Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0647092
Nº Convencional: JTRP00041044
Relator: MARIA ELISA MARQUES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
MULTA
Nº do Documento: RP200802130647092
Data do Acordão: 02/13/2008
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 299 - FLS 82.
Área Temática: .
Sumário: No processo penal, a junção tardia e injustificada de documento dá lugar ao pagamento de multa, por aplicação subsidiária do disposto no art. 523º do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
No processo comum (tribunal singular) n.º …/01.6TAMCN, do .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes, em que é assistente B………., o arguido C………. foi pronunciado (fls. 257) e depois condenado como “ autor material de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, n.º 1, do CP, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de € 50,00 (cinquenta euros) (…)”- (fls. 432-433):
Durante a audiência de discussão e julgamento, o defensor formulou o seguinte requerimento (fls. 412-413):
«O arguido requer a junção aos autos de dois documentos que julga pertinentes para a discussão da matéria em causa e que o Assistente já tem conhecimento, de uma certidão autenticada extraída do processo …/01.6GAIVICN e cópia da sentença proferida na acção de processo .../2001, ainda não transitada em julgado e em que é autor o ora arguido e esposa e réus o Assistente e esposa.
O arguido foi surpreendido na audiência de julgamento com uma versão totalmente diferente quantos aos factos, ou seja, foi imputada a prática de injúrias via telefone (telemóvel) ao arrepio de tudo o que consta no processo de inquérito.
A ser assim, tal facto pode ser confrontado através das operadoras de telemóveis já que a emissão chamadas e a sua recepção ficam registadas nessas mesmas operadoras.
O arguido está aberto a disponibilizar todos os elementos referentes aos telemóveis que utiliza e utilizou em 2001, pelo que requer uma vez obtidos os elementos do Assistente, que se indague junto das operadoras o que terá ocorrido em matéria de chamadas, por outro lado, o Assistente referiu que a chamada telefónica que recebeu ocorreu quando procedia à sulfatação das vides junto à casa de dentro, em ………., com o motor eléctrico manobrado pelo filho D………. . A testemunha E………. referiu que no mínimo terão sido gastos cinco, seis cântaros de "sulfate". O local em causa está bem delimitado quanto às videiras existentes em número de vinte. A constatação deste facto no próprio local o depoimento da testemunha e a realidade dos factos, ou seja, o que é necessário para sulfatar vinte vides, demonstram na óptica do arguido por sub tal posição. Assim requer que seja feita uma inspecção a tal local. »
Depois de sobre ele se pronunciaram os restantes sujeitos processuais, a Mma Juíza proferiu o seguinte despacho (fls. 415):
«Admite-se a junção aos autos dos documentos ora apresentados, condenando-se, porém, o seu apresentante numa multa de duas UCS, pela sua junção tardia, nos termos dos artigos 523º do C. P. Civil e 102º, al. b) do C. C. Judiciais ex vi do artigo 4º do C. P. Penal.
No que diz respeito às requeridas diligências de consulta às operadoras de telemóveis e de inspecção ao local, tendo em conta o âmbito dos presentes autos, a prova realizada e o teor do requerido, indefere-se o mesmo por se considerar manifestamente dilatório e absolutamente desnecessário para a descoberta da verdade. »
Inconformado, o arguido recorre deste despacho, formulando as seguintes conclusões (fls. 470-471):
1. O queixoso apresentou uma versão totalmente inovadora e inverosímil quanto a factos ocorridos no dia 19 (dezanove) ou seja, injúrias praticadas por telemóvel e num local que concretiza na freguesia de ……….;
2. O arguido ao requerer exame ao local e informações das operadoras de telemóveis pretende testar a credibilidade dos intervenientes, indispensável para criar uma convicção fundamentada;
3. E o exame ao local e as informações das operadoras são elementos de prova objectivos e de controlo rigoroso;
4. A convolação pretendida é ilegal, porque, além do mais, atenta a prova produzida no Processo Comum n.º …/01.6GAMCN constitui a imputação de um novo crime, não podendo também o Tribunal, em matéria de crimes particulares, substituir-se às partes;
5. É indevida por injustificável a condenação em multa pela junção de documentos pertinentes para a descoberta da verdade;
6. O Tribunal ao não conceder um prazo razoável, no mínimo de 10 (dez) dias, violou os direitos de defesa do arguido;
7. O arguido produziu prova como assistente no Processo Comum n.º …/01.6GAMCN para condenar os três filhos de B………. e que podia apresentar no presente processo, face à reviravolta operada quanto à acusação para se defender;
8. A interpretação feita do artigo 358º, n.º 1, do Código de Processo Penal é manifestamente inconstitucional quando é [apenas] concedida apenas meia hora para apresentar defesa, por violação dos princípios das garantias da defesa, da verdade material e da segurança jurídica e da proporcionalidade;
9. No Processo Comum n.º …/01.6GAMCN foi reconhecido que o B………. não assistiu ao ocorrido no dia 26/05/200;
10. Era imprevisível para o arguido a situação dos factos no dia 26/05/2001, face ao discutido e assente no Processo Comum n.º …/01.6GAMCN, pelo que não tinha que organizar a sua defesa com referência a tal dia;
11. Violou o aliás douto despacho o disposto nos artigos 340º, e 358º, n.º 1, do Código de Processo Penal e nos artigos 21º, 18º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa;
Pelo exposto, e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, revogando o aliás douto despacho e ordenando a repetição do julgamento a fim de o arguido poder defender-se, se porventura não for absolvido, e julgando inconstitucional o disposto no artigo 358º, n.º 1, do Código de Processo Penal na interpretação acolhida, farão, como sempre, inteira Justiça.
Na resposta, o Ministério Público, de forma concisa e objectiva, refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido (fls. 580-588).
Vai no mesmo sentido o parecer do Ex.mo procurador-geral-adjunto junto deste tribunal (fls. 596-598).
Mostra-se, agora, liquidada a multa pela interposição tardia deste recurso – o que não impediu o conhecimento e a decisão do outro recurso interposto pelo recorrente.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.
II – APRECIAÇÃO.
1. O recorrente inclui, nesta motivação, aspectos ligados à pertinência da alteração não substancial dos factos que retomou no segundo recurso, e que, como tal, foram já objecto de conhecimento no acórdão entretanto proferido.
Por conseguinte, importa decidir as seguintes questões:
. condenação em multa pela junção tardia e não justificada de documentos;
. indeferimento de diligências requeridas (exame ao local e solicitação de informações às operadoras de telemóveis).
I - Condenação em multa pela junção tardia e não justificada de documentos.
Sobre a oportunidade da junção de prova documental regula o artigo 165.º, do Código de Processo Penal [CPP], estipulando que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência” [n.º 1]. -
Como vimos, o recorrente solicitou a junção de duas certidões que considerou pertinentes para a discussão da causa, mas não referiu qualquer justificação para a sua junção ocorrer só durante a audiência de julgamento. Trata-se de uma postura que contraria a orientação legal de apresentação de documentos durante o decurso do inquérito ou da instrução, acarretando perturbações quer ao carácter concentrado com que deve decorrer a audiência de julgamento [artigo 328.º, do CPP], quer à estratégia delineada pelos restantes sujeitos processuais que são surpreendidos com a produção de prova com a qual não contavam e que, não raro, terão dificuldades em contrariar em tempo útil.
Assim, e conforme a jurisprudência dominante que sufragamos (neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.10.1995, CJ-STJ, III, p. 205 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.07.1995, processo 048102) a resposta legal vem através da aplicação subsidiária do disposto nos artigos 523.º do Código de Processo Civil e 102.º, al. b) do Código das Custas Judiciais, ex vi do artigo 4.º do CPP, não merecendo a decisão, neste aspecto, qualquer censura.
II - Indeferimento de diligências requeridas (exame ao local e solicitação de informações às operadoras de telemóveis).
Aqui, a decisão não vai no mesmo sentido, embora recupere o essencial do que já foi dito. Como vimos, em requerimento que ditou para a acta no decurso da audiência de julgamento relativa a factos susceptíveis configurar a prática de um crime de injúria, o recorrente requereu o “exame ao local” e informações às operadoras de telemóveis. Como ele próprio refere, tais diligências visavam “testar a credibilidade dos intervenientes, indispensável para criar uma convicção fundamentada” [conclusão 2.]. E, mais propriamente “A inspecção ao local visava averiguar o gasto necessário na sulfatação, face aos cântaros referidos pela testemunha E.......... ...” [VII) da motivação].
Valem, pois, as considerações de oportunidade e pertinência das provas requeridas. O artigo 340.º, n.º 1, do CPP, admite que o tribunal ordene, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. E os n.º 3 e 4, prevêem que os requerimentos de prova sejam indeferidos quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis, e/ou for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.
Há várias ideias que importa sublinhar, no sentido de apoiar a decisão proferida de indeferir a realização de tais provas. Em primeiro lugar, o princípio da concentração estabelece a prossecução unitária e continuada dos actos, em especial durante a audiência de julgamento, de forma a garantir uma mais detalhada e fidedigna apreensão da prova produzida por parte do julgador. Por isso, e em segundo lugar, fora do quadro normal de oferecimento de provas [acusação/pronúncia (artigos 283.º, n.º 3, alíneas d), e) e f) / 308.º, n.º 2, do CPP) e contestação (artigo 315.º, do CPP)], a produção de novos meios de prova só é possível nos casos em que ao tribunal se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa [princípio da necessidade – artigo 340.º, n.º 1, cit.]. Em terceiro lugar, o desfasamento entre as diligências propostas e o tipo de crime em discussão é tal que permite perceber o carácter dilatório das mesmas [alínea c) cit.].
Em resumo: bem andou o despacho recorrido ao indeferir a realização de tais diligências por tal requerimento ser “manifestamente dilatório e absolutamente desnecessário para a descoberta da verdade”. Quer para a avaliação da credibilidade dos depoimentos prestados, quer para a ponderação da factualidade, é absolutamente decisivo o juízo de oportunidade e a avaliação da necessidade de tais diligências feitos pelo julgador perante a imediação, o desenrolar do julgamento e a percepção que vai recolhendo da produção da prova já realizada – sobretudo num caso, como o presente, em que as diligências de prova requeridas [avaliação da credibilidade de intervenientes e averiguação do gasto de sulfatação no prédio] se revelam de todo irrelevantes para o conhecimento do crime imputado ao recorrente.
Relativamente ao exame ao local, o recorrente não levou em consideração o disposto no artigo 354.º, do CPP, que, sob aquela epígrafe, afirma: “O tribunal pode, quando o considerar necessário à boa decisão da causa, deslocar-se ao local onde tiver ocorrido qualquer facto cuja prova se mostre essencial e convocar para o efeito os participantes processuais cuja presença entender conveniente”. O que se retira deste dispositivo é que o “exame ao local” depende da verificação de dois pressupostos: a) que se mostre essencial para a prova de determinado facto; e b) que se mostre necessário à boa decisão da causa. Ora, no caso concreto, a “avaliação da capacidade de sulfatação” nada tem a ver com a prática do crime de injúria objecto do processo. E o juiz tem uma grande variedade de procedimentos para aferir a credibilidade dos depoimentos, não tendo deixado de o fazer, como transparece da fundamentação apresentada.
Improcede, pois, também, este fundamento do recurso.
III – DECISÃO
Pelo exposto, os juízes, em conferência, acordam em:
. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido C………. .
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 [quatro] UC.
[(Processado e revisto pela 1ª adjunta que assina e rubrica as restantes folhas).

Porto, 13 de Fevereiro de 2008
Maria Elisa da Silva Marques Matos Silva
José Joaquim Aniceto Piedade
Artur Manuel da Silva Oliveira (com voto de vencido que junto)

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Declaração de voto:
Votei vencido quanto à manutenção da condenação em multa pela junção tardia dos documentos.
1. Considero que, nesta matéria, não há qualquer lacuna ou omissão de regulamentação da legislação penal que imponha a integração por normas do processo civil, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, do Código de Processo Penal [CPP]. Na verdade, sob a epígrafe: “Quando podem juntar-se documentos”, o artigo 165.º, do CPP estabelece as condições a observar quanto à junção de documentos: “1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.” Nenhuma referência é feita à possibilidade de penalização pela apresentação tardia e não justificada do documento. Para além disso, tratando-se – como se trata – de junção de documentos no decurso da audiência de julgamento esta norma tem de ser vista em íntima articulação com os princípios gerais reguladores da produção de prova em audiência, designadamente, o princípio da verdade material consagrado pelo artigo 340.º, do CPP. E então, de duas uma: se o documento é relevante para a descoberta da verdade deve ser junto aos autos a) pela parte, sem penalização, ou b) por determinação do tribunal, nos termos do artigo 340.º, do CPP; se o documento não é relevante para a descoberta da verdade, então não deve ter lugar qualquer iniciativa do tribunal para o juntar aos autos e deve ser desatendido o pedido de junção feito pela parte.
2. Ademais, as normas do processo civil mostram-se, neste domínio, inadequadas e insusceptíveis de harmonização com o processo penal – pelo que sempre ficaria afastada a possibilidade de integração por via da analogia [“normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal (…)” – diz o artigo 4.º, do CPP]. Na verdade, o processo civil é um processo de partes, assumindo estas uma intervenção decisiva ao longo do todo o processado, com destaque para o princípio da auto-responsabilidade das partes vigente quer no domínio da alegação e da prova dos factos essenciais, quer na observância do ritualismo processual que disciplina a forma e o tempo dos actos. Ao contrário, no processo penal é o tribunal que tem o poder-dever de investigar por si o facto, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade sem estar vinculado a requerimentos ou declarações das “partes”. Neste quadro, não faria sentido que os sujeitos processuais, para evitar uma penalização pecuniária, se inibissem de requerer a junção de documentos relevantes para averiguar circunstâncias que permitem incriminar, inocentar ou determinar as consequências jurídicas do facto só porque não podem justificar a sua apresentação tardia. E que na mesma ocasião pudessem requer, sem qualquer tributação, a realização de outros meios de prova [artigo 340.º, do CPP].
3. Por fim: a solução que fez vencimento quebra o princípio de igualdade de armas pois o Ministério Público, em situação idêntica, está isento do pagamento da multa – artigo 522.º, n.º 1, do CPP [nesse sentido, José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal – Anotado, 2ª ed., p. 448. Pronunciando-se também pela não aplicação subsidiária do art. 523.º, n.º 2, do CPC, ver Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal – II, p. 160, nota 1 e Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 16ª ed., em nota ao art. 165.º].
Votei, assim, pela revogação do despacho recorrido na parte em que condenou o recorrente na multa de 2 [duas] UC pela apresentação tardia [em audiência] de documentos.

Artur Manuel da Silva Oliveira