixada na sentença, não obstante a pena de prisão se apresentar aqui, como refere Figueiredo Dias («Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Lisboa, p. 147), como uma «sanção (penal) de constrangimento».
Aliás, bastará atentar na circunstância de a pena de multa não ter carácter privativo da liberdade ao contrário daquela. Por outro lado, e se é certo que fixação da prisão subsidiária decorre expressamente de lei – art. 49º nº 1 - a verdade é que a mesma não é aplicada na sentença, o que sempre significa que o condenado não se vê com ela confrontado nessa ocasião (diversamente do que acontecia antes da revisão de 1995 do CP, atento o regime então previsto no art. 46º nº 3). A pena de prisão subsidiária surge, assim, como uma modificação essencial à condenação em pena de multa – tão essencial quanto a sua natureza detentiva – e surge em momento posterior ao da sentença.
E tal circunstância impõe, por força dessa modificação essencial que é introduzida à condenação, que dela tenha pessoalmente conhecimento o condenado e já não só o seu defensor. Ou seja, todas as alterações substanciais ao conteúdo decisório da sentença condenatória, e designadamente as que têm como efeito directo a privação da liberdade do condenado, impõem a adopção de especiais cautelas, quer na perspectiva do respeito pelo princípio do contraditório (que deve ser assegurado antes da respectiva conversão, como explicam, por exemplo, os Acs. RP de 24.10.2007 e de 9.4.2008 e da RC de 14.3.2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), quer ainda no que concerne a respectiva notificação.
Neste contexto, mostra-se mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao condenado o entendimento de que se lhe impõe a notificação de tal decisão, e não apenas ao seu defensor. Por isso se justifica, no caso, a aplicação, não da regra da parte inicial do nº 9 do artigo 113º do CPP, mas das ressalvas da segunda parte desse nº 9, que contemplam diversos outros actos e momentos processuais (acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento, sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, dedução do pedido de indemnização civil, alguns, aliás, de menor gravidade pessoal do que o presente), em que, a par da notificação do defensor, se exige a notificação do condenado.
E este é o sentido também da jurisprudência firmada no Ac. da RP de 20-04-2009, nos termos do qual, “A decisão de conversão da multa em prisão subsidiária tem de ser notificada não só ao defensor, mas também pessoalmente ao condenado”. Com argumentação próxima, e mesmo quanto à pena de multa resultante da substituição da pena de prisão (esta, por força do disposto no art. 43º nº1, já fixada na sentença), decidiu-se, no Ac. da RP de 23-04-2008 que “O despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa pela qual fora substituída tem que ser notificado pessoalmente ao condenado” (ambos, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt).
São estas, no essencial e muito sumariamente, as razões pelas quais entendemos que a notificação da decisão de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária deve ser efectuada pessoalmente ao condenado.
Cumprirá agora saber se tal decisão deve ser notificada através de via postal simples, com prova de depósito, como entende o Ministério Público.
E é com base na argumentação plasmada no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, que se pretende ser aqui aplicável tal forma de notificação.
No citado acórdão foi fixado o entendimento segundo a qual «I — Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II — O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’). III — A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»
Estando em causa nestes autos a notificação da decisão que converte a pena de multa em pena de prisão subsidiária, logo se pode concluir que diversa é a questão aqui a decidir.
Importa, assim, sublinhar que a jurisprudência fixada no Ac. 6/2010 foi proferida a propósito de “questão de direito” diferente daquela a que se reportam os autos – cfr. art. 437º nº 1 do CPP.
Depois, tal jurisprudência não é obrigatória para os tribunais. Estes podem dela divergir, contando que fundamentem as respectivas divergências, conforme resulta do disposto no art. 445º nº 3 do CPP, cabendo ao Ministério Público o recurso obrigatório dessa decisão – cfr. art. 446º.
E a nossa divergência encontra essencialmente sustentação no entendimento segundo o qual, sendo o TIR uma medida de coacção, são inadmissíveis as notificação posteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória através de via postal simples, com prova de depósito, tal como, de resto, se decidiu no Ac. da RL de 04-06-2008, nos termos do qual “I – As obrigações decorrentes da prestação do termo de identidade e residência extinguem-se, como prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 214º do Código, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. II – Não sendo aplicável ao condenado o disposto no artigo 196º do Código de Processo Penal e não existindo qualquer outra norma que preveja a sua notificação através da via postal simples, não pode, quanto a ele, ser adoptada esta modalidade de notificação” (igualmente disponível no mesmo sítio).
É que sendo o termo de identidade e residência uma medida de coacção, a mesma extingue-se, por força da lei, com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do CPP). E a partir do trânsito em julgado, deixa o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.º 1, alínea b), do CPP), sendo certo que no caso dos autos nem se poderá ficcionar, como acontece no Ac. de Fixação de Jurisprudência, que “a condenação em pena de prisão suspensa, (…) dela transitará tão - somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar — já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão — a condenação (condicional) em pena de prisão. Assim sendo, a aplicação do artigo 214.º do CPP, «Extinção das medidas de coacção», à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão), mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa).”
A notificação por via postal simples com prova de depósito impõe que as obrigações decorrentes do TIR se mantenham como juridicamente válidas. O que deixa de acontecer, como já se referiu, com o trânsito em julgado da sentença, por força da genérica extinção das medidas de coacção que ocorre em tal momento processual (artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do CPP).
E tal como muito expressivamente se refere no Ac. do Tribunal Constitucional nº422/05 (consultado em http://www.tribunal constitucional.pt/tc/acordaos/20050422.html) “(…) a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração torna intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando. (…) Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão impugnanda.”
E por isso mesmo se decidiu “julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de interposição de recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão por via postal simples”.
Ou seja: ainda que tendo em vista a contagem do prazo para a interposição de recurso, a notificação por via postal simples com prova de depósito da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão foi considerada como violadora do art. 32º nº 1 do CRP, justamente por se ter entendido ser “intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando”, voltamos a citar.
Não há diferenças substanciais a apontar quanto ao caso dos autos.
Assim, e pelas razões expostas, indefere-se a requerida notificação por via postal simples com prova de depósito, pelo que, e atendendo ao que consta dos autos quanto ao paradeiro do arguido, que é totalmente desconhecido – cfr. fls. 35 e s., 54 a 56, 58 e 88, os mesmos ficarão a aguardar a notificação, ao arguido, por contacto pessoal, do despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária.
Aguarde-se, assim por mais 3 meses e após, solicite à autoridade policial a notificação deste despacho ao arguido.
Notifique.
*
Inconformado, o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso desta decisão, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
1 – Recorre-se do despacho que ordena a notificação mediante contacto pessoal de despacho que converte a pena de multa originalmente aplicada ao arguido em dias de prisão subsidiária.
2.ª – A decisão recorrida é contrária à interpretação seguida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº nº 6/2010, publicado no DR de 21 de Maio de 2010, na parte da decisão em que se consagra que «III — A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso»[artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP)».3.ª – Existe analogia entre decisão de que se recorre e a situação apreciada no AUJ citado, mostrando-se perfeitamente aplicáveis ao caso sub judice, as razões subjacentes à Jurisprudência obrigatória.
4º- A forma de notificação por via postal simples com prova de depósito, ainda que menos garantística, não representa qualquer compressão da liberdade do arguido, pelo que inexiste razão para que, nessa parte, o efeito automático previsto no art. 214º do CPP, afecte igualmente a forma de notificação prevista no art.113º, nº3 do CPP;
5º- O contraponto de um amplo cumprimento do princípio de contraditório em benefício do arguido, em vários momentos do processo até ao julgamento não deve ser, depois da sua condenação, a consagração da total ausência de deveres processuais;
6º - As informações prestadas ao arguido no que concerne à forma da notificação dos actos devem permanecer válidas até ao termo do processo, sendo certo que nenhuma expectativa legítima terá um arguido condenado de que depois da sua condenação, beneficiará de regime distinto, mais favorável;
7º - A possibilidade de comunicar alterações de residência, pelo arguido, não tem a natureza de medida de coacção mas, outrossim, consiste em faculdade cujo exercício se traduz num resultado positivo ou favorável para o respectivo estatuto jurídico-processual;
8º- A opção pela notificação pessoal como regime-regra de notificação, após o transito da sentença condenatória é contrária a razões de certeza e regularidade na tramitação do processado, beneficiando-se assim os arguidos condenados relativamente aqueles que, ainda não tendo sido julgados, presumem-se inocentes;
9.ª – Com o devido respeito, a Mm.ª Juíza a quo, fez incorrecta aplicação da Lei e violou, nessa medida o disposto nos arts. 49º, nº1 do Código Penal e 113º, n.s 1 e 9, 196º, nº2 e 3, 214º, nº1, al. e) e 333º, nº5 e 6, todos do CPP;
10.ª - Nestes termos, deve a douta decisão judicial em causa ser revogada e substituída por outra que, caso a notificação do despacho de fls. 96 e ainda não se tenha verificado, ordene a notificação do arguido por via postal simples com prova de depósito.
Assim, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se à Mma. Juíza a quo, em harmonia com as conclusões expostas, que, caso a notificação do despacho recorrido ainda não se tenha verificado, ordene a notificação do mesmo ao arguido por via postal simples com prova de depósito.
(…)
Não houve resposta.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP o arguido não respondeu.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir é saber se a notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária deve ser efectuada por via postal simples com prova de depósito.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Embora a final, o Exmº Srº Procurador Geral Adjunto aborda a questão de o recurso estar condicionado à não efectivação da notificação pessoal. Pensamos que tal não obsta ao seu conhecimento, pois o que está em causa é a decisão já proferida, e contra a qual o recorrente pretende reagir, e que pressupõe que o condenado ainda não se encontra notificado, sendo que a decisão a proferir terá obviamente de salvaguardar tal hipótese.
O recorrente Magistrado do Ministério Público defende que a notificação do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, deve ser notificado por via postal simples com prova de depósito e não por contacto pessoal com decidiu o despacho recorrido, por entender que a interpretação ínsita no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, DR.1ª série de 21/5/2010.
Sobre esta questão, podemos encontrar já duas correntes jurisprudenciais em sentido oposto. Assim, no sentido de que a notificação daquele despacho deverá ser feita ao condenado mediante contacto pessoal, decidiram já os acórdãos desta Relação de 19/1/2011[1] 23/2/2011,[2] de 9/3/2011[3] e acórdão de 20 /3/2011[4] e no sentido de a mesma deve ser notificada por via posta simples decidiram os acórdãos de 16/3/2011 e 6/4/2011[5].
Em primeiro lugar importa realçar que o invocado Acórdão de Fixação de Jurisprudência versou apenas sobre o modo e forma de notificação da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão. Como tal, e embora após a reforma operada pela Lei nº59/98 de 25/8 a jurisprudência fixada não seja vinculativa para os tribunais, embora exija a fundamentação da divergência, artº 445º nº3 do CPP, no caso em análise dos autos nem sequer se coloca a questão da vinculação à jurisprudência fixada, porquanto não estamos perante a mesma questão de direito cfr. artº437º nº1 do CPP.
E por isso, também não há que falar em divergência a Jurisprudência fixada, não havendo qualquer impedimento ou limitação ao afastamento da interpretação efectuada quanto à questão decidida naquele acórdão de Fixação 6/2010.
Feitas estas considerações, desde já adiantamos ser nosso entendimento que a notificação do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária nos termos do artº 49º nº 1 do CP deve ser efectuada por contacto pessoal, e que por outro lado não se reconhece haver analogia entre a situação apreciada no acórdão 6/2010, relativa à notificação da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão e a agora em apreciação.
Nos termos do artº 49º nº1 do CP “A multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº1 do artº 41º.”
A natureza da prisão subsidiária, afasta-se da natureza das penas de substituição, antes assumindo a natureza de “sanção (penal) de constrangimento, conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa.”[6]
Na verdade e não obstante o professor Figueiredo Dias ter-se debruçado sobre a redacção do artº 47º nº3 do CP na versão de 1982, em que se estabelecia a prisão alternativa à pena de multa, como referem Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, “A prisão subsidiária é a prisão sucedânea de FIGUEIREDO DIAS – que até faz confronto entre a prisão sucedânea e «prisão alternativa» -integrando-se num acabado sistema de conversão, distinto, porém do regime anterior ao da versão de 1982” e ainda “ FIGUEIREDO DIAS viu na prisão sucedânea uma «vertente de sanção (penal) de constrangimento» e até a respeito notou: «em todo o caso sanção penal, acentue-se, e nesta medida, como sublinha a doutrina alemã, uma verdadeira pena» (ibidem, 147). O que vale, claro para a prisão subsidiária”[7]
Por outro lado, face ao regime resultante do artº 49º nº1do CP, entendemos que a prisão subsidiária não deverá ser fixada na sentença mas apenas após a verificação dos pressupostos fixados naquele, preceito, sendo certo que inexiste agora qualquer norma equivalente ao nº3 do artº 49º do CP de 1982.[8]
Não se pode pois, e com o devido respeito por posição contrária, falar em similitude ou analogia de situações entre o Ac. 6/2010, a ponto de se defender que “em termos de repercussão na esfera jurídica do arguido, são perfeitamente análogos o despacho que revoga uma suspensão de pena de prisão, e o despacho que converte uma pena de multa em pena de prisão”, e ainda menos para efeitos de pretender ficcionar um trânsito parcial da sentença condenatória.
Em sede de notificações e para o que agora releva, dispõe o artº 113º nº1 do CPP que:
“.1- As notificações efectuam-se mediante:
.a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
(…)”
Por seu lado há também que ter em conta o regime resultante da imposição de Termo de identidade que no seu nº2 dispõe que “ Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do nº1 do artº 113º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha” e que na alínea c) do nº3 estabelece que “Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: (..) c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº2, excepto se o arguido comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;”
Sendo este o quadro legal em que se move a questão em apreciação, importa retirar desde logo a intenção de o legislador, fora do âmbito das obrigações e imposições decorrentes da imposição da medida de coacção prevista no artº 196º do CPP, restringir a notificação por via postal simples, aos «casos expressamente previstos», artº 113nº1 al.c) do CPP.
Ora, nos termos da alínea e) do nº1 do artº 214º do CPP, as medidas de coacção extinguem-se de imediato «Com o trânsito em julgado da sentença condenatória».
Esta norma não faz qualquer exclusão em relação à medida de coacção prevista no artº 196º do CPP, já que como bem se escreveu no citado ac. desta Relação de 30/3/2011, “Não faz a lei qualquer distinção entre as medidas de coacção, pelo que tem de considerar-se que também o TIR se extingue com o trânsito em julgado da sentença, sendo certo que também a lei não faz distinção quanto à espécie de pena aplicada, por forma a excepcionar daquela regra geral algumas categorias de condenações, como seja a condenação em pena de multa, prevendo a sua eventual conversão em prisão subsidiária por incumprimento.”
Também no impressivo voto de vencido do conselheiro Manuel Braz aposto naquele acórdão de fixação 6/2010, se expressa citando a mais actualizada doutrina processual que “ existe um largo consenso no sentido de que o regime desse preceito se aplica a todas as medidas de coacção, termo de identidade incluído.”[9]
Por outro lado, não podemos aderir à posição expressa no recurso, de pretender cindir os efeitos da medida de coacção do TIR, quanto aqueles que seriam as obrigações desta medida, daqueles que seriam meras informações, as quais se manteriam para além da extinção da mesma. Tal posição já aflorada na fundamentação do acórdão 6/2010, não tem e com o devido respeito, apoio legal no regime já exposto relativo à extinção das medidas de coacção.
Face a essa extinção, o arguido deixa de estar sujeito às obrigações decorrentes de tal medida, e como tal à que decorre da alínea c) do nº3 do artº 196º, supra transcrita. E se assim é, inexistindo outra norma onde expressamente esteja prevista a notificação por via postal simples no caso do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, termos pois que concluir pela inadmissibilidade deste tipo de notificação.
Face à natureza do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, o qual não obstante ter a natureza de sanção supra apontada, opera uma modificação na natureza da pena aplicada, que não deixa de passar a ser uma pena detentiva, remetemos mais uma vez para o teor do voto de vencido do conselheiro Manuel Braz, quando aí escreve que “As razões que impõem a notificação do próprio condenado, e não apenas do defensor – necessidade de garantir àquele um efectivo conhecimento do conteúdo dessa decisão «em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não» (..) exigem também que a notificação se realize mediante contacto pessoal .”
Na verdade o direito recurso constitucionalmente consagrado no artº 32º da CRP, terá de assentar no efectivo conhecimento da decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária, não se satisfazendo com uma notificação que assente numa mera presunção de notificação como é o caso da notificação por via postal registada –artº 113º nº2 do CPP.
Improcede pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Sem tributação face à isenção do recorrente.
Elaborado e revisto pela relatora
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Porto, 18/05/2011
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
José Manuel da Silva Castela Rio
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[1] Proferido no processo 662/05.2GNPRT-A.P1 (relatora Maria Dolores Silva e Sousa).
[2] Proferido no processo 18/08.5PHMTS-B.P1 (relatora Maria Leonor Esteves).
[3] Proferido no processo 630/06.2GNPRT-B.P1 (relator Moisés Pereira da Silva).
[4] Proferido no processo 140/06.2GNPRT-B.P1 (relatora Airisa Caldinho).
[5] Proferidos nos processos 4989/08.3TAMTS-A.P1 e 53/10.3PBMTS-A.P1 (em ambos relatora Maria do Carmo Silva Dias).
[6] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993.pág. 147
[7] Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, CÓDIGO PENAL Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, Quis Júris Sociedade editora 2008, pág.176.
[8] Cf. Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ibidem.
[9] Como se escreveu nesse voto de vencido pronunciam-se para além de outros Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II 4ª ed. Pág.353 “relativamente às outras medidas de coacção termo de identidade e residência e caução, não há prazos máximos de duração. Estas medidas vigoram até que se opere a sua extinção, nos termos do artº 214º do CPP”.