Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9921330
Nº Convencional: JTRP00026926
Relator: SOARES DE ALMEIDA
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
CONHECIMENTO NO SANEADOR
COLIGAÇÃO PASSIVA
CONTRATO DE SEGURO
FORMALISMO NEGOCIAL
SEGURO-CAUÇÃO
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
NEGÓCIO FORMAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
NULIDADE
Nº do Documento: RP200002019921330
Data do Acordão: 02/01/2000
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J
Processo no Tribunal Recorrido: 1128/95-3S
Data Dec. Recorrida: 10/21/1999
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - DIR OBG.
DIR ECON - DIR SEG.
Legislação Nacional: CPC67 ART30 ART193 N1 N2 C ART204 N1 ART206 N1 ART288 ART493 ART494.
CCIV66 ART238 N1 ART627 N2 ART631 ART632 N1 ART637 ART638 ART651.
CCOM888 ART426.
DL 171/79 DE 1979/06/06 ART2.
DL 183/88 DE 1988/05/24 ART6 N1 ART7 N2 ART8 N1 ART9 N2.
Sumário: I - Diz-se inepta a petição quando, além do mais, se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis; os pedidos são substancialmente incompatíveis quando mutuamente se excluem.
II - Para a verificação da incompatibilidade substancial, o ponto de referência a que temos de nos reportar acha-se, nos pedidos e fundamentos apontados pelo Autor, e exclusivamente neles.
III - Da ineptidão não pode o juiz conhecer após o saneador; se o processo não comportar despacho saneador, poderá conhecer dela até sentença final.
IV - Não ocorre incompatibilidade substancial de pedidos formulados pelo Autor contra a Ré X, no sentido de esta ser condenada a entregar-lhe o veículo locado e a pargar-lhe certa quantia de rendas vencidas, juros e indemnização acordada e contra a Ré seguradora Y que fez o seguro de caução directa para garantia do pagamento das rendas respeitantes ao contrato de locação financeira referido, no sentido de ser condenada a pagar-lhe as rendas vencidas e juros de mora a partir da primeira interpelação.
V - Não se verifica também qualquer coligação ilegal de Réus, pois os factos integradores da causa de pedir em relação à seguradora são parcialmente coincidentes com os invocados contra a outra Ré e a procedência do pedido contra aquela depende, nessa parte, da apreciação desses factos. Na verdade, sem incumprimento da Ré locatária do veículo não há responsabilidade da seguradora, pois o seguro destinou-se precisamente a garantir a Autora contra tal incumprimento.
VI - Pode definir-se o contrato de seguro como a convenção por virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado) a assumir um risco ou um conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.
VII - O contrato de seguro-caução assume a feição típica de um contrato a favor de terceiro: é celebrado entre a empresa seguradora e o devedor da obrigação a garantir ou o contragarante, a favor do respectivo credor.
VIII - O seguro-caução é um seguro por conta de outrem, inserindo-se no esquema formal do contrato de seguro a favor de terceiro e tal seguro cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento de obrigação que, por lei ou convenção, seja susceptível de caução, fiança ou aval, existindo nesta modalidade de seguro, como pessoas distintas, o segurador, o tomador do seguro, que é o devedor ou garante da obrigação, e o segurado que é o credor da obrigação a garantir.
IX - Neste tipo de seguro, como formalidade ad substantiam, deve constar do contrato, além do estabelecido no Código Comercial: a identificação do tomador do seguro e do segurado, no caso de as duas figuras não coincidirem na mesma pessoa; a obrigação a que se reporta o contrato de seguro; a percentagem ou quantitativo do crédito seguro; e prazos de participação do sinistro e de pagamento das indemnizações.
X - Relativamente à interpretação dos negócios jurídicos, o artigo 236 do Código Civil consagra a chamada teoria da impressão do destinatário: a declaração deve valer com o sentido que um declaratário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria.
Todavia, nos negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
XI - O contrato de seguro-caução em causa foi vertido em dois documentos que são as condições particulares e as condições gerais e especiais da apólice de seguro da caução directa.
O documento " condições particulares da apólice nº..." está assinado por X, na qualidade de tomador do seguro, como tal aparecendo, identificado logo no início do documento e por Y que é a seguradora. Objecto da garantia é o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo A; beneficiário e a Leasinvest - Sociedade de Locação Financeira Mobiliária, constando em " Observações ", que o seguro é feito pelo prazo de 36 meses, com início em 17 de Fevereiro de 1993 e termo em 16 de Fevereiro de 1996.
No artigo 1 da Condições Gerais define-se tomador do seguro a entidade que contrata com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento dos prémios e beneficiário a entidade a favor de quem reverte o direito de ser indemnizada pela seguradora Inter-Atlântico.
A Inter-Atlântico fez à Autora " Leasinvest - Sociedade de Locação Financeira, S.A. ", por carta, a seguinte comunicação: de acordo com a solicitação dos nossos clientes Tracção S.A. informamos que os seguros de caução emitidos a vosso benefício cobrem, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas bem como as vincendas, sendo o pagamento efectuado à vossa primeira interpelação, sem qualquer formalidade, com o prazo de 45 dias após a aludida interpelação.
XII - Perante este quadro factual o contratado pela Tracção e Inter-Atlântico foi um seguro-caução em favor do Leasinvest destinado a garantir o pagamento a esta das rendas devidas por aquela como contrapartida da cedência do gozo do veículo no âmbito do contrato de locação financeira que a mesma celebrou com a Leasinvest.
XIII - A seguradora não substitui o segurado mas unicamente a ele se junta, perante o lesado, no suportar da responsabilidade, deparando-se-nos uma co-assunção de dívida com responsabilidade solidária passiva.
XIV - O contrato de locação financeira celebrado pela Leasinvest com a Tracção não é nulo, pois dedicando-se esta ao aluguer de veículos automóveis em regime de longa duração, sempre o veiculo deveria considerar-se como um bem de equipamento e não de consumo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: