Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0624872
Nº Convencional: JTRP00040037
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: COMUNHÃO GERAL DE BENS
COMPROPRIEDADE
Nº do Documento: RP200702060624872
Data do Acordão: 02/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 235 - FLS. 89.
Área Temática: .
Sumário: I- A comunhão de bens como regime de bens do casamento não é a mesma coisa que compropriedade.
II- Enquanto esta significa uma comunhão de quotas, aquela será uma comunhão sem quotas: os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito e de um direito uno, o qual não comporta divisão, mesmo ideal.
III- Esta particular fisionomia do património colectivo radica no vínculo pessoal que liga entre si os membros da colectividade e que exige que o património colectivo subsista enquanto esse vínculo perdurar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório

B……………….,
intentou a presente acção declarativa com processo comum sob a forma sumária contra
C…………….,
ambas já melhor identificadas com os sinais dos autos pedindo que a ré seja condenada:
a) a reconhecer a autora como comproprietária da fracção autónoma descrita na petição;
b) a restituir a posse daquela mesma fracção à autora, procedendo à sua entrega livre de pessoas e bens;
c) a indemnizar a autora na quantia de 249,60 € mensais desde a citação e até respectiva entrega da fracção.
Alega, para tanto, em síntese, que é comproprietária de uma fracção autónoma que identifica, que se encontrava também registada a favor de D…………., com quem a autora foi casada e de quem se divorciara e que pelo seu falecimento sucederam-lhe duas filhas, que também o são da autora.
Que a ré coabitava com o falecido na referida fracção até ao seu decesso após o qual a autora procurou obter da ré a entrega da dita fracção, sem êxito pelo que refere corresponder uma renda normal de 498,80€ mensais que tem perdido, dado que a ré a tem ocupado gratuitamente.

Citada a Ré contestou sustentando que à data do falecimento do referido D………….. vivia com ele há mais de dez anos em condições análogas às dos cônjuges, pelo que, sendo ele proprietário do imóvel em questão, lhe assiste o direito real de habitação previsto no art. 40 n°1 da Lei n° 7/2001, de 11/05.
Foi apresentada resposta na qual se defende que, além de não ser aplicável ao caso a Lei n° 7/2001, dado que à data do falecimento do D…………., a mesma ainda se não encontrava em vigor, também à ré não assiste o referido direito, o qual era, em tal data, previsto no art. 4° da Lei n° 135/99, de 28/08 e porque aquele era apenas comproprietário do direito à propriedade sobre a fracção, a qual havia sido objecto de um contrato de compra e venda sob o regime da propriedade resolúvel, na constância do matrimónio entre a autora e o D…………., em 30.12.1981, no qual se condicionava a aquisição pelo falecido do direito de propriedade ao pagamento da última prestação mensal e sendo o direito à propriedade transmissível aos seus herdeiros.
Que as prestações após o falecimento do D…………, vêm sendo pagas pela autora.
E assim não sendo o D………… proprietário da fracção à data da sua morte, direito de propriedade esse que veio a ser adquirido pela autora, comproprietária, e pelos herdeiros do falecido, em Setembro de 2002, não se verifica o requisito exigido pelo apontado art. 4°.
Foi proferido despacho saneador seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, que não sofreu reclamações após o que se procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto pela forma constante de fls. 90, não tendo igualmente havido reclamações e afinal proferida sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada e, com consequência, condeno a ré:
a) a reconhecer a autora como comproprietária da fracção autónoma descrita na petição;
b) a restituir a posse daquela mesma fracção à autora, procedendo à sua entrega livre de pessoas e bens;
c) a indemnizar a autora na quantia de 249,60€ mensais desde a citação e até respectiva entrega da fracção.”

Inconformada com o seu teor veio a Ré tempestivamente interpor o presente recurso de Apelação tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1ª) Deve a sentença apelada ser parcialmente revogada na parte em que condena a Ré a restituir a posse da fracção autónoma descrita nos autos à Autora, procedendo à sua entrega livre de pessoas e bens e a indemnizar a Autora na quantia de € 249,60 por mês desde a data da citação e até à respectiva entrega da fracção.
2ª) Devem os artigos 1307° n° 3 e 276° do Código Civil ser interpretados no sentido de a verificação da condição ter eficácia retroactiva, o que significa que após o pagamento integral das prestações em dívida, a propriedade da fracção em lide considera-se adquirida desde a data da celebração do contrato, isto é, desde 1981.
3ª) O alcance a atribuir ao artigo 1724° do Código Civil permite concluir que o D…………., na data da sua morte, era titular do direito de propriedade sobre a fracção em apreço.
4ª) Em conformidade com a conclusão precedente, é aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 4° da Lei 7/2001 de 11 de Maio, pelo que à Ré assiste o direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, dado que:
- o José D…………., na data da sua morte, era proprietário de uma casa de morada;
- o D…………… e a Ré viviam em união de facto;
- o D…………. e a Ré viviam na fracção a que os autos se refere.
Termina pedindo que seja dado provimento ao interposto recurso.
Não foram apresentadas contra alegações.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3.
As questões que importa conhecer no âmbito do presente recurso traduzem-se no seguinte:

Titularidade do direito da Autora compropriedade (?) sobre a fracção em regime de contrato de propriedade resolúvel celebrado pelo falecido D…………. ex-conjuge.
Aplicação ao caso dos autos do disposto no artigo 4° da Lei 7/2001 de 11 de Maio, assistindo à Ré/ Apelante o direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos.

DOS FACTOS E DO DIREITO

Dos Factos
Para melhor compreensão do objecto do presente recurso passamos a reproduzir a factualidade considerada assente e provada sobre a qual se estruturou a decisão proferida que foi do seguinte teor e não impugnada:
1. A autora é comproprietária de uma fracção autónoma designada pelas letras AF, correspondente ao 6° andar direito, com entrada pelo n° ….., da Rua ………., ……., Gondomar.
2. No dia 26 de Julho de 2000 faleceu D…………, no estado de divorciado.
3. A dita fracção autónoma foi objecto do contrato de compra e venda titulado pelo documento n° 1 junto à resposta, que aqui se dá por reproduzido.
4. A ré coabitava desde 1989 com o falecido D……….. na fracção referida em 1. à data da morte deste, comungando de cama e mesa, como se fossem casados.
5. A ré e o falecido D……….. eram por todos considerados como marido e mulher.
6. A fracção poderia render mensalmente 498,8 € se arrendada.
7. À data do falecimento do referido D…………, estavam em dívida as prestações referentes a Fevereiro a Abril, Julho a Dezembro de 1999 e Fevereiro a Abril de 2000, as quais foram pagas pela autora após tal decesso.
Importa ainda porque se faz remissão para o documento indicado como nº 1 que acompanhou a resposta fixar os factos que o mesmo contem de relevância para a causa e que são além do mais os seguintes:
Contrato celebrado entre Fundo Fomento da Habitação e D……….. no dia 30 de Dezembro de 1981 no qual declaram que celebram entre si o contrato de atribuição de casa em regime de propriedade resolúvel, regido entre outras pelas seguinte clausulas:

( … )
III- O segundo outorgante e seus herdeiros adquirirão a propriedade plena da casa com o pagamento da ultima prestação mensal nos termos do paragrafo § único do artigo 36 do Decreto-Lei 23052

Do Direito
Vejamos
A autora, invoca a qualidade de “comproprietária” (?) do bem imóvel e reivindica-o, ou melhor pede a restituição da sua posse da ré bem como exerce e peticiona um direito indemnizatório respeitante à violação desse seu direito excepcionando a Ré por sua vez o direito real de habitação previsto na Lei n°7/2001.
Conforme resulta da certidão do Registo Predial respeitante à fracção autónoma em causa nos autos, a mesma foi adquirida por contrato de compra e venda por D…………., os quais eram casados na comunhão de adquiridos.
Os termos do contrato subjacente a tal aquisição constam do documento referido o qual apenas foi outorgado, na qualidade de comprador, pelo falecido D…………., sendo certo como se disse, que à data a Autora com ele era casada no regime da comunhão de adquiridos, pelo que decorre do disposto no art. 1724° al. b) do Código Civil, que o direito pelo D………….. adquirido por efeito do contrato, integrou a comunhão de bens, cabendo, assim, a sua titularidade, também aquela.
Assim importa dizer desde logo que o que está em causa não é necessariamente como se afirmou um direito de compropriedade mas sim algo de juridicamente diferente, como se tem de retirar das proficientes palavras e ensinamento do Prof. Pereira Coelho in Curso de Direito de Família pág. 506 “ Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são titulares de um único direito sobre ela”
Na verdade discute-se doutrinalmente a natureza jurídica desta comunhão conjugal como nos dá noticia na obra citada o ilustre Professor concretamente se serão sócios duma sociedade civil de que esses bens constituam património?
Se serão comproprietários dos bens comuns, não sendo a comunhão conjugal distinta da comunhão ordinária?

Se serão um património ou propriedade colectiva de que sejam titulares ambos os cônjuges?
E ainda numa outra perspectiva igualmente importando esclarecer suposto que os bens pertençam aos próprios cônjuges, que relação existe entre o património comum e o património de cada um deles.
A resposta é nos dada supra no mencionado entendimento que completamente sufragamos ou seja, a doutrina da propriedade colectiva e que se traduz num património colectivo que pertence em comum a varias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade.
Na verdade enquanto nesta (compropriedade) há uma comunhão de quotas aquela outra é uma comunhão sem quotas – “os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não comporta divisão mesmo ideal”
Não tem pois cada um deles algum direito de que possa dispor ou que lhe seja permitido realizar através da divisão do património comum.
“Esta particular fisionomia radica do património colectivo radica no vinculo pessoal que liga entre si os membros da colectividade e que exige que o património colectivo subsista enquanto esse vinculo perdurar” ( cfr ob. Cit Pág. 507)
E assim é manifestamente por força do respectivo regime jurídico de tal comunhão que se traduz elementarmente no seguinte:
Os cônjuges não podem dispor da respectiva meação nos bens comuns antes de estar dissolvido o casamento ou de ser decretada a separação de pessoas e bens entre eles, bem como não lhes é permitido pedir a partilha dos mesmos bens antes da dissolução do casamento.
Ora do que vem de ser dito linearmente resulta que existe uma clara e inequívoca contradição entre o pedido tal como se encontra formulado e os factos que lhe servem ou pretendem que sirvam de fundamentação inerente como causa de pedir.
Dispõe o artigo art. 193º que “ é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial” estatuindo no nº 2 que a petição é inepta:
a) ( … )
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
Com a petição inicial, deve o autor formular o pedido (art. 467 nº1 d), determinando material e processualmente, o que em termos de providencia pretende do tribunal de molde a tutelar adequadamente uma situação jurídica ou um interesse que afirma carecido materialmente de ser protegido devendo igualmente indicar a causa de pedir (arts. 467º nº1 e 498º nº4)
Tal constitui o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer ou, no caso da acção de simples apreciação da existência dum facto, os elementos que o integram -num e noutro caso tratando-se do facto ou factos em concreto que o Autor diz terem constituído o efeito pretendido dando o tribunal resposta ao mesmo quando profere a sentença de mérito, ao mesmo respeitam as alegações dos factos da causa, as provas e a discussão, de facto e de direito, que antecede a sentença.
O pedido e a causa de pedir constituem o objecto do processo por isso, a sua falta traduz-se na falta do objecto do processo, constituindo nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a causa de pedir é formulado de modo tão obscuro que não se entende qual seja, ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos.
Pode também acontecer que o pedido e a causa de pedir tenham sido claramente formulados, mas entre eles haja contradição.
Tal como no caso de que trata o art. 668º nº1 al. c), ou seja da oposição entre os fundamentos e a decisão, trata-se aqui da contradição lógica, distinta da inconcludência jurídica, isto é, da situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção.(1)
A fronteira entre essa contradição e a referida inconcludência é como refere Lebre de Freitas em anotação ao preceito in Código Processo Civil Anotado difícil de estabelecer referindo que:
“Em primeiro lugar, há que ter em conta que a ocorrência de factos impeditivos do efeito jurídico pretendido pelo autor, ainda que por ele sejam alegados na petição inicial, é irrelevante para a configuração do vício. ( … ) Em segundo lugar, considerado o princípio jura novit curia (art. 664), não basta que o efeito jurídico pretendido pelo autor não se retire da norma jurídica constitutiva por ele invocada: sempre haverá que ter em conta todas as outras normas constitutivas do sistema aplicáveis aos factos alegados, das quais o juiz o poderá oficiosamente retirar.” E continua

“Mas, em terceiro lugar, não basta ainda à contradição entre o pedido e a causa de pedir que nenhuma norma constitutiva estatua o efeito jurídico pretendido como consequência dos factos invocados como causa de pedir.”
Referindo e citando para o efeito Rodrigues Bastos in Notas ao Código Processo Civil Vol. 1 ps. 254-255, e Elias da Costa e Figueiredo de Sousa in Código Processo Civil III pág. 145, “quando definem a contradição entre pedido e causa de pedir como a impossibilidade jurídica de fazer derivar da premissa menor do silogismo judiciário (a causa de pedir) a conclusão (efeito jurídico pretendido, ou pedido) formulada pelo autor (embora o exemplo dado pelo primeiro - pede-se o reconhecimento do direito de propriedade em vez da condenação em indemnização por enriquecimento sem causa -represente mais do que isso).
Alberto dos Reis in Comentário Vol. II p. 381, refere ser necessário para que haja oposição entre o pedido e a causa de pedir, que o pedido brigue com a causa de pedir ("é da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada. Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição inicial cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir").
Tudo isto é simples na verdade mas, quantas vezes, não são as coisas simples as mais importantes e sobretudo relevantes e também talvez por isso mesmo são as mais desconsideradas e não atendidas.
É o caso dos autos…
De facto verifica-se da matéria constante da alínea A) dos Factos Assentes que se exarou desde logo “A autora é comproprietária (sublinhado e carregado nossos) de uma fracção autónoma designada pelas letras AF, correspondente ao 6° andar direito, com entrada pelo n° ……, da Rua ………, ……, Gondomar.”
Ora se bem atentarmos nos articulados apresentados pelas partes designadamente no que respeita à petição inicial e depois à contestação e réplica o que é facto é que a mesma não poderia ser transposta como o foi e nos termos em que o foi para os Factos Assentes porque como se verifica da contestação, da resposta, mas e ainda e sobretudo da certidão da conservatória do registo predial, que faz fls. 6 a 10 dos autos e do demais que nos dispensamos de reproduzir, sempre nos articulados foi posta em causa, não a qualificação jurídica que se atribuiu ao direito da Autora como ex-esposa do falecido D………….., bem como e ainda a existência de suas herdeiras duas filhas E……………. e F…………, cuja escritura de habilitação igualmente foi junta aos autos, mas sim a existência do mencionado direito de meação, pela qualidade que lhe adveio da aquisição da fracção, enquanto casada com o falecido D…………, mas que já cremos haver suficientemente demonstrado não é um direito de compropriedade, como se pretende ver declarado, pelos factos que se alegam em contradição com tal regime jurídico de comunhão, como se expôs supra, no entendimento doutrinal que se tem como absolutamente certo, e aliás de idêntico modo seguido na jurisprudência de que se cita exemplificativamente os Acórdãos do STJ de 12/5/2005 e desta Relação de 7/7/2005 nos sites respectivamente de cada um dos aludidos tribunais www.dgsi.stj.pt e www.dgsi.trp.pt.
Sabe-se que foi dissolvido o casamento mas a sua prova documental facto que aliás apenas se prova desse modo Cfr. Artigo 647º nº4 também não está feita nos autos, e mais, mas sobretudo de relevância absoluta para o conhecimento da causa e daí sim é que poderia advir o correspondente direito que se pretende ver reconhecido, é que igualmente se desconhece se foram ou não feitas partilhas do referido património comum do casal por virtude da dissolução do vinculo que se alega haver sido dissolvido por divórcio.
Note-se que a Autora não pede v.g. para a herança, mas sim e apenas para si mesma, não demonstrando contrariamente ao que se pretende, ser “comproprietária” da referida fracção nem aliás alegando factos que conduzam a tal titularidade antes pelo contrario com o mesmo estão em absoluta e inequívoca contradição como se referiu.
A ter-se como válida a afirmação contida nos Factos Assentes e sua alínea A) então estaria desde logo à partida resolvida a acção porque aí se declara que a Autora tem essa qualidade de comproprietária mas tal é, e constitui aliás, o objecto do pedido.
Ora sendo tais factos constitutivos integradores do invocado e qualificado direito da Autora, ser ao não comproprietária, é algo que tem além de se alegar, com a factualidade correspondente e de se provar através da prova ou meios de prova adequados.
Ora o que se verifica é que não tendo sido, como não foi, articulada tal matéria, e impugnada ou contrariada, não poderia nem deveria, dado tratar-se de facto controverso, e em contraditoriedade e oposição, ou pelo menos extintivo ou modificativo do direito do invocado pela tese da Autora, e ter sido levado aos pontos da matéria de Facto Assente como efectivamente aconteceu designadamente nas referida Alínea A).

Por outro lado, está vedado ao tribunal mandar alterar ou corrigir a causa de pedir e o pedido.
As partes é que – através do pedido e da defesa – circunscrevem o thema decidendum.
O juiz não tem que saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa de pedir. (2)
O tribunal não pode alterar a causa de pedir em que o autor baseia a sua pretensão, nem o pedido por este formulado.
É certo que o erro na forma de processo é suprível, mas no caso dos autos não se verifica uma situação de erro na forma de processo.
Há sim manifesta contradição entre o pedido e a causa de pedir quanto aos pedidos formulados e manifesta improcedência por impossibilidade jurídica relativamente aos mesmos de fazer derivar da premissa menor do silogismo judiciário (a causa de pedir) a conclusão (efeito jurídico pretendido, ou pedido) formulada pela Autora.
Uma palavra mais no que concerne ao regime em que foi celebrado o contrato reportado nos autos de aquisição da fracção objecto do presente litigio e contendente com as posições assumidas designadamente na decisão do tribunal a quo em regime de propriedade resolúvel com o que salvo o devido respeito não se pode concordar, antes sim e pelo contrário assumindo a posição jurisprudencial que se tem como maioritária se não mesmo uniforme paradigmaticamente expressa e plasmada no sumario do Acórdão do STJ que se passa a reproduzir e se sufraga do seguinte teor no segmento que aqui igualmente importa:
“1- Nos termos do artigo 36° do Decreto-Lei n .° 23 052, de 23 de Setembro de 1933, a propriedade das casas económicas transforma-se de resolúvel em perpétua com o pagamento da última prestação.
II - O pagamento da última prestação é irrelevante para o efeito da comunhão da coisa, pois esta logo se verifica no momento da celebração da escritura. (…)”
Na verdade o prédio em referência foi adquirido na constância do casamento da autora com o falecido e a propriedade veio a radicar-se neste, tornando-se de resolúvel em perpétua.
De facto tendo o prédio sido adquirido nos termos do Decreto-Lei n.° 23 052, de 23 de Setembro de 1933, que respeita às Casas Económicas, como explicitamente se diz no documento junto, foi por aquele adquirida a sua posse e propriedade resolúvel - vide cláusula 2ª - mediante a declaração do contrato, nos termos do artigo 35° daquele diploma, tendo a propriedade plena sido adquirida, em vista do que dispõe o artigo 36.°, “com o pagamento da última prestação”.
Mas esse momento já é irrelevante para o efeito da comunhão da coisa, pois esta logo se verifica com a compra, já que sendo da essência da propriedade resolúvel o carácter revogável do direito da propriedade, o pagamento da última prestação sem verificação da condição torna definitiva a aquisição, nos termos do artigo 276° do Código Civil, pelo que os efeitos da aquisição não sofreram qualquer destruição desde a compra.
Refere-se e passamos a citar o aludido Acórdão “conforme acentua Cabral de Moncada, in Lições de Direito Civil, II vol., 2.° edição, pág. 359, no caso da condição resolutiva “o acto existe já e vai produzindo todos os efeitos que é capaz de produzir”, sendo certo que a verificar-se a condição esta só fará regressar a coisa ao domínio do alienante mas nunca determinará apenas o ser ela retirada da comunhão.
E prossegue acrescentando “Por isso é que no inventário devem ser relacionados os bens existentes, mesmo que só em propriedade resolúvel (assim, J. L. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. 1, 3.1 edição, pág. 411, e acórdão deste Supremo, de 26 de Maio de 1977, no Boletim, n.° 267, pág. 116)”.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em necessidade de outros considerandos e ainda que em parte por diferente fundamentação tem de proceder a Apelação perante a ineptidão da petição inicial que determina a nulidade do processo com a consequente absolvição da instancia da Ré o que se determina.
Custas nesta e na primeira instância pela Autora.

Porto, 06 de Fevereiro de 2007
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa