Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0811147
Nº Convencional: JTRP00041452
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: CONTESTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
EXCEPÇÕES
Nº do Documento: RP200806120811147
Data do Acordão: 06/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 102 - FLS 165.
Área Temática: .
Sumário: Tendo a autora invocado na petição inicial o exercício de funções a que corresponde determinada categoria profissional que reclama e, ainda, o tratamento discriminatório relativamente a duas colegas de trabalho, a contestação da ré negando os factos onde assenta tal pretensão não configura uma defesa por excepção, mas sim uma “impugnação por negação motivada”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1147/08 – 1ª Secção
Relator: M. Fernanda Soares - 652
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 926
Dr. Domingos Morais - 861


Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B………. instaurou no Tribunal do Trabalho do Porto contra INE – Instituto Nacional de Estatística, acção emergente de contrato de trabalho pedindo a condenação do Réu a) a atribuir-lhe a categoria de técnica superior de estatística, com efeitos a partir do mês de Agosto de 2005; b) a pagar-lhe uma compensação por danos não patrimoniais, no valor de € 5.000,00 acrescida dos juros de mora a partir da citação e ainda uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão, no valor de € 1.000,00.
Alega a Autora que ao serviço do Réu exerce as funções correspondentes à de técnica superior de estatística pelo menos desde Agosto de 2005, sendo certo que a sua entidade patronal a mantém classificada como técnica adjunta de estatística, na carreira técnica profissional, posicionada na classe B3, nível 10 da tabela salarial. Acresce que no mesmo departamento, serviço e unidade onde a Autora trabalha há duas colegas que têm as mesmas funções e que se encontram categorizadas como técnico superior de estatística e na respectiva carreira.
O Réu contestou alegando que o trabalho realizado pela Autora não integra o perfil funcional da categoria profissional de técnico superior de estatística, pois não exerce funções de concepção e de estudo, e que a unidade onde ela trabalha – Unidade B – foi reforçada pontualmente com trabalhadores pertencentes à carreira de técnico superior e onde devem existir, complementarmente, trabalhadores de ambas as carreiras (técnico profissional e técnico superior). Conclui, assim, pela improcedência da acção.
Com o despacho saneador foi proferido o seguinte despacho: “O Réu” (…) “deduziu excepção peremptória inominada (art.487º nº2, 2ªparte e 493º nº2 do C. Pr.Civ.), quando no seu articulado de contestação – aceitando a alegação da Autora que duas outras colegas dela, a C………. e D………. exercem funções e objectivos profissionais iguais aos da Autora mas que se encontram categorizadas como Técnico Superior de Estatística e na respectiva carreira – contrapõe que igualmente exercem também funções análogas às da A. os colegas (técnicos profissionais) E.………., F………., G……… e H………. e que a área de trabalho em que a A. exerce funções veio a ser pontualmente reforçada com trabalhadores pertencentes à carreira de Técnico Superior, de modo a complementar o trabalho efectuado. A A. não ofereceu articulado réplica, pelo que – nos termos do art.505º do C. Pr. Civ. -, tal matéria será levada à matéria de facto assente”.
De seguida, consignou-se a matéria dada como assente (e na sequência do despacho acabado de referir passou a constar da matéria assente as als. M e N) e elaborou-se a base instrutória.
A Autora veio reclamar da matéria de facto dada por assente, por excesso e por deficiência. Veio ainda recorrer do despacho que considerou existir matéria de excepção na contestação e decidiu levá-la à “especificação”, pedindo a sua revogação e concluindo nos seguintes termos:
1. O Réu não especificou separadamente qualquer excepção (nos termos do art.488º do C.P.C.), o que significa que entendeu a sua defesa como mera impugnação.
2. No art.21º da contestação (como dele se lê: impugna) limitou-se a impugnar por irrelevância o art.27º da p.i. e a justificar as razões dessa irrelevância, esclarecendo no art.22º o que pretendia significar no item anterior, de forma, aliás, conclusiva.
3. Essa defesa era de mera impugnação, indirecta, por positionem ou motivada.
4. De facto, a posição dos arts.21º e 22º não prejudica, em nada, a posição da Autora (não se trata de factos de excepção).
5. Não havia lugar a resposta da Autora, seja para responder à aceitação da matéria do art.27º da p.i., seja para discutir as razões por que o Réu a entendia irrelevante.
6. Como tal não deveria a matéria dos art.s21º e 22º da contestação ser levada aos factos assentes, tendo o despacho recorrido violado o art.487º nº2 e 493º nº2, ambos do C.P.C..
Por despacho datado de 27.4.2007 foi deferida parcialmente a reclamação apresentada pela Autora.
Procedeu-se a julgamento, respondeu-se aos quesitos e foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o Réu dos pedidos.
A Autora veio recorrer pedindo a revogação da sentença e concluindo nos termos expostos a fls.416 a 418.
O Réu contra alegou pugnado pela manutenção do despacho recorrido e da sentença.
O Mmo. Juiz a quo sustentou o despacho recorrido.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do agravo merecer provimento ficando prejudicado o conhecimento da apelação.
Admitidos os recursos e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
1. A Autora licenciou-se em Gestão e Administração de Empresas em 29.11.1996, pela I………. (Centro Regional do ………), tendo sido admitida a estagiar na Direcção Regional do Norte (DRN) do INE, tendo desempenhado, no âmbito desse contrato, tarefas de carácter administrativo na secção financeira e administrativa (contabilidade, património, economato, tesouraria, recursos humanos e demais tarefas de apoio logístico); tal contrato foi objecto de aditamento, por mais um mês e nove dias, continuando a Autora a desempenhar as mesmas funções.
2. Findo o prazo estabelecido no referido contrato de estágio, a Autora transitou para o Serviço de Estatísticas Económicas, mais precisamente para o Núcleo das Estatísticas da Indústria, então designado por Núcleo de Estatísticas de Produção Industrial, ao qual cabia a execução das seguintes tarefas: - coordenar e realizar na Região Norte o inquérito à produção industrial, inquérito mensal à produção industrial, inquérito mensal ao volume de negócios e emprego na indústria, bem como inquérito às empresas – gestão e protecção do ambiente; - conceber, coordenar e realizar inquéritos aos preços de equipamentos e materiais de construção efectuados no âmbito das obrigações do INE a comissão de índices de fórmulas e empreitadas.
3. A Autora passou então a exercer outro tipo de funções, essencialmente, a validação e análise do inquérito mensal à produção industrial, inquérito mensal ao volume de negócios e emprego na indústria e do inquérito ás empresas – gestão e protecção do ambiente.
4. A Autora celebrou com a Ré, a pedido desta e com início em 2.5.1999, um denominado contrato de prestação de serviços, por tempo indeterminado e que vigorou até 31.3.2000, tendo por objecto a realização, pela Autora, de entrevistas no âmbito dos inquéritos a cargo do núcleo de inquéritos do Réu.
5. Foi celebrado pelo Réu com a Autora um determinado contrato de trabalho a termo certo, com início em 1.4.2000 e pelo prazo de seis meses, para a Autora desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de técnico adjunto de estatística, na carreira de técnico profissional, classe B4, tendo o mesmo sido renovado, em 1.10.2000, por 12 meses e com início nessa data, e em 14.9.2001, por 18 meses, com início em 1.10.2001.
6. Foi recebida pela Autora uma carta do Réu, datada de 7.3.2003, pela qual lhe era comunicada a decisão de não renovar o contrato referido.
7. Por sentença transitada em julgado de 6.2.2004, proferida nos autos de processo comum …./03.4TTPRT do .ºjuízo, .ªsecção do Tribunal do trabalho do Porto, foi declarada a ilicitude de despedimento da Autora e, em conformidade, foi o Réu condenado a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, com a antiguidade reportada a 1.4.2000.
8. Por força de uma reestruturação orgânica do Réu, comunicada pela ordem de serviço O/15/04, de 24.9.2004, e com efeitos a partir de 1.10.2004, foram centralizados em Lisboa, na sede, os departamentos do Réu, sucedendo à DRN a Delegação Regional do Porto (DRP), ficando adstritos os colaboradores aos departamentos centrais nela representados, nomeadamente no Departamento de Recolha de Informação (DRI), o mais representativo.
9. Com a sua reintegração, em Dezembro de 2004, a Autora foi afecta à unidade A do DRI (sendo função dessa unidade A o registo de dados, o controle de fluxos de informação – insistências por falta de resposta a inquéritos – e de tratamento de documentação recebida pelo correio), tendo ela passado a exercer exclusivamente tarefas de registo de dados e abertura de envelopes de correio; concretamente passou a efectuar a recepção de informação enviada pelos respondentes (via CTT ou electrónica), registo dos questionários, validação informática da informação registada e análise de informação; no que respeita aos casos seleccionados para validação e análise – e que derivam da aplicação de regras e testes pré concebidos pelos departamentos e técnicos responsáveis de cada um dos projectos – as funções da Autora consistem essencialmente em corrigir eventuais erros de registo e em contactar (por telefone, telefax ou correio-e) os respondentes (empresas) de forma a proceder à correcção dos eventuais erros e/ou confirmar a informação por estes enviada.
10. A Autora, em 7.3.2005, solicitou a mudança para funções compatíveis com as suas habilitações literárias, o qual foi indeferido em 3.5.2005; o indeferimento desse pedido deveu-se à circunstância de ter sido entendido que a mesma não detém a experiência e a competência necessárias para integrar o grupo de qualificação do pessoal técnico superior.
11. A Autora, em Agosto de 2005, e devido à saída de um colega, passou a exercer funções no DRI/Serviço de Recolha de Dados.
12. As funções concretamente exercidas pela Autora nessa Unidade B são as seguintes: - proceder à análise das variações homólogas dos preços declarados por específicos e concretos respondentes dos inquéritos relativos ao comércio internacional (os denominados operadores), em períodos temporais pré definidos (semestrais, anuais ou plurianuais), de modo a apurar (mediante contacto individual com esses respondentes ou por recurso ao histórico de preços praticados pelo operador ou do produto/mercadoria) as razões económicas (estruturais ou conjunturais) dessas variações; - proceder à análise das variações homólogas das quantidades de produtos transaccionados por específicos e concretos operadores, igualmente em períodos temporais pré definidos (semestrais, anuais ou plurianuais), de modo a apurar (mediante contacto individual com esses respondentes ou por recurso ao histórico das quantidades de produtos transaccionados pelo operador ou do produto/mercadoria) as razões económicas (estruturais ou conjunturais) dessas variações; - proceder á correcção das informações prestadas por específicos e concretos operadores (cujos dados estatísticos hajam sido previamente registados pela unidade A do DRI, e expurgados por essa unidade A das omissões e erros clamorosos, grosseiros e manifestos – a denominada validação primária), quando verifique existirem omissões ou discrepâncias significativas dos preços declarados (por produto ou mercadoria) ou das quantidades de produtos transaccionados por esses operadores, relativamente a preços ou quantidades anteriormente reportados ao INE; tal correcção é efectuada pela Autora quer por contacto com o operador (que assim fornece a informação correcta), como por estimativa também por ela efectuada (mediante o recurso do histórico de preços ou de quantidades anteriormente declarados pelo operador ou do produto/mercadoria) quando não seja possível contactar o operador em questão ou quando este não forneça a informação pretendida em tempo útil; - a prestação de assistência telefónica aos operadores (Helpdesk) quando os mesmos reportam dificuldades ou dúvidas no preenchimento dos inquéritos, nomeadamente quanto ao código de 8 dígitos de classificação de produto/mercadoria (designado por nomenclatura combinada de mercadorias); - sugerir pontualmente (aos respectivos técnicos) a introdução de aperfeiçoamento/melhorias na aplicação informática por si utilizada para o desempenho das funções acima descritas; - proceder ao teste anual dessa aplicação informática, simulando a Autora ser respondente do inquérito ao comércio internacional.
13. No departamento, serviço e unidade B onde a Autora trabalha existem duas outras colegas da Autora – C………. e D………. – cujas funções e objectivos profissionais são os mesmos da Autora mas que se encontram categorizadas como Técnico Superior de Estatística e na respectiva carreira; igualmente na unidade referida exercem também funções análogos às da Autora os colegas (técnicos profissionais) E………., F………., G………. e H………. .
14. A área de trabalho em que a Autora exerce funções veio a ser pontualmente reforçada com trabalhadores pertencentes à carreira de Técnico Superior, de modo a complementar o trabalho efectuado.
15. O desempenho profissional da Autora tem sido avaliado pelo Réu conforme consta dos documentos de fls. 28/29 e 117/121.
16. A Autora concorreu ao Concurso de Mobilidade Interna (refª. MI 9/2006, publicado na intranet do Réu em 19.5.2006) para uma vaga de Técnico Superior de Estatística no Departamento de Matéria DES-TT, tendo-lhe sido comunicado pelo Departamento de Recursos Humanos do Réu que a sua candidatura não podia ser considerada por ser requisito desse concurso pertencer o candidato à carreira de técnico superior.
17. A Autora concorreu ao Concurso de Mobilidade Interna (refª.MI 7/2005), tendo sido recusada a sua candidatura por não ter o perfil pretendido.
18. Não foi referido pelo Réu à Autora que o perfil pretendido para a candidatura referida no ponto anterior era o de pertencer à carreira de Técnico Superior; tal circunstância não lhe foi expressamente referida, em virtude de tal concurso ser de mobilidade interna para técnicos superiores de estatística e estar assim pressuposto e implícito que apenas os técnicos com essa categoria a ele podiam concorrer.
19. O Departamento de Recursos Humanos do Réu estipulou que as funções correspondentes ao posto de trabalho padrão da categoria de Técnico Superior de Estatística são: - efectuar testes á aplicação informática na óptica do utilizador (DRI/R9); - testar a coerência aos micro-dados (DRI/DR11).
20. A Autora encontra-se classificada pelo Réu como Técnica-Adjunta de Estatística, na carreira técnico profissional, posicionada na classe B3, nível 10 da tabela salarial.
21. Pelo facto de a Autora não ter a categoria de Técnico Superior do INE a mesma sente-se menosprezada, inferiorizada e desvalorizada. O que tem sido, para si, motivo de angústia e infelicidade.
* * *
III
Do recurso de agravo – art.710º nº1 do C.P.C..
Questão a apreciar – Se o Réu se defendeu por excepção.
A agravante diz que o Réu não especificou separadamente qualquer excepção conforme o disposto no art.488º do C.P.C., o que significa que entendeu a sua defesa como mera impugnação. Mais refere que atendendo ao teor dos arts.21º e 22º da contestação não havia lugar a resposta da Autora por o Réu não ter apresentado qualquer defesa por excepção. Vejamos então.
No art.27º da petição a Autora alegou o seguinte: “No mesmo departamento, serviço e unidade B, onde trabalha, há duas colegas da Autora, a C………. e a D………., que têm as mesmas funções e objectivos profissionais, mas que se encontram categorizadas como técnico superior de estatística e na respectiva carreira”. E na sequência do referido a Autora invoca no art.28º da petição o disposto nos arts.22º, 23º, 28º, 29º do C. do Trabalho e 59º nº1 al.a) da C.R. Portuguesa.
Na contestação o Réu alegou o seguinte: “Ora, e em relação ao teor do art.27º da petição inicial, que se impugna por irrelevante, sempre se poderá afirmar que na unidade referida também existem outros técnicos profissionais a desempenhar as mesmas funções análogas às da Autora: os senhores E………. e F………. e as senhoras G………. e H……….” – art.21º - “Significando que a área de trabalho em que a Autora exerce as suas funções, veio a ser reforçada pontualmente com trabalhadores pertencentes à carreira de técnico superior, de modo a complementar o trabalho efectuado” – art. 22º - “Trata- se de uma área onde podem e devem existir, complementarmente, trabalhadores das carreiras de Técnico Profissional e de Técnico Superior” – art.23º.
O acabado de referir constituirá uma defesa por excepção, a determinar que a falta de resposta da Autora determina a sanção a que alude o art.60º nº3 do C.P.Trabalho? È o que vamos analisar.
Sobre tal questão pensámos ser oportuno transcrever aqui os ensinamentos do Prof. Anselmo de Castro quando se refere à impugnação por negação motivada e à defesa por excepção: (…) “Em todos os casos a negação motivada, ainda que contendo aceitação de parte dos factos alegados, envolve sempre negação do facto constitutivo da acção como um todo” (…) “Na negação motivada, como se disse, ainda que haja aceitação parcial dos factos, nega-se sempre a realidade do facto constitutivo, visto se afirmar que o facto jurídico ocorrido foi um facto diverso e com diversas consequências jurídicas. Na defesa por excepção, o facto constitutivo não é negado, e tão só (reportamo-nos, é obvio, aos factos impeditivos), se alegam outros que, segundo a lei, infirmam os seus efeitos no próprio acto do nascimento, ou seja na sua raiz” – Direito Processual Civil Declaratório, volume 3, pgs.213 a 216.
Também o Prof. Alberto dos Reis, defende que a defesa por impugnação é uma defesa directa e a defesa por excepção é uma defesa indirecta e dá, como exemplo da primeira, o seguinte caso: (…) “Perante a ofensiva desencadeada pelo Autor na petição inicial, o Réu pode assumir, em primeiro lugar, uma destas atitudes de defesa: a) não são exactos os factos materiais narrados pelo Autor. As coisas não se passaram como ele as conta; o que realmente sucedeu foi…(e passa a expor factos contrários àqueles que o Autor articulou)” (….) “No 1ºcaso, ao estado de facto descrito pelo Autor o Réu contrapõe um estado de facto diferente; quer dizer, apresenta ao tribunal uma exposição das ocorrências, diversa da que o Autor oferecera. A narração do Autor e a narração do Réu referem-se ao mesmo acontecimento; somente, cada uma das partes o encara e o apresenta através do seu prisma, através do aspecto que lhe é favorável. Daí resultam duas versões diversas da ocorrência - a versão do Autor e a versão do Réu” – C. Processo Civil anotado, volume 3. pg.22/23.
Igualmente o Prof. Castro Mendes, em comentário ao art.487º do C.P.C., - e cuja redacção é precisamente a mesma que no presente -, ensina que “Quando o réu afirma a falsidade ou inexactidão dos fundamentos essenciais, de facto e de direito, do pedido do autor, e daí tira como conclusão, evidentemente, que deve ser absolvido de todo ou parte do pedido, defende-se por impugnação” (…) “Quando o réu, aceitando os fundamentos essenciais do pedido do autor ou abstraindo da sua verdade, aduz razões concludentes ao não acolhimento do pedido do autor, estamos em face da defesa por excepção. Excepção, significa, deve notar-se, de um lado e num sentido (objectivo), a razão de não acolhimento do pedido do autor, que não se traduz na falsidade ou inexactidão dos fundamentos essenciais desse pedido” (…) – Direito Processual Civil, volume 3, apontamentos das lições dadas ao 4ºano de Direito da Faculdade de Direito de Lisboa, 1973/1974, pgs.172/173.
Posto isto, consideremos o caso dos autos.
A Autora para além de invocar na petição o exercício de funções a que corresponde determinada categoria profissional, que reclama, também invocou, como fundamento dos seus pedidos, o tratamento discriminatório relativamente a duas colegas de trabalho.
E perante a invocação de uma situação de discriminação – quer ela tenha ocorrido, ou não, antes de 1.12.2003 -, compete ao discriminado (o trabalhador) alegar e provar os factos resultantes dessa discriminação, competindo ao empregador justificar objectivamente a razão dessa diferenciação (é esta a posição dos subscritores do presente acórdão já expressa no acórdão proferido em 7.4.2008 na apelação 6614/2007 da 1ª secção).
Daqui decorre que o alegado pelo Réu nos arts.21º a 23º da contestação nunca poderá constituir uma defesa por excepção mas antes uma impugnação por negação motivada.
E se assim é não há lugar ao articulado resposta a que alude o art.60º nº1 do C.P.Trabalho.
A não admissibilidade do referido articulado determina igualmente a não aplicação do nº3 do art.60º do C.P.Trabalho.
Procede, assim, o agravo.
E a procedência do agravo determina que a matéria contida nos nºs. 13 a 14 da factualidade dada como provada (e assinalada a itálico no § II do presente acórdão) seja eliminada, devendo, deste modo, a mesma transitar para a base instrutória e ser alvo de discussão em audiência.
Mas aqui chegados cumpre referir o seguinte.
Quer a Autor, quer o Réu limitaram-se, no que respeita à questão da discriminação, a formular conclusões e juízos de valor. Senão vejamos.
A Autor veio dizer no art.27º da petição que as suas duas colegas C………. e D………. “têm as mesmas funções e objectivos profissionais” que ela. Tal conclusão compete ao Tribunal a quo retirar de factos que a Autora não alegou, precisamente quais as funções que elas, as suas colegas, exercem em concreto e se têm elas a categoria de técnico superior de estatística. Por outro lado, o Réu nos arts. 21º a 24º da contestação veio dizer, ainda que de forma conclusiva, que no serviço e unidade B onde a Autora trabalha existem também trabalhadores pertencentes à carreira de técnico superior que estão encarregues, temporariamente, de aí exercer funções. Ou seja, o Réu veio dizer, ainda que indirectamente, que a existência de trabalhadores pertencentes ao quadro técnico superior na unidade B, onde a Autora trabalha, não tem a ver com o “tratamento discriminado” alegado pela Autora.
As “conclusões” constantes dos arts. 27º da petição e 21º a 23º da contestação deveriam ter sido traduzidos em factos: a Autora deveria ter alegado quais as concretas tarefas que as colegas exercem, já que é seu ónus alegar os factos resultantes da discriminação (a Autora já alegou quais as funções que exercia e sua categoria); o Réu deveria alegar as razões objectivas para o diferenciado tratamento, mas traduzidos em factos.
Quando as partes não articulam todos os factos necessários à procedência das suas pretensões o Juiz dispõe do poder/dever consignado no art.27º al.b) do C.P.T., sendo certo que no caso se justifica plenamente o uso do disposto no citado preceito legal, tendo em conta que a relação laboral existente entre a Autora e o Réu não findou, a situar os direitos daquela na zona da “indisponibilidade”.
Tudo isto para dizer que antes de se proceder ao aditamento da matéria referida nos nºs. 13 e 14 da factualidade assente na base instrutória, deve o Tribunal a quo convidar as partes para completarem a petição e a contestação no que respeita ao alegado nos art.27º da petição e 21º a 23º da contestação, e nos termos que atrás se deixaram indicados.
E assim sendo, fica prejudicado. Por ora, o conhecimento da apelação.
* * *
Termos em que se concede provimento ao agravo e se revoga o despacho que considerou assente a matéria constante dos nºs.13 e 14 do § II do presente acórdão e, em consequência se anula o julgamento e actos posteriores, incluindo a sentença, devendo o Mmo. Juiz a quo convidar as partes a completar a petição e a contestação nos termos indicados no presente acórdão, formular os quesitos adicionais correspondentes, proceder a julgamento em conformidade, responder aos referidos quesitos e proferir sentença (o julgamento apenas incidirá sobre a matéria dos novos quesitos, podendo no entanto ser ampliado aos demais apenas e tão só com o fim de evitar contradições).
* * *
Custas a final a cargo da parte vencida.
* * *

Porto, 12.06.2008
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais