Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0616098
Nº Convencional: JTRP00040224
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
DECLARAÇÃO DO ARGUIDO
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RP200704110616098
Data do Acordão: 04/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 481 - FLS 98.
Área Temática: .
Sumário: As conversações telefónicas do arguido objecto de gravação, desde que observadas todas as condições e formalidades legais, valem como meio de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No Círculo Judicial de Bragança, foram julgados em processo comum e perante Tribunal Colectivo, os arguidos B………., C………., D………., E………., F………., G………., H………., I………., J………., L………. e M………., todos devidamente identificados nos autos e actualmente detidos, tendo sido proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, o tribunal julga parcialmente procedente a acusação, nos termos supra explanados e, em consequência:

a) - Como autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1) do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art. 71º CP, condena a arguida B………. na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

b) - Como autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1) do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art. 71º C.P., condena a arguida C………. na pena de cinco anos de prisão;

c) - Absolve o arguido D………. do crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, como reincidente de que vem acusado, mas como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art.º 71º C.P, condena o arguido D………., na pena de seis anos de prisão;

d) - Absolve o arguido E………. do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artº.347º. do Cód. Penal, de que vem acusado.
- Como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1 e ponderando o disposto no art. 71º C.P. condena o arguido E………. na pena de sete anos e seis meses de prisão;
- Como autor de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artº.6º da Lei nº.22/97, de 27 de Junho na redacção da Lei nº 98/01, de 25 de Agosto, e ponderando o disposto no art. 71º CP, condena o arguido E………. na pena de dez meses de prisão;
Procedendo ao cumulo jurídico das penas ora aplicadas e ponderando em conjunto a globalidade dos factos e a personalidade do arguido neles revelada, ao abrigo do disposto no art. 77º CP condena o arguido E………. na pena única de oito anos de prisão.

e)- Absolve o arguido F………., do crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, como reincidente de que vem acusado, mas como autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p., pelo art. 25º a) do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art. 71º C.P., condena o arguido F………., na pena de três anos de prisão;

f)- Absolve o arguido G………., do crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1 de que vem acusado.
Como autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p., pelo art. 25º a) do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art. 71º C.P, condena o arguido G………., na pena de dois anos de prisão;
Atendendo ao modo e condições de vida do arguido e à sua apurada actuação, à confissão dos factos e ter trabalho, e por se nos afigurar que a simples censura dos factos e a ameaça da pena satisfazem de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, ao abrigo do art. 50º CP, suspende a execução da pena ora aplicada ao arguido G………., pelo período de quatro anos;

g) - Absolve o arguido H………. do crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo art. 6º da Lei nº.22/97, de 27 de Junho, na redacção da Lei nº 98/01 de 25 de Agosto e, do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, como reincidente, de que vem acusado, mas como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art.71º C.P, condena o arguido H………. na pena de oito anos e seis meses de prisão;

h)- Como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art.71º C.P., condena o arguido I………. na pena de cinco anos de prisão;

i)- Absolve o arguido J………., do crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1 de que vem acusado, mas como autor de um crime de traficante - consumidor de estupefacientes p. e p. pelo art. 26º 1 DL 15/93 de 22/1 e ponderando o disposto no art. 71º CP condena o arguido J………. na pena de dois anos de prisão;
Atendendo ao modo e condições de vida, á sua apurada actuação, á confissão dos factos e ter trabalho, e por se nos afigurar que a simples censura dos factos e a ameaça da pena satisfazem de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, ao abrigo do art. 50º CP, suspende a execução da pena ora aplicada ao arguido J………., pelo período de quatro anos;

j)- Como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º1 do DL 15/93 de 22/1, e ponderando o disposto no art. 71º C.P., condena o arguido L………., na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

l) Como autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º 1 DL 15/93 de 22/1 e ponderando o disposto no art. 71º CP condena a arguida M………., na pena de cinco anos de prisão;

Julga improcedente a pedido cível deduzido contra os arguidos E………. e C………. e em consequência absolve-os do pedido;
Ao abrigo dos arts 109º 111º CP e art. 35º Lei 15/93 de 22/1, declara perdidos a favor do Estado, a droga e o dinheiro apreendido aos arguidos, os telemóveis, e os veículos automóveis NT-..-.. (B……….), ..-..-BQ e MQ-..-.. (E……….), ..-..-CH (F……….), XU-..-.. (H……….), ..-..-QI (J……….), e os demais bens apreendidos relacionados com a droga, e declara perdida a favor do Estado a arma de caça N………. apreendida ao arguido E………. .
Determina a entrega ao arguido H………. das armas de caça O………., nºs M…..B e U…..E que lhe foram apreendidas e como requereu (…)”.

Inconformados com tal decisão, dela recorreram os arguidos E………., H………. e M.........., nos seguintes termos:

O arguido E………. impugna a matéria de facto, por terem sido valoradas as escutas telefónicas sem que tenha sido confrontado com a transcrição das mesmas e por terem merecido credibilidade as declarações prestadas pelo co-arguido D……….; impugna ainda que fosse proprietário do veículo MQ-..-.. e que o mesmo tivesse sido usado no tráfico de estupefacientes. Relativamente à matéria de direito, entende que os factos devem ser integrados no art. 25º do Dec-Lei 15/93, de 22/1 e que o veículo MQ-..-.. não deve ser declarado perdido a favor do Estado.

O arguido H………. insurge-se apenas contra a medida concreta da pena, que entende exagerada.

Finalmente, a arguida M………., impugna a matéria de facto, por entender que a sua condenação assentou no depoimento pouco convincente de uma única testemunha, nas escutas telefónicas que, em seu entender, não podem ser consideradas meios de prova e na falta de exame crítico da prova. Quanto ao direito, entende que a pena de prisão aplicada é exagerada.

Respondeu o MP na 1ª instância, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência de todos os recursos.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

Cumprido o disposto no artigo 417º/ 2 do CPP, não houve resposta

Colhidos os vistos legais, procedeu-se à audiência de julgamento.

2. Fundamentação
2.1 Matéria de facto
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

Pelo menos, durante o ano de 2003, o arguido E………. decidiu dedicar-se à venda de produtos estupefacientes, com a finalidade de dessa forma angariar para si próprio vantagens económicas, e após ter feito aquisição de produtos estupefacientes a alguns indivíduos nomeadamente de Guimarães e outras localidades, durante o Maio de 2004 o arguido E………. passou também a adquirir para subsequente revenda produtos estupefacientes ao arguido H………., após este haver saído em liberdade condicional;
E até à data da sua detenção em 23/11/04, o arguido E………. contactava e comprava duas a três vezes por semana, ou de forma mais espaçada quando adquiria uma maior quantidade de produto, ao arguido H.......... heroína e cocaína, produtos esses que, posteriormente, o E………. vendia a outros indivíduos, fossem eles apenas consumidores de tais produtos ou também vendedores dos mesmos, e que lhe eram entregues por aquele H………. ou pela companheira deste M……….;

O arguido E………. criou uma “rede” de venda dos produtos estupefacientes por si adquiridos os quais, para além de ele os vender directamente a consumidores, eram também vendidos por outros indivíduos a consumidores, e pelo menos desde o final de ano de 2003 e até à data das detenções o E………. vendeu:
- heroína e cocaína ao arguido D………., conhecido por “D1……….”, a quem entregava diariamente uma grama de heroína e duas doses de cocaína correspondente a 50,00 Euros de heroína e 20,00 Euros de cocaína e ás vezes mais do que uma vez por dia, e à companheira deste B………., até que por volta de Setembro de 2004, tais aquisições passaram a ser feitas directamente pela arguida B……….; O D1………. e B……… adquiriam também heroína e cocaína em Mirandela, das quais lhes vieram a ser apreendidas, em 11/6/03 com o peso bruto de 1,572 gr. heroína, e em 25/4/05 com o peso bruto de 1,154 gr heroína e 0,639 gr. cocaína;
- desde, pelo menos, Maio de 2004 até à sua detenção, heroína e cocaína ao arguido L………., em quantidades variáveis por norma entre a meia e a uma grama que por sua vez vendia, a consumidores da área desta comarca e áreas limítrofes.
- de Julho de 2004 a Setembro de 2004, o arguido E………. entregou ao arguido G………., conhecido por “G1……….”, pelo menos duas doses de cocaína diária, para si e sua esposa, para trabalhar para si na reconstrução de uma casa que comprara em Macedo de Cavaleiros, bem como lhe entregou heroína para este levar uma vez ao P………. em Bragança e a outros dois consumidores em Macedo, e já desde Maio de 2004 que o G………. adquiria ao E………. doses individuais para si e para entregar a terceiros consumidores, nomeadamente o Q………. .

Para além de vender aos arguidos acima mencionados, o arguido E………., por inúmeras vezes, directamente ou a sua companheira, a arguida C………., venderam ou forneceram produtos estupefacientes, heroína e cocaína, entre outros a:
- S………., para além de o arguido E………. lha haver fornecido em outras ocasiões, e ao seu companheiro T………. “T1……….” algumas vezes e que consumiu com o E………. ao deitar a placa na casa;
- U………., de Abril a Outubro de 2004 a quem o arguido E………. fornecia quase diariamente, uma dose de heroína ou consumia com ele, e nem sempre lhe entregava dinheiro para pagamento;
- V………. “V1……….” várias vezes;
- W………., muitas vezes, em especial no Verão de 2004, quer pagando em dinheiro, quer com materiais de construção civil, bem como consumiu com ele;
- X………. “X1……….”, com quem o arguido consumia;
- Y………. “Y1……….”, a quem o arguido E………. abordou no sentido de o mesmo lhe arranjar uma balança de precisão, e lhe comprou heroína durante 4 a 5 meses no verão de 2004 um ou dois pacotes de cada vez, bem como consumiu com ele muitas vezes;
- Z………., de alcunha “Z1……….” cocaína, algumas vezes um pacote de cada vez;
- K………. “K1……….”, algumas vezes uma dose de 10,00 € por dia, bem como consumiu com ele;
- P………. que lhe foi entregue pelo G1……….;
- AB……….;
- “ Farturas” em meados de 2004
- AC………. “AC1……….”, e
- AD………., “AD1……….”;

A arguida C………. em conjugação de esforços e vontades com o arguido E………. seu companheiro, e seguindo as suas instruções, recebia encomendas de doses individuais de heroína e cocaína ou superiores e entregava tais produtos, recebendo a quantia monetária correspondente, o que fazia em especial com os arguidos D1………. e B………., guardava a droga e participava com o arguido E………., nas vendas, e, estava devidamente instruída por ele para no caso de algo de “anormal” suceder, se desfazer de todo o produto estupefaciente que houvesse lá em casa, e é assim que, no próprio dia das detenções dos arguidos, quando o arguido E………., depois de se aperceber que tinha sido detectado pelas autoridades policiais quando se preparava para ir fazer uma “entrega”, se pôs em fuga, contactou a arguida C………. para que esta fizesse desaparecer a droga que havia em casa pela sanita, o que efectivamente veio a suceder.

Os arguidos D1………. e B………. conjunta ou separadamente, mas sempre em conjugação de esforços e vontades, venderam estupefacientes, em especial heroína, a diversos consumidores, e nomeadamente a:
- S………. em Janeiro a Maio de 2004 heroína e cocaína
- AE………. “AE1……….”, heroína, todos os dias durante cerca de 1 ano antes da detenção, e através de outras pessoas também comprou ao E………. ,
- Af………., durante cerca de 6 meses antes das detenções, uma dose por dia e através deles comprou ao E………. 0,5 gr. de heroína na barragem da ……….;
- U………., algumas vezes a ambos;
- V………. “ V1……….” pelo menos duas a três vezes;
- AG………. “AG1………”, heroína em 2003 e 2004, 2 ou 3 vezes por semana e uma ou duas doses de cada vez;
- AH………., heroína, tendo chegado a transportar o arguido D1………. a Mirandela a fim de comprar droga;
- AI………. “AI1……….”;
- W………., duas ou três vezes tendo também consumido com a B……….;
- X………. “ X1……….”, normalmente ao D1………;
- Y………., “Y1……….”, uma dose heroína de cada vez, durante três a quatro meses antes de comprar ao arguido E……….;
K………. “K1……….” várias vezes, bem como consumiu com a arguida B……….;
AJ………. “AJ1………”, que sabia que o D1………. ia comprar ao arguido E……….;
AL………. “AL1……….”, e ainda a AC………. “AC1……….”, AM………. “AM1……….”, ao “AN……….”, AO………., AP………., AQ………., AS………., AT………., AU………. e, ao AB………. ,
Nas deslocações a Mirandela, o arguido “D1……….” solicitava habitualmente a alguns consumidores desta cidade que o transportassem nos respectivos veículos automóveis, pelo menos enquanto a sua companheira, a arguida B………., não arranjou um veículo automóvel, a troco de algum produto estupefaciente para consumo, o que sucedeu, também com AH………. tendo em algumas ocasiões aí sido interceptado pela P.S.P. de Mirandela, como supra referenciado.

O arguido D1………. consumia cocaína e a arguida B………. consumia heroína, e adquiriam tais estupefacientes com o dinheiro obtido na venda dos demais produtos estupefacientes, o qual ainda lhes permitia satisfazer as outras necessidades da sua vida no dia a dia;

Pelo menos desde Setembro de 2004 que o arguido J………. “J1……….”, comprava diariamente cerca de 0,5 gramas de cocaína, ao preço entre 25 a 30 Euros quer em Mirandela quer ao arguido E………., que repartia em doses individuais, reservando duas ou três embalagens para seu consumo pessoal e vendendo as demais, a consumidores que o procuravam o que fez nomeadamente a:
- AE………. “AE1……….” quase todos os dias, uma dose de cocaína de 20,00€ tendo chegado a ir com ele a Mirandela
- T………. “T1……….” e companheira deste a S………. em 2004 durante dois a três meses e foi com ele comprar a Mirandela;
À U………., com quem também consumiu cocaína
AI………. “AI1……….”, com quem também foi a Mirandela comprar cada um a sua;
- W………., e também consumiram e compraram os dois;
- X………. “X1……….”, algumas vezes com quem também consumia;
- AJ………. “AJ1……….” com quem consumiu entregando-lhe ele dinheiro;
- AD………., bem como levou outros consumidores com ele a comprar a Mirandela incluindo o arguido D1.......... .
O arguido J………. agiu como descrito com o fim exclusivo de obter dinheiro para comprar mais droga para seu consumo;

O arguido L………. vendeu estupefaciente, nomeadamente cocaína a:
- S………, pelo menos duas vezes em 2004,
- AE………. “AE1……….”, muitas vezes em 2003 e 2004 uma dose de 20,00 € de cocaína de cada vez,
- AF………., uma ou duas vezes heroína e cocaína, doses de 10,00 €;
- U………., uma ou duas vezes de Julho a Outubro de 2004
- X………. “X1……….”, algumas vezes;
- K………. “K1……….”, uma vez;
- AJ………. “AJ1……….” uma ou duas vezes dose de 25,00 €, sendo uma delas junto ao ……….;
- “Farturas”que lhe comprava habitualmente;

O arguido H………. desde sensivelmente meados de Maio de 2004, logo a seguir a lhe ser concedida a liberdade condicional (12/5/04) no âmbito do Proc. Comum Colectivo actual nº…./03.5 TBBGC do .º. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, começou a vender regularmente produtos estupefacientes, em quantidades não inferiores a cinco gramas, e assim, para além das vendas efectuadas e supra mencionadas de droga ao arguido E………. e que lhe eram entregues por aquele ou pela sua companheira M………., sendo que o estupefaciente (heroína e cocaína) vendido a este, de cada vez, chegou a ascender a 4.500,00 Euros, os mesmos venderam:
- Pelo menos desde Setembro de 2004 até à sua detenção ao arguido I………., em dias alternados, pelo menos 5 gramas de heroína e 5 gramas de cocaína;
- E desde pelo menos Agosto de 2004, a F………. “F1……….” normalmente cinco gramas de heroína, em dia alternados, até á sua detenção, altura em que ambos se iam encontrar para comprar droga.
- O AV………. “AV1……….” desde o Verão de 2004 e durante dois ou três meses comprou-lhes todas as semanas 5 gramas de cocaína a 50,00 Euros a grama e por vezes cinco gramas de heroína e cinco gramas de cocaína
- O AW………., que foi comprar ao H.......... seguindo as instruções do I………. 5 gramas de heroína, e emprestou o seu carro ao I………. a troco de uns pacotes de heroína;

A actividade desenvolvida pelo arguido H………. relacionada com o tráfico de estupefacientes, era feita em colaboração, de comum acordo e em conjugação de esforços com a sua companheira, a arguida M………., que inclusive recebia as encomendas e repartia os produtos estupefacientes, os dissimulava e guardava e fazia a entrega dos mesmos produtos seguindo as instruções do arguido H………., sendo que as encomendas aludiam ao “garrafões de vinho tinto ou de vinho branco”, consoante o tipo de droga desejado por quem fazia a encomenda, heroína e cocaína respectivamente, e o arguido H………. procurava manter uma rede restrita de compradores directos a fim de não ficar muito conhecido.

O arguido I………. consumia parte da droga que adquiria ao H………., bem como se deslocava com outros consumidores a comprar-lhes droga e vendia parte da droga que comprava, o que fez nomeadamente ao AY………. “AY1……….” que se deslocou com o I………. por duas vezes a ………. comprar droga ao H………. entregando-lhe 20,00 € mas, ficava sempre a alguma distância do local exacto onde o arguido se ia “abastecer”, e ao “AW1……….” AW……….;

O F………. comprava a droga em parte para seu consumo e consumia entre uma a uma grama e meia por dia e a parte restante para ceder e vender a terceiros como a AU………., AO………. e o “AX……….”;

O arguido H………. vendia quantidades de 5 (cinco) gramas de estupefaciente ou superiores, ao preço de 50,00 Euros a grama, a venda em quantidade inferior a 5 gramas, era esporádica ficando a dever-se a restos que lhe sobravam das quantidades de que inicialmente dispunha para venda, ou por atenção á pessoa a quem vendia.
Quer o arguido E………., quer o arguido H………., procediam à venda de produtos estupefacientes aos arguidos nos termos mencionados, que por sua vez, se encarregavam de a vender aos indivíduos que habitualmente os contactavam para a comprarem como consumidores;
Os contactos com vista à aquisição de produtos estupefacientes quer entre os arguidos quer entre estes e os consumidores a quem estes vendiam eram habitualmente feitos através de telemóveis, sendo muito frequente os arguidos combinarem entre si determinados locais onde eram feitas as entregas desses produtos e do dinheiro, ou usarem estratagemas destinados a dificultar um eventual controle de tais actividades por parte das autoridades policiais, nomeadamente dissimulados os produtos estupefacientes nesses locais, e usavam de algumas cautelas para a venda dos produtos estupefacientes e para receberem a quantia monetária correspondente, nomeadamente deixando os produtos debaixo dos tapetes de entrada das respectivas residências, ou atirando as doses individuais pelas janelas dessas mesmas residências, sendo o preço correspondente deixado pelos consumidores nas caixas do correio, subterfúgio este que foi muitas vezes utilizado pelos arguidos E………. e C……….
O arguido E………., uma das vezes perdeu a noção do local exacto onde havia escondido o produto estupefaciente por ele destinado a venda;
O arguido E………., o mesmo tinha adquirido nesta cidade uma casa, que andava a restaurar, trazendo aí a trabalhar vários indivíduos, alguns deles toxicodependentes, indivíduos estes a quem o arguido pagava o trabalho por eles executado com produtos estupefacientes, o que aconteceu com T………. e o G1……….

Os produtos estupefacientes adquiridos ao H………. e sua companheira, a arguida M………., pelos demais arguidos nos termos descritos, eram por estes últimos vendidos a consumidores da cidade de Bragança e áreas limítrofes (Macedo e Vinhais).

Ao actuarem da forma que fica descrita, todos os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, com perfeito conhecimento da natureza estupefaciente dos produtos em causa, sabendo que era de todo proibida e punida a sua venda, cedência, detenção, dissimulação e transporte, e que as suas condutas eram proibidas e punidas
Os arguidos E………. e C………., H………. e M.........., e o L………., agiram ainda com o propósito de alcançarem vantagens patrimoniais indevidas, através da venda de produtos estupefacientes.
Cada dose individual de heroína era vendida aos consumidores pelos arguidos pelo preço de 10€ (dez euros) e cada dose individual de cocaína era por eles vendida a 20€ (vinte euros).
Em 23/11/04 ao arguido E………. foi apreendida a quantia de 127,65 Euros, o veículo Mazda ..-..-BQ, o telemóvel marca siemens ……….. que tinha consigo, e o veículo MQ-..-.. e à arguida C………. um telemóvel siemens;
Em casa dos arguidos E………. e C………., na mesma data foram encontrados e apreendidos: no quarto de casal diversas quantias em dinheiro totalizando 2.620, 22 Euros; diversos relógios e objectos de ouro e prata, a quantia de 140 Euros na caixa do correio; diversos outros objectos, seringas e telemóveis; noutro quarto, a arma caçadeira “N………. nº ……; na despensa diversos objectos e recortes de plástico próprios para embrulhar estupefaciente, tudo em conformidade com o auto de fls. 809 que aqui se dá por reproduzido; num barraco utilizado pelo arguido E………. foram encontrados e apreendidos pequenos pedaços de prata usados no consumo de droga, um saco com 26,4 gramas de um pó branco, e perto da casa do arguido na Rua ………. uma balança de precisão estragada, e nessa casa uma faca;
Ambos os veículos e telemóveis eram utilizados pelos arguidos para a actividade de tráfico de estupefacientes, e o dinheiro e demais bens eram produto da mesma actividade;
O arguido E………. não é titular de licença de uso e porte de arma de caça, e aquela arma encontra-se manifestada e está registada em nome de AZ………., e bem sabia que não podia detê-la sem licença, e que tal conduta era proibida e punida.

Em casa dos arguidos D1………. e B………., foram encontrados diversos objectos (plásticos, pratas e colheres) relacionados com estupefaciente em conformidade com o auto de fls. 818 e 819, que foram apreendidos e um telemóvel Nokia ao arguido D1………. e foi apreendido o veiculo NT ..-.., da arguida B………. e com recortes de plástico no seu interior e o telemóvel de marca Sansung.
Tais bens eram utilizados pelos arguidos na actividade de tráfico de estupefacientes;

Em casa do arguido G………. foram encontrados e apreendidos sete telemóveis, utilizados na actividade de compra e venda de droga;

No dia 23/11/04 ao arguido H………. foi apreendido o veiculo XU-..-.., o telemóvel Siemens, 170,00 Euros e diversos objectos conforme auto de fls 915, e a 70 metros do local em que foi interceptado heroína com o peso bruto de 7,6 gr. de heroína, que ia entregar ao arguido F………., e, em casa da mãe em ………., Vinhais, onde morava com a arguida M………. foi encontrado e apreendido por baixo das escadas da residência um frasco com duas embalagens, contendo o peso bruto de 10,1 gr. de heroína; 355,00 Euros em notas, e, três armas caçadeiras O………., sendo uma modelo ……… nº M…..B num estojo verde, outra com o nº U…..E num estojo castanho, a outra arma de caça O………., com o nº L……, está registada em nome de BA………. que é titular de licença de uso e porte de arma, válida até Janeiro de 2006, a quem foi entregue, e sete caixas de cartuchos 12mm, e outros objectos em conformidade com o auto de fls. 916 e 917 que aqui se dá por reproduzido;
O veículo e o telemóvel eram utilizados pelos arguidos para a actividade de tráfico de estupefacientes e o dinheiro era produto da mesma actividade de venda, e a droga destinava-se à venda;
O arguido H………. é titular de licença de uso e porte de arma de caça nº …. de 26/7/04, e aquelas duas armas caçadeiras encontram-se manifestadas e registadas sob livretes nºs M….. e L….. e em nome do arguido

Em 24/11/04 ao arguido I………. foram apreendidas três embalagens de heroína com o peso bruto de 4,2 gr., um moinho eléctrico, 350,00 Euros em notas e diversos documentos em conformidade com o auto de fls 920,
O dinheiro era produto da venda de estupefaciente e o moinho utilizado nessa actividade, e a droga destinava-se em parte a seu consumo e a parte restante á venda.

Em 23/11/04 ao arguido F………., foi apreendida a quantia de 320,00 Euros, uma embalagem de heroína com 0,2 gr. de peso bruto, um telemóvel Simens e o veiculo Toyota ………. ..-..-CH, e em casa haxixe com o peso bruto de 6,8 gr.
O veículo e o telemóvel eram utilizados pelo arguido na actividade de compra e venda de droga e o dinheiro era produto dessa venda;

No dia 3/12/04 ao arguido J………., em Mirandela, foi apreendida, uma embalagem de cocaína com o peso bruto de 0,479 gramas que tinha consigo, o veiculo ..-..-QI, cuja apreensão veio a ser levantada e seis telemóveis, e no dia 20/5/05, em Mirandela, quando conduzia o mesmo veiculo, foi-lhe apreendida uma embalagem com o peso bruto de 0,300 gr. de cocaína
O veículo e os telemóveis eram utilizados na actividade de compra e venda de droga, e a droga apreendida destinava-a a seu consumo e á venda, nos termos supra descritos;

No dia 1/6/05 em casa, foi apreendido ao arguido L………., um telemóvel marca Nokia utilizado na actividade de tráfico de droga e outros objectos descriminados no respectivo auto de fls. 1770,

Os produtos apreendidos aos arguidos eram ou produtos estupefacientes, ou produtos de “corte”, ou objectos e produtos que serviam para o tráfico de tais produtos (pesagem, acondicionamento ou embalagem, mistura, moagem) e todos os arguidos tinham perfeito conhecimento de que as suas actividades eram proibidas e punidas por lei.

O arguido E………., no dia em que foi detido (23/11/04) foi interceptado por elementos da G.N.R., cerca das 10,45H., ao fundo da ………., Macedo de Cavaleiros, quando através de uma intercepção telefónica efectuada “em tempo real” se apurou que o mesmo se dirigia para ………. a fim de aí proceder a uma entrega de produto estupefaciente, e apercebendo-se da operação da G.N.R., o arguido acelerou o veículo automóvel de matrícula ..-..-BQ que conduzia na ocasião e, conseguindo ultrapassar o camião que ocupava a estrada, fugiu, apesar de um dos militares haver saído do veículo da G.N.R. e ainda lograr agarrar o puxador da porta, que não abriu por as portas estarem trancadas, não obedecendo à ordem de parar que lhe fora efectuada, conseguindo eximir-se à sua detenção, tendo apenas acabando por ser detido, pelas 15,55 horas na localidade de ………., área de ………., após ainda ter tentado introduzir-se numa manilha de esgoto existente numa rua dessa localidade quando, ao aperceber-se novamente da perseguição de que era alvo por parte de militares da G.N.R., abandonou o veículo que conduzia e tentou fugir a pé, tendo ainda sido puxado pelas pernas, pelos militares da G.N.R., quando já se ia a introduzir na referida manilha.

A arguida B………., não tem antecedentes criminais;
A arguida C………. não tem antecedentes criminais;
O arguido J………. não tem antecedentes criminais;
O arguido L………. não tem antecedentes criminais;
A arguida M………. não tem antecedentes criminais;
O arguido H………. tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC junto aos autos e foi condenado por acórdão de 7/4/03 no Proc. C. …./98 (antes …/00) do .º Juízo do Tribunal de Bragança, confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto e STJ, na pena de sete anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefaciente praticado desde 1996 a 1999, tendo cumprido pena de prisão e encontrava-se em liberdade condicional desde 12/5/04;
O arguido F………., tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC junto aos autos e nomeadamente foi condenado em 16/5/01 no Proc.C. …/00 do .º Juízo do Tribunal de Bragança, na pena de três anos e seis meses de prisão por crime de trafico de estupefacientes de menor gravidade, confirmada pelo T.R. Porto, e estava em liberdade condicional desde 21/6/04
O arguido D1………. tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC junto aos autos e nomeadamente foi condenado pelos crimes de tráfico de estupefacientes, em penas de prisão cujas execuções fora suspensas, no Tribunal Judicial da Comarca de Mirandela e de Macedo de Cavaleiros, em 2001 e 2002, respectivamente no âmbito dos Procº.s nº.s …/01.6 PAMDL e ../02.1TAMCD, e já cumpriu pena de prisão por outros crimes;
O arguido “G1……….” tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC, e nomeadamente foi condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, em 9/3/99 no P.CC ../98 do então Tribunal de Circulo de Bragança em três anos de prisão suspensa por 4 anos;
O arguido I………. tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC, e nomeadamente foi condenado em 6/9/01 no P.CC …/00 do .º Juízo do Tribunal de Bragança em quatro anos de prisão que foi declarada extinta com efeitos a partir de 10/10/04;

O arguido E………. tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC, e do qual consta também a condenação em pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, no âmbito do Proc. Comum Colectivo nº…./99 do .º. Juízo do Tribunal Judicial de Bragança.

Os arguidos C………. e E………. têm um filho nascido em 23/5/04 BB………. que necessita do amparo e acompanhamento dos pais, viviam em união de facto e do dinheiro auferido com o tráfico de droga, são de humilde condição social;
O arguido E………. também consumia droga;

O arguido D1………. e a arguida B………., viviam em união de facto, do dinheiro auferido com o tráfico de droga, ajudando a B………. o seu pai na jardinagem e sendo ambos ajudados pelos respectivos pais, são pobres e de humilde condição social, e, actualmente a arguida B………. trabalha e estuda no EP, e tem tido bom comportamento e tem sido acompanhada pelo CAT.
O G………. trabalhava na BC………. (recolha de lixo), auferindo 560,00 Euros mensais, tendo o contrato suspenso mas com possibilidade de readmissão, tem bom comportamento prisional, fez tratamento no CAT, vive com a esposa doente e uma filha de seis anos, é de humilde condição social.
O F………. é toxicodependente desde 1997, tendo estado em tratamento e continua em tratamento no CAT, tendo feito diversas desintoxicações sem resultado; vivia com o filho de 19 anos, não trabalhava e vivia dos rendimentos próprios e auferidos pela renda de prédios urbanos e do angariado com a droga, goza do apoio de familiares (filho e tios)
O arguido I………., trabalhava esporadicamente a instalar cozinhas, vivia com a esposa e filha menor, é de humilde condição social;
O arguido J………. está em tratamento no CAT com metadona, vivia com a esposa doméstica, a mãe reformada e um filho de 5 anos, trabalhava na C. Municipal auferindo 480.00 € mensais e faz biscates, é de humilde condição social
O arguido L………., vive com a mãe, é de humilde condição social;
Os arguidos H……… e M………. viviam juntos há largos anos, têm dois filhos, não se dedicavam a qualquer actividade produtiva, são de humilde condição social;
A arguida M………. foi tratada e submetida em ………. em 2004 a displasia do colo do útero, sendo a sua situação clínica estável;

Para entrarem na casa sita na Rua ………., nº .. onde residiam os arguidos E………. e C………., que lhes fora arrendada por BD………. e BE………., na sequência da autorização judicial de busca domiciliária, os militares da GNR, destruíram duas portas da referida habitação, uma a da entrada principal em alumínio e outra de acesso ao 2º andar em madeira, que necessitaram de ser substituídas, por ficarem inutilizadas e sem reparação conveniente, e cujo custo foi de 1.256,05 € que os senhorios pagaram ao carpinteiro e serralheiro que o fizeram, única maneira de ser restabelecida e salvaguardada a segurança da habitação.

Factos não provados
“Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, e tendo-se embora provado factos contrários aos constantes da acusação, nomeadamente não se provou que:
Os contactos entre os arguidos E………. e H………. tiveram início por intermédio de um seu irmão chamado BF………. .
O arguido E………., se tenha deslocado a comprar droga a Bragança, Chaves e Vila Real, e tenha vendido droga a AJ………. “AJ1……….”, AM………. “AM1……….”, BG………. “BG1……….” e AU……….,
O arguido E………. tenha pago os trabalhos em casa feitos pelo AB………. com droga;
O arguido E………., fosse identificado como o “E1……….”
O arguido “D1……….” quando ia a Mirandela adquirir produtos estupefacientes, o fazia sobretudo a um indivíduo de etnia cigana, de alcunha “BH……….”, ou ali tenha ido levado pelo BI……….;
O arguido E………. tenha pressionado o arguido “G1……….” no sentido de permitir que ele mantivesse um relacionamento de carácter sexual com a filha da mulher dele, que teria a idade aproximada de 14 anos.
O L………. vendia a droga por conta do arguido E……….;
O G1………. nas vendas aos consumidores que fazia tinha de angariar proveitos económicos que lhe permitisse, a seguir, adquirir mais produtos dessa natureza e ainda consumir algum produto.
As armas caçadeiras detidas pelo arguido H………. não se encontrem registadas manifestadas e o mesmo não seja titular de licença de uso e porte de arma;
Quando foi interceptado o arguido E………. ia entregar droga a alguém que fazia depois entrar os produtos estupefacientes adquiridos no interior do E.P. de ……… .
O arguido E………. tenha circulado sem respeitar as mais elementares regras de circulação rodoviária ultrapassou um camião e, seguidamente, ao cruzar com outro veículo automóvel, arrancou-lhe o espelho retrovisor esquerdo, continuando a sua marcha, e tenha sido perante esta conduta do arguido que um dos militares saiu do veículo da G.N.R. e ainda logrou agarrar o puxador da porta do lado do condutor do veículo conduzido pelo arguido, e o arguido E………. de imediato trancou as portas através do fecho centralizado das mesmas, levando assim o militar, durante algum tempo, agarrado à porta, e tenha colocando em risco a integridade física do militar em questão;
A autoridade tenha solicitado o acesso à habitação dos arguidos demandados que não obedeceram, não abrindo as portas, e estes tenham desobedecido a uma ordem da autoridade, e, aos militares da GNR não lhes restou outra alternativa senão rebentar as portas.

“A convicção do Tribunal radicou-se na análise, ponderação e valoração da prova produzida conjugada com as regras da experiência e, nomeadamente nas declarações do arguido D………., que confessou as compras e vendas de droga e o seu consumo e da sua companheira, modo e circunstâncias da sua actuação, modo de contacto e entregas e locais e de deslocação, compras ao arguido E………. e idas com o J………. a Mirandela; F………., sobre as suas compras de droga ao H………. e periodicidade, com quem consumia que vendia a três ou quatro pessoas, modo de vida, contactos e calão usado nas encomendas e locais de encontro e o que ia fazer quando foi detido; G………., contacto com o arguido E………. e sua duração, obras em casa do E………., pagamento em droga, consumos na obra, entregas de droga por conta do E………. e era contacto por consumidores para ir buscar droga ao E……….; I………., sobre as compras que fez ao H………., contactos, calão usado e locais de encontro, ia comprar para si e para outros e também vendeu e modo e condições de vida; J………., que confessou a compra e venda de droga e razão desta e a quem vendia e onde a adquiria, e seu modo de vida; B………., que no decurso da audiência veio a prestar declarações, confessando as compras e vendas e o relacionamento entre o D1………., ela e o E………. e a intervenção no negócio da arguida C………. que lhe arranjava droga e ajudava a repartir as doses, quantidades que comprava, modo e contactos estabelecidos e calão usado, uso do seu carro nas deslocações, quantidades compradas pelo E………. e que comprava ao H………., o relacionamento entre o E………. e o G1………. com as obras na casa, mas vendas do E………. ao L………. que encontrou em casa dele, e a sua intervenção no dia da detenção a pedido do E……….; e ainda declarações da arguida C………. que no final quis prestar declarações mas nada explicou de relevante, para além de assumir uma venda á arguida B……….., e alegou apenas ser pressionada pelo arguido E………., não merecendo credibilidade por desacompanhada de outro meio de prova e em desacordo com a normalidade das vendas quando ele não estava, face aos demais meios de prova e contactos com a B………., e seu modo de vida; e ocorreram ainda declarações do arguido H………. que só interveio em relação a um depoimento e um contacto telefónico, e não tendo prestado declarações os demais arguidos quanto à matéria da acusação;
Depoimentos de BJ………., BL………., BM………., BN………., BO………., BP………., BQ………., BS………., BT………., BU………., BV………., BW………., todos militares da GNR, que procederam às investigações e averiguações, buscas e revistas no âmbito deste processo, sobre os modos de actuação e acção e o que encontraram nas buscas e onde e circunstâncias, BX………., BY………. e BZ………., todos agentes da PSP, sobre acções de apreensão de droga e fiscalização desenvolvidas em Mirandela em que intervieram os arguidos D1………., B………. e J……….;
Depoimentos de AV………. “AV1……….”, sobre as compra de cocaína ao arguido H………., que lhe foi apresentado pelo I………., modo de contacto e locais de encontro, calão usado, e preço, a arguida M………. atendia o telefone e recebia as encomendas de droga o que está de acordo com o resultado das escutas telefónicas; S………. sobre as compras ao D1………., J………. e L………. e fornecimentos do E……….; T………. “T1……….” sobre a quem comprou e o que consumiu com o E……….; AE………. “AE1……….”, sobre a quem comprou, como e em que circunstâncias, fazendo-o em relação à B………. e D1……… indiscriminadamente a qualquer deles e encontros com o J1……….; AF………., sobre a quem comprava, e como e circunstancias da compra na ………., deixou o consumo; U………., sobre a quem comprava e com quem consumia e período em causa e modo de contacto e entrega, V………. “V1……….” sobre as compras que fez e trabalho que fez para o E………., negou compra ao E………. no que não mereceu credibilidade face aos contactos telefónicos e seu conteúdo onde lhe encomenda droga e relacionamento entre ambos tendo estado a trabalhar na casa daquele arguido; AH………., sobre a quem comprava heroína; AI……….. “AI1……….” sobre a quem comprou cocaína e com quem acompanhava, W……….., sobre a quem comprava e modos de pagamento e contacto telefónico; X……….. “X1………..” sobre a quem comprova ou consumia; Y………. “Y1……….” sobre a quem comprava e durante quanto tempo e o pedido de balança; Z………. “Z1..........” a quem comprou cocaína; K……… “K1……….” sobre a quem comprou e consumiu; AY………. “AY1……….” sobre as compras e consumo com o I………. e modo como se processavam as compras; AJ………. “AJ1……….” sobre a quem comprava e consumia; AL………. “AL1……….” ou “AL2……….” sobre a quem comprava, e BK………. que contactava o I………. só para saber onde se podia desenrascar; P………., que encomendou 20,00 € de cocaína ao arguido E………. que lhe foi entregue pelo G1………. que vinha de viagem com o arguido E………. a quem ficou de pagar; AW……….; que conhece o I………. a quem emprestava o carro Seat ………. para ele ir comprar a troco de heroína e foi comprar ao H………. seguindo as instruções do I……….;
Depoimentos de CA………., carpinteiro e CB………., serralheiro sobre o arranjo e substituição das portas rebentadas pela GNR na busca a casa do E……….;
Depoimentos de CC………., que conhece o arguido E………. a quem ajustou mão-de-obra em 2002 e 2003 em trabalhos durante seis meses, e lhe conhece os filhos maiores que trabalhavam com ele; CD………. tio do arguido F………. sobre o seu modo de vida e sua disposição para o ajudar; CE………. colega de trabalho do arguido G………. na BC………., e CF………. que conhece o mesmo arguido e deu modo de vida; CG………., chefe do arguido J………. na C. Municipal, CH………., CI………., CJ………. e CL………., que conhecem o arguido e seu modo e condições de vida; CM………. e CN………., que conhecem o arguido L………. e seu modo e condições de vida; tudo conjugado e interligado com o a análise e o teor dos docs. de fls.2 a 3, 8, 17 e 18, 24 a 26, 29, 62, 92 e 93, 104, 107 e 108, 113 a 127, 137 a 139, 148 a 149, 220 e 221 (apreensão de droga), 228 a 231, 253 (exame à droga), 293 a 294, 317 a 319, 336, 339 a 343, 367 a 370, 373 a 378, 423 a 428, 430 a 432, 435 a 450, 462 e 463 (apreensão de droga), 508 a 511, 518, 519 e 520, 526, 547 a 531, 553, 588, 594 a 605, 616 a 618, 620 a 626, 628 (exame à droga), 629, 641 a 644, 646, 668 a 674, 679 a 684, 760 a 763, 766, 776 a 779, 803 a 811 apreensão aos arguidos E………. e C………., 818 a 829 (apreensão aos arguidos D1………. e B……….), 835 a 847 apreensão veiculo e telemóvel da B………. e respectivo conteúdo, assumindo especial relevo a mensagem enviada para a arguida C………. (C1……….) “Atira uma pequena” – fls. 847), 854 (apreensão na casa do G……….), 914 a 919 buscas ao H.........., 920 (apreensão ao I……….), 924, 927 (apreensão ao F……….), 928, 931 a 933, 935 a 941; 1023 (busca num barracão do arguido E……….), 1024 a 1025, 1048, 1050, 1051, 1089, 1090 (apreensão ao J……….), 1091 a 1095, 1141 a 1142, 1169, 1170, 1171 a 1180, 1180 J, 1184 a 1188, 1192, 1208 O, 1208 S a 1208 T, 1210 a 1213, 1215, 1226 B, 1226 J a 1226 L (exame aos produtos apreendidos; 1227 B, 1227 D a 1227 G, 1231 A a 1231B, 1265, 1280 a 1380 (certidões), 1417 a 1469 (autos de exame, avaliação e pesquisa dos bens apreendidos), 1470 (levantamento da apreensão), 1501 a 1503, 1533, 1537 A, 1548, 1573, 1615,1656, 1658, 1663 (apreensão de droga ao J……….) 1666, 1686 a 1687, 1688 a 1692 (exame e pesquisa telemóvel), 1770 a 1771 (apreensão L……….), 1904 a 1908, 2161 (exame à droga), 2207 (exame à droga), 2365 a 2375, 2397 a 2399 (CRC), 2402 a 2434 (CRC), 2547 e 2548, 2779, 2832, 2870, 2904, 2917 a 2919, 3029, documentos juntos no decurso das audiências pelos arguidos, e a análise e teor dos apensos I a VIII de transcrição das escutas telefónicas, onde transparecem o relacionamento entre os arguidos e a actuação de cada um deles, e documentos mandados juntar pelo Tribunal;

2.2. Matéria de direito
Foram interpostos recursos do acórdão condenatório pelos arguidos E………., H………. e M………., cujo objecto apreciaremos separadamente.

E………. (motivação de fls.3352 e seguintes)
No seu recurso, o arguido insurge-se contra a matéria de facto e a matéria de direito. Quanto à matéria de facto, considera que (i) foram incorrectamente julgados os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados; (ii) o Tribunal não se pronunciou sobre factos relevantes e (iii) as regras da experiência comum impunham decisão diversa da recorrida (insuficiência da matéria de facto provada). Quanto à matéria de direito, considera (iv) exagerada a pena que lhe foi aplicada e que (v) não deveria ter sido declarado perdido a favor do Estado o veículo automóvel com a matrícula MQ-..-.. .

Vejamos as questões suscitadas, pela respectiva ordem de arguição.

i) Factos incorrectamente julgados
O arguido entende que foram incorrectamente julgados os seguintes factos:
(transcrição das suas alegações)
“1 – Que o arguido durante o mês de Maio de 2004 se tenha deslocado a Guimarães e outras localidades a fim de adquirir produtos estupefacientes;
2 – Que até 23-11-2004 (data da detenção) o arguido comprava duas a três vezes por semana ao arguido H………. heroína e cocaína;
3 - Que o arguido E………. tinha a sua companheira C………. instruída no sentido de que se de algo de anormal sucedesse se desfazer de todo o produto estupefaciente, o que veio a acontecer no dia da detenção, fazendo-a desaparecer pela sanita;
4 – Que o arguido E………. no dia da detenção se preparava para ir fazer uma entrega quando foi detectado pelas autoridades policiais;
5 – Que o arguido tenha criado uma rede de venda de produtos estupefacientes;
6 - Que o arguido tenha chegado a adquirir de uma só vez aos arguidos H………. e M………. cocaína e heroína no montante de 4.500 euros.
7- Que o arguido tenha adquirido nesta cidade uma casa que andava a restaurar;
8- Que o veículo matrícula MQ-..-.., era utilizado pelo arguido para a actividade de tráfico de estupefacientes;
9- Que os demais bens (incluindo-se também a casa) eram produto da actividade de tráfico de estupefacientes;
10- Que o arguido E………. procedia à compra de grandes quantidades de cocaína e heroína e vendia-a por grosso quer a retalho “doses”;
11 – A certo passo do acórdão na parte que respeita a “aplicação do direito” refere “situação que no caso dos autos é bem patente … envolver nessa actividade toda a família (o casal) … vivendo do lucro auferido por tal comércio ilícito”.

Vejamos.

Defende o arguido que os pontos 1 a 6 (relativos à detenção e tráfico de droga) foram incorrectamente julgados, pois “não obstante nas escutas telefónicas existirem possíveis indícios de que de facto assim poderiam ter ocorrido os factos, certo é que tal não é suficiente para o tribunal considerar os factos como provados e, por outro lado, as escutas telefónicas que poderiam ter algum peso para o Tribunal Colectivo ter dado como provados os referidos factos, certo é que no decurso do julgamento o arguido não foi confrontado com as escutas telefónicas transcritas no processo, de forma a que o mesmo reconhecesse ser a sua voz ou intervenção nos telefonemas, confirmando o conteúdo das mesmas” – fls. 3352.
Nas suas alegações, o arguido reconhece que as escutas telefónicas contêm “possíveis indícios” e que algumas delas “poderiam ter algum peso” no julgamento da matéria de facto, mas que as mesmas não são suficientes para considerar provados os factos em causa.
Contudo, o Tribunal não formou a sua convicção apenas nas escutas telefónicas. Invocou, além de outros factores, as declarações de G………., o qual referiu as “ (…) obras em casa do E………., pagamentos em droga, consumos na obra, entregas de droga por conta do E………. e que era contactado por consumidores para ir buscar droga ao E……….” (fls. 3324).
Não sendo verdade que o Tribunal se tenha baseado exclusivamente nas escutas telefónicas, a argumentação do arguido é inconcludente, uma vez que não atinge os outros meios que serviram para formar a convicção do julgador.

Acresce que o arguido não quis prestar declarações em audiência de julgamento, como é seu direito. Logo, não poderia ter sido confrontado com as transcrições das escutas telefónicas efectuadas. Assim e neste contexto, dizer que não foi confrontado com as escutas é o mesmo que dizer que não prestou declarações. Ora, se tal circunstância o não pode prejudicar, também não pode retirar (nem acrescentar) qualquer credibilidade às provas produzidas nos autos. Em boa verdade, o arguido só não questionou as escutas (designadamente se era sua a voz que foi captada) porque não quis, o que basta para se considerar assegurado o contraditório.

Questiona ainda o arguido o facto constante do ponto 7, onde se deu como assente que “adquiriu nesta cidade uma casa que andava a restaurar”, uma vez que juntou, em audiência de julgamento, uma certidão emitida pela Repartição de Finanças, de onde consta que não é proprietário de bens rústicos ou urbanos no concelho.
A certidão em causa, emitida pela Repartição de Finanças, não tem o valor probatório pretendido relativamente ao direito de propriedade, pois da mesma apenas resulta que não está inscrito na respectiva matriz qualquer bem em nome do arguido. De resto, a questão da propriedade da casa não tem, no recorte da matéria de facto relevante para a incriminação, grande importância. Como sublinha o MP na resposta à motivação do recurso, o arguido comportava-se como se fosse proprietário, pois era ele quem estava a fazer obras de restauro e pagava esses trabalhos, nomeadamente em droga, como referiu G………. (cfr. fundamentação da matéria de facto).
Daí que também neste ponto o arguido não tenha qualquer razão.

Quanto ao ponto 8, onde se deu como assente que o veículo MQ-..-.. era utilizado pelo arguido para a actividade de tráfico de estupefacientes, entende o recorrente que apenas se provou que tal veículo estava na sua posse, pelos motivos constantes do requerimento de fls. 2622, feito pelo proprietário do veículo.
A convicção do julgador, nesta matéria, formou-se com apelo a depoimentos e escutas telefónicas, pelo que não é irremediavelmente afastada perante um requerimento de quem tem o veículo registado em seu nome. O artigo 412º, 3 al. b) CPP obriga que o recorrente especifique as provas que “impõem” decisão diversa, o que pressupõe, além do mais, a demonstração de que as provas que serviram para formar a convicção eram insuficientes. Ora, um requerimento de quem se arroga proprietário do veículo nada pode dizer quanto ao uso que o arguido fazia do mesmo, como é evidente. Daí que o argumento do arguido seja manifestamente inconcludente.

O arguido impugna também o ponto 9, onde se deu como assente “que os demais bens (incluindo-se também a casa) eram produto da actividade de tráfico de estupefacientes”. Na sua óptica, apenas se poderia ter dado como provado que o arguido tinha a actividade profissional de pintor da construção civil, de onde auferia rendimentos e o sustento do agregado familiar.
Também neste ponto o recorrente não indica os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida. Na verdade, o facto de ter uma profissão (modesta) não afasta que viva essencialmente do tráfico de droga, quando se deu como provado que o arguido se dedicava a este numa escala já significativa. As regras da experiência comum dizem-nos que quem trafica com a dimensão com que o arguido traficava, retira daí proventos económicos. Assim, a conclusão a que chegou o acórdão não é posta em causa, como é óbvio, pelo facto de o arguido ser pintor da construção civil.

Quanto ao ponto 10, onde se deu como assente que o recorrente procedia à compra de grandes quantidades de cocaína e heroína e a vendia por grosso e a retalho (“doses”)”, adianta o arguido que não basta o depoimento do co-arguido D………. para se chegar a tal conclusão.
Contudo, como decorre da motivação da matéria de facto provada, não foi apenas com base nesse depoimento que o julgador formou a sua convicção. O G………. referiu também que “era contactado por consumidores para ir buscar droga ao E……….”. Ou seja, o Tribunal Colectivo formou a sua convicção com base numa série de depoimentos, documentos, escutas telefónicas e na respectiva articulação entre si. O arguido, desprezando completamente essa actividade, alega que o Tribunal não poderia ter formado a convicção com base apenas num determinado depoimento. Alegando deste modo, o arguido não ataca a convicção efectivamente formada, mas apenas o relevo probatório de um dos seus elementos formadores, isolando-o do contexto e pretendendo assim desvalorizar toda a convicção. Ao criticar apenas um dos meios de formação da convicção, desprezando os demais, o arguido inutiliza a força argumentativa da sua tese, tornando-a necessariamente falaciosa (toma a parte pelo todo).

ii) Factos que o tribunal incorrectamente desvalorizou ou omitiu
Neste segmento do recurso (ponto II da motivação), o arguido insurge-se contra a decisão proferida, dizendo que o tribunal desvalorizou ou omitiu determinados aspectos: desvalorizou o facto de o arguido ter família constituída, trabalhar na construção civil, não ser proprietário do veículo MQ-..-.., estar de relações cortadas com o D………., ser consumidor e estar arrependido.

Todavia, o arguido não explicita que tipo de vício imputa à decisão: se o vício referido na al. a) do n.º 2 do art. 410º CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (sobre tais factos o tribunal não emitiu um juízo de pronúncia, considerando-os “provados” ou “não provados”) ou se o tribunal apenas desconsiderou tais factos (mesmo aceitando-os) no plano da subsunção jurídica.

Julgamos porém que o arguido está a reportar-se apenas à subsunção jurídica, uma vez que do elenco dos factos provados consta por exemplo que “o arguido E………. também consumia droga” (fls. 3321), nunca se deu como provado que o veículo MQ-..-.. fosse seu (apesar de se ter declarado a sua perda a favor do Estado) e deu-se como assente que o arguido vivia em união de facto com a arguida C………., com quem tem um filho, nascido a 23.05.04.

Daí que, relativamente à matéria de facto, as aludidas desvalorizações do tribunal sejam irrelevantes. Sobre o seu relevo na medida da pena, oportunamente nos pronunciaremos, já que tal questão também faz parte do objecto deste recurso.

(iii) As regras da experiência comum impunham decisão diversa (insuficiência da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova)
No ponto III da sua motivação, o recorrente retoma as questões que já atrás abordámos. Questiona a razão de não se ter dado valor ao documento da Repartição de Finanças (questão já analisada), põe em causa o facto de o Tribunal não ter dado relevo à sua profissão de pintor da construção civil, na escolha da pena (questão que nada tem a ver com a matéria de facto, com o erro notório na apreciação da prova ou com a insuficiência da matéria de facto para a decisão) e põe em causa a perda do veículo MQ-..-.. a favor do Estado (questão que será abordada com autonomia). Entende ainda que o Tribunal “negligenciou” o seu arrependimento (questão que será apreciada na concretização da sanção penal) e, finalmente, insiste na falta de confronto do arguido com as escutas telefónicas (questão também já analisada).
Assim, tendo em conta os termos em que o recorrente coloca as questões e sem prejuízo da análise que faremos sobre a medida da pena e a perda do veículo a favor do Estado, é evidente que não se verifica o alegado “erro notório na apreciação da prova”, nem a alegada “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

(iv) Exagero da pena.
Pretende o arguido que a sua conduta seja integrada na previsão do art. 25º do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro (tráfico de menor gravidade) e não na do art. 21º do mesmo diploma, tendo em conta os factos que, em seu entender, deveriam ter sido considerados provados.
Dado que o seu recurso sobre matéria de facto foi julgado improcedente, deixa de haver, à partida, qualquer razão para sustentar a aplicação do art. 25º do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro. De resto, a argumentação do arguido, neste ponto, é meramente conclusiva, limitando-se a dizer que, na sua opinião, não se verificam todos os elementos objectivos para que possa ser condenado por aquela norma legal, sem destacar, em concreto, quais os elementos objectivos do tipo de ilícito que se não verificam.
Resulta da matéria de facto provada que, pelo menos durante o ano de 2003, o arguido se dedicou à venda de produtos estupefacientes, tendo criado uma “rede” de venda desses produtos; entregou diariamente um grama de heroína e dois de cocaína ao arguido D………. e, às vezes, mais do que uma vez por dia; desde Maio de 2004 e até à sua detenção, vendeu heroína e cocaína ao L………. (em quantidades variáveis) que, por sua vez, a vendia a outros consumidores; de Julho de 2004 a Setembro de 2004 o arguido entregou ao G………. “pelo menos duas doses de cocaína diária” e vendeu ainda inúmeras vezes heroína e cocaína a outras pessoas – cfr. fls. 3330 e 3331.
Perante estes factos provados, é evidente que o arguido cometeu o crime previsto no art. 21º do Dec-Lei 15/93, d 22/1. Na verdade, o art. 25º só é aplicável se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, o que não é manifestamente o caso, pois o arguido dedicava-se ao tráfico de estupefacientes já com algum nível de organização, fornecendo não só consumidores directos, mas também elementos intermediários da “cadeia de distribuição”.

Defende ainda o arguido que, em todo o caso, a pena que lhe foi aplicada – 7 anos e 6 meses de prisão – é exagerada, devendo ser reduzida para o mínimo legal, ou seja, 4 anos de prisão.

O crime cometido pelo arguido, previsto no art. 21º do Dec-Lei 15/93, de 22/1, é punido em abstracto com uma pena de prisão de 4 a 12 anos. O arguido foi já condenado por crime de tráfico de estupefacientes, no processo 202/99 (fls. 3321); a ilicitude é, neste caso, muito elevada, não só pelo tipo de produto traficado (droga dura), como pelo seu elevado grau de toxicidade e as necessidades de prevenção geral e especial são elevadíssimas, tendo em conta a necessidade da comunidade em acreditar na vigência da norma penal e no seu potencial efeito dissuasor (conformidade com a ordem jurídica). Por outro lado, a culpa do arguido é intensa (dolo directo), não relevando aqui qualquer arrependimento, dado que o arguido, ainda no presente recurso, não confessa os factos com a extensão e gravidade com que resultaram provados. E, sem assumir a prática dos factos não pode haver arrependimento efectivo, uma vez que este pressupõe a interiorização daquilo que se assumiu ter feito.
A pena aplicada ao arguido, aquém do termo médio, é a nosso ver bastante inferior à pena justa. Porém, e dado o disposto no art. 409º do CPP, não pode a Relação agravar a pena aplicada, pelo que só por essa razão a mesma é mantida.

(v) Perda a favor do Estado do automóvel com a matrícula MQ-..-.. .
Entende o arguido que não deveria ter sido declarado perdido a favor do Estado o veículo MQ-..-.., “pelas razões supra alegadas”, isto é, porque o mesmo não era seu.

Julgamos todavia que não tem razão, como facilmente se demonstrará.
O acórdão recorrido decretou a perda a favor do Estado, ao abrigo do disposto nos artigos 109º e 111º do C. Penal e do art. 35º do Dec-Lei 15/93. De acordo com o art. 35º, n.º 1 do Dec-Lei 15/93, de 22/1, “são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”.

Esta norma tem um campo de aplicação restrito aos crimes de tráfico de estupefacientes, mas, em contrapartida, os requisitos de que depende a declaração de perda a favor do Estado são bem menos apertados que os previstos na lei geral (cfr. arts 109º e segs. do C. Penal, designadamente no que respeita ao perigo de os objectos poderem ser utilizados na prática de futuros crimes e na protecção da boa fé de terceiros proprietários).

Para efeitos do art. 35º do Dec-Lei 15/93, de 22/1, a circunstância de o bem ser propriedade de terceiro é irrelevante, pois a sua perda a favor do Estado será decretada desde que o bem em causa tenha servido para a prática de uma infracção prevista no referido diploma. “Face à redacção do n.º 1 do art. 35.º do DL 15/93 dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, vem entendendo o STJ que, na criminalidade punida nesse diploma, a perda de objectos a favor do Estado, tratando-se de instrumentos do crime, depende apenas de um requisito em alternativa - que tenham servido, ou que estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista naquele diploma; tratando-se de produtos, a declaração de perda depende tão só da sua natureza de ser um resultado da infracção e que, com a eliminação da 2.ª parte do art. 35.º, se pretendeu ampliar a situações em que a declaração de perda de objectos deverá ocorrer” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-10-2004, proferido no processo 04P3205.

Assim, e tendo ficado provado que o veículo MQ-37-83 era “utilizado … para a actividade de tráfico de estupefacientes” (fls. 3318 da matéria de facto), está verificado o único requisito exigido por lei para que o mesmo seja decretado perdido a favor do Estado.

Improcede assim, na sua totalidade, o recurso do arguido E...........

2.2.2. Recurso do arguido H……….
O recurso do arguido versa exclusivamente matéria de direito. De facto, o arguido não nega a prática dos factos, mas entende que deveria ter sido condenado numa pena de cinco anos de prisão, atendendo especialmente ao facto de estar arrependido, ter praticado os factos por necessidades imperiosas do sustento dos seus dois filhos (sendo um menor, mas todos a seu cargo), ser de modesta condição social e ser o mais pobre de todos os arguidos do processo - cfr. conclusões de fls. 3402.
Tanto o arguido H………., como o E………. (anterior recorrente), lidavam com a droga por “grosso”, tendo sido sublinhado na decisão recorrida esse aspecto, bem como a quantidade transaccionada e o tempo durante o qual o tráfico decorreu:
- desde meados de Maio de 2004, logo a seguir a ser-lhe concedida a liberdade condicional, começou a vender regularmente produtos estupefacientes em quantidades não inferiores a cinco gramas, para além das vendas ao arguido E………., chegando a vender a este quantidades de heroína e cocaína no valor de 4.500,00 euros;
- desde Setembro de 2004 e até à sua detenção, vendeu ao arguido I………., em dias alternados, pelo menos 5 gramas de heroína e 5 granas de cocaína;
- desde Agosto de 2004 vendeu ao F………. normalmente 5 gramas de heroína, em dias alternados, até à sua detenção, altura em que ambos se iam encontrar para comprar droga;
- desde o Verão de 2004, o AV………. comprou-lhe todas as semanas 5 gramas de cocaína, a 50,00 euros o grama e, por vezes, cinco gramas de heroína e cinco gramas de cocaína;
- O AW………. comprou ao arguido H………. 5 granas de heroína – cfr. factos provados, fls. 3315.

Como já acima referimos, o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21º do Dec-Lei 15/93, de 22/1, é punido com uma pena de 4 a 12 anos de prisão. Para além da ilicitude resultante das elevadas quantidades de droga transaccionadas e da grande toxicidade das mesmas, o arguido já fora condenado numa pena de 7 anos de prisão pelo mesmo crime. Agiu com dolo directo e cometeu os factos quando estava em liberdade condicional desde 12-05-04, mostrando desse modo que a pena de prisão cumprida por crime idêntico não foi bastante para adequar o seu comportamento aos padrões penalmente exigíveis. O argumento de que necessitava de “vender droga” para dar de comer aos filhos, ou que era “o mais pobre” dos arguidos é irrelevante, pois tais necessidades devem ser satisfeitas dentro da ordem jurídica.

Julgamos que se justificava, no caso, uma pena superior ao termo médio, pois o arguido era, de acordo com os factos provados nos autos, o que estava no topo da pirâmide, sendo por isso aquele cuja ilicitude é mais grave.
Deste modo, a pena de 8 anos e seis meses de prisão, aplicada na decisão recorrida, mostra-se justa e equilibrada, quer em termos absolutos, quer em termos relativos.
Improcedem assim todas as conclusões do seu recurso.

2.2.3. Recurso da arguida M……….
A arguida insurge-se contra a decisão recorrida, impugnando matéria de facto e de direito, alegando que o Tribunal (i) se baseou apenas num depoimento prestado, o qual acabou por se revelar sem certeza jurídica suficiente, existindo assim insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (ii) não expôs os motivos que, de facto, sustentam a decisão condenatória; (iii) face à prova produzida, não poderia tê-la condenado pelo crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21º do Dec-Lei 15/93, de 22/1) e (iv) aplicou uma pena desadequada, (exagerada) dado que não tem antecedentes criminais, é de humilde condição social e mãe de família (tem, com o arguido H………., uma filha e um filho).

Vejamos cada um dos pontos.

i) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Apesar da designação, a recorrente insurge-se contra a suficiência dos meios de prova produzidos para se dar como assente a sua participação no tráfico a que se dedicou o seu companheiro H………., confundindo assim o erro na apreciação da prova com o alegado vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ”.

Na verdade, diz a arguida que a decisão condenatória, para dar como provados os factos consigo relacionados, baseou-se “no depoimento de AV………. “AV1……….”, sobre a compra de cocaína ao arguido H………., que lhe foi apresentado pelo I………., modo de contacto e locais de encontro, calão usado e preço; a arguida M………. atendia o telefone e recebia as encomendas de droga o que está de acordo com o resultado das escutas telefónicas” (Convicção do Tribunal, fls.3534).
Em seu entender, não está demonstrado que fosse ela a atender o telefone, ou que tivesse agido em colaboração com o H………. (com quem vivia em união de facto), designadamente que recebesse as encomendas, repartisse o produto, o guardasse e fizesse a entrega do mesmo.

Mas não tem razão.

Nos termos do art. 127º do CPP, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. E decorre do art. 412º n.º 3 do CPP que, quando o recorrente pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, deve indicar os pontos de facto incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Tal poderá ocorrer quando houver violação das regras sobre a livre convicção, ou seja, quando a convicção formada pelo tribunal seja arbitrária, ou esteja em manifesta desconformidade com os seus próprios fundamentos.

O Tribunal baseou a sua convicção na articulação do depoimento do AV……….., com as escutas telefónicas (como de resto a própria arguida alega).
Contudo, apesar de a arguida dizer que nada nessas escutas a envolve na actividade do tráfico desenvolvida pelo seu companheiro, tal não é verdade, como se pode ver dos excertos referidos pelo Ex.º Procurador - cfr. apenso VIII, fls. 31, fls. 143, fls. 144; apenso VIII, fls. 22 e apenso VIII, fls. 109 e fls. 133.
Acresce que a testemunha BW………. também corroborou a colaboração da arguida M………. na guarda dos produtos estupefacientes.

Não foi assim um depoimento isolado, mas sim um conjunto de elementos probatórios que levaram à formação da convicção do Tribunal, sendo que a referida articulação (como resulta dos exemplos referidos) se mostra possível, plausível e de acordo com as regras da experiência comum.

A recorrente, ciente desse aspecto da questão e do relevo que para a sua condenação tiveram os registos das escutas telefónicas, alega que as mesmas não podem servir como meio de prova, pois são tratadas na lei apenas como meio de obtenção de prova. Com esta distinção, defende que “as escutas telefónicas de per si não podem fundamentar a condenação” (fls. 3541).

Contudo, também neste ponto não tem razão.

Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Código de Processo Penal, Vol II, pág. 223 (citado pelo MP na resposta à motivação do recurso, a propósito da validade de gravações de escutas telefónicas que contenham declarações dos próprios arguidos sobre actos criminosos que lhes sejam imputados), “Pensamos que face ao actual Código, a gravação de declarações do arguido, desde que observadas todas as condições e formalidades legais, valem como meio de prova”. Ou seja, tais registos valem como meios de prova, a valorar livremente pelo juiz, em articulação com os demais. Foi o que fez o Tribunal “a quo”, não tendo desse modo violado qualquer vinculação legal na apreciação da prova.

Não tendo a arguida impugnado a validade das escutas telefónicas e tendo sido observados todos os requisitos legalmente exigidos, podiam as mesmas ser valoradas como meio de prova. Assim, o relevo atribuído às escutas pelo Tribunal “a quo” não violou qualquer disposição legal.

ii) Fundamentação da matéria de facto (análise crítica das provas).
Na conclusão VI, a arguida (tendo como referência as questões anteriormente colocadas, relativas à sua participação nas operações de tráfico de droga do seu companheiro H……….) diz que o acórdão recorrido “não expõe os motivos que, de facto, sustentam a decisão condenatória, com indicação das provas que serviram para formar a decisão do Tribunal”.
É manifestamente improcedente esta conclusão, dado que o acórdão condenatório justificou a decisão de facto sobre a participação da arguida M………. (fls. 19 do acórdão, 3325 dos autos), invocando o depoimento de AV………. (AV1……….), com indicação da respectiva razão de ciência e motivo de credibilidade (calão usado, preço, modo de contacto e locais de encontro) Disse ainda que este depoimento (referindo que a arguida M………. “atendia telefonemas e recebia encomendas de droga”) estava de acordo com “o resultado das escutas”.
Deste modo, verifica-se que foram indicados os motivos que levaram o Tribunal a convencer-se da participação da arguida na actividade do tráfico desenvolvida pelo arguido H………., com quem vivia.
Foram assim cumpridos os requisitos da fundamentação da matéria de facto legalmente exigidos (arts. 97º, 4 e 374º, 2 do CPP), pelo que também neste aspecto o recurso deve ser julgado improcedente.

iii) Prática do crime previsto no art. 21º do Dec-Lei 15/93, de 22/1
A arguida insurge-se contra a qualificação jurídica feita na decisão recorrida, tendo em atenção a matéria de facto que, em seu entender, se deveria ter por “não provada” (a sua comparticipação na actividade do tráfico desenvolvida pelo seu companheiro H……….). Não tendo logrado destruir a convicção do Tribunal quanto a tais factos, é evidente que improcede também a crítica feita à subsunção jurídica.
Na verdade, perante os factos dados como provados, designadamente que “a actividade desenvolvida pelo arguido H………., relacionada com o tráfico de estupefacientes, era feita de colaboração e em conjugação de esforços com a sua companheira, a arguida M………., que inclusive recebia as encomendas e repartia os produtos estupefacientes, os dissimulava e guardava e fazia a entrega dos mesmos produtos seguindo as instruções do arguido H……….…” (fls. 3315), é manifesta a co-autoria da arguida – cfr. art. 22º do CP.

iii) Medida concreta da pena.
Entende a recorrente que deveria ter-lhe sido aplicada uma pena mais leve, invocando para tanto a falta de antecedentes criminais, a sua humilde condição social e o facto de ser mãe de família.
O acórdão recorrido condenou a arguida na pena de cinco anos de prisão, pela prática de um crime previsto no art. 21º do Dec-Lei 15/93, de 22/1.
A ilicitude é, neste caso, muito acentuada, pois a arguida foi co-autora do comportamento do H………. que, como vimos acima, tinha neste processo uma posição de principal fornecedor de “droga” aos outros arguidos. Há no entanto razão para distinguir a punição de ambos (H………. e M……….), já que a arguida não tem antecedentes criminais e o arguido H………. desempenhava, na aludida co-autoria, uma posição dominante. Mas, por essa razão, o Tribunal (apesar de ter dado como provada a sua comparticipação na actividade ilícita do companheiro) condenou a arguida numa pena muito inferior, ou seja, 5 anos de prisão.
Sendo de 4 anos o limite mínimo da respectiva moldura abstracta, bem andou o Tribunal recorrido, condenando a arguida na pena de 5 anos de prisão, tendo especialmente em conta a gravidade da ilicitude (quantidade e natureza da droga - cocaína e heroína) e o tempo durante o qual decorreu a actividade do tráfico.
Assim, também aqui o recurso não merece provimento.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento aos recursos interpostos por todos os arguidos.
Custas por cada um dos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 11 de Abril de 2007
Élia Costa de Mendonça São Pedro
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
José Manuel Baião Papão